CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 17
Cena 01: Termes. Manhã.
Cecília – Espera, Gustavo! Eu irei contigo! Eu embarcarei contigo em um desses navios!
Gustavo – Como? Tu não podes fazer isso! Eu fui expulso de tua casa, eu te enganei, eu menti e destruí seus sonhos. Não podes vir atrás de mim assim!
Cecília – Eu ainda estou decepcionada contigo, realmente. Mas talvez eu te entenda. Por tanto tempo eu sonhei com esse tesouro, não é? Se tu também tiveste vontade de possui-lo, o que direi?
Gustavo – Mas a diferença é que tu és da família.
Cecília – Porém se tu não estiveres mentindo outra vez, foi o próprio homem a quem eu estava prometida que te confiou esse tesouro. Eu também percebia a tua aflição em se casar comigo, principalmente por causa da outra mulher, a que tu amavas.
Gustavo – De qualquer forma, seu lugar é aqui.
Cecília – Sei que é ousado dizer isso, mas meu lugar é onde eu quiser estar. E eu quero ir com você até essa nova terra. Quero conhecer essa terra a qual não conheço.
Gustavo – E teu pai concordou com isso?
Cecília – Meu pai não sabe que eu vim, mas eu pedi a uma das criadas para lhe contar mais tarde. E sim, eu estou fugindo. Estou fugindo também porque em parte não concordei com o que aconteceu hoje.
Gustavo – Não sei… Eu não posso te deixar fazer isso.
Um homem fala ao fundo.
Homem – Está saindo o último barco para o primeiro navio! Ainda há três vagas!
Cecília – Vamos, Gustavo? Não adiantar tentares me impedir. Uma daquelas vagas é minha.
Gustavo – Tá. Tudo bem. Faças o que quiseres. Mas, de qualquer modo, não posso reclamar de tua companhia.
Eles sorriem e se encaminham ao barco.
Cena 02: Região portuária. Cais.
Agnella – (Começando a sorrir) Vamos! É agora ou nunca! Vamos embarcar nesse navio!
Pero – Se esta é a única alternativa…
Gregório – Será que não dá para despistarmos eles? Podemos…
Valentina – Não! Essa é a maior loucura da minha vida, e ao mesmo tempo a mais certa. Temos que embarcar agora nesse navio!
Inês – Mas e as minhas roupas?
Valentina – Esquece as roupas. Temos que voltar a correr. Falta pouco.
Eles voltam a correr. Atrás, a comitiva do padre se aproxima.
Edetto – Eu não acredito que eles irão fazer o que penso… Eles não serão capazes!
Adelmo – Agnella não pode entrar naquele navio!
Francisca – Vamos! Mais depressa!
Santorini – Irmã Francisca, não temos mais idade para corrermos assim!
Francisca – Não é hora de pensar nisso, padre! Ou corremos ou não os alcançamos!
Mais na frente, Agnella, Gregório, Inês, Pero e Valentina continuam correndo. Quando estão no final do píer, Inês cai.
Inês – Ai, meu pé! Está doendo! Ai, eu não consigo me levantar!
Pero – Eu te ajudo, minha flor!
Pero se abaixa, pega Inês e a coloca nas costas.
Valentina – Vamos logo! O navio já está partindo!
Eles continuam correndo, Pero um pouco mais atrás. Até que conseguem entrar no navio. Quando o padre e sua comitiva chegam ao píer, o navio se desliga do porto.
Francisca – Inferno! (Leva a mão à boca) Ai, Senhor, perdão pela palavra. Perdão.
Enzo – (Grita) Filha! Filha! Não faças isso comigo!
Adelmo – Agnella! Inês! Voltem…
Izabella – Eles não voltarão. Todo esse tempo nosso foi perdido.
Santorini – Só nos resta voltar agora.
Edetto – Se o senhor quiser, padre, pode voltar. Mas eu não voltarei. Pelo contrário, eu seguirei em frente.
Francisca – O quê? Por acaso irás nadar até alcançar o barco ou até morrer antes disso?
Edetto – Não me ironize, irmã. Eu sei o que estou dizendo.
Santorini – Meu filho, seja prudente.
Edetto – Eu não sou louco.
