CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 12
Cena 01: Igreja del Fiume. Sala do padre. Manhã.
Gregório – Por favor, Valentina, me fala a verdade. Por que queres tanto fugir? (Ele baixa a cabeça, e a levanta novamente) Aliás, quem és tu?
Valentina recua. Ela se vira, tentando fugir dos olhares de Agnella e Gregório.
Valentina – Tu me venceste. Tantos dias em rota de fuga, escondendo quem eu sou. Buscando um lugar seguro, mas eu nunca encontrei… Nem mesmo quando cheguei a um povoado que fica aqui perto, e ainda de lá eu tive que fugir…
Agnella tem um estalo de memória.
Agnella – Claro! Eu tinha a impressão de te reconhecer de algum lugar antes de ires para o convento, porém não me lembrava de onde. Tu és a mulher que roubou as roupas de Nieta enquanto ela tomava banho no rio, não é? Por isso tu fugiste…
Gregório – (confuso) Eu não estou entendendo nada do que vocês falam. Calma, por favor. (Vira-se para Valentina) Como assim roupas? Tu és ladra, então? E por isso estás fugindo?
Valentina – Não, não! Essa história das roupas foi o seguinte: eu estava fugindo há bastante tempo, e minha roupa já estava rasgada. Eu não tinha condições de usá-la mais. Quando eu cheguei ao rio, vi que uma mulher estava tomando banho…
Agnella – A Nieta.
Valentina – Que seja, quem era não importa. Então eu aproveitei a oportunidade e peguei as suas roupas. Para poder estar mais apresentável para as pessoas que eu encontrasse pela frente, entende? Eu imaginei que essa mulher vinha de algum povoado… Troquei minhas roupas, e foi quando eu avistei o povoado de onde ela vinha.
Agnella – E de onde eu vim também.
Gregório – Sim, eu me recordo dessa história… Eu só não imaginava quem era a tal ladra. Mas, Valentina, não demores mais: agora eu sei que tu estás fugindo há bastante tempo. Mas não sei por quê. Nem quem és! E, se eu não souber, terei que prosseguir para minha ordenação.
Valentina – Não! Se essa é a única maneira de confiares em mim, então eu serei sincera. Em primeiro lugar, meu nome de batismo não é Valentina. Eu me chamo Iasmin. Porém eu não gosto do significado. Eu não quero ser uma pessoa delicada como uma flor. Por isso eu mudei meu nome, porque pra fazer o que vim fazendo eu precisei de coragem. Eu precisei ser forte, precisei ter valentia e ousadia. E eu precisava ser conhecida por um nome diferente do que eu tinha.
Gregório – Então… Nem o teu nome é verdadeiro?
Valentina – Não! Pelo contrário! É o nome que eu escolhi para mim, porque é o nome que diz de verdade quem eu sou! (Faz uma breve pausa; respira fundo) Eu sou uma serva. E eu estava fugindo do feudo onde eu cresci.
Gregório ficou estupefato. Agnella, também, muito surpresa.
Gregório – Uma… Serva?! Mas isso é errado! É contra as leis, contra a sociedade, contra tudo que está estabelecido!
Valentina – Mas eu não podia continuar presa… A vida de um servo é uma vida de prisão. Nós não vivemos a vida que queremos. Estamos presos ao trabalho árduo, aos impostos excessivos, à terra onde nascemos e à própria condição de servos! Mas eu não nasci para ser presa! Eu consegui fugir de lá… Até porque eu nunca acreditei nessa história de que existem monstros na floresta. Mas, quando eu pensei que seria livre, eu fui presa de novo por um maluco que quis fazer coisas erradas comigo, um homem casado, inclusive. Mais uma vez, tive que ir embora de lá. Estava fraca, sem comer, e até me perdi na floresta. Então cheguei à casa de um homem, um homem bondoso. Ele me ajudou a sair definitivamente daquele lugar.
Gregório – Pero…
Valentina – Entretanto, onde eu fui parar? Em um convento, em outra prisão, pensando que em pouco tempo fugiria de lá. Enganei-me. Foram dois meses. Dois meses! Dois meses dormindo e acordando em um quarto escuro, dois meses sendo forçada a limpar o convento todos os dias, e a igreja às vezes. Aliás, foi aí que eu te conheci, Gregório. Aos poucos, eu percebi que tu não vivias com alegria. Parecia que não estavas contente com a roupa que usavas… E hoje, enfim hoje, eu consegui fugir de lá, junto com Agnella. Mas ainda assim, nós precisamos sair daqui. Já devem ter descoberto que nós fugimos, e devem estar à nossa procura. (Com olhar suplicante) Vamos logo, por favor.
