CANTIGA DE AMOR- edição especial: capítulo 19
Cena 01: Navio 3. Manhã.
Marlete – Essa Inês de quem tanto foges não é de tua família, Magno? Não seria ela tua viúva? Ou melhor, ela não é a viúva do senhor… Como é mesmo o nome? Ah, sim: (fala destacando as palavras) Brás da Mata?
Brás se espanta.
Brás – Eu, eu, eu não sei de onde tiraste esta ideia. Tu estás maluca. Deve ser o mar que está te deixando enjoada. Quem é esse… Brás da Mata? Nunca ouvi falar nesse nome, e tu pensas que eu sou essa pessoa?
Marlete – Ai, ai, é impressionante como o surgimento, do nada, dessa Inês aqui no navio mexeu com sua cabeça, porque nem uma desculpa convincente você conseguiu inventar. Eu vim aqui só para confirmar a suspeita que eu tive, e tu me ajudaste nisso. Agora, Brás, tu terás que me dizer por que mentiste sobre teu nome e tua identidade.
Brás – Muito bem. Palmas para sua descoberta. Porém antes de eu te responder, me fala uma coisa: como descobriste?
Marlete – Primeiro, desconfiei de tua atitude ao vê-la no navio. Depois, perguntei a ela se ela conhecia algum Magno e ela me falou de um homem que morava no seu povoado e que morreu antes de vocês se casarem. Nessa hora ela deixou escapar que era viúva, que ela não gostava do marido, e que ele havia morrido há pouco mais de um mês. Então eu me lembrei do dia em que me contaste sobre ter feito alguém sofrer no passado, e que isso te fez sair do lugar onde moravas. Daí foi só associar as informações, e eu pensei: “ele deve ter pensado em um outro nome, e o primeiro que veio foi o desse Magno, falecido; aproveitou que ninguém o conhecia para se passar por ele aqui; e deve ter mandado uma falsa notícia para sua esposa sobre sua morte assim que estava longe de casa – o tempo, inclusive, bate”. Então, eu decidi observar como reagirias se eu te chamasse pelo teu nome verdadeiro. E reagiste exatamente como imaginavas: atrapalhado. Mas e aí, diz-me: por que mentiste esse tempo todo?
Brás – Não deveria te dizer nada, mas já que deduziste tantas coisas, falarei a verdade. Menti para conseguir o tesouro, claro. Para que Inês achasse que estava livre de mim, e para que ninguém de tua família soubesse quem eu realmente era. E aí, quando eu obtivesse a minha parte do tesouro, surpreenderia Inês, voltando para casa. Voltando rico, como ela e a família dela sempre esperaram. Mas eu não irei desistir desse propósito. Eu continuarei morto para Inês. E ai de ti se contares algo para ela ou se tentares ver-te livre de mim, me impedindo de alcançar meu prêmio!
Marlete – Tu és um homem bastante audacioso. Não tens medo das consequências dos teus atos, porque achas que estás sempre no controle… Mas eu te digo uma coisa: eu não sou uma pessoa burra, não. Tudo bem, eu não contarei nada à inocente “viúva”, pelo menos por enquanto. Pelo menos enquanto não fizeres nenhuma besteira.
Brás – Muito bem. Pois eu preciso que tu me ajudes a prender Inês em algum lugar desse navio, para que ela não saiba que eu estou aqui.
Marlete – Eu? Eu não farei nada com Inês. Nem tu. Aliás, serás tu quem irá ficar enclausurado até chegarmos à península. Eu até já disse a ela que estás doente, e que não queres ver ninguém. Enquanto isso, eu estarei ao lado de minha nova amiga. Tenho certeza de que esses dias serão bastante agradáveis.
Marlete sai, deixando Brás resmungando de raiva.
Cena 02: Navio 3.
Marlete se encontra com Inês.
Marlete – Estás melhor com essas roupas, querida?
Inês – Sim. Tu não sabes como eu sou muito grata a ti por estares fazendo isso por mim.
Marlete – Eu sei, eu sei. Mas não te acanhes, não precisas ficar sempre lembrando isso. Estou apenas agindo como acho certo: estendendo a mão para quem precisa. Eu iria te chamar para sairmos daqui, mas parece que vai chover. Então vamos ficar por aqui mesmo. Vamos conversar sobre coisas agradáveis.
Inês – Claro.
