CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 15
Cena 01: Povoado das Hortaliças.
Adelmo – Agnella, minha Agnella! Eu te encontrei! Eu te encontrei!
Adelmo, ainda um pouco distante, guia o cavalo em direção a ela.
Adelmo – Agnella! Que bom que eu te achei!
Agnella ouve seu nome. Ao ver Adelmo, ela corre e entra na floresta novamente.
Agnella – Ele não pode me ver aqui! Ele não pode me ver aqui!
Gregório e Valentina, que vinham na floresta em sua direção, param.
Gregório – O que aconteceu, Agnella?
Valentina – Ainda bem que tu desististe de sair desse esconderijo, porque…
Agnella – Escondam-se! Eu fui vista por Adelmo!
Valentina e Gregório também começam a correr, e entram em uma parte mais fechada da floresta. Quando Agnella está para entrar no mesmo lugar, ouve, mais uma vez, seu nome.
Adelmo – Agnella! Não adianta fugir de mim! Eu já te vi!
Agnella se vira para ele. Ele caminha ao seu encontro.
Agnella – O que queres, Adelmo? Eu não conversarei um segundo contigo. Só te digo uma coisa: esquece que me viste aqui. Eu sairei agora. Tchau.
Ela dá as costas para ele.
Adelmo – Agnella, por favor, me escuta! Eu te amo, tu sabes que eu te amo! Eu… Não pretendo fazer-te nenhum mal… Deixa-me falar contigo, ao menos por um minuto…
Agnella – Não, Adelmo. Vá embora.
Adelmo – Se eu sair agora, eu contarei a todo o mundo que tu estás aqui.
Agnella se vira novamente para ele.
Agnella – Tu não terás coragem de fazer isso. Se descobrirem onde eu estou, me internarão de novo no convento… (Olha para baixo) E a minha chance de reencontrar Gustavo se irá novamente…
Adelmo – (Um pouco irritado) Gustavo, Gustavo! Pelo visto tu te encantaste por esse homem! Sabe-se lá o que ele teria feito contigo se ele não tivesse ido embora, e se tu não tivesse ido para o convento… Se estas foram as linhas tortas que Deus usou para não permitir que tu e ele fizessem nada de errado, que bom!
Agnella – Se o que tu sabes apenas me criticar, e falar mal de Gustavo, por que estás aqui? Para me entregar para a irmã Francisca?
Adelmo – Não! Pelo amor de Deus! Eu não permitiria que isso acontecesse! Olha só, Agnella, eu te prometo que não contarei a ninguém sobre ti. Mas eu só farei isso sob uma condição: a de que tu me aceites ao teu lado.
Agnella – Como? Aceitar ficar contigo? Casar contigo, é isso? De forma alguma! Meu lugar é ao lado de Gustavo! E mesmo se tu fores falar com os meus pais, tenho certeza de que eles preferirão me ver no convento, em vez de casada contigo. Porque foi isso que eles fizeram, quando estiveste de cama.
Adelmo – Eu não acredito em ti. Mas eu te darei uma chance, Agnella, porque eu te amo. Olha só: eu te esperarei. Eu te darei dois dias para pensares em voltar para casa e para mim, por vontade própria. Talvez eu te dê até mais do que isso. Se não aceitares, eu revelarei à tua família o lugar em que te escondes. Mas, de qualquer forma, eu conversarei com teus pais e os convencerei de que o melhor para ti é ser minha esposa.
Adelmo segura a mão de Agnella.
Adelmo – Podes confiar em mim. Eu estou à tua espera.
Agnella não olha mais o rosto de Adelmo, permanecendo calada.
Adelmo – Tudo bem se não queres falar nada. Eu te entendo. Até mais, minha amada. Até mais.
Cena 02: Termes. Casa de Giancarlo. Quarto de Gustavo.
Cecília – Tu disseste que te apaixonaste por outra mulher? (Ela fica envergonhada) Oh, me perdoe. Me perdoe, por favor. Eu não me preparei para isso, claro. Se tu quiseres, eu sairei agora, e te deixarei a sós.
Gustavo – Não, não. Não precisas. Eu também gostaria de te dizer isso. Nós nos surpreendemos muitas vezes com os sentimentos que criamos; e eu não esperava que isso fosse acontecer. Mas aconteceu… Só que aí eu… Tive que vir para cá. E é por isso que eu me sinto um pouco confuso, um pouco indeciso, sabe? Eu estou ciente do compromisso que fiz a… Digo, da promessa de nos casarmos. E do tesouro. Porém meu coração ainda não esqueceu a mulher que eu amei… Só que agora eu não me sentiria bem em te desapontar.
Cecília – De modo nenhum. Cada pessoa trilha um caminho diferente dos caminhos dos outros, e do caminho que os outros querem que cada pessoa trilhe. Eu confesso que a esperança de ser feliz, casando, mas também conseguindo o tesouro, era a minha esperança, e eu a alimentei desde sempre. Entretanto não é a minha intenção interferir na história de ninguém… (Ela abaixa a cabeça)
Gustavo – (Levantando a cabeça dela) Cecília, em nenhum momento eu disse que estavas interferindo na minha história. De um modo ou de outro, a minha história também está aqui, não é? Eu apenas… Não sei se o próximo passo que estou dando é o certo.