Gregório, a essa altura, tinha desabado na cadeira. Estava perplexo.
Gregório – É difícil para mim, é difícil para ti… Seria uma atitude errada de minha parte se eu concordasse em fugir com uma serva. Pelo menos eu achava isso, que em um caso assim eu deveria te entregar aos teus senhores. Aliás, por que tu escolheste exatamente hoje para fugir? Sabias da minha ordenação, não era? Mas por que não vieste antes?
Valentina – Confesso que eu realmente sabia da tua ordenação. Ouvi uma conversa do padre contigo. Mas eu não fazia a mínima ideia de como sair do convento, e eu só vim descobrir que havia uma chance há poucos dias, quando encontrei um corredor secreto, subterrâneo, cuja entrada fica ao lado da sala da freira, a irmã Francisca. E hoje houve uma reunião geral na sala de entrada do convento, e por isso todas as freiras e noviças estavam por lá. Além disso, eu vi uma coisa que me alarmou extremamente. Duas pessoas, na verdade…
Agnella – Pessoas? Que pessoas? Eu não vi ninguém.
Valentina – Os meus senhores feudais. O Sr. e a Sra. Schiartoni.
Cena 02: Convento. Sala de entrada.
Todas as noviças estavam alinhadas. Francisca já as havia examinado, junto com Edetto e Izabella.
Edetto – Não, não! Nenhuma delas é a minha serva fugida.
Izabella – Pelo visto fomos informados errado.
Edetto – Isso também não. Confio plenamente no meu servo que disse tê-la visto na Igreja. Todas já foram apresentadas, irmã Francisca?
Francisca – Não. Estão faltando duas.
Edetto – (Tem um estalo de memória) Irmã Francisca… Acho que eu sei por que a senhora não pôde nos informar antes! O meu homem de confiança descobriu que Iasmin, minha serva, havia se apresentado com um nome diferente. Justamente esse… Valentina…
Francisca – (Começando a ficar preocupada) Gertrudes, por que a irmã Valentina e a irmã Agnella não estão aqui? Onde elas estão?
Izabella – Agnella… Quer dizer que a moça com quem íamos casar Gustavo veio parar no convento? Admito que estou surpresa com isso.
Edetto – Eu a reconheci entre as noviças. Aliás, eu a vi por um instante, exatamente na porta dessa sala, mas, quando a olhei novamente, ela não estava mais lá. Parece que fugiu…
Francisca – Impossível! Impossível! Não existe nenhuma maneira de fugir desse convento. Gertrudes, e as outras irmãs, vão, agora, procurar essas duas! Elas têm que estar em algum lugar aqui.
As outras freiras e noviças começam a busca. Aos poucos, grupos de mulheres vão chegando a Francisca e afirmando não terem encontrado ninguém, até, por fim, mais ninguém tê-las achado.
Francisca – Vocês são mesmo incompetentes! Como vocês permitiram-nas fugir? Quanto desleixo ter deixado a porta da frente destrancada!
Gertrudes – Mas nós não deixamos! Eu garanto à senhora que ninguém passou por aquela porta!
Francisca – Mas… Mas… Como elas fugiram? (Ela pausa, e passa a dar volta em torno de si mesma) A não ser que… Mas isso é impossível! (Se dirige a todos) Fiquem aqui!
Então, a irmã Francisca parte em direção à sua sala. Ao chegar lá, nota a ausência dos lampiões que ficavam na antessala.
Francisca – (Dá um grito rasgado) Ahhh! Como aquelas duas malditas descobriram o corredor? Só se foi enquanto a irmã Valentina realizava a limpeza. Que desatenção de minha parte… Bem, mas se as duas fugiram por aqui, elas só podem estar em um lugar.
Cena 03: Igreja del Fiume. Sala do padre.
Gregório – Esses dois… Eles chegaram a passar uns dias aqui, quando Gustavo foi…
Agnella – Noivar comigo… Ele ia noivar comigo… Eu quero achar Gustavo! Vamos logo… Por favor…
Valentina – Por pouco nós não nos encontramos! Estivemos tão perto… Mas agora é urgente. Já demoramos demais aqui. Quanto mais conversarmos, pior será. Gregório, há alguma maneira de fugirmos daqui sem ser pela frente?
Gregório – Não… Quer dizer, acho que há, sim.
Gregório começa a mexer nas gavetas da mesa do padre.
Valentina – O que estás procurando?
Gregório – Uma chave. Eu tenho certeza de que já vi o padre Santorini trazer uma cópia da chave de seu quarto para cá.
Gregório, então, abre uma gaveta. No final dela, encontra um fundo falso, e o retira. Não encontra nada. Então, ele retira o pedaço de madeira que tapava o fundo falso.