Marlete – Vamos lá. Fales qualquer coisa a respeito de tua vida que te agrade. Estou bastante curiosa, disposta a te ouvir e a contar sobre mim também.
Elas continuam a conversa.
Cena 03: Navio 2.
Pero está pensando.
Pero – Agora, minha vida volta ao que era antes… Quer dizer, agora ela não irá girar mais em torno de Inês. Uma hora dessas ela está bem longe, longe de me fazer pensar nela novamente, e ficar louco por ela novamente… Irei tocar a minha vida da maneira que devia ter tocado antes…
Valentina e Gregório conversam.
Valentina – Gregório…
Gregório – Pois não, Valentina?
Valentina – Eu… Saiba que eu estou aceitando me levar nessas idas e vindas porque… Por tua causa. Quer dizer, se eu estivesse sozinha, se eu não te conhecesse, com certeza não abriria mão de ir para o mais longe possível. Mas eu acho que essa possibilidade de eu não ter conhecer nem estava traçada na vontade de Deus para mim…
Gregório – Oh, Valentina, eu já te disse, não foi, que tu fizeste a diferença em minha vida? Se não fosse por tu, eu estaria triste, agora, melancólico, exercendo de forma ruim uma função tão sagrada e importante como a de um padre…
Valentina – E se foi Deus quem nos fez cruzarmos nossos caminhos, se ele nos une através desses sonhos, nos mostrando o caminho que devemos seguir, então eu não o contrariarei. Eu só quero estar contigo, porque eu sei que sou mais forte ao teu lado.
Gregório – Isso, Valentina. Juntos somos fortes…
Cena 04: Navio 2.
Cecília e Gustavo também conversam.
Gustavo – Eu só queria te dizer que eu gostei da maneira como me defendeste das ofensas de Agnella. Como disseste que eu não a havia esquecido… Eu acredito que deve ter sido difícil falar uma coisa dessas, já que…
Cecília – Eu te defendi porque eu sabia qual era a verdade. Eu entendo que a cabeça dela deve estar muito confusa, até a minha está, mas eu não podia vê-la dizendo aquelas coisas para ti. Ver-te passando por isso me incomodou muito mais do que falar o que eu falei.
Gustavo – Sendo assim… Obrigado. Eu estou certo de que poderei contar contigo mesmo em momentos como esse.
Cecília aceita o “obrigado” com um sorriso. Eles trocam um abraço.
Cena 05: Navio 2.
Gustavo entrou no compartimento onde Agnella descansa.
Agnella – Meu amor, que bom vê-lo…
Gustavo – Vim apenas saber se estás melhor.
Agnella – Graças a Deus, sim. E graças a ti… Mas eu poderia estar melhor, se tu…
Gustavo – Agnella, eu queria te pedir: por favor, não fiques me pressionando para repetir algo que tantas vezes eu já te disse, e em todas elas eu fui sincero. Olha, eu estarei sempre do teu lado; eu nunca te deixarei, Agnella. Tu podes confiar em mim, sempre. Então: ficamos combinados assim?
Ele estende a mão a ela. Ela aperta.
Agnella – Apenas me diz isso então: quem é essa mulher que estava contigo mais cedo?
Gustavo – Cecília… Ela é uma amiga que eu conheci na cidade onde eu parei, em vez de ir para Jerusalém.
Agnella – Agora tudo bem, meu amor. Eu confio em ti. Confiarei sempre.
10 dias depois…
Cena 06: Navio 2. Tarde.0
Gustavo, Cecília, Pero, Valentina, Agnella e Gregório estão no interior do navio.
Gustavo – Parece que estamos chegando ao porto. Graças a Deus pisaremos em terra firme.
Pero – Me desculpe se isso frustra tuas expectativas, mas eu andei conversando com o comandante, e ele me disse que, com essa chuva que não dá trégua, será impossível desembarcarmos em segurança do navio.
Valentina – Uma simples chuva é capaz de atrapalhar um navio?
Gregório – Não é uma simples chuva, Valentina. É uma forte tempestade, e que quase destruiu algumas partes desse navio alguns dias atrás, lembra? O comandante disse que deve ser melhor esperarmos até amanhã de manhã, quando o sol deve aparecer, pelo menos por alguns instantes.
Cecília – Mas melhor será se durar o dia todo, claro.
Agnella – Vocês observaram que desde que mudamos de navio, o sol não brilhou mais? Será que é sinal de algo ruim?
Gregório – Não! Deus não há de querer que coisas ruins aconteçam.