Edetto sai e se dirige a um homem que se encontra no porto, ao lado de um barco.
Edetto – Com licença, senhor. Diga-me uma coisa: do que o senhor precisa para me alugar esse barco por um longo tempo? Melhor, para vir comigo e comandar a viagem que pretendo fazer?
Cena 03: Termes. Casa de Giancarlo.
Giancarlo – Ah, faça-me o favor. Eu duvido que serias capaz de sequestrar Cecília, tua própria prima!
Marlete – Eu não farei nada de ruim com ela, não. Apenas a levarei para longe do senhor por um tempinho, mas ela ficará. A menos, claro, que o senhor me revele a verdade sobre o mapa.
Giancarlo – Não falarei nada até que eu veja Cecília aqui, em minha frente!
Brás aparece com uma criada.
Brás – Me desculpe, Marlete, mas eu não achei sua prima. Mas eu achei essa criada, que parece ter ficado bastante nervosa quando perguntei por ela.
Marlete – Nervosa? Por quê? Sabe onde ela está, não é?
Criada – E-eu não… Sei de nada…
Giancarlo – Que loucura é essa? Cadê Cecília?
Brás – Cadê a garota? Vai dizer ou prefere que eu…
Giancarlo – Tu não farás nada com minha criada! Ela dirá porque eu estou mandando! Onde está Cecília?
Criada –Sua filha… Saiu, senhor. Disse que ia… Pra longe. E pediu que eu só lhe contasse mais tarde.
Giancarlo – (Veemente) Para onde ela foi? Vamos, eu sei que sabes a verdade.
Criada – É… Eu sei, eu sei! Por favor, não me castigue por isso! Mas ela foi para o porto!
Marlete – Para o porto?
Giancarlo – O que minha filha foi fazer no porto? (Para a criada) Tu sabes de alguma coisa? Sabes por que Cecília fugiu, não é?
Criada – (Angustiada) Não, senhor… Por favor, me perdoe…
Giancarlo – Conversaremos depois. Agora eu tenho que impedir que Cecília faça uma besteira!
Giancarlo vai em direção à porta. Brás corre e se coloca no meio, fechando a porta e encostando nela.
Giancarlo – Saia da minha frente!
Brás – Nada disso!
Marlete – Vamos, querido tio! Reconheça que Cecília apenas nos ajudou. Pretendíamos… Dar umas férias dessa casa a ela, e ela fez isso por si só. Agora, o senhor não sairá dessa casa enquanto não nos contar onde está o mapa do tesouro!
Cena 04: Região portuária da península.
Edetto – Muito bem, padre. Eu acertei com esse senhor que ele me levará em seu barco até onde o navio for. Se mais alguém quiser me acompanhar…
Santorini – Isso não é certo! Como pagarás por isso? Como arranjarás comida e bebida? E como um barco alcançará um navio?
Navegador – Senhor padre, o senhor irá me desculpar, mas meu barco não é ruim não. Fica atrás desse navio, mas pode acompanha-lo sim.
Edetto – E quanto à comida, eu darei um jeito de arranjar por aqui. Eu conheço algumas pessoas que aceitarão me passar o que for necessário em troca dos produtos de meu feudo.
Adelmo – Bem… Se o senhor se garante com relação a isso… Eu aceito ir com o senhor. Eu buscarei minha Agnella até os confins desse mundo.
Santorini – Eu só posso desaconselhá-los a cometer esse disparate. Mas não posso impedi-los. Só que eu não farei parte disso.
Francisca – Nem eu. Minha idade não me permite viajar pelo mar. No entanto, eu rezarei por vocês. E confio que trarão de volta esses fugitivos.
Enzo – Bem, se o padre prefere não ir, eu também não irei. Eu preciso voltar para casa e para o trabalho. Mas eu tenho certeza, Adelmo, de que voltarás com Agnella sã e salva.
Adelmo – Muito obrigado, senhor.
Izabella – E então? Temos que ir agora! Estou quase perdendo o navio de vista!
Navegador – Talvez eu conheça o início do caminho. Se nós o perdermos de vista, teremos que navegar rápido, mas poderemos ao menos voltar a vê-lo.
Francisca – Sendo assim, vão logo! E que Deus os abençoe!
