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Recomeçar

Capítulo 01 – Recomeçar

RECOMECAR

CENA 01. BUENOS AIRES – ARGENTINA. EXTERNA. EXT. NOITE.

Uma colagem de imagens da noite argentina. Bebida. Cigarro. Drogas ilícitas. Música alta. Ferveção. Azaração. Prostituição. Num beco escuro, Júlia transa com um cliente. Ambos em pé, tendo uma parede como suporte. Séria e com uma leve expressão de asco, Júlia não demonstra nenhum prazer no que está fazendo. Só lhe interessa o pagamento, que é feito assim que o cara goza feito um porco.

CLIENTE: – Aqui, vadia. É só o que você merece.

Júlia pega o dinheiro. O cliente sai de moto. Recompondo-se, Júlia caminha até um sujeito, um cafetão que trata com outras duas prostitutas.

JÚLIA: (entregando duas cédulas) – Toma, Ramon.

RAMON: (enfurecido) – Que porra é essa? Tá achando que eu sou palhaço, cadela? (pegando Júlia pelo cabelo e se afastando das meninas, que se assustam e saem) Escuta aqui, sua piranha, eu já estou me cansando de você e dessa mixaria que você consegue toda noite.

JÚLIA: – Calma, calma! Prometo que vou render mais. É que esses dias não estou me sentindo muito bem.

RAMON: (agora com a mão no pescoço de Júlia, esganando-a) – Pois trate de melhorar, se quiser trabalhar por aqui. Você me conhece e sabe que eu não tolero puta de segunda feito você. Tá avisada!

Ramon empurra Júlia violentamente, que cai na sarjeta e ainda ganha um chute na barriga. Lorenzo vê a cena e se aproxima, desferindo um soco no rosto de Ramon, que perde um dente e sangra. O cafetão cospe o dente e sai correndo. Com muito cuidado, Lorenzo ajuda Júlia a levantar. Corta para:

CENA 02. APART. DE LORENZO. SALA. INT. NOITE.

Júlia e Lorenzo sentados no sofá. Meticulosamente, ele cuida de um ferimento no cotovelo dela, que o olha com ar de admiração e agradecimento. Lorenzo fala um portunhol bem inteligível.

LORENZO: – Pronto. Pode amanhecer um pouco dolorido, então é bom que você tome um analgésico.

JÚLIA: – Obrigada. Não sei como te agradecer.

LORENZO: – Imagina. Aquele sujeito estava te agredindo, só fiz o que qualquer pessoa faria. O que você fez pra ele ficar tão furioso?

JÚLIA: (envergonhada) – Eu… eu… Ele não ficou satisfeito com a grana que eu consegui.

LORENZO: – Prostituta? (olhando para as coxas de Júlia, que o vestido curto não consegue cobrir) Eu devia imaginar. (pausa, clima desconfortável) Você é muito bonita pra estar nessa vida. Como é seu nome?

JÚLIA: – Júlia. Brasileira. Vim pra cá há uns cinco anos pra trabalhar numa agência de turismo, mas deu ruim, a agência fechou, não consegui outro emprego e acabei caindo na merda. Não pense que eu faço isso por querer. É sacrificante.

Corta rápido para:

CENA 03. APART. DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Música: Otra Luna – Carlos Libedinsky. Luz baixa. Júlia e Lorenzo transam com vontade. Sexo ardente. Muita pegada. Orgasmos. Corta para:

CENA 04. EXTERNA. EXT. DIA.

Continua música da cena anterior. É uma cerimônia de casamento ao ar livre. Local bem decorado, com flores e ornamentos a critério da produção. Figuração de poucos convidados. Num vestido branco belíssimo, Júlia caminha até o altar, onde Lorenzo a espera, sorridente. Trocam alianças. Recebem a benção de um padre. O casal troca um beijo. Corta para:

CENA 05. PRAIA. EXT. DIA.

Continua a mesma música. Praia praticamente deserta. Júlia e Lorenzo estão felizes. Mostrar beijos e abraços que demonstrem tal felicidade. Corta para:

CENA 06. HOSPITAL. SALA DE PARTO. INTERIOR. NOITE.