Gustavo – E eu tenho certeza de que amanhã esse sol estará lindo, brilhando para todos nós.
Cena 07: Navio 03.
Brás – E agora, Marlete, o que faremos? Em nenhum desses dias que passamos de viagem tu tocaste no assunto “tesouro” com Giancarlo. De que maneira pretendes encontrá-lo? Perguntando a Deus?
Marlete – Se bem que não seria má ideia. Mas calma, também eu estou aprendendo a ter mais paciência, até porque se existe um lugar no qual esse tesouro não está é nesse navio.
Brás – Tudo bem, tudo bem. Mas até quando esperaremos?
Marlete – Até hoje, talvez. Ou amanhã. Não sei se desembarcaremos com essa chuva que faz lá fora. O que importa é que quando Giancarlo encontrar a filhinha, ficar feliz com a filhinha, aí ele estará menos nervoso para responder nossas perguntas.
Brás – Ou nós podemos encontrá-la antes do pai, e aí colocarmos em prática o primeiro plano.
Marlete – Pode ser… Mas assim, nesse lugar cheio de gente, e com a vontade que ele deve estar de vê-la, eu acho dicícil.
Nesse instante, batidas na porta.
Inês – Marlete, tu estás aí? Tu podes abrir a porta agora para eu te perguntar uma coisa?
Cena 08: Navio 02.
Gregório – Gustavo, de tudo o que me contaste sobre tua não-viagem para Jerusalém, eu só não entendi uma coisa: por que paraste em Termes? Tua missão não era a Guerra Santa?
Gustavo – Porque… Tu sabes que eu nunca quis ir à guerra, então quando eu percebi que havia a chance de ficar em Termes, eu fugi do navio.
Gregório – E como conheceste Cecília?
Gustavo – Como eu conheci Cecília? Eu… Me tornei amigo de uma pessoa no navio. E essa pessoa me falou sobre a família de Cecília. Então… Foram eles que eu procurei quando cheguei à cidade.
Gregório – Entendi… Mas aí decidiste voltar…
Gustavo – É. Mas chega dessas perguntas por hoje, não é? O que importa é que estamos todos bem e seguros.
Cena 09: Navio 03.
Marlete faz sinal de silêncio para Brás, e sai em seguida.
Marlete – Pois não, Inês? Essa conversa é rápida, não é? Magno ainda está precisando de mim. Esse tempo chuvoso só fez piorar seu estado…
Inês – É uma coisinha simples. É verdade que a gente não irá desembarcar hoje?
Marlete – Ao que tudo indica sim. Por quê? Estás achando ruim?
Inês – De maneira nenhuma. Eu prefiro assim, porque tenho mais chances de alcançar uma pessoa que se encontra naquele outro navio à nossa frente.
Marlete – Hum… E quem seria essa pessoa?
Inês – O camponês que me viajava comigo para bem longe desse lugar; mas isso antes de ele me abandonar. Porém se ele pensa que se livrou de mim, ele se enganou.
Marlete – Que bom, então. Agora eu preciso voltar. Até mais.
Marlete volta para o compartimento onde Brás está.
Brás – O que ela queria?
Marlete – Nada de importante. Ela veio me falar de um camponês que estava com ela no navio que cruzou o nosso, e que a abandonou para embarcar no navio que está à nossa frente. Daí tu percebes como existe gente maluca nesse mundo…
Brás – Espera… Tu disseste camponês? Será que é quem eu estou pensando? Mas… De qualquer forma, todos teremos que desembarcar. Precisamos fazer isso sem que ela me veja.
Marlete – É só tu saíres depois dela, e te esconderes no primeiro lugar que for possível, porém desde que eu saiba onde estás. Quando ela for embora, então poderás voltar à vida normal.
Brás – Eu só espero que isso dê certo…
Cena 10: Dia seguinte. Navio 2. Manhã.
Gustavo – É… Parece que hoje o sol resolveu aparecer, mostrar sua luz para nós.
Agnella – Ainda bem. Agora poderemos sair desse lugar.
Pero – Então vamos logo. As pessoas já estão descendo.
Eles começam a sair do navio.
Valentina – Havia outro navio atrás de nós, não era? Parece que ele também teve que esperar para liberar os navegantes.
Enfim, eles pisam em terra firme.
Cecília – Que sensação boa essa de estar aqui. Um lugar tão bonito como esse nos dá a sensação de tranquilidade, segurança…
Gregório – São as belezas que Deus fez e que às vezes esquecemos de admirar.