Santorini – Que Deus lhes dê juízo! (Se vira para a freira) E nós temos que voltar agora, então.
Francisca – Infelizmente, sim. Mas Deus há de ajudar, e esses cinco voltarão para o lugar de onde saíram. E aí… A justiça será feita!
Cena 05: Termes. Casa de Giancarlo.
Giancarlo – Existem outras saídas aqui! Se não irei por essa porta, irei por outra.
Brás – Eu tranquei todas. Marlete já me explicara onde elas estavam. Então? Dirá ou não?
Giancarlo – Ah! Vocês me venceram… Ou pelo menos acham que me venceram! Já que querem, eu digo a verdade. Mas ela não é que vocês esperam.
Marlete – Vamos, fale logo!
Giancarlo – Não há mapa de tesouro nenhum! Eu apenas blefei quando falei isso, porque queria ver a reação de Gustavo! Não há mapa nenhum! (Sorri) Satisfeitos?
Brás avança em Giancarlo e aperta seu pescoço.
Brás – Se não há mapa, o senhor mesmo irá nos dizer onde o tesouro está. É até mais fácil.
Giancarlo – Me solte! Eu digo!
Brás solta.
Marlete – E aí? Já nos enrolaste demais com essa história! Ou o senhor diz a verdade sobre o tesouro, ou o senhor é que desaparecerá!
Giancarlo – A verdade, cara Marlete, é que nem eu sei onde o tesouro está! Meu pai não me disse nada sobre a localização do tesouro antes de morrer! Eu estou tão leigo quanto vocês!
Brás – (Furioso, avança em sua direção novamente) Mentira!
Marlete – Eu já perdi a paciência com o senhor! Brás, segure ele!
Giancarlo – Não se atreva! Eu estou falando a verdade! A única coisa que eu sei é que meu pai não escondeu esse tesouro aqui em Termes! Fora isso, não sei de mais nada!
Marlete – E como eu posso acreditar no senhor?
Giancarlo – Não sei. Acreditarás se quiseres. Agora saia da minha frente, homem! Eu ainda sou capaz de dar uma surra em ti!
Giancarlo consegue vencer a barreira de Brás e sai de casa.
Brás – E agora? O que faremos?
Marlete – O que tem que ser feito. Iremos atrás de meu tio, e do tesouro.
Brás – Mas e se ele estiver blefando novamente? Se o tesouro estiver nessa casa?
Marlete –Somente descobriremos se tentarmos. Vamos. Temos que alcançá-lo.
Cena 06: Termes. Praia.
Giancarlo está conversando com um homem.
Giancarlo – O senhor tem certeza de que minha filha embarcou no outro navio?
Homem – Absoluta. Ela e um outro homem foram os últimos a se dirigirem ao navio. Aliás, o outro navio está partindo agora.
Giancarlo – Ainda há vagas?
Homem – Oh, sim, sim. Ainda cabem cinco pessoas no barco.
Giancarlo – Quatro, agora. Eu irei nessa viagem.
Marlete – Duas. Eu e Magno também iremos com o senhor.
Giancarlo – Não irás fazer isso! (Se dirige ao homem) O senhor não pode permitir!
Brás – Nós pagaremos a viagem.
Marlete – Com algumas das minhas joias. Nós não permitiríamos que o senhor se distanciasse assim, tão facilmente. Iremos com o senhor até descobrirmos toda a verdade.
Giancarlo – Façam o que quiserem, então. Mas não me incomodem mais com essa história, ou sou capaz de jogá-los ao mar.
Brás – O senhor com certeza não faria isso.
Giancarlo – Ah, não importa. Enquanto vocês pensam que estou com medo de vocês, eu tenho mais o que fazer: resgatar Cecília. Não serão vocês dois que me abalarão desse propósito.
Marlete – Vamos deixar de conversa, não é? O navio já vai partir, e não podemos perdê-lo.
Marlete sorri. Brás permanece impassível. Giancarlo, mal humorado, entra no barco.
Cena 07: Navio 1.
Agnella, Gregório, Inês, Pero e Valentina estão na popa do navio. Inês está deitada, no chão.
Inês – Ai, não sei se conseguirei voltar a andar normalmente… Meu pé está doendo muito!