Segue a música. Júlia dá à luz um menino: Javier. Lorenzo filma o grande momento. Colocar imagens da câmera dele. Deixar evidente a felicidade do casal. Corta para:

Fade out. Tela preta. Letreiro:
6 ANOS DEPOIS

CENA 07. MANSÃO DE LORENZO. BANHEIRO/QUARTO. INT. NOITE.

Fade in da imagem e da música que tocou nas últimas cenas. Close. No banheiro, Júlia se maquia, passa um corretivo num hematoma no rosto. Se vê no espelho. Nenhuma expressão de contentamento. Lorenzo entra no quarto, alegre.

LORENZO: – Meu amor?

JÚLIA: – No banheiro.

LORENZO: (entrando no banheiro e abraçando-a em frente ao espelho) – Tenho uma ótima notícia. Ótima não, excelente!

JÚLIA: (sem interesse) – É mesmo?

LORENZO: – Vamos mudar pra Tóquio! Não é maravilhoso? A empresa precisa de um representante lá, e não há ninguém melhor que eu pra fazer isso. Mudamos daqui três semanas, então é bom…

JÚLIA: (cortando-o) – Eu quero o divórcio.

LORENZO: (desfazendo a expressão de alegria) – O que?

JÚLIA: (saindo do abraço e caminhando para o quarto) – Eu quero me separar de você. (virando-se de frente, encarando-o) Não dá mais pra viver ao seu lado, Lorenzo.

LORENZO: – Que brincadeira é essa, meu amor? Não estou entendendo…

JÚLIA: (segura e altiva) – É simples: eu quero distância de você!

Clima tenso. Silêncio. Enfurecido, Lorenzo dá um sonoro tapa no rosto de Júlia, que cai sobre a cama.

LORENZO: – Vagabunda! Vagabunda! Você tá me traindo, sua puta? Vou te ensinar agora a honrar o bom marido que você tem.

Lorenzo espanca Júlia, que chora, sem reação. Expressão de ódio no rosto dele. Surra não para. Corta para:

CENA 08. MANSÃO DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Júlia, vestida num roupão, está sentada na cama. Belita, a babá do menino Javier, cuida dos hematomas nas costas da patroa. Belita fala um bom portunhol.

BELITA: – Dessa vez, ele perdeu mesmo a cabeça.

JÚLIA: – Vou voltar pro Brasil, Belita. Vou fugir com o meu filho. Quero distância desse monstro que é o Lorenzo.

BELITA: – Mas senhora Júlia….

JÚLIA: – Está decidido. Ele tá cada dia pior. Cada surra mais violenta que a outra. Não é essa vida que eu quero pra mim. Meu filho e eu vamos pro Brasil, de onde eu nunca devia ter saído.

Corta para:

CENA 09. MANSÃO DE LORENZO. JARDIM. EXT. DIA.

O menino Javier está entretido com algum brinquedo a critério da produção. Júlia e Belita estão sentadas num banco.

BELITA: – A senhora vai mesmo cometer essa loucura de fugir pro Brasil? A senhora sabe… o senhor Lorenzo tem muito dinheiro, não deve ser muito difícil pra ele descobrir o paradeiro da senhora. É uma questão de tempo.

JÚLIA: – Já pensei nisso, Belita. Mas o importante agora é sair de perto dele, sair dessa casa… Aqui eu não tenho como me defender desse covarde. Ele está no país dele, é um homem influente… estou de mãos e pés atados. Não vejo outra saída.

BELITA: – E quando vai ser?

JÚLIA: – Hoje mesmo eu compro as passagens.

Corta rápido para:

CENA 10. MANSÃO DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Close na tela do notebook. Está num site de uma companhia aérea. Close no rosto furioso de Lorenzo, que descobriu o intento da esposa. Num roupão de banho, Júlia sai do banheiro e logo percebe o que acontece, mas, tentando ser esperta, finge naturalidade.