Pero – E agora? O que faremos? Procuraremos uma estalagem, uma pousada, uma casa? Ou partiremos logo para os nossos destinos?
Gustavo – Podemos primeiro procurar comida. Deve haver alguma estalagem ou alguém que possa nos ajudar.
Cecília – Vamos andando então. Enquanto andamos, nós descobrimos o que faremos.
Nesse momento, surgem duas pessoas dentre a multidão que está atrás deles.
Giancarlo – O que tu farás, Cecília, é voltar para casa comigo!
Cecília – Pai? Como… Como o senhor veio parar aqui? O senhor… Me seguiu?
Marlete – Pensaste que conseguirias fugir tão fácil, mas estavas enganada, Cecília. Teu pai descobriu que fugiste de casa em direção ao navio, só para correr atrás desse homem aí.
Gustavo – Gustavo é o meu nome.
Giancarlo – Não quero saber de nome de ninguém. Agora tu virás comigo, Cecília, e sairás de perto desse canalha mentiroso.
Agnella – O senhor não pode falar assim de Gustavo!
Marlete – Quem és tu, garota? Por acaso o conheces?
Agnella – Eu sou a mulher que ele ama, e que o ama também.
Marlete – Que pena…
Giancarlo – E então, Cecília, virás por boa vontade ou eu terei que te tratar como uma criança, te puxando pela orelha e te levando pelo braço?
Cecília – Pai, o senhor sempre foi e sempre será muito importante para mim. Eu amo o senhor, o senhor é um pai inigualável. Mas eu quero ficar.
Ela dá as costas a ele, e continua a caminhada.
Giancarlo – Cecília! Cecília!!! Volta aqui, filha!
Os outros a acompanham. Giancarlo e Marlete decidem segui-la. Dessa vez, uma outra surpresa.
Inês – Pero! Não fujas de mim!
Pero – Inês?? Eu pensei que estiveste no outro navio!
Inês – Pensaste errado. Da mesma forma que fizeste, assim eu fiz, mudando a minha rota. Agora eu vim aqui porque eu qero ficar contigo!
Pero – Ficarás sozinha, então. Passar bem, sua maluca.
Ele se junta aos outros.
Valentina – Mas que coisa… Parece que todo o mundo resolveu nos interromper…
Edetto – Pois me inclua nesse todo o mundo.
Izabella – Nos inclua. Nós viemos resgatá-la de volta ao teu lugar. E vamos levá-lo conosco também, Gustavo.
Adelmo – E tu, Agnella, saia de perto desse homem sem escrúpulos e fique comigo!
Valentina – Eu não me renderei assim. Eu não me renderei assim.
Agnella – Muito menos eu. Vem, Gustavo, vamos juntos para longe, sermos felizes.
Cecília – Vocês não podem fazer isso! Nós temos que…
Elas se viram para correr. Dão de cara com Giancarlo, Marlete e Inês.
Giancarlo – Ninguém vai fugir não. Está na hora de tudo voltar ao normal.
Edetto – Fim da jornada para todos vocês!
Cena 01: Região Portuária. Manhã.
Edetto – Fim da jornada para todos vocês!
Izabella – Já estávamos cansados de sermos feitos de gatos por ratos, que era com o que vocês estavam se parecendo.
Valentina, Gregório, Agnella, Pero, Gustavo e Cecília começam se aproximar uns dos outros.
Valentina – Mas eu já falei: eu não me renderei assim. Gregório, vem comigo.
Então, ela dispara, tentando escapar do cerco que Edetto, Izabella, Adelmo, Giancarlo, Marlete e Inês estavam formando. Consegue encontrar uma brecha entre Giancarlo e Izabella, e começa a correr.
Gregório – Valentina!
Ele esboça uma corrida, mas o cerco se fechou ainda mais. Enquanto isso, Valentina, correndo, esbarra em alguém. Quando tenta desviar, outra pessoa se coloca em sua frente.
Valentina – Mas o que é isso? Me deixem passar!
Outro homem aparece na frente de Valentina, que começa a recuar. No entanto, eles são mais rápidos e conseguem segurá-la, levando-a, mesmo com suas debatidas, até Edetto.
Edetto – Muito obrigado, senhores. Eu sabia que poderia precisar da ajuda de outros homens, e os senhores foram de muita importância. Podem amarrá-la.