Pero – Calma, Inês! Com certeza isso passará. Tu ficarás boa. E eu estarei aqui para te ajudar.
Agnella, Valentina e Gregório olham para o mar.
Valentina – Quem diria que estamos indo para Jerusalém…
Gregório – Deixamos tudo para trás tão rapidamente…
Valentina – Não é hora também para se arrepender. É hora de olhar para a frente!
Agnella – Isso! Para a frente! É lá que eu encontrarei Gustavo! Ai, meu amor… Eu vou já te ver de novo… Eu vou já te ver de novo… (Agnella passa a mão em um rosto imaginário) Eu vou já te ver de novo…
Cena 08: Navio 2.
Cecília está sentada na proa do navio e olha para o céu. Gustavo chega.
Cecília – Que bonito é o céu, não?
Gustavo – Sim, é verdade. Muito bonito.
Cecília – Lá de onde vieste o céu também é assim?
Gustavo – Mais ou menos. Não tem esse azul que o céu desse mar tem.
Cecília – Sabe qual é a vontade que me dá? De ficar olhando para esse céu, para sempre…
Gustavo – É… É uma atitude sábia. Posso acompanhá-la?
Cecília – Claro que sim.
Gustavo senta e passa a olhar o céu. Um tempinho depois, seu braço já alcança o ombro de Cecília.
Cena 09: 5 dias depois… Navio 2. Manhã.
Gustavo canta. Ao seu lado, Cecília o ouve.
Gustavo –
Oh, meu Deus, vem me ajudar
Quando eu a encontrar
Quando a vir? O que falar?
E se eu nem passar do mar?
Sei que aonde as águas vão
Levam em meu coração
Tanto o sim, também o não
Indecisa emoção.
Onde está o meu amor?
Sinto eu saudade ou dor?
Há razão para algum pranto?
Sofro? Rio? Penso… Canto.
Cecília – Eu não sabia que tu também cantavas… Por sinal, muito bonita tua cantiga.
Gustavo – Obrigado. Eu descobri essa aptidão somente há pouco tempo. Foi um meio de…
Cecília – (Corando) Lembrar da mulher que tu amas? (Abaixa a cabeça) É… E eles têm te ajudado?
Gustavo – De certa forma sim. Mas tem sido tão difícil. Eu não pensei que a distância pudesse me afetar tanto assim…
Cecília – Pelo menos ela te fez descobrir esse talento. Vamos, cante mais um pouco para mim.
Gustavo retoma a cantoria. Cecília presta toda a atenção do mundo.
Cena 10: 5 dias depois… Navio 2. Manhã.
Cecília e Gustavo caminham pelo navio.
Cecília – Gustavo… Eu estava pensando agora… E eu sei que tudo o que não queres agora é falar nesse assunto, mas… Tu mentiste para nós sobre ti, sobre tua família. E eu estive lembrando do dia em que eu te perguntei sobre o teu avô. Tu contaste que não tinha lembranças dele, porque ele morreu quando tu eras pequeno…
Gustavo – Isso também era mentira, claro. Tu deves imaginar. Eu precisava manter a imagem de que era outra pessoa. Mas eu me arrependo por ter feito as coisas da maneira errada.
Cecília – Eu sei disso, Gustavo. É que… Eu confesso que fiquei curiosa, sobre tua família, teu pai, tua mãe, teu avô…
Gustavo – O que eu posso falar? Meu pai se chama Edetto, e minha mãe, Izabella. O meu avô paterno se chamava Edetto também. Meus outros avós eu nunca cheguei a conhecer. Eu faço parte de uma família feudal. Mas, na verdade, eu nunca me interessei tanto pela vida de um senhor feudal. Sempre preferi viajar… Foi por causa dessas viagens que eu acabei parando aqui. (Ele pausa, pensativo) Essa preferência por viagens, inclusive, eu herdei de meu avô. Ele sempre viajou muito, até o dia em que teve que voltar para casa, porque o pai dele havia morrido. Nesse tempo, ele morava ao norte da península.
Cecília – Mas viver em peregrinação às vezes não é perigoso? Ou não dá solidão?