Agnella – O que vais fazer?
Gregório – Essa madeira não é maciça. Nem inteira.
Então, ele separa a “tampa” em dois pedaços, cuja divisão é quase imperceptível. No meio, uma cavidade devidamente raspada na madeira guarda uma chave.
Gregório – É agora ou nunca. Vamos!
Cena 04: Nave da Igreja del Fiume.
A igreja estava cheia. Pessoas de todos os povoados ao redor vieram para presenciar a ordenação do mais novo padre da região.
Leonor – Será que ele conseguirá ser um bom padre?
Simone – Leonor, Gregório está aqui já tem um tempo, os povoados todos o conhecem. Eu vi o quanto ele se dedica a ajudar o padre aqui. Ele deve ser, sim, um bom padre.
Leonor – Mas será que ele exercerá o chamado divino como o padre Santorini? Esse sim tem sido muito bom para todos nós.
Simone – Somente saberemos quando o virmos no cargo. Mas, falando no padre… Quem é aquele senhor ao lado dele? E eu não estou falando do bispo Ricardo. Esse aí todos conhecem. Mas o outro… Eu não sei quem é.
Leonor – Simone, esse daí não é o pai do seminarista? O nome dele, se não me engano, é Ottavio. Ele é viúvo. Perdeu a mulher quando o menino estava no seminário.
Simone – Ele não parece ser tão velho, para um homem que perdeu a mulher… Pelo contrário, ele parece ser um homem forte, resistente. Será que ele ainda sente muita falta da sua finada esposa?
Leonor – Mas será? Faz um tempo, já, que ela morreu. Um homem tem que saber superar as dificuldades. Claro, as pessoas são diferentes. Mas ele parece ser um homem, como se diz, respeitoso.
Simone – Realmente. Bastante respeitoso. Mas, vem cá, essa ordenação não está demorando demais pra acontecer?
Leonor – Realmente. Olha, o padre parece estar ansioso.
No altar, o padre,o bispo e Ottavio.
Ottavio – Já faz um tempo que o sino tocou, mas Gregório não apareceu.
Ricardo – E não podemos esperar mais tanto tempo.
Santorini – Acho que deveríamos ir até lá. Talvez ele tenha se empolgado com algum sermão, e nem tenha prestado atenção ao sino.
Ricardo – Vamos chamá-lo, então.
Eles saem da nave, se dirigindo à sala do padre.
Ricardo – Só espero que, no futuro, ele não cometa os mesmos atrasos. Um padre tem que ter responsabilidade quanto a todos os aspectos da vida.
Ottavio – Meu filho é responsável, Bispo. Garanto isso ao senhor.
Eles chegam ao destino. Quando abrem a porta, encontram a sala vazia. Eles se desesperam.
Santorini – Mas o que houve? Onde ele está? Gregório! Gregório! Onde está, Gregório? Cadê você?
Ottavio – Para onde ele foi, Senhor?
Ricardo – Padre Santorini, o que aconteceu? Ele não está aqui. Para onde ele pode ter ido?
Santorini – Não sei, não sei. Pode ser que ele esteja nos seus aposentos. Vamos conferir.
Cena 05: Igreja del Fiume. Quarto do padre.
Já dentro do quarto, Gregório tranca a porta usando a chave extra encontrada na sala do padre.
Valentina – E agora? Qual o caminho?
Agnella – Por onde a gente sai? Vamos, vamos, precisamos chegar lá fora.
Gregório – (Um pouco nervoso) Eu acho que ouvi uma vez o padre conversando com a irmã Francisca sobre uma segunda saída, que estava aqui, no quarto dele. Mas daí eu tive que sair rapidamente (na verdade nem prestava tanta atenção na conversa), e quando voltei, eles já tinham mudado de assunto. Falavam, acredito, sobre a iluminação da igreja. Bem, de qualquer forma, temos pouco tempo…
Agnella – Tu nos trouxeste aqui para ficarmos presos? Se não sabias como sair, por que nos trouxeste para cá? Eles nos descobrirão!
Gregório – Me perdoe, mas temos que tentar. Aqui, em algum lugar, há uma saída. Iremos achar.
Valentina – Eu acho que sei onde ela está.
Gregório e Agnella se viram para ela, surpresos.
Agnella – O que disseste?
Valentina – Não percebes, Agnella? Iluminação… Lampiões… Lembra?
Gregório – Como? Eu estou perdido. Me expliquem, por favor.
Valentina – Não dá tempo. Estes lampiões à tua frente. Troque-os de lugar, colocando-os sobre seu apoio, ao mesmo tempo.
Agnella – Claro!