Valentina – Me amarrar? Não! Eu não irei voltar para aquela prisão!
Gregório – O senhor não pode fazer isso com ela! Ela não é sua escrava!
Izabella – Como um seminarista deverias saber que ela não poderia fugir do nosso feudo.
Edetto – Além do mais, ela nos deve impostos, os quais não pagou devido à sua fuga.
Gregório – Eu não posso permitir que Valentina seja levada assim!
Edetto – Não te aproximes, rapaz. Esses homens têm força suficiente para dar uma lição em um rapaz franzino como tu.
Gregório – Mas…
Gustavo – Deixa, Gregório. Eu vou tentar convencê-los. (Se dirige aos pais) Pai, por favor, perdoe as dívidas dessa mulher. Por que, afinal, ela não pode tentar viver uma vida um pouco mais livre? Os senhores não permitiam o mesmo a mim?
Izabella – Em primeiro lugar, tu tens que prestar bastante atenção no que falas. Essa história de uma vida livre soa como uma heresia, uma afronta aos princípios que tu deverias ter aprendido.
Gregório – Mas, minha senhora, ninguém aqui esteve contra a vontade de Deus.
Edetto – Não tens como provar o que disseste. Além do mais, Gustavo, esses dias de tuas andanças terminaram. Tu voltarás conosco para casa, e passará a viver como um senhor feudal, não mais como um vagabundo que só arranja problema por onde passa.
Giancarlo – É isso mesmo. O senhor é o pai dele, não é? Pois saiba que esse homem se passou por outro apenas para pôr a mão em um tesouro que era da nossa família!
Edetto – Como é? Tu podes me explicar isso direito, Gustavo? Isso é verdade?
Gustavo – Meu pai, essa história é longa, eu prefiro explicá-la melhor depois.
Marlete – Mas por que depois? Teu pai precisa saber de tudo, não é? Pois bem, senhor, seu filho conheceu um homem no navio, o matou – ou deixou morrer, o que dá no mesmo – roubou dele o colar que lhe servia de identificação para nossa família, e fingiu ser ele para herdar o tesouro que não era seu. Ah, e ainda iria se casar com a minha prima Cecília!
Agnella – Casar, Gustavo? Tu irias se casar com ela? (A voz embarga levemente) E por que mentiste para mim, dizendo que nunca havias me esquecido, se tu irias se casar? Eu… Não posso acreditar nisso. Isso é mentira, não é? Isso é mentira! Essa mulher está mentindo!
Giancarlo – Querida garota, o que minha sobrinha falou é totalmente verídico. E foi para afastar minha filha desse cafajeste que eu atravessei esse mar até aqui. Mas já está na hora de voltarmos, não é, Cecília?
Cecília – Mas meu pai, me permita ficar aqui. Eu vim porque… Tudo bem. Eu admito para vocês o que eu já havia confessado a Gustavo. Eu o amo, eu passei a amá-lo, desde que eu o vi, desde que ele passou a morar em nossa casa.
Edetto – Em Jerusalém? No meio de uma guerra?
Cecília – Claro que não era em Jerusalém. Era em Termes. Meu pai é comerciante lá. E mesmo depois de descobrirmos a sua mentira, eu quis dar-lhe uma nova chance. Ou melhor, eu quis me dar uma nova chance, já que agora não tenho como possuir o tesouro. O herderiro do amigo do meu avô está morto…
Edetto – Termes? Herdeiro? Que história é essa, Gustavo?
Gustavo – Pai, eu explico depois para o senhor.
Marlete – Se o senhor precisar de minha ajuda…
Giancarlo – Quieta, Marlete. Não precisamos dar detalhes de nossa vida, da história de nossa família para estranhos. Se ele quiser saber, o filho dele contará. Nós precisamos ir embora. Ao que parece, há uma embarcação que está se dirigindo ao oriente, e que irá fazer uma parada em Termes.
Ele pega no braço de Cecília, e a puxa para o seu lado.
Cecília – Gustavo, foi muito bom estar contigo esse tempo… Agora que não parece haver para onde irmos, não é, temos que obedecer aos nossos pais.
Agnella – Vá embora mesmo! Somente eu posso amar Gustavo! Eu sou a única a quem ele ama. Não é isso, Gustavo?
Gustavo – Agnella, isso não é hora de discutirmos esse assunto.
Agnella – Não irás me responder? Então não me amas mais! Está na hora de admitires isso!