Gustavo – Meu avô não era o tipo de pessoa que encontrava dificuldades em relacionamentos. Ele sempre fazia amigos por onde passava. Mas perigo… É curioso tu falares nisso, porque meu avô me contou uma vez uma história curiosa. Não sei se ele falou a verdade, ele já estava bem velho quando contou isso. Também não tem relação exata com a vida de viajante que ele levava, mas o senhor Edetto já passou por situações difíceis. Ele disse que uma vez tentaram empurrá-lo de uma cachoeira. Só que parece que um amigo seu acertou uma pedra afiada nas costas da pessoa que tentou fazer isso, e ele conseguiu fugir. (Suspira) O meu avô foi um grande homem.
Cecília fica com uma expressão assustada.
Gustavo – Desculpe-me. Eu, eu não sei nem por que eu me lembrei disso agora. Perdão. De verdade.
Cecília – Não, tu não precisas me pedir perdão por isso. De fato, eu estou disposta a te perdoar, mas é por outro motivo. Tu sabes qual.
Gustavo – Cecília, eu te enganei. Marconi morreu, e ele era o verdadeiro herdeiro do tesouro. Agora tu não terás mais acesso a ele.
Cecília – E daí? Tua presença naquela casa me fez ver que a felicidade não depende da riqueza. A maneira como tu falas de teu avô me mostrou que tu és, sim, uma pessoa boa. Por tua causa, eu vi que os sentimentos precisam ser levados em conta também…
Gustavo – Que curioso… Já eu estava começando a me questionar sobre eles…
Cecília – Eu te perdoo, Gustavo, por causa do meu sentimento… Todos esses dias em que convivi contigo, em minha casa, nesse navio; me confidenciando contigo, te ouvindo também, olhando para os céus, ouvindo tuas cantigas… Todo esse tempo foi muito importante para mim. E por mais que eu tenha pensado em negar isso, eu preciso ser sincera. Gustavo, eu descobri que… Eu te amo.
Cena 01: Navio 2. Manhã.
Cecília – Eu preciso ser sincera. Gustavo, eu descobri que… Eu te amo. E eu não podia deixar de te falar isso.
Gustavo está paralisado.
Gustavo – Eu… Não… Sei o que te dizer… Eu… Preciso sair.
Ele se levanta e começa a sair.
Cecília – Gustavo, eu não quero te pedir, muito menos te obrigar a fazer nada. Eu sei que tu amas a outra mulher, mas eu não estava mais conseguindo reprimir esse amor. (Ela se vira e olha para cima) Eu só gostaria que tu pensasses no que eu te falei. (Se volta para ele) Não te esqueças de mim, por favor.
Gustavo – (Um pouco nervoso, inseguro) Eu confesso que estou surpreso com essa situação. Mas, por favor, me deixe sair. Tenho que ficar sozinho um pouco.
Gustavo sai. Cecília fica apreensiva.
Cena 02: Navio 1.
Gregório e Valentina conversam.
Gregório – Valentina, eu preciso te perguntar sobre uma coisa que vem me incomodando desde que nós embarcamos nesse navio. Na verdade, que vem povoando minhas noites… Será que tu…
Valentina – Oh, Deus… Sim… Então tu também tens sonhado de novo sonhos como aqueles?
Gregório – Pelo visto essa nossa ligação é bastante forte, porque sonhamos as mesmas coisas… Eu só não consegui entender o significado. Eu pensava que o sonho acabava ali, lembra? Quando conseguíamos nos livrar da sombra e cair no rio?
Valentina – Claro! Claro que me lembro. Mas parece que esse não era o fim.
– Flashback –
Sonho. Gregório e Valentina param em frente a um rio. Do outro lado, eles veem casas. Então, eles mergulham, sorrindo um ao outro. De repente, ouvem um barulho estranho, vindo do próprio rio. Olham ao redor, não vendo nada; decidem seguir, então. Até que, um pouco mais à frente, percebem uma mão fora da água. Alguém devia estar se afogando. Quando se aproximam, essa mão some, e reaparece atrás deles. A mão da suposta pessoa afogada começa, então, a recuar, sempre se debatendo como se pedisse ajuda.
– Fim do flashback –
Gregório – Mas o que significa isso, meu Deus? Quem seria essa pessoa?