Cecília – Será que não haverá outra maneira de conseguirmos esse tesouro? Ele não é nosso por direito? Não foram de nossos avós, e eles não prometeram que ficaríamos com ele?
Gustavo – (Engole saliva; gagueja) Sim.
Cecília – (Os olhos voltam a brilhar) Então… Vamos falar com meu pai. Quem sabe ele não nos ajuda a encontrar uma nova saída para isso. Mas olha só: se isso não for possível, eu não serei egoísta. Da mesma maneira que eu quero ser feliz, eu também quero que as pessoas que estão ao meu redor sejam. E isso também te inclui. Por mais que seja uma atitude que eu não achei que teria que tomar, eu abro mão de tesouro, abro mão de herança, para que sejas feliz. E eu encontrarei uma nova felicidade. Estou ciente de que existem várias.
Cecília sorri. Gustavo retribui.
Gustavo – Eu não sei como te agradecer por isso. Tu estás sendo uma pessoa bastante boa. E, por que não dizer, surpreendente.
Cecília – Imagina. Tu que és bastante agradável em teus modos. Eu irei agora. Meu pai não gostará de me ver aqui. Com licença, cavalheiro, até o jantar.
Gustavo – Até.
Cena 03: Termes. Quarto de uma pequena estalagem.
Marlete – Eu ouvi bem? O senhor está afirmando que Gustavo não é a pessoa que afirma ser? Isso é impossível! Como pode dizer uma coisa dessas?
Brás – Eu estou afirmando o que eu sei. E eu sei porque eu vi.
Marlete – Ai, meu Deus, as coisas que o senhor fala não possuem nexo. Gustavo mostrou o colar que pertenceu ao seu avô e que era o sinal que Giancarlo esperava encontrar no legítimo herdeiro do tesouro!
Brás – Um colar! Algo tão fácil de ser obtido!
Marlete – O senhor quer dizer que… Ele roubou o colar? E o está usando para nos enganar? Certo, mas nesse caso o verdadeiro dono deve vir reivindicá-lo. E será ele quem terá acesso ao tesouro, e mais ninguém. Nem eu, muito menos tu.
Brás – A senhorita tira conclusões muito rapidamente. Porém a história ainda não acabou. Eu não expliquei como ele conseguiu o tal colar. (Brás se levanta e começa a passear pelo quarto) Bem, conforme eu havia dito, ele conseguiu o colar, mas não foi por meio de um simples roubo. Ele matou o homem que o estava usando.
Marlete – (Muito surpresa) O quê? Essa história está, está, ficando fantasiosa demais! Como ele matou, se é que isso é verdade?
Brás – Não foi propriamente uma morte. Ele foi negligente. Ao ver que o homem estava passando mal, o deixou morrer, assumindo a sua identidade e vindo buscar algo que não lhe pertence.
Marlete – E como o senhor pode me provar a veracidade disso? Como eu saberei que isso não é apenas uma invenção de sua cabeça para angariar um tesouro? Tesouro do qual, aliás, nunca ouviste falar, tenho certeza.
Brás – É, isso é fato. Só tomei conhecimento dele por meio desse Gustavo e do verdadeiro herdeiro. E me interessei por ele. Afinal, quem não gostaria de enriquecer de maneira fácil? Por isso eu estou contando à senhorita aquilo que eu vi, não que eu inventei. Para impedir que um charlatão ludibrie um homem de bem e assuma o que não é seu.
Marlete – E como o senhor, caro Magno, tem a certeza de que conseguirá uma parte desse tesouro?
Brás – Aí é que está a questão. Eu não tenho certeza. É por isso que preciso da senhorita para pôr em prática meu plano. Eu sei que também almeja essa riqueza. Então, eu repito à senhorita: não largarei do seu pé enquanto eu não conseguir o que eu quero, porque é só assim que eu terei a chance de transformar-me um homem rico.
Marlete – Pois bem. O senhor está tão veemente em sua fala, que eu aceitarei sua história, mas com ressalvas também.
Brás – Então irá me ajudar a torná-la pública?
Marlete – Vou pensar. No mais, cavalheiro, essa conversa foi de grande valia.
Eles se dirigem á porta. Brás a abre, e Marlete sai.
Marlete – Ah, e talvez, só talvez, eu o procurarei amanhã. E o senhor, por favor, não me importune mais, principalmente perto de casa. Não quero ser vista com o senhor. És… Repugnante.
Brás – Tsc, tsc, tsc. Não será fácil se livrar de mim, senhorita Marlete. Pode estar certa disso.
Cena 04: Termes. Casa de Giancarlo. Dia seguinte. Manhã.
Os quatro acabaram de sair da mesa do café da manhã. Gustavo e Giancarlo estão na sala de jantar.
Giancarlo – Rapaz, me perdoe. Tu me disseste ontem que querias conversar comigo, mas eu esqueci completamente. Estava tão cansado que a única coisa em que consegui pensar foi em dormir. Mas agora eu posso te ouvir melhor.
Gustavo – Tudo bem. Eu compreendo o senhor. Porém eu não poderia deixar esse assunto para depois. Ele é importante para mim.