Gregório – Bem, se é assim que queres…
Gregório faz a troca. Blocos de pedra que estão na parede se movem, abrindo um estreito corredor dentro da grossa parede.
Valentina – Só pode ser por aqui.
Eles entram no corredor.
Cena 06: Nave da Igreja del Fiume.
Santorini, Ricardo e Ottavio estão voltando da busca por Gregório.
Ricardo – Nada! Padre, precisamos de explicações! A cerimônia de ordenação precisa acontecer! Para onde esse seminarista foi?
Santorini – Continuo sem nem imaginar, Bispo! Já investigamos todos os possíveis lugares onde ele poderia estar. E se ele quisesse sair, teria que passar por aqui. E nós o teríamos visto.
Ricardo – E se ele tiver fugido?
Ottavio – Não, não! Ele não faria isso! Tornar-se padre sempre foi o sonho dele, o nosso sonho! Ele não faria!
Ricardo – É necessário considerarmos todas as possibilidades. E se o rapaz tiver passado por aqui enquanto nós estávamos procurando por ele?
Santorini – Não, não! As pessoas o reconheceriam, e estranhariam o fato de ele ter saído.
Ricardo – Porém, se ele tiver tido a intenção de fugir, pode ter conseguido se disfarçar de alguma maneira, e ter saído daqui. Acho prudente nós irmos até lá fora, ele pode estar por perto ainda.
Os três passam no meio do povo, que começa a estranhar.
Pero – Que estranho… Por que eles estão saindo?
Simone – Alguma coisa deu errado. Bem que eu estava desconfiando dessa demora…
Leonor – Mas onde está o seminarista?
Enzo – É verdade. Onde está o rapaz que será o novo padre?
O povo começa, aos poucos, a se alvoroçar. Alguns saem e vão atrás dos três homens. Estes, aliás, ao chegarem ao lado de fora, se encontram com Francisca, Edetto e Izabella, vindos do convento.
Santorini – O que houve? Parecem apressados, irmã Francisca. Aliás, sr. e sra. Schiartoni, estou surpreso. Por que estão aqui?
Edetto – Um assunto relativo ao nosso feudo. Descobrimos que uma serva fugida esteve no convento da irmã Francisca.
Ricardo – Como?
Francisca – É isso mesmo. A irmã Valentina, padre, ela nos enganou. Usou nosso convento para violar uma lei divina, a da obediência. E ainda mentiu ao se apresentar com um nome falso. Aliás, foi o senhor, Pero, quem a trouxe até aqui, dizendo que ela era de sua família.
Pero – Eu, eu… Eu também fui enganado. Não fazia a mínima ideia de que ela era uma serva. Apenas a vi tão sozinha, desamparada, e achei que ela teria uma vida melhor caso se dedicasse a Deus.
Santorini – Eu espero realmente que estejas sendo sincero, Pero.
Izabella – Todavia ela não está mais no convento.
Francisca – Nem ela, nem a outra moça, a Agnella.
Prudência – O que disseste, irmã? Minha filha não está no convento? Onde ela está, então? Onde ela está?
Francisca – Eu não sei. (Olha fixamente para o padre, e fala de modo claro, pausado) Sei apenas que as duas fugiram, mas não sei absolutamente para onde.
Prudência – Mas por que ela fugiu? Por quê? A senhora não sabe? Marido, nossa filha fugiu! Precisamos encontrá-la!
Enzo – Ela vai aparecer, Prudência. Tenho certeza de que a irmã Francisca e o padre Santorini sabem o que fazer para a acharmos. Ela não deve estar longe.
Ricardo – Que curioso. Três pessoas desaparecem, ao mesmo tempo, duas do convento, e uma da igreja. Padre, é preciso admitir então que o seminarista só pode ter fugido.
Ottavio – Fugido? Mas não, não! É impossível! (Uma lágrima cai) Meu filho não pode ter feito isso com o pai!
O alvoroço se instala definitivamente. A irmã Francisca se aproxima de Santorini, e eles passam a conversar em um tom baixo, com discrição.
Francisca – Eles só podem ter escapado juntos. Eu já estava desconfiada daqueles dois. E aquela outra moça, que parecia ainda estar iludida sonhando com o casamento que não aconteceu…
Santorini – Não sei, irmã. Não sei… Como eles se encontraram?
Francisca – Isso é tão óbvio, padre! Nós dois sabemos como eles se encontraram. E que caminho eles devem ter usado para sair.
Santorini – Precisamos conferir isso, irmã. Vamos até meu quarto.
Francisca – Não é necessário. Só há uma maneira de sair dessa igreja, sem ser pela porta da frente. E é também óbvio que eles não usaram a porta da frente. É preciso, padre, fazer esse povo se ocupar, mandar essa gente procurar por eles. Sabe o que aconteceu? Eles saíram pela porta da frente. E não estão longe.