Valentina – E por que ela estaria voltando para o lugar de antes?
Gregório – Acho que teremos que esperar mais. Deus há de nos mostrar o real significado.
Cena 03: Navio 1.
Pero está andando com Inês nas costas.
Pero – Ai, minha flor, tu és um pouquinho pesada, mas eu aguento tudo, se for para o teu bem!
Inês – Graças a Deus que posso contar com tua ajuda, camponês. Se não fosse tu e esse homem que aspira a se tornar ermitão, que eu conheci ainda no porto e que tem me ajudado a melhorar essa dor no pé, não sei o que seria de mim…
Pero – Só não entendo porque ainda não melhoraste, Inês.
Inês – (Passando a mão na cabeça dele) Ah, meu amor, o processo é longo… Bem longo…
Eles chegam a um pequeno compartimento do navio, onde o tal “ermitão” espera Inês.
Pero – Aqui está, meu caro. Minha Inês está sob os seus cuidados!
“Ermitão” – O senhor pode deixar, que com a graça de Deus, Inês estará em boas mãos.
Inês – Agora podes ir, Pero. Esse momento é exclusivo entre mim, esse homem e Deus.
Pero sai, sorrindo. No caminho se encontra com Valentina.
Valentina – Então Inês ainda não melhorou daquela queda simples que ela levou?
Pero – Pois é, Valentina. Mas ela está com um homem de Deus ali dentro. Logo, logo, eu tenho fé de que ela irá ficar boa.
Valentina – Amém.
Pero – Eu estou indo olhar o mar. Vens comigo?
Valentina – Obrigada pelo convite. Mas eu preciso… Eu lembrei que tenho que ir ao aposento em que durmo.
Pero – Tudo bem. Com sua licença.
Pero sai.
Valentina – Estranho essa demora toda em Inês se recuperar… Onde é esse lugar em que ela se encontra com o ermitão?
Valentina caminha pelo navio, até chegar ao lugar onde Inês está. Ela encosta o ouvido na porta. Começa a distinguir risadas. Ouve algumas frases um pouco incompletas.
“Ermitão” – Vamos… Esse pé… Hum… Beleza…
Inês – Bom… Cócegas, cócegas. Pare…
“Ermitão” – Não… Fazer… Até… Permitir… Beijo…
Valentina – (Boquiaberta) Beijo?
Ela continua ouvindo, até que eles param de falar. O som muda.
Valentina – Meu Deus, Pero precisa saber disso. Acho que eu devo isso a ele.
Cena 04: Navio 1. Popa.
Pero, Gregório e Agnella estão de pé, olhando para o mar.
Pero – Que belo mar estamos deixando para trás.
Gregório – Fico me perguntando: o que nos espera mais à frente?
Agnella – O amor… Gustavo…
Pero – Agnella, minha querida, ele está falando do resto. Será que estaremos em segurança?
Agnella – Eu sei que eu estarei. Ao lado de Gustavo…
Gregório – (Cochicha a Pero) Posso estar errado, mas esse desejo de Agnella me preocupa…
Pero consente com a cabeça. Valentina aparece.
Valentina – Pero, vem comigo, agora. É urgente.
Pero – O que houve? (Se alarma) É alguma coisa com minha Inês?
Valentina – Sim. Mas eu não sei como tu reagirás.
Pero – Oh, Valentina, não me assustes.
Valentina – Lembra que eu te disse que pagaria o favor que me fizeste? Por favor, não te enraiveças comigo. Tome isso como uma pequena retribuição.
Pero – Mas o que é que está acontecendo? Eu posso saber?
Valentina – Sim, mas eu prefiro que tu mesmo vejas.
Valentina puxa Pero pelo braço, que cede e vai com ela. Gregório e Agnella os seguem.
Cena 05: Interior do navio 1.
Valentina chega com Pero, Gregório e Agnella. Eles vêm em um silêncio forçado, para não chamarem a atenção. Param em frente à porta. Valentina a abre. Quando Pero entra, encontra Inês e o “ermitão” se beijando.
Pero – Meu Deus, o que é isso que eu estou vendo? É verdade isso, meu Deus?
Pegos de surpresa, Inês e o “ermitão” param de se beijar. Se viram para Pero.