Giancarlo – Pois não…
Gustavo – Talvez seja um grande atrevimento de minha parte, mas… (Ele olha para baixo) É difícil dizer isso… (Volta novamente a olhar para ele) Mas eu preciso confessar que eu não estou pronto para me casar com sua filha. Que talvez isso não seja o melhor a se fazer…
Giancarlo – (Surpreso, em um primeiro momento) Como?
Gustavo – Não me julgues mal, por favor. Não tenho nada contra o senhor, nem contra Cecília. O problema está em mim. Acontece… Que eu deixei um amor para trás antes de vir para cá. Eu me apaixonei por outra mulher antes de… Tomar o destino dessa cidade.
Giancarlo – (Começa a se enraivecer) E o que pretendes ao me falar isso? Por acaso irás abdicar de um acordo feito entre tua família e minha família? De um acordo feito para que tu mesmo ganhes um tesouro e fiques rico? Queres ficar rico, não é, Gustavo? Não tens poder para isso!
Gustavo – Eu gostaria apenas de sugerir que… Que talvez não fosse preciso que eu casasse com Cecília. Se os nossos… Avós, se eles reservaram essa herança para nós dois, talvez o simples fato de nos reencontrarmos seja suficiente para consegui-la, não? Ou, se for preciso um compromisso, que seja algo diferente de um passo tão sério quanto um casamento… Mas, como eu disse, isso é apenas uma… Sugestão…
Nesse momento, Cecília chega.
Cecília – Pai, se o senhor me permite… Eu não pude deixar de ouvir o que Gustavo disse. E eu acho que eu concordo com ele. Não seria possível que não nos fosse necessário casar para conseguirmos a herança dos nossos avós?
Giancarlo – (Veemente) Não! Não era isso que esse homem, o seu avô, queria. Nunca foi isso que ele quis! Essa não é uma decisão simples. Foi um compromisso feito entre dois homens de palavra, cuja decisão tem que ser respeitada, porque suas palavras têm que alcançar o efeito certo! Se o meu pai queria que Cecília e o neto de seu amigo se casassem, você, que só pode ser esse homem, e Cecília se casarão!
Cecília – Pai, mas e o amor que ele diz sentir por outra mulher? Não tens compaixão por ele? E se fosse entre o senhor e minha mãe?
Giancarlo – Não ponha o nome de sua mãe na história! Ela não tem nada a ver com esse erro que estás pensando em cometer. E quanto a ti, rapaz, eu realmente fico sentido por isso. Mas palavra é palavra.
Ele vai saindo, mas decide voltar.
Giancarlo – E no que diz respeito ao tesouro, quero deixar uma coisa bem clara: por uma questão de segurança, somente meu pai sabia onde estava o tesouro. Antes de morrer, ele me confiou a sua localização por meio de uma espécie de mapa, o qual eu escondi para evitar confusão. E, para respeitar o desejo de meu pai e de seu amigo, só trarei à tona esse mapa quando os dois estiverem casados. Então, esse assunto termina aqui. Agora, deixem-me ir para o trabalho.
Giancarlo sai mal-humorado. Antes de chegar à porta, passa por Marlete, que estava na sala de estar, e sai de casa.
Marlete – (Sorrindo) Um mapa… Sempre desconfiei. Um mapa…
Cena 05: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone.
Simone – Mal chegaste, e já irás sair, filha?
Inês – Sim, mãe, eu passei aqui apenas para dar-te um bom dia. Onde está Adelmo?
Simone – Foi ao rio, buscar água. Ele não cismou que voltará a trabalhar ainda hoje? Mas eu não sei se permito. Ainda estou com medo.
Inês – Eu acho que não precisamos mais ter medo. Quem sabe o trabalho não o ajuda a se recuperar? Ele sempre foi um homem trabalhador, responsável…
Simone – É, podes ser que estejas certa. Aonde vais agora?
Inês – Eu? Eu vou… Passear. Digo, vou para casa.
Simone – Filha…
Inês – Não te preocupes, mãe. Não estou fazendo nada de errado. Beijo.
Inês sai.
Simone – Os filhos crescem, mas continuam nos dando preocupações… Como Adelmo estará agora, meu Deus?
Cena 06: Povoado das Hortaliças.
Inês saiu da casa de sua mãe. Não percebeu quando Leonor dobrou a esquina.
Leonor – Hum… Quer dizer que Inês irá fazer uma de suas caminhadas misteriosas… Será hoje que eu descobrirei o que ela esconde!
Inês pegou o caminho para a casa de Pero sem saber que estava sendo seguida por Leonor. Ao chegar lá, deu duas batidas em sua porta, e partiu em direção à floresta. Instantes depois, Pero saiu de casa e foi ao encontro da amada. De longe, Leonor observou todo o movimento.
Leonor – Então é isso! Inês está se encontrando com (fala com desprezo) esse camponês! Mas quanto desgosto sua mãe terá ao tomar conhecimento disso…
Cena 07: Termes. Casa de Giancarlo. Exterior.
Gustavo está sentado à sombra de uma árvore em frente à casa de Giancarlo. Cecília se aproxima.