Santorini – (Se separa da irmã, e volta ao tom normal) Bispo, eu tenho que ceder: não deve haver outra explicação. (Falando alto, agora) Meus irmãos! Hoje algo de inesperado aconteceu aqui. Um irmão nosso, que estava próximo de assumir definitivamente o seu compromisso com Deus, declinoudele, por algum motivo. E o mesmo vale para outras duas irmãs, que somente há pouco tempo ingressaram no convento, mas parecem estar inseguras quanto à sua vocação. Precisamos encontrá-los, trazê-los de volta para este lugar, onde eles deveriam estar agora. Nós contamos com a ajuda de vocês nessa missão. Os três fugitivos, que, de alguma maneira que desconhecemos, passaram por vocês sem serem percebidos, não devem estar longe da igreja. Por Deus, pela missão de contribuir com Ele, eu peço a todos que se esforcem para achá-los! Procurem aqui ao redor, e se não os encontrarem, procurem no caminho para seus povoados, ou em seus próprios povoados! Mas, de forma alguma, encobertem essa atitude que desagradou a Deus. A Igreja necessita do apoio de vocês, meus irmãos.
Sob este discurso, o povo começou a se mexer. Começou-se uma confusão, as pessoas correndo por todos os cantos. Mas ninguém achava nada. Ninguém também se atrevia a entrar na floresta fechada. Com isso, o povo foi se dispersando aos poucos, à procura dos fugitivos. Ficaram apenas o padre, o bispo, a irmã Francisca, Ottavio, Edetto e Izabella.
Ricardo – Será que dará certo?
Santorini – Não sabemos.
Ricardo – Aliás, padre, o senhor deve uma explicação: por que esse rapaz fugiu?
Ottavio – O senhor estava com meu filho por mais tempo do que eu, padre. O senhor sabe o que aconteceu com ele, não sabe?
Santorini – Também não sei. Não eu estou compreendendo nada. Esse dia está confuso. Preciso pensar, tentar entender.
Francisca – Mas além disso é preciso agir. E com inteligência. Se eles chegarem nos povoados, com certeza serão vistos e denunciados. Se não, só poderão estar em um lugar: a floresta. E alguém precisa procurá-los lá.
Edetto – Porém, se tratando de floresta, preciso lembrar que Iasmin, ou Valentina, é uma especialista. Ela nunca temeu a mata, e já havia tentado fugir do feudo uma vez. Dessa vez conseguiu. E eu creio que somente homens destemidos, como esses que vigiam os servos nos feudos, serão capazes de encontrá-los caso estejam no bosque.
Santorini – Sendo assim, paciência.
Francisca – Paciência, e muita atenção. Não podemos deixá-los soltos, por aí.
Cena 07: Termes. Casa de Giancarlo. Final da tarde.
A porta da casa de Giancarlo é aberta por Cecília. Gustavo entra.
Cecília – Boa noite, senhor. Pode entrar.
Gustavo – Obrigado, senhorita. Uma boa noite a ti, e ao teu pai, também.
Giancarlo – Boa noite, senhor… Gustavo, não é mesmo? A minha filha Cecília me convenceu a recebê-lo para o jantar hoje. Bem, mas o senhor disse que precisava conversar comigo. (Ele dirige seu olhar à filha, que sai da sala) E eu gostaria de saber, antes de comermos, do que se trata. Aliás, quem é o senhor mesmo? E porque está aqui?
Gustavo – Bem, eu não sou uma pessoa boa de discursos… Mas eu tenho comigo algo que pode explicar ao senhor, melhor do que eu, a minha missão aqui esta noite.
Nesse momento, uma mulher chega à sala, vinda da parte de dentro da casa.
Giancarlo – Ah, sim, permita-me apresentar esta moça logo ao senhor. Esta é Marlete, a sobrinha de minha falecida mulher, filha de seu irmão. Ela mora aqui em casa há muito tempo, desde que perdeu os pais. Marlete, este é Gustavo, um visitante ainda… Desconhecido. (Ele ri no canto da boca)
Marlete – Boa noite, senhor.
Gustavo – Boa noite para a senhorita.
Giancarlo – Agora, ela nos dará licença rapidamente. Não é mesmo, Marlete?
Marlete – Claro, senhor. A seu dispor.
Ela sai.
Giancarlo – Voltando ao nosso diálogo. Tu disseste que tens alguma coisa que irá responder a minhas perguntas?
Gustavo assente com a cabeça. Ele coloca a mão no pescoço, e puxa o colar, que estava escondido sob a camisa. Ao ver o objeto, Giancarlo fica paralisado.