Adelmo – Esquece esse homem, Agnella! Vês que ele nunca sentiu nada de bom e verdadeiro por ti? Ao contrário de mim, que sempre te ajudei! Lembra do dia em que tu e ele esbarraram-se na estrada, tua água derramou e tuas moedas caíram na floresta? Quem foi que te deu um balde com água e as moedas para comprares o pão? Eu! Então, Agnella, vamos voltar para tua casa. Teus pais te aguardam. Tenho certeza de que lá, perto deles e de mim, tu irás ficar mais segura.
Agnella – Segurança… Eu pensava que teria contigo, Gustavo. O que aconteceu? Foi essa mulher, não foi? Foi essa viagem? Eu preciso saber, porque deve haver um jeito de tu gostares de mim novamente…
Izabella – Ei, moça, tu podes parar de importunar meu filho? Ele não é o homem certo para ti. Talvez esse outro camponês que fala contigo seja essa pessoa, e tu não o percebes. Ele te dirigiu a palavra, e tu não o respondeste. Então não venhas aborrecer Gustavo.
Adelmo – Agnella, tu ouviste o que essa senhora falou. Volta comigo, esquece Gustavo. Ele é um filho de senhores feudais, e não merece tua confiança.
Izabella – Alto lá, porque apesar de tudo ele é meu filho!
Adelmo – Me perdoe, senhora, mas a história que nos foi contada prova isso. E então, cara donzela, vamos voltar para casa.
Agnella – Está certo. Eu voltarei. Eu sei, Adelmo, de tudo o que fizeste e te agradeço muito. Mas eu voltarei porque Gustavo também irá.
Adelmo – Agnella… Se continuares me menosprezando, perderás o meu amor também, assim como não tens mais a ilusão de que esse Gustavo a amava.
Inês – Agnella, me deixa te dar esse conselho: o meu irmão é uma ótima pessoa. Eu tenho certeza de que ele será um bom marido para ti, ao contrário do que Brás foi para mim. Não desprezes o sentimento dele. Olha o que eu fiz: por um momento desprezei o sentimento de Pero, e ele não quer mais me aceitar. Mas eu continuo pedindo a ele o meu perdão…
Pero – E eu seguirei negando. Estou cansado de ser pisado por ti, Inês. No início eu gostava, achava charmoso, atraente; mas depois de me traíres, percebi que nunca foste sincera comigo. Agora tudo o que eu quero de ti é distância. Teu irmão não está aqui? Vai com ele para tua casa. Tua mãe tinha razão ao reprovar nossa união; porém ao contrário do que ela deve pensar, eu não sou a fonte dos problemas.
Inês – Queres assim mesmo? Tens certeza, Pero? Sempre foste tão apaixonado por mim…
Pero – Cego, essa é a palavra certa. Sempre fui cego com relação a ti.
Adelmo – Virás comigo então, não é, Inês? Nossa mãe deve estar muito aflita te esperando.
Inês – Já que é assim que Pero deseja, eu farei. Um dia eu sei que ele se arrependerá.
Pero – Esse dia já passou, e eu agarrei a oportunidade que ele me ofereceu. Podes ir embora.
Edetto – Ficamos assim, então? Cada um se dirige a seu destino…
Izabella – Mas o padre e a irmã Francisca não estão esperando por todos eles? Deixaremos que o seminarista e o outro rapaz façam o que quiserem?
Edetto – Eu não posso obrigar ninguém a fazer nada, Izabella. Fica a cargo de suas consciências regressar ou não para seu lugar de origem.
Gregório – Eu irei. Eu voltarei, porque eu preciso libertar Valentina da prisão na qual a estão colocando.
Edetto – Será uma grande ilusão de tua parte se acreditares que isso será possível. Se te aproximares de minha serva por qualquer que seja a distância, sofrerá consequências graves. E isso vale para todos os outros, inclusive para ti, Gustavo.
Valentina – Foi uma péssima ideia ter voltado para cá! Gregório, eu não sei o que aconteceu, o que Deus quer, mas foi uma hora maldita aquela em que decidimos voltar. Mas eu irei fugir de novo! Eu conseguirei de novo!
Edetto – Eu tenho minhas dúvidas.
Izabella – Podemos partir agora?
Giancarlo – Os senhores passem bem, então. Vamos, Cecília; vamos, Marlete. Onde está Magno mesmo?