JÚLIA: – Chegou cedo. Já dispensei os empregados, mas pedi que a Mercedes deixasse pronta aquela sopa de legumes que você tanto gosta. Vou ver se a Belita pode esquentar…

LORENZO: – O que significa isso aqui?

JÚLIA: – O que?

LORENZO: – Não se faça de besta comigo! Você comprou três passagens pro Rio de Janeiro… O que tá pretendendo? (num berro) Fugir de mim?

Lorenzo atira o notebook contra a parede. Olha rápido de lado e apanha uma tesoura sobre o criado-mudo. Avança em direção a Júlia, louco. Tensão.

JÚLIA: – Calma, Lorenzo. Pelo amor de Deus!

LORENZO: (muita ira) – Desgraçadaaaaaaaaaa!

Desce sangue do pescoço de Júlia. Ela passa a mão no ferimento e vê seus dedos ensanguentados. Espantado, Lorenzo parece não acreditar no que fez e deixa a tesoura cair. A tensão arrefece mas logo volta com tudo. Agora, usar câmera subjetiva. Com toda a força de seu corpo e possuída pelo ódio, Júlia empurra Lorenzo, que cai pela janela. Tá morto (ou não). Mostrar corpo no chão, alternando com o rosto incrédulo e cheio de pavor de Júlia.

JÚLIA: (sem áudio) – NÃÃÃÃÃÃÃOOOOO!

Corte descontínuo. Júlia está em choque. Correndo, Belita invade o quarto, sem saber o que acontece de tão terrível ali.

BELITA: – O que foi, senhora? Deu pra ouvir o grito da escada…

Júlia, sentada no chão e recostada na parede, aponta em direção à janela. Belita vai ver.

BELITA: (fazendo o sinal da cruz) – Jesus! Ele tá morto?

Júlia chora. Belita pensa rápido. Parece tomar as rédeas da situação.

JÚLIA: – Eu não tive culpa… eu não tive culpa, Belita… não tive…

BELITA: – Levanta daí, senhora. A senhora tem que sumir. Não demora muito a polícia bate aqui e a senhora vai pegar cana na certa. Não ia fugir pro Brasil? Pois então a hora é essa. Eu lhe ajudo.

Belita abraça Júlia. CAM abre, mostrando o quarto quase por inteiro. Fade out. Corta para:

CENA 11. RIO DE JANEIRO – BRASIL. EXTERNA. EXT. DIA.

Letreiro: Rio de Janeiro. Fade in. Música: Rio 40 Graus – Fernanda Abreu. Sucessão de imagens que mostram a beleza do Rio de Janeiro. Cristo Redentor. Asa-delta. Praia. Sol. Vôlei. Vendedores ambulantes. Gente bonita. Muito dinamismo. Câmera aérea encontra um táxi, onde se vê Júlia, Belita e o menino Javier. Esboçando um leve sorriso, Júlia olha pela janela a paisagem.

JÚLIA: (meio sussurrado) – Vida nova!

Táxi freia bruscamente. Quase atropela três flanelinhas, que ficam irritados.

FLANELINHA: – Tá louco, tio? Presta atenção, maluco!

TAXISTA: – Esses infelizes se acham os donos da rua, vão atravessando em qualquer lugar, não respeitam sinal, não respeitam nada. Só matando.

Júlia e Belita se entreolham e nada dizem. Corta para:

CENA 12. IPANEMA. FACHADA DE PRÉDIO SIMPLES. EXT. DIA.

Táxi parado. Malas na calçada. Júlia acerta o pagamento com o taxista, que sai de cena em seguida. Belita carrega Javier.

BELITA: – É aqui que a sua tia mora, senhora?

JÚLIA: – Já te pedi pra não me chamar mais de senhora, Belita. Não sou mais sua patroa, somos amigas. E sim, é aqui que a tia Sofia mora. Bom, pelo menos era até a última vez que nos falamos. E já tem um tempinho.

O porteiro se aproxima. Fora de áudio, Júlia pede informação. O porteiro pega as malas e todos entram no prédio.