Gustavo – Senhor? Senhor, está bem?
Giancarlo – (Se recuperando) Sim, sim! (Fica eufórico) Então és tu! És tu! Oh, Deus, ele veio!
Gustavo – Sim, senhor, eu… (É interrompido)
Giancarlo – (Se levanta, efusivo, sorrindo, emocionado) És tu, então, o homem prometido para se casar com minha filha! Com a minha Cecília!
Dessa vez, é Gustavo quem fica paralisado, em choque.
Giancarlo – Eu sabia que em qualquer momento tu aparecerias. À medida que os anos passavam, eu sentia que estava mais perto de tua vinda. Mas, diz-me… Onde está teu pai?
Gustavo começa a se recompor.
Gustavo – O que disse, senhor?
Giancarlo – Teu pai? Ele veio contigo?
Mil e uma coisas passam pela cabeça de Gustavo. Ele se decide por uma delas.
Gustavo – Ah, meu pai? Ele… Morreu. Infelizmente.
Giancarlo – Meu Deus… E isso faz quanto tempo?
Gustavo – Anos, já. Foi logo depois que o senhor voltou da visita a nossa casa.
Giancarlo – Oh, eu sinto muito.
Gustavo – Obrigado. Isso aconteceu há muitos anos. E eu tenho conseguido superar. Mas…
Giancarlo – Mas essa noite nós precisamos comemorar. Comemorar a tua chegada. Cecília! Marlete! Venham à sala! Tenho uma notícia muito importante para dar!
As duas chegam.
Cecília – Pois não, meu pai?
Giancarlo – Minha filha, minha enteada, eu tenho o prazer de informar que esse homem que veio até nós esta noite em breve fará parte dessa família. Ele será meu genro. Teu futuro marido, Cecília!
Cena 02: Floresta ao redor do Povoado das Hortaliças. Final da tarde.
Três pessoas andam pela floresta, até encontrarem uma clareira.
Valentina – Graças a Deus achamos este lugar. Nós precisamos dormir.
Gregório – Só espero que não nos encontrem enquanto estivermos dormindo.
Valentina – Ninguém nos encontrará enquanto estivermos aqui. As pessoas evitam entrar na mata fechada.
Gregório – Eu também espero que ninguém perca esse medo.
Agnella – Mas claro que não! Eu mesma estava com pavor, já, da floresta. Mas agora quero descansar. Quero ter energia para amanhã. Terei tanto para fazer…
Valentina – Amanhã é um outro dia. E precisaremos de muita coisa se quisermos permanecer vivos, e a salvo.
Agnella – Onde dormiremos?
Valentina – No chão, Agnella. Pega algumas folhas, junta e faz uma espécie de cama. É o que temos por hoje.
Gregório – Bem, senhoritas. Vamos dormir. Boa noite.
Os três “se acomodam” e começam a tentar dormir.
Cena 03: Termes. Casa de Giancarlo. Final da tarde.
Cecília e Marlete estão surpresas.
Cecília – Como disse, meu pai?
Marlete – Eu acho que também não entendi direito.
Giancarlo – Exatamente o que ouviste, filha. Ele será o teu marido. Vamos, rapaz, mostre a elas.
Receoso, Gustavo apresenta o colar. Ao vê-lo, Cecília começa a ficar boquiaberta. Marlete permanece impassível.
Cecília – (Nervosa, embolando as palavras) É… Ele, pai? Ele… Eu… Quer dizer, o senhor, meu avô…
Giancarlo – Isso filha, isso. Ele é o neto do amigo de meu pai, que foi prometido em casamento a ti, e tu a ele.
Cecília – (Embaraçada) Eu… Não sei nem o que dizer.
Giancarlo – Não precisas dizer nada, querida. Apenas comemorar. Vamos, esse jantar será em comemoração à tua chegada, rapaz.
Marlete – Eu só posso… Parabenizar a ti, querida Cecília, que és quase uma irmã para mim, por essa notícia. A ti, também, Gus…tavo. Esse é realmente um momento importante.
Cecília – Muito obrigada.
Gustavo – Também agradeço.
Giancarlo – Bem, que tal irmos? Irá escurecer logo, e ficará muito perigoso para voltares para a estalagem em que estás, Gustavo, além de bastante escuro, claro.
Gustavo – Está bem, senhor.
Eles se dirigem à mesa.
Giancarlo – Essa é uma ocasião de alegria, querida Cecília. (Ele passa a mão na cabeça da filha) Então, comamos. A partir de amanhã, teremos muito para resolver, a fim de preparar o casamento da minha menina.
Cecília sorri, embaraçada. Gustavo dá um sorriso amarelo. Marlete apenas concorda com a cabeça. Os olhos de Giancarlo brilham.