Edetto – Senhor, por favor, antes de irmos embora, eu preciso apenas perguntar-lhe algo, uma curiosidade pequena que eu tive. (Se vira para o restante do pessoal) Eu volto já, me aguardem aí.
Giancarlo – Pois não…
Edetto – É que… Eu não pude deixar de notar o colar que sua filha usa. O desenho dele, principalmente. É um desenho bonito. O senhor o comprou em algum lugar? Se não for muita indiscrição de minha parte, eu queria saber de que forma o senhor conseguiu esse colar.
Giancarlo – Ora, o senhor irá me perdoar, mas essa pergunta é um pouco estúpida. É claro que o colar é de família! Era de meu pai, e ele o deixou para minha filha, Cecília.
Edetto – E o seu pai ganhou do pai dele também?
Giancarlo – Isso eu não posso afirmar ao senhor. Mas, vem cá, qual o seu interesse? Essas perguntas não me parecem fazer sentido nenhum.
Edetto – Nada, não é nada. Apenas… Apenas… Foi só o desenho, a forma, como eu havia dito. Por um instante pensei que poderia adquirir um como esse, mas se é de família então deve ser mais difícil.
Giancarlo – Nesse caso, mais alguma coisa?
Edetto – Ah, olha só, não nos apresentamos. Muito prazer, meu nome é Edetto Schiartoni.
Giancarlo – Giancarlo. O prazer é meu também. Agora, até quando Deus quiser. Temos viagens totalmente opostas a fazer.
Eles se cumprimentam com um aperto de mão. Edetto sai.
Giancarlo – Mas que pergunta estranha…
Cecília – O que ele queria saber, meu pai?
Giancarlo – Sobre o teu colar. Ele veio me perguntar se era de família, porque estava interessado em ter um igual a esse.
Marlete – É, é um pouco estranho mesmo. Só não sei se tanto assim. Ah, querido tio, antes de irmos embora, eu irei chamar Magno. Ele está na igreja.
Giancarlo – Vá, vá. Mas por mim vocês dois ficavam por aqui mesmo.
Marlete sai.
Giancarlo – Olha, Cecília, antes de tudo, eu preciso te dizer: cuidado com tua prima e com esse Magno. Eles não são pessoas confiáveis.
Cecília – Como? O que aconteceu para o senhor falar isso de Marlete?
Giancarlo – É uma longa história…
Cena 02: Região portuária. Igreja del Mare.
Brás está ajoelhado, fingindo rezar. Marlete chega.
Marlete – Vim lhe chamar. Estamos indo embora.
Brás – Então Inês já não pode mais me ver?
Marlete – Não. Ela partiu junto com seu irmão para junto de sua família. Quer dizer, menos para junto de ti, seu marido vivo.
Brás – Essa não é hora de ficar falando piadas ou fazendo críticas. Mas me diz: já sabes algo sobre a localização do tesouro?
Marlete – Quanta insistência, Brás da Mata! Meu tio acabou de se reencontrar com a filha. Ele ainda está achando que vai ficar tudo bem… Mas esse momento vai passar, e assim que isso acontecer, nós faremos o que for preciso para descobrir onde a herança está.
Brás – Então vamos logo. Não podemos perder tempo.
Eles se levantam.
Brás – Ah, e por que não foste embora e não me abandonaste aqui? Tiveste a chance de fazer isso. E afinal já precisaste de mim para desmascarar Gustavo. Talvez não precises mais.
Marlete – Não digas besteira. Não estamos em uma espécie de parceria? Nunca se sabe quando precisaremos um do outro.
Brás – Tudo bem. Agora, saiamos dessa Igreja.
Cena 03: Região portuária.
Pero deixou Inês junto com os outros, e começou a andar ”sem direção” pelo lugar.
Pero – Dessa vez sou eu quem irá conhecer a região. Vamos ver o que de bom há nela.
Ele continua a caminhar. Chega à rua da Igreja del Mare.
Pero – Olha, que igreja bonita. Eu vou entrar, vou rezar. Quem sabe o padre daí não me perdoa por tudo?
Ele se dirige à igreja. No meio do caminho, para.
Pero – Ei, aquela ali não estava agora há pouco com o pai de Cecília? Será que ela também veio rezar?
Nesse momento, outra pessoa sai.
Pero – (Dá um riso) Que engraçado… Até parece que eu estou vendo fantasmas… (Ele cai em si) Mas está muito real para ser um fantasma. Esse homem que saiu acompanhado da outra mulher, só pode ser… Brás! Brás está vivo!