CENA 13. SERRA LEOA – ÁFRICA. VILA HUMILDE. EXT. DIA.

Mostrar fotos em p&b da população local. Fome. Animais magros. Pobreza extrema.

KADU: (em off) – Não tem comida, não tem remédio… Não tem água potável! Essa gente tá morrendo sem qualquer dignidade, Davi. (mostrar Kadu, que tira fotos de tudo que vê mas agora faz uma pausa) Nunca vi nada mais triste, meu amigo.

DAVI: (examinando um bloquinho de notas em mãos) – Acho que já temos material suficiente pro documentário, Kadu. Já podemos voltar pra casa.

Uma mulher aparece correndo com uma criança no colo. Chora muito e pede socorro. Algumas pessoas se aproximam dela.

KADU: – O que tá acontecendo ali?

DAVI: – Ela parece desesperada.

Kadu corre até a mulher, abrindo espaço. Davi vem logo atrás. A mulher, agora sentada com a criança no chão, continua chorando e dizendo alguma coisa que não dá pra entender. Não há legenda. A criança parece muito mal.

KADU: (agachado, tentando ajudar) – O menino tá morrendo. Ele precisa de um médico urgente.

DAVI: – Um médico, Kadu? Você já olhou em volta?

KADU: (pega o menino nos braços) – A gente não pode deixar ele morrer.

Corta para:

CENA 14. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA.

Música: Stand By Me – Seal. Stock-shots rápidos da cidade. Corta para:

CENA 15. APART. DA TIA SOFIA. CORREDOR. INT. DIA.

Tia Sofia abre a porta e dá de cara com Júlia, Belita e Javier, que lhe parecem estranhos.

TIA SOFIA: – Sim?

JÚLIA: – Tia Sofia! Sou eu, Júlia, sua sobrinha. Não tá me reconhecendo?

TIA SOFIA: (sem reconhecer) – Júlia? (reconhecendo e abrindo os braços) Júlia, minha filha! Há quanto tempo não nos vemos, sua danadinha. Por onde você andava? Quem é esse menino bonito? E essa moça simpática?

JÚLIA: – Ah, tia, é uma longa história…

TIA SOFIA: – Vamos entrando. Não se acanhem, vamos entrando… Vou passar um café e você vai me contando tudinho.

Corta para:

CENA 16. SERRA LEOA. POSTO MÉDICO. INT. DIA.

O menino doente já recebeu todos os cuidados e agora já dorme. A mãe está junto dele, sentada numa cadeira, cochilando. O médico se aproxima de Kadu e Davi:

MÉDICO: – Ele vai ficar bem. (sai)

KADU: (para Davi, caminhando para a rua) – Bem. Como pode alguém ficar bem num lugar como esse? Parece piada.

DAVI: – Vamos voltar pro hotel e pegar nossas coisas. Não quero perder o voo.

KADU: – Você parece nem se importar com que está diante de seus olhos, Davi. Pelo amor de Deus! Um pouco mais de compaixão não lhe faria mal.

DAVI: – Desculpa, Kadu, mas isso aqui não é novo pra mim. Além do mais, a gente não pode fazer nada. Não banque o herói.

Ouve-se o som de tiros. Muitos tiros. São dois homens brancos.

KADU: – Corre!

Kadu e Davi entram num barraco, pela janela. Ritmo. Tensão. Os dois homens derrubam a porta, sem fazer grande esforço. Uma mulher grávida aparece. Um dos homens pergunta alguma coisa. A mulher treme de medo, nada consegue dizer e é baleada na cabeça. Cai morta. Kadu e Davi assistem a cena por uma fresta, de dentro de um baú velho. Os homens reviram o barraco e logo abrem a tampa do baú. Kadu e Davi em pânico.

Tensão máxima. Na expressão de pavor de Kadu, efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 01

Fique ligado! Não perca o 2º capítulo nesta segunda-feira!

https://www.youtube.com/watch?v=mNRA7Ovyvzc

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