Cena 04: Floresta ao redor do Povoado das Hortaliças. Dia seguinte. Manhã.
Valentina, Gregório e Agnella estão acordados.
Valentina – Nós precisamos sair daqui o mais rápido possível.
Gregório – Claro, claro. Mas antes temos que arranjar comida, água. Ou morreremos de fome e de sede no caminho. Aliás, desde ontem à tarde, quando acabou a última gota d’água da garrafa que eu trouxe da igreja, nós não bebemos nada. Minha boca está seca.
Valentina – Sim, a minha também está. Mas para isso não existe um rio próximo de nós?
Gregório – E como faremos para chegarmos lá? Há uma grande chance de sermos vistos por alguém.
Valentina – Encontraremos alguma via por meio da floresta, chegaremos ao rio, e de lá partiremos. Quanto à comida, aprendi a obtê-la na natureza.
Agnella – Mas qual o destino dessa viagem?
Valentina – Isso é algo que não sabemos. Nós só descobriremos à medida que andarmos.
Agnella – Eu me recuso a fazer isso. Eu não sairei a esmo por aí. Não foi por isso que eu fugi daquele convento.
Valentina – Eu não estou te entendendo, Agnella. Nós temos que nos afastar desse lugar com a mais absoluta pressa.
Agnella – Porém eu fico. Aliás, eu sei para onde irei. Eu voltarei ao povoado, e de algum modo descobrirei para onde Gustavo foi.
Gregório – Mas, como farás isso, se… (É interrompido)
Valentina – Espera, Gregório. Ela não fará isso. Ela irá conosco para longe de onde estamos.
Gregório – Sabe, Valentina, de certa forma, eu preciso concordar com Agnella. Tu tens levado essa vida de incertezas há bastante tempo. E até agora, o que encontrastes? Algum lugar realmente seguro? Ou melhor, gostaste dos lugares por onde passaste? Eu acho que não. Não adianta nos debandarmos sem ter a certeza do lugar aonde queremos chegar, nem sem ter os recursos suficientes para realizar essa caminhada. Eu só sairei daqui se for em direção a outro lugar seguro. Talvez não o Povoado das Hortaliças, nem os outros povoados. Lá, as pessoas nos procuram, com certeza, e irão nos denunciar quando nos descobrirem.
Agnella – Mas eu preciso saber de Gustavo. Meus pais não quiseram me contar nada, mas quem sabe eles não me dizem agora. Eu preciso voltar ao Povoado.
Por um tempo, todos ficam em silêncio.
Valentina – Tudo bem, tudo bem. Eu cedo. Nós iremos encontrar um local em que estejamos protegidos, em que possamos comer alguma coisa, beber um pouco d’água, até sabermos, mas com urgência, para onde partiremos. Mas a pergunta é: onde está esse local?
Agnella – No povoado, eu já disse. Ou pelo menos perto…
Valentina – (Um pouco reflexiva) Hum… Sim, sim… (Se vira para os outros) Eu acho que eu sei onde fica esse lugar.
Cena 05: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Enzo está prestes a sair para o trabalho.
Prudência – Marido, eu quase não dormi esta noite. O que será de nossa filha, meu Deus?
Enzo – Prudência, tu precisas ser paciente. Todas as pessoas dos povoados estão em busca de Agnella e dos outros dois fugitivos. Inclusive nós, principalmente nós, devemos fazer nossa parte, e ficarmos atentos. Até porque ela deve querer voltar para casa.
Prudência – É verdade… Ela não conseguiria ficar longe de nós. Aliás, será que ela já esqueceu aquele rapaz, o Gustavo?
Enzo – Não sei. Eu tenho esperanças que sim. Se não tiver esquecido, nós, ou mesmo a irmã Francisca, ou a vida do convento, porque ela vai voltar para lá, a faremos esquecer. Agora eu preciso sair. O trabalho me aguarda.
Enzo sai de casa. Ele anda um pouco e, ainda em sua rua, é abordado por Adelmo.
Enzo – Ora, mas que surpresa encontrá-lo por aqui, Adelmo. Diz-me, como estás? Já recuperado do acidente?
Adelmo – Por favor, senhor. Não me fales disso, minha cabeça dói apenas de pensar. Na verdade, ela tem doído o tempo inteiro, principalmente quando tenho que me lembrar das coisas.
Nesse momento, Prudência aparece na porta de casa, e, surpresa, decide acompanhar a conversa de longe.
Enzo – Que pena. Deve ser culpa do que aconteceu. Não irás trabalhar hoje?