Pero – (Com raiva, mas “respirando”) Inês, por que estavas beijando esse homem? Não devias estar melhorando essa tua dor no pé?
Inês – Tu… Tu entendeste errado, meu amor. Tu viste errado. Era… era…
“Ermitão” – Era uma maneira diferente de rezar. Era uma maneira… Compartilhada que eu aprendi com alguns ermitãos. Os discípulos de Jesus faziam isso!
Gregório – Me perdoe intrometer, Pero, mas isso é uma grande blasfêmia! Uma mentira! Não acredites no que esse homem diz!
Valentina – Eu falei que era importante, não falei? Tu precisavas ver isso.
Inês – Então foi tu, sua intrometida! Eu sabia que não eras de confiança! Olha, Pero, eu te falei que não podias acreditar nela, não podias ajudá-la! Ela prejudicou meu casamento com o Brás e agora quer me afastar de ti!
Pero – Não sejas tola, Inês! Eu vejo que não posso mesmo acreditar em ti!
Inês – Não, meu amor! Eu… Eu errei, mas só tenho olhos para ti…
Pero – Não me chames de amor! Nunca me amaste!
Enquanto eles discutem, Agnella vai saindo do lugar.
Agnella – Briguem sozinhos! Eu só quero olhar para a frente… Pensar no futuro…
Ela sai. A discussão continua.
Pero – Tu nunca me valorizaste, nunca reconheceste meu amor e minha entrega a ti! E depois que descobriste estar livre do crápula do Brás da Mata, vieste me propor casamento, e eu, iludido, aceitei, achando que me amavas. Como não percebi que querias apenas alguém com quem ficar teus dias, querias um homem que fosse burro o suficiente para te aceitar, e pra te sustentar também. Como diz mesmo o ditado? Mais vale um asno que te carregue do que um cavalo que te derrube, não é? Pois esse asno aqui está cansado de te levar nas costas! Fiques aí com esse ermitão fajuto, com essa perna que não está doendo coisa nenhuma, e não me procures mais!
Inês – Não, Pero! Não me deixes! Me perdoa!
Pero – Não sei como, Inês, mas eu te esquecerei. E faça o favor de fingir que não me conheces enquanto estivermos nesse navio.
Pero sai. Gregório e Valentina vão saindo.
Inês – E tu, Valentina, estás satisfeita, feliz, não estás? Agora tu tens como te ofertar a ele assim como fizeste com Brás, não é?
Valentina – Como és boba, garota. Boba e superficial. Tenho muito mais o que fazer do que ficar discutindo contigo. E eu só digo uma coisa: foi um grande feito para Pero se livrar de ti. Ele merece uma outra mulher que saiba valorizá-lo.
Inês – Você, então?
Gregório – Chega! Pare de falar essas besteiras! Vamos sair daqui, Valentina. Essa mulher já mentiu e nos insultou demais por hoje.
Eles saem. Quando dobram o corredor, Inês tenta se separar do “ermitão”.
Inês – Eu não posso permitir que Pero me esqueça. E eu ainda não dei a surra que essa noviça merece. Preciso ir. Foram bons esses dias, mas eu não posso deixá-lo escapar assim.
“Ermitão” – Não sairás não. Nossa sessão ainda não acabou.
O “ermitão” fecha a porta, prendendo Inês.
Cena 06: Barco.
Edetto, Izabella e Adelmo estão no barco que alugaram.
Edetto – E então, comandante? Será que conseguiremos chegar mais perto desse navio?
Comandante – Talvez, senhor. Mas teremos que dar muito mais de nós, e isso pode ser ruim. E se nos faltar para completar a viagem?
Izabella – Ele tem razão. Essa distância é segura para não perdermos o navio de vista.
Adelmo – E quando ele aportar, teremos tempo para alcançá-lo.
Edetto – Assim seja.
Cena 07: Igreja del Fiume.
O bispo Ricardo está na nave da igreja. Ottavio também está, porém rezando, ajoelhado em frente a várias velas. Simone e Leonor chegam.
Ricardo – Bom dia, senhoras.
Leonor – Bom dia, bispo. Viemos rezar pelas vidas dessas pessoas que estão em viagem.
Simone – Especialmente pelos meus filhos.