Cecília – Posso me sentar ao teu lado? Ou preferes ficar sozinho?
Gustavo – (Sorri) Sem problemas. Podes sentar.
Ela se senta.
Gustavo – (Suspira) Acho que depois da grande negativa que ouvimos hoje, não há mais escapatória, não é?
Cecília – Talvez não. Talvez sim. De qualquer forma, ainda acho que a palavra de nossos avôs não era tão rígida. Eles nem sabiam se seríamos um homem e uma mulher…
Gustavo – É uma pena que teu pai não entenda assim.
Cecília – Sabe, Gustavo, às vezes eu fico pensando… Como eram nossos avôs? Digo, naquele tempo? Meu avô Sandro morreu quando eu tinha doze anos, mas ele nunca me contou muita coisa do seu passado, a não ser o fato de ter encontrado o tesouro…
Um pássaro aparece em frente a Gustavo, e ele fica concentrado no animal.
Cecília – Mas ele nunca me disse como, e nem mesmo o nome do amigo dele. No caso… O teu avô. Como é mesmo o nome de teu avô, Gustavo?
Gustavo – (Um pouco disperso) Edetto…
O pássaro vai embora. Gustavo volta a prestar mais atenção a Cecília.
Cecília – Edetto… Um pouco diferente o nome de teu avô, não acha?
Gustavo – (Se dá conta do erro) Edetto? Não, não! Quer dizer, Edetto era o segundo nome dele! O nome dele era E… Emiliano. Emiliano Edetto.
Cecília – Mas e então? Como era teu avô? Tu sabes muito da vida dele? Conta! Eu gosto de ouvir histórias assim.
Gustavo fica apreensivo.
Cena 08: Rio dos Campos.
Adelmo chega ao rio. Após encher seu balde de água, ele decide voltar. Quando está entrando na floresta, no caminho para casa, o balde cai de sua mão, derramando a água. Ele desce do cavalo, apanha o balde e resolve ir novamente ao rio. Nesse momento, sua visão pousa, despropositadamente, em uma árvore. Sua cabeça começa a doer muito. Ele leva a mão até ela.
Adelmo – Ai, minha cabeça! Ai, que dor é essa que eu nunca havia sentido?
A dor o faz se ajoelhar. Ele volta a olhar para a árvore. As folhas embaixo dela voam. Seus olhos começam a doer. Sua visão se encandeia. Ele fecha os olhos. Nesse momento, imagens começam a se formar, desconexas.
Um homem e uma mulher, de feições indefinidas. Uma árvore. O rio. Depois, um lugar parecido com uma sala. Um objeto marrom. Água, roupa molhada? Outra árvore. Ou seria a mesma?
Palavras também vêm à sua mente, frases soltas.
Voz masculina – “Linda”
Voz feminina – “Te amo. Muito.”
Ele? – “Pecado gravíssimo…”
Outra voz masculina – “Podes contar o que quiseres.”
Voz feminina – “Vim oferecer a ele um pouco de água.”
Até que uma imagem se forma claramente em sua cabeça, e vem acompanhada do som de um baque seco.
Adelmo – Então foi assim que eu me acidentei… Mas… Por quê? Ai!
Ele volta a fechar os olhos. As outras palavras e imagens começam a se tornar mais nítidas e se encaixam como em um quebra-cabeça. Adelmo abre os olhos, que começam a ficar marejados.
Adelmo – Meu Deus! Não permita que isso seja verdade! Não permita que isso tenha acontecido de fato! (Uma lágrima cai do seu rosto) Agnella não pode ter cometido esse pecado! Também não foi ela que me causou o acidente… (Ele se levanta) Mas, se tiver sido, meu Deus, dá-me coragem. Eu preciso contar isso a seus pais. Talvez só assim eu consiga proteger minha Agnella dos perigos da vida e tê-la para mim, ao mesmo tempo… (Ele se dirige ao rio) Deus, Nossa Senhora, me ajudem, me perdoem, e perdoem também a Agnella. Eu tenho certeza de que eu sou o homem certo, o destino certo para esta tua pobre e inocente filha! (Se ajoelha à beira do rio. A água molha sua calça.) Somente eu!
Cena 01: Rio dos Campos. Manhã.
Adelmo está ajoelhado à beira do rio. A água molha sua calça.
Adelmo – Nossa Senhora, me ajude, me perdoem, e perdoem também a Agnella. Eu tenho certeza de que eu sou o homem certo, o destino certo para esta tua pobre e inocente filha! Somente eu!
Adelmo molha o rosto com a água do rio, enche o balde e sai.
Cena 02: Termes. Casa de Giancarlo. Exterior.
Gustavo ficou em silêncio, olhando para o “nada”.
Cecília – Então, Gustavo? Estás calado… (Ela abaixa a cabeça) Gostavas muito de teu avô, não era?
Gustavo – Não… Quero dizer, gostava dele sim. Mas quando ele se foi eu era muito pequeno. Não lembro quase nada dele. Imagens rápidas, dele me pegando no colo, me jogando para o alto… Coisas assim.
Cecília – E tu não sabes nada de como era a vida dele, de como ele achou esse tesouro?
Gustavo – Não. Meu pai morreu logo, também, logo depois da visita de teu pai. (Ele aponta para o final da rua) Aquilo ali é um cão?
