Capítulo 01- O Gemido
O GEMIDO
Episódio 1
É manhã na cidade de Uoborogodó, em um dia de feira. Há pessoas fora de suas casas, varrendo a poeira e as folhas de castanholas que caem nas calçadas. Um menino corre de pés descalço puxando sua roladeira pela rua de terra. Uma mulher casada varre a frente de sua casa ao som de um programa da Radio Rural, e vê uma moça velha se aproximar
Se cumprimentam com falsidade, com beijos no rosto
Casa de Chiquita/ Lado de fora/ Manhã
Chiquita: Bom dia, mulher
Toinha: Bom dia, mulher! Como vai, Chiquita?
Chiquita: Vou bem! Quer entrar pra comer um cuscuzin com ovo? Tá bom que só
Toinha: Nada, mulher, tô de regime. Mas me fale, Chiquita, qual foi a fofoca nova?
Chiquita: Toinha, mulher. . . Não se avexe. Tu sabe muito bem que eu tenho é nojo desse tipo de coisa! Não gosto de falar da vida de ninguém
Toinha: Aí nossa Senhora Babalú, basta! Me ingula!
Chiquita: Apois deixe eu te contar uma que eu fiquei sabendo. . . Sabe o candidato a prefeito? O Seu Joaquim?
Toinha: Ali é um bascui, mulher, num presta pra fazer nada pela nossa. Bicho boçal
Chiquita: Esse mesmo! Tu soube que tão falando por aí que ele ta botando chifre em Maria? E é porque ela fica caçando ele em todo bar beradeiro, pra não dizer as pouca de vez que ela foi buscar ele lá no bordel de Dona Bernadete. Diguénada. Avalie se ela não cuidasse. Não conseguia nem passar pela porta com a cabeça mói de chifre. Se esse fuxico cai na boca do povo, ele diga adeus a candidatura dele
Toinha: Basta
Chiquita: Anssim, tu sabe que eu não gosto de fofoca, mas também né? A pobizinha de Maria. A irmã com o bucho pelas guela, quase esperando, com um antojo que parece que ta de três mês. Diz que o bichinho vai nascer doente, coitado
Toinha: Sostô
Chiquita: Maria ta é num boca quente. Ainda por cima com um marido ruim daqueles. Mas. . . Quem manda ser meio feinha, né não?
Toinha: Meio feia? Ela é fia e meia! Malassanhada, os cabelos parece uns sabugo de milho em época de seca, osói, Deurmilive, um na vaca e outro no leite. A bicha até mouca é, fica: Hein? Hein? Hm? E ainda conversa uma besteira que não tem cristão no mundo que agüente
Chiquita: E o Coronel Zé? Deve a Deus, ao mundo e a burra de seu Raimundo! Também. . . Severina fica querendo luxar e compra fiado lá em Seu Adamastor. A conta lá é separada dos outros clientes porque Severina tem que comprar muita comida pra fazer a janta do marido
Toinha: Mar minha santa Bernadede Subirú da Rocha!!! Até isso? Povo besta
Chiquita: Eu acho que aquele bicho é muito é corno
Edysgleidson: Bicho corno!
Chiquita: Fique quieto, menino
Toinha: Ei, mulher, tá bom, a prosa ta boa, mas tenho que cuidar no armoço, que hoje mainha quer comer guiné assado com arroz da terra e feijão verde, e se eu não fizer o chão se abre e o capiroto me leva pro inferno, pretinha
Chiquita: Mulher, peraí. Tu já soube que tem uma tocha e um lobisomem rondando a cidade? Tem noite que é um, tem noite que é outro
Toinha: Tu soube até disso? Deurmilive. Disseram que a tocha é a alma de uma véa que morreu depois de chupar manga com leite, tu acha?
Chiquita: Como é? Diz que é carregado, né?
Toinha: Mulher, ainda tem tu que não sabe que manga com leite faz mal?
Chiquita: Mulher, e o lobisomem?
Toinha: Diz que o lobisomem é o 7° filho de uma família que teve 7 filhos homens. Ouvi dizer que nas noites de lua cheia, ele vai onde um jumento dormiu e se aborraia no chão, aí ele vira lobisomem e que pra virar homem de novo ele volta lá e faz a mesma coisa
Chiquita: Armaria!!
Toinha: Chiquita, vamos cuidar na vida, né?
O filho de Chiquita, o Edysgleidson, dá um chute nas pernas de Toinha
Toinha: Anrra, menino. Chiquita, esse teu menino é muito danado, o bicho é ver o capeta
Chiquita: Puxou ao pai, aquele cão
Toinha: Já vou embora, Chiquita. Chquita, você vai ver o comício hoje do candidato a prefeito? Vamos só ver no que vai dar .
As duas se despedem
Prefeitura Municipal de Uoborogodó/ Gabinete do prefeito Joaquim
Joaquim: Esse povo abestaiado tem que saber que eu sou o mior pra eles.
Ele chama sua secretária
Joaquim: Oh Severina, Oh Severina
Severina, sua secretaria entra na sala
Severina: Chamou ilustríssimo digníssimo excelentissímo Senhor Prefeito Joaquim Ademilde Ulisses Sirqueira?
Joaquim: Chamei, Severina. Eu quero saber se os votos desse povo abestaiado já estão sendo compros.