Ricardo – Claro, claro.
Leonor – Vamos, Simone. Olha, o senhor Ottavio está ali. Vamos até ele.
Elas se ajoelham ao lado de Ottavio. Leonor à direita, Simone à esquerda.
Leonor – Com licença. Estás rezando por teu filho, Ottavio?
Ottavio – Sim, sim. E as senhoras?
Simone – Também. Viemos acompanhar o senhor, se o senhor nos permite…
Eles começam a rezar. O bispo Ricardo vê duas pessoas chegando à igreja.
Ricardo – Padre! Irmã Francisca! Que bom vê-los de volta! E então? Onde estão os outros?
Cena 08: Navio 2.
Gustavo está caminhando pelas laterais do navio. Seu pensamento viaja pelo passado.
– Flashback –
Gustavo – És linda. Eu te amo muito. De verdade.
Agnella – Eu também te amo. Muito.
Agnella e Gustavo, no calor do momento, não resistem aos impulsos. Começam a se beijar, e, aos poucos, se rendem, amando-se ali mesmo, embaixo da frondosa árvore e à beira do rio.
– Fim do flashback –
Gustavo – O que está acontecendo comigo, meu Deus? Por que tudo isso?
– Flashback –
Cecília – Tua presença naquela casa me fez ver que a felicidade não depende da riqueza. A maneira como tu falas de teu avô me mostrou que tu és, sim, uma pessoa boa. Por tua causa, eu vi que os sentimentos precisam ser levados em conta também…
Gustavo – Que curioso… Já eu estava começando a me questionar sobre eles…
Cecília – Todos esses dias em que convivi contigo… Todo esse tempo foi muito importante para mim. E por mais que eu tenha pensado em negar isso, eu preciso ser sincera. Gustavo, eu descobri que… Eu te amo.
– Fim do flashback –
Gustavo – O que eu vou fazer, agora?
Começa a ensaiar uma cantiga.
Gustavo – Oh, senhora minha
Que devo fazer?
Se já não a vejo
E o meu desejo
Quer se desfazer?
Oh, nova senhora
O que eu te direi?
Se olhas pra mim
Esperando um sim,
Porém nem eu sei?
Gustavo – Nem eu sei… Eu não sei, Deus. Eu não sei.
Gustavo se dirige à proa do navio. Ao chegar, para e passa a mirar fixamente o horizonte. Cecília aparece ao fundo.
Gustavo – Meu Deus, eu preciso de uma resposta. O que devo fazer?
Cena 09: Navio 1.
Agnella caminha rapidamente em direção à proa do navio.
Agnella – Preciso olhar para a frente, para a frente. Ah, se eu pudesse, eu faria esse navio andar mais e mais rápido, até chegarmos a Jerusalém. Até eu me encontrar com meu amor…
Agnella passa a olhar para cima. A luz do sol a incomoda. Ela abaixa a cabeça, protegendo os olhos da luz ao máximo com a mão.
Agnella – Ai, esse sol deve estar me fazendo ver coisas. Aquilo ali é um navio?
Gregório, Valentina e Pero vêm chegando.
Valentina – Um navio? Olha, que interessante. Esse mar tem andado bastante movimentado.
Gregório – Pois não é? Nesse mundo em que as pessoas se enclausuram nos feudos e nos povoados, esses navios se cruzando só pode ser uma grande coincidência.
Pero – Vai saber. Quem sabe não foi Deus quem o mandou ao meu encontro, para que eu me livrasse de vez de Inês…
Agnella – O navio está se aproximando… De onde será que ele vem?
Agnella aperta a visão. O sol ainda a incomoda um pouco, mas ela começa a enxergar melhor o navio. De repente, seu coração começa a palpitar.
Agnella – (Começando a ficar eufórica) Meu Deus, eu estou vendo coisas em excesso… Isso seria uma verdade boa demais…
No outro navio, outra pessoa começa a ficar agitada.
Gustavo – Será, meu Deus? Nossa Senhora, eu não estou louco. Eu estou vendo Agnella!
Agnella – Gustavo… Meu amor… (Grita) Até que enfim eu te achei, Gustavo!! Me espera, meu amor! Eu estou indo ao teu encontro!