Adelmo – Não, não sei se já posso. O que eu quero mesmo é falar com o senhor. É que eu me recordei que tenho algo de muito importante para tratar com o senhor, e que acredito ser do seu interesse. Ah, e ele também diz respeito a Agnella.
Cena 06: Termes. Estalagem. Quarto de Gustavo.
Gustavo, mais uma vez, não dormiu direito. Sua cabeça estava confusa.
Gustavo – Casamento… Casamento… Não é isso que eu quero pra mim. Eu só quero voltar, e reencontrar a minha Agnella… Eu não posso me casar. Por outro lado, eu prometi a Marconi que acharia esse tesouro por ele. Só que ele não me disse que envolvia casamento. Ele sabia que eu amava Agnella, mas ainda assim ele me pediu isso… (Ele leva as duas mãos à cabeça, encostando os cotovelos nas pernas) Eu não abrirei mão do meu amor por Agnella. Eu não posso. Esse tempo longe não vai, não pode me fazer esquecê-la. Será… Será que não existe outra maneira de realizar esse desejo de Marconi? Será que eu preciso mesmo me casar? E por quanto tempo eu conseguirei mentir sobre quem eu sou? Meu Deus, meu Deus, o que fazer? Eu estou perdido… Tudo o que eu queria era não estar aqui, era não ser necessário tudo isso ter acontecido. E pensar que por causa de uma senhora mexeriqueira, de um homem intruso e de regras que, perdoe-me, Senhor, eu nem sei se são tuas mesmo, que por tudo isso eu estou neste lugar… Se não fossem essas coisas, eu estaria ao lado de Agnella agora…
Gustavo se levanta, e, calado, passa a andar pelo quarto. Nesse momento, ele ouve batidas na porta. Ao abrir, descobre que é Giancarlo.
Gustavo – Pois não, senhor? Confesso que não esperava vê-lo aqui, a essa hora.
Giancarlo – Eu gostaria muito de falar contigo, rapaz. Melhor, tenho um convite a lhe fazer. E eu estou certo de que tu não o recusarás.
Cena 07: Povoado das Hortaliças. Casa de Pero.
Pero está atendendo ao padre Santorini.
Santorini – Então, nada de encontrar os fugitivos até agora, não é? Pero, tu não tens nem uma ideia de onde eles podem estar agora? Não sabes o que fazer? Afinal, foste tu quem nos apresentaste a serva fugida.
Pero – Eu já disse ao senhor, padre. Eu juro por Deus que eu não sabia que ela era uma serva. E não, até agora não a vi nem vi aos outros. Mas o senhor pode estar certo de que, se eu os encontrar, avisarei ao senhor sobre eles.
Santorini – (Soltando um suspiro) Tudo bem. Acredito em ti. Até logo, Pero. Irei conferir com as outras pessoas como anda a busca aos fugitivos. Tenha um bom dia.
Santorini sai. Pero, então, deixa a casa pelos fundos e se dirige ao ponto da floresta onde costuma se encontrar às escondidas com Inês.
Inês – Até que enfim, camponês! Por que demoraste?
Pero – Tive que parar para conversar com o padre. Ele está passando pelo povoado para saber se as pessoas estão procurando o seminarista e as noviças que fugiram.
Inês – Ainda mais essa! Um seminarista que desiste de ser padre, e duas noviças que desistem de ser freiras! Não entendo o que se passa na mente de determinadas pessoas. Certas decisões são simplesmente incoerentes! Se bem que, se uma das noviças foi Agnella mesmo, a garota que morava em frente a casa de Brás, eu a entendo.
Pero – Entendes? E o que é?
Inês – É amor. Pelo que me contaram, ela quase ficou noiva no tempo em que o louco do Brás me prendeu.
Pero – Ah, é verdade. Mas agora, vamos pensar em nós dois. Sabes que eu estou bastante feliz com o fato de teres me aceitado, minha flor. Parece até que existimos somente nós dois no mundo…
Nessa hora, eles ouvem um barulho vindo da floresta. Ficam alarmados, atentos.
Inês – Será que é algum animal?
Pero – Se for, eu a protegerei. Não temas, Inês.
Então, para sua surpresa, aparecem três pessoas em sua frente.
Valentina – Graças a Deus! Achei que precisaria me arriscar a ir a tua casa. Lembras de mim, Pero?
Pero – Claro, Valentina! A serva e noviça fugida… E estás acompanhada do seminarista… E de Agnella. Por que estão aqui? Vocês não haviam fugido?
Valentina – Nós viemos porque precisamos da tua ajuda, mais uma vez. Pero, tu poderias nos abrigar em tua casa, pelo menos por um tempo?
Agnella – Por favor, nós imploramos…
Gregório – Tenhas compaixão de nós…