Cecília – Sim, sim. Ele vive pelas ruas da cidade. Os padres não gostam muito dos cachorros, dizem que eles são a encarnação do… tu sabes quem. Mas todos aqui se apegaram a ele.
Gustavo – Eu tinha um em casa. Morreu de tão velhinho que estava, mas foi um grande caçador até o último dia de sua vida. Olha, aquele cachorro está vindo para cá. Ele é bravo?
O cachorro se aproxima de Gustavo, e vai logo colocando sua cabeça sob a mão dele.
Cecília – (rindo) Isso responde sua pergunta?
Eles sorriem e começam a brincar com o cachorro.
Cena 03: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Prudência está na sala, rezando.
Prudência – Deus, Nossa Senhora, e todos os santos, protejam a minha filha, onde quer que ela esteja! Tende piedade dela, porque é apenas uma garota que ainda não se livrou dos sonhos!
Nesse momento, alguém bate na porta. Ela abre.
Prudência – (Surpresa) Adelmo? O que fazes aqui?
Adelmo – Eu gostaria de conversar com o senhor Enzo. Ele se encontra?
Prudência – Infelizmente não. Saiu há pouco tempo para o trabalho.
Adelmo – Hum… É uma pena que não esteja aqui agora. A senhora pode me fazer um favor? Caso eu não possa estar aqui antes disso, avise a seu marido quando ele chegar que eu preciso falar com ele ainda hoje.
Prudência – E tu podes ao menos me dizer o conteúdo dessa conversa?
Adelmo – Eu prefiro explicar tudo quando Enzo estiver aqui. Enquanto isso… Passar bem, dona Prudência. Tenha um bom dia.
Prudência – Um bom dia para ti também, rapaz.
Prudência fecha a porta.
Prudência – Eu não sei por que… Talvez seja apenas uma preocupação de mãe… Mas eu sinto, meu Deus, que ele veio falar de Agnella… E agora, minha Nossa Senhora?
Cena 03: Termes. Quarto de uma pequena estalagem.
Brás – Não posso deixar de dizer que é uma surpresa para mim vê-la tão cedo, senhorita.
Marlete – Também não planejava vir agora. Mas eu decidi dar-te logo uma resposta para a tua oferta.
Brás lança-lhe um olhar inquisitivo.
Marlete – E a resposta é sim. Eu pensei bastante e decidi acreditar no senhor, conforme já havia feito antes. Só não entendi como o senhor pretende conquistar o tesouro depois de desmascarar o impostor.
Brás – Não tenho um plano. Essa parte eu deixo com a senhorita.
Marlete – Comigo? Então acha que eu estou tão interessada nesse tesouro quanto o senhor?
Brás – Tive a mais absoluta certeza de que tu não estás simplesmente preocupada em destruir uma mentira, desde que demonstraste o quão amargurada és pelo tratamento que te dão ali. Sei muito bem o que é querer se ver longe daqueles que nos tratam mal. Sabe, comigo foi assim.
Marlete – Então este rapaz te fez algum mal e o senhor quer se vingar… Entendi.
Brás – Não… Ele não tinha a nada a ver comigo, não até agora. Eu fui essa pessoa que uma vez tratou outra mal; e por isso fui expulso do meu lugar, da minha casa. Mas olha só onde estou agora: prestes a colocar minhas mãos em um tesouro! Como dizem, há males que vêm pro bem…
Marlete – A sua ambição não nega seu caráter. Porém estamos nos desviando do foco, não acha?
Brás – É verdade. E então? A senhorita sabe como agir depois para possuir o tesouro que não pertence a Gustavo?
Marlete – Talvez sim, talvez não. Tudo vai depender de um mapa… Se nós os encontrarmos logo, talvez nem mesmo seja preciso desmascarar ninguém. Podemos alcançar esse alvo apenas através dele.
Brás – (Sorri) Pode até ser. Mas a verdade… Ah, ela nunca é demais.
Cena 04: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Tarde.
Inês chega à casa da mãe. Encontra Simone e Leonor.
Inês – Que bom, mãe, vejo que a senhora está acompanhada! Tudo bem, Leonor?
Leonor – Comigo sim, querida. Não sei contigo.
Inês estranha.
Inês – Não entendi. Comigo está tudo ótimo. Não parece? O que a senhora acha, mãe?
Simone – Eu acho que está bem demais. E eu já sei o porquê.
Inês – (Um pouco evasiva) Eu continuo sem compreender nada. Do que a senhora e Leonor falam, mãe?
Simone – Do teu caso, Inês. Dos teus encontros com o camponês desprezível. Leonor viu quando vocês se encontraram e fez o favor de me contar.
Inês – Mas a senhora… É realmente surpreendente! Além de uma alcoviteira que não sabe arranjar os casamentos certos, afinal me uniu àquele maluco do Brás achando que ele era rico… É uma mexeriqueira que não consegue segurar na língua aquilo que não devia ver!
Leonor – Olha só, menina, eu exijo primeiramente respeito! Eu sou uma mulher mais velha que tua mãe, e não preciso ser tratada da maneira como estás me tratando! Em segundo lugar, era tu quem não devias estar namorando aquele Pero escondida dos outros. És uma viúva que perdeste recentemente o marido, e não podes pensar em casamento tão cedo! Talvez nunca mais!