Severina: Já sim prefeito. Estou verde pra o que você precisar. E hoje nóis vai se encontrar na mata? Não esqueça sua lanterna. E sua mulher aquela idiota da Maria?
Joaquim: A Maria é burra, eu dô um jeito e saio logo após o comício
Joaquim se aproxima e ele dá um tapinha no bumbum dela
Severina: Aiii como você ta valente, uuui. Agora deixa eu ir embora que tenho que fazer a janta pro meu marido e depois ir pro comício
Severina sai
Joaquim: Eita, mulher boa. A pipa do vovô ainda sobe. É hooooje , Uuuui
Ruas da cidade de Uoborogodó/ Tarde
Maria, mulher de Joaquim anda pelas ruas e avista Zé, o marido de Severina, de longe e os dois vão se encontrar na mata
Maria: Zé, hoje nóis vai se encontrar. Eu dô um jeito de sair antes do comício do meu marido terminar e nóis vem se encontrar pra nóis brincar de chapeuzinho vermelho e lobo mau
Zé: Ta certo minha frôr, agora vamos embora se não o povo vai desconfiar
Já é noite na pequena cidade de Uoborogodó, o tirinete de fogos estronda no ar, carro de som pelas ruas com músicas da candidatura do Prefeito Joaquim
Casa de Seu Agenor/ Sala
Agenor: Vamo simbora minha véa, o comício do prefeito Joaquim vai começar
Vitório: Ai papis, deixa a mame se arrumar, esse comício vai ser babado, o babado vai ser forte, eu vou soltar a franga
Florzinha: Amarre a franga, Vitório.
Agenor: Amarra o quê minha filha? Os frango tá lá no muro
Vitório: Nada não, papai
Clementina: Tô pronta, vamo simbora pro comício
Vitório: Mami, a senhora ta só no gramour.
Agenor: Catinga de quê? De. . .?
Florzinha: Vamo embora logo, ome
Casa do Prefeito Joaquim/ Quarto
Joaquim passa muito perfume que exala no quaro todo
Maria: oh Joaquim, tu vai desse jeito prerfumado pra donde?
Joaquim: Pro comício muiér, vamo simbora que a gente já ta atrasado. E tu passou tanto baton pra quê?
Maria fica desconfiada
Maria: É. . . É pra você meu chêroso, você sabe que eu te amo tanto. Agora vamo imbora
Casa do Coronel Zé/ Sala
Severina: Ome do céu, tu vai todo empacotado pra a onde?
Zé: Pro comício muiér. E tu? Vai toda brilhosa pra donde?
Severina: É. . . É. . . Pro comício ome de Deus. Vamos, estamos atrasados
Praça da Cidade/ Noite
O comício começa super agitado, todo mundo pulando, gritando, uns caindo por cima dos outros, o povo grita: “Prefeito Joaquim é o mior pra eu” O comício conta com muita gente, muitos fogos de artifício, carro de som na rua
Vitório: Florzinha, mulher, venha pra cá peste do cão, tu num ta vendo que vão esmagaiar tu no meio desse povo. O ariê nesse comício ta babado.
Florzinha: Me solte, oushe. Deixe, ora mais,o comício é do meu padrinho, bicha.
Vitório puxa Florzinha pelo braço
Florzinha: Me solta, viado.
Florzinha da um murro na boca de Vitório e ele cai em cima de um homem forte, sarado, e charmoso.
Vitório: Ain Meu Deus! Eu to sonhando? Você é um bofe babado
Homem: Eu hein! Vai pra lá!
Vitório: Eu hein!
Chega o momento em que o candidato a prefeito, o Joaquim, sobe no palco para dar umas palavras
Joaquim: Boa noite, minha população. Eu quero agradecer a vocês por ta aqui no meu comício, eu sou trabalhador, eu sou do povo.
Zé, amante da mulher do prefeito avista a cena de longe
Joaquim: Eu prometo, que se eu for reeleito eu vou dar uma cesta básica todo dia pro povo de Uoborogodó, eu prometo que todo dia lá na escola das crioncinhas o lanche vai ser canja com suco
Zé avista a cena de longe
Zé: Eu vou acabar com isso e é agora porque eu quero se encontrar com minha muiér, o corno desse candidato a prefeito ta falando muita água já
Zé dispara vários tiros pro alto. O prefeito que estava discursando se assusta
Joaquim: É tiro minha gente
Vitório: Ainn eu sou muito nova pra bater as botas. Chama um bofe escândalo para me salvar, Oh céus
Seu Agenor, o pai de Vitório avista a cena de longe e desmaia
Agenor: Mais o que venha ser isso?
A confusão toma de conta do comício, e Zé, Maria, Joaquim e Severina vão para a mata vão para a mata. E depois? Depois a gente já sabe o que eles vão fazer, né? Safadjenhos
Divertido e criativo!
Muito bom Hadiel, ri horrores com seus personagens muito cómicos. Parabéns pelo capítulo amei os diálogos dos personagens! Gostei da Estréia de O Gemido 🙂
Obrigado, Wagner. Muito obrigado mesmo!
Li do começo ao fim com sotaque caipira, rs. Gostei. A primeira cena é o grande destaque. Diálogo divertido e bem escrito. Parabéns e sucesso, Hadiel!
Obrigado, Augusto. A intenção é essa! Muito obrigado mesmo! Espero lhe ter como leitor até o final, rsrs!