Inês – Isso não é verdade!
Simone – São as leis de Deus, filha. Infelizmente, é assim que acontece. E mesmo que algum dia ainda possas voltar a construir uma família, eu farei questão de que Leonor me ajude a encontrar teu marido. E da mesma maneira como fizemos da primeira vez, faríamos agora: definitivamente, Pero não seria o escolhido! Então, Inês, trate de desfazer essa história o quanto antes possível. Não quero ver minha filha envolvida com um homem desses.
Inês – Quer saber de uma coisa? Eu estou cansada disso. Estou cansada de a senhora e essa alcoviteira intrometida influenciarem tanto minha vida. Eu já me casei, já estive sujeita a meu marido, e agora estou sujeita a Deus, apenas. (Diz claramente) Somente a Ele!
Inês sai furiosa, batendo a porta.
Simone – Eu vou atrás dessa menina. Eu não a criei tão mal assim,
Leonor – Deixa, minha amiga, deixa. O que ela pode fazer agora? Nada. Aquele Pero é um homem insignificante. E ela há de entender isso.
Simone – Tomara, Leonor. Tomara… (Ela respira) Mas vem cá, minha amiga, eu andei pensando… Eu já sou um viúva, e não posso mais me casar, apesar de às vezes me pegar tendo esse desejo… Mas e tu? Tu nunca foste casada… Nunca pensaste nisso?
Leonor – Mas é claro que sim! Porém eu acho que me ocupei demais com os casamentos dos outros, eu sempre gostei de ajudar as famílias… E, no final das contas, eu não sinto mis tanta falta de um casamento agora como eu sentia antes. Quer dizer… Não posso mentir – e vê se não conta isso a ninguém – mas nos últimos dias eu me surpreendi pensando em uma pessoa… Mas, por Deus, eu sei que isso não é bom. Ainda mais na minha idade!
Simone – O padre sempre disse: Deus nos castigará se mantivermos esses pensamentos. (Pensando) Mas como afugentar essas ideias?
Cena 05: Povoado das Hortaliças.
Inês saiu da casa da mãe atordoada. Decidiu seguir à casa de Pero. No final da rua de sua casa, passou em disparada pela irmã Francisca e pelo padre Santorini, sem notar sua presença.
Francisca – O que houve com esta moça? Minha experiência com jovens mulheres me permite ver quando há algo de errado em uma delas.
Santorini – A senhora vê coisas demais, irmã Francisca. Deixe Inês em paz e vamos prosseguir nossa segunda ronda de hoje em busca dos fugitivos.
Francisca – Tudo bem. Porém eu continuarei desconfiada da atitude furtiva dela. Furtiva demais…
Cena 06: Floresta próxima ao Povoado das Hortaliças.
Agnella está escondida na floresta, um pouco distante de Gregório e Valentina. Ela está olhando as flores de uma planta quando é surpreendida por uma voz.
Adelmo – Cuidado, Agnella, essas flores podem ser perigosas.
Agnella – Mas eu prefiro seus espinhos a tua presença. O que fazes aqui? Não quero te ver.
Adelmo – Vim apenas admirar tua beleza. Admirar a mulher que logo será minha.
Agnella – Eu já falei que eu quero Gustavo, que eu amo Gustavo…
Adelmo – E eu já te disse que conversarei com teus pais, Agnella. Tu não tens para onde ir mesmo. Mas não te preocupes. Eu garanto que não voltarás para o convento. Que independentemente de todos os teus erros, eu te perdoo. E que por isso eu sei que o melhor para ti sou eu. E agora, cara donzela, com licença. Tenho um assunto importante a tratar.
Agnella – Já estás indo tarde, cavalheiro. Até nunca mais!
Adelmo – Até logo!
Ele sai. Agnella se dirige a Gregório e Valentina, desesperada.
Agnella – Eu preciso sair daqui. Eu preciso encontrar Gustavo o quanto antes. Adelmo descobriu onde estou, e embora ele tenha dito que não permitiria que eu voltasse ao convento, não é dele que eu preciso… Só que eu não sei onde meu amor está… E o pior é que ninguém sabe, também. E eu só quero sair daqui depois que me disserem onde ele está.
Valentina – Agnella, isso está bastante perigoso. Adelmo pode não nos ter visto, mas se ele usar um pouco a cabeça, associará o teu esconderijo ao nosso. E, muito mais do que tu, eu não posso reencontrar esse povo. Nem eu, nem Gregório. Não é Gregório?
Gregório está pensativo.
Valentina – Gregório!
Gregório – P-perdão, eu me perdi em um pensamento. O pensamento de que eu tenho errado contigo, Agnella. Tenho te feito sofrer; mas porque eu acreditava, e ainda acredito, que o que eu sei não poderá te dar esperanças. Ainda assim, eu preciso te dizer algo.
Agnella – Mas o quê?
Gregório – É sobre Gustavo. Eu… Acho que sei onde ele está agora. Todavia eu receio que não poderás encontrá-lo.
Agnella – E… Por quê? Onde ele está? Eu estou disposta a ir a qualquer lugar, somente para vê-lo de novo…
Gregório – Ele deve estar em Jerusalém no momento. Lutando pela Guerra Santa. (Respira fundo) Isso se ele ainda estiver vivo.
Uma lágrima cai no rosto de Agnella.
Agnella – Como?
Cena 07: Termes. Casa de Giancarlo.
Cecília e Gustavo estão em seus respectivos quartos. E ambos, envoltos em pensamentos.
Gustavo – E agora? O que fazer? Por um momento eu achei que havia encontrado uma luz…
Cecília – Por que tanta rigidez em cumprir a palavra de meu avô? Sei que é uma forma de respeitá-lo… Oh, Deus, eu não quero ser rebelde, desobediente…
Gustavo – Eu não posso continuar mentindo… Esse tesouro só me afasta cada vez mais de Agnella… Do rosto de Agnella… E dos seus olhos, tão belos…
Cecília – Talvez haja uma maneira de encontrarmos esse tesouro, por nós mesmos. Talvez sejamos felizes então. Senhor, que eu não esteja errando…
Gustavo – Será que amar nos faz mesmo felizes? Amei, amo Agnella… E onde estou agora?
Cecília – Ou será que o amor é a chave principal para a felicidade, como dizem tanto?
Cecília segura o colar que está em seu pescoço – ele possui dois pingentes, um redondo de madeira com o desenho de signos emaranhados envolvidos por desenhos de folhas talhadas; o outro de metal, fino e comprido, com uma “protuberância” na ponta. Gustavo faz o mesmo com o colar que ele ganhou de Marconi.
Gustavo – Haverá um caminho diferente para ser feliz?
Cecília – Será que eu conseguiria encontrar uma felicidade diferente da que eu sempre esperei?
Gustavo – Eu quero apenas fazer o certo… Viver o que me fará realmente bem…
Cecília – Eu só espero não estar errando… Só gostaria de descobrir a chave para os problemas da vida…
Cena 08: Povoado das Hortaliças. Casa de Pero.
Inês está na sala da casa de Pero. Ele chega.
Pero – Inês? Por que estás na sala de minha casa? Não deverias aparecer por aqui!
Inês – Eu só vim porque eu precisava muito falar contigo, camponês. Desabafar.
Pero – Claro, minha flor silvestre. Se é assim, eu te escuto, te amparo, te protejo. Faço o que for preciso para te ajudar.
Inês – Na verdade, é algo que também te interessa. Diz respeito a nós dois. Leonor descobriu que estamos nos encontrando e contou tudo a minha mãe.
Pero – Mas isso é ótimo! Agora não precisamos mais esconder nada de ninguém! Dá até uma sensação de alívio!
Inês – Quanto mais eu tento acreditar que não és burro, mais tu me surpreendes, hein, camponês! Será que não percebes? Minha mãe te odeia! Ela não permitirá casamento nenhum, ainda mais agora que sabe que namorávamos em oculto. E o pior é que eu sou uma viúva, e se isso chega aos ouvidos do padre e da antipática irmã Francisca, eles farão tudo para me separar de ti, Pero!
Pero – Não! Isso não acontecerá!
Inês – Foi por isso que eu fiquei com bastante raiva e saí da casa de minha mãe cheia de pressa para vir aqui. Eu estou cansada, cheia de depender de minha mãe para tudo, e de vê-la confiando naquela alcoviteira curiosa que se diz sua amiga. Eu não sei o que farei, mas eu sei que eu não quero me separar de ti.
Pero – Nem eu, Inês. Nem eu.
Pero olha pela janela.
Pero – Eu acho melhor sairmos daqui. Ninguém pode nos ver. Vamos para a floresta. Lá estaremos mais seguros.
Inês – Em compensação, estaremos em companhia daqueles três, incluindo a tal Valentina. Mas tudo bem. Ela não é meu maior problema agora.
Pero – Inês, Inês, não sei o que faço contigo e com esse teu gênio petulante…
Ele ri. Os dois seguem para a floresta.
Cena 09: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Prudência e Enzo estão na sala, acompanhados de Adelmo.
Enzo – Então, rapaz, que conversa é essa que desejas ter comigo? Não irás me dizer que lembraste de alguma coisa que já aconteceu e tu achas que não?
Adelmo – Por favor, senhor, não zombe de mim e das sequelas do meu acidente. O que eu vim falar ao senhor é algo sério, e eu tenho certeza de que nem o senhor nem sua mulher sabem. Aliás, poderiam já ter sabido, uma vez que eu venho dizer o mesmo que não disse um mês atrás devido ao incidente com Agnella e a jarra d’água, e posteriormente o acidente na floresta.
Enzo – (Ficando bastante interessado) E do que se trata, então?
Prudência – Eu… Tenho certeza de que não deve ser nada tão grave, não é, rapaz?
Adelmo – Pelo contrário, senhora. É muito grave. Porém eu digo desde já que tenho uma solução a propor. Como o senhor e a senhora já devem ter pensado, trata-se mesmo de sua filha e minha amada, Agnella. Eu vim dizer-lhes o que eu vi um dia antes daquele fatídico dia, e me lembrei hoje mesmo, no rio.
Adelmo revela o que viu entre Agnella e Gustavo, no dia em que eles se amaram embaixo de uma árvore, no Rio dos Campos. Revela também sua conversa com ela, em que ele ameaçou contar tudo a Enzo.
Adelmo – E eu inclusive acho, com todo o pesar do mundo, que foi devido a essa jarra d’água quebrada por Agnella em minha cabeça, que eu perdi o equilíbrio e o controle do cavalo e me acidentei floresta adentro.
Enzo – (Esbravejando) Mas isso é um disparate total! É, é um absurdo! Minha filha não seria capaz disso! Eu me recuso a acreditar em uma mentira dessas!
Adelmo – O senhor irá me perdoar, mas eu estou apenas contando o que eu vi. E o senhor precisa saber que eu também sofri ao ver Agnella sendo enganada, usada, desvirtuada por aquele homem despudorado! O meu amor por ela é verdadeiro, senhor. E eu só quero o melhor para ela, assim como o senhor e a sua esposa.
Enzo – Isso foi culpa tua, Prudência! Tua! Devias ter ensinado direito o que era certo a nossa filha!
Prudência – Eu… Simplesmente não sei. Pode ser que sim, meu senhor. Mas e se ela tiver sido enganada, como esse rapaz diz? Ela sempre foi uma moça delicada e inocente…
Enzo – Certo… Porém agora ela ficará assim, solta? O correto seria casá-los, já que pecaram. Mas não sabemos onde Agnella está, nem sabemos onde o tal rapaz está. (Respira fundo) E eu sinceramente ainda prefiro vê-lo longe! Aliás, nunca mais vê-lo!
Prudência – Talvez o melhor para nossa filha, depois de a encontrarmos, seja voltar para o convento. Continuar se dedicando a Deus, e pagar assim por esse pecado.
Adelmo – Não! Por favor, me escutem! Eu disse que tinha uma proposta para fazer-lhes. Eu… Eu sei onde Agnella está. E eu estou disposto a perdoá-la pelo seu erro, a esquecer o que ela fez, o que foi obrigada a fazer por aquele homem, se o senhor, Enzo, me permitir casar com sua filha. O senhor me concede a mão de Agnella em casamento?
Cena 10: Floresta próxima ao Povoado das Hortaliças.
Agnella – Tu disseste que ele pode estar morto?
Gregório – Sim, Agnella. Perdoe-me por ter permitido que ficasses iludida por tanto tempo. Eu só queria te proteger e não te iludir ainda mais…
As lágrimas caem do rosto de Agnella aos poucos.
Agnella – Isso… Não importa. Nada importa. Nada além do meu amado…
Gregório – Por favor, Agnella, não alimentes esse sonho que não poderá se realizar…
Agnella – Pode sim. Agora que eu sei onde ele está, eu quero ir para Jerusalém.
Gregório – Mas isso é impossível! É uma loucura! Teríamos que percorrer um longo caminho até chegarmos lá. Além do que o lugar está em guerra!
Agnella – Eu me encontrarei com Gustavo, mesmo que esteja morto.
Gregório – Mas Agnella…
Valentina – Espera, Gregório. Agnella pode ter razão.
Gregório – Em querer ir para Jerusalém? Não há lógica nisso!
Valentina – Não, não exatamente em ir para Jerusalém. Mas em sair daqui. Nós não podemos mais continuar nesse lugar. Passamos tempo demais aqui, e uma prova disso é que já fomos descobertos. Ainda hoje podem aparecer o padre, a irmã Francisca e os meus senhores feudais, para nos levarem embora.
Gregório – Isso eu entendo. Porém para onde iremos? Jerusalém é um destino impensável.
Agnella – Para vocês, sim. Para mim, não…
Valentina – Gregório, se Gustavo foi para essa Guerra Santa, ele deve ter ido com a companhia do padre, não é?
Gregório – Sim, claro. Eles foram juntos até o porto, e de lá somente os combatentes partiram para a Guerra.
Valentina – E tu sabes o caminho até esse porto?
Gregório – Sim, eu sei. O meu seminário se localizava entre os dois locais – a igreja e o porto –, e eu frequentemente percorria esse caminho. Mas não tu pensas em partir para lá não, ou é?
Valentina – É a nossa única saída. É o único lugar certo para onde podemos ir agora.
Gregório – Como podemos ir? A pé? Seria impossível chegarmos lá vivos! E poderiam nos encontrar antes disso!
Valentina – A cavalo, talvez. (Frustra-se) É… Realmente, o transporte é nosso maior problema.
Pero – E quem disse isso?
Surpresos, Valentina, Gregório e Agnella se viram para trás. Pero está acompanhado de Inês.
Valentina – Pero? O que fazes aqui? Estavas… Nos ouvindo?
Pero – Não pude não ouvir. E, se depender de mim, haverá sim uma maneira eficiente de chegar até o porto.
Agnella – Como? Como??
Pero – Nas minhas carroças. Tudo de que eu e minha Inês precisamos agora é ficar longe desse lugar. Eu decidi. Nós também iremos com vocês até o porto, até Jerusalém, até onde for preciso para sermos felizes!