CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 07
Cena 01: Nave da Igreja del Fiume. Tarde.
Francisca falava de Agnella.
Francisca – Ela é filha de camponeses.
Edetto – Isso… É verdade, padre? Nós estamos noivando nosso filho com uma camponesa?
Izabella – E o senhor sabia disso o tempo todo?
O padre abaixou a cabeça, e a ergueu novamente.
Santorini – Sim, meus filhos, isso é verdade.
Edetto – Como o senhor teve coragem de mentir para nós durante esse tempo todo?
Santorini – Eu… Eu não menti… Eu falei a verdade quando disse que eles tinham boas condições!
Izabella – Mas omitiu muito de nós! Omitiu o mais importante! A posição social a que essa família pertencia!
Edetto – Eu estou decepcionado com o senhor, padre! E não haverá mais casamento!
Gustavo – Pai, não! O senhor não pode… O senhor já deu sua palavra!
Santorini – Meus filhos, eu peço que me perdoem. Mas eu garanto que vocês não se arrependerão de investir nessa união!
Edetto – Eu não irei concordar com uma mentira dessas.
Francisca – Ele tem toda a razão, padre. Ele é um senhor feudal, e não pode casar seu filho com uma camponesa. Deve arranjar um casamento melhor para seu filho.
Santorini – Irmã Francisca, a senhora precisa parar de se meter em assuntos que não lhe dizem respeito!
Francisca – Diz respeito, sim! Eu estou vendo uma coisa errada ser cometida, e não posso me calar! Eu estou fazendo o que o senhor deveria ter feito, padre. Enquanto uma integrante da igreja, eu estou trabalhando para manter a ordem do nosso mundo!
Edetto – E a irmã está mais do que certa! Chega de noivado, chega de casamento! Nós voltaremos para casa amanhã mesmo, entendeste, Gustavo?
Gustavo – Eu me recuso a voltar para casa.
Sem que os outros esperassem, Gustavo sai da igreja, monta no seu cavalo e parte em direção ao povoado. Edetto, Izabella e Santorini montam em seus cavalos, e o seguem.
Edetto – Filho! Volta já!
Santorini – Ele está apenas guiando-nos para o caminho correto.
Izabella – Meu senhor, o padre está certo. Não há mais o que fazer. Demos a nossa palavra de que esse casamento iria acontecer.
Edetto – Nós iremos até lá, buscaremos Gustavo e retornaremos para a igreja. Eu não voltarei mais atrás.
Cena 02: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo. Exterior.
Gustavo chegou à casa de Agnella. Ele desceu do cavalo, mas permaneceu parado, como se tomasse coragem. Nesse momento, o padre chegou com os pais dele.
Gustavo – Pai, vai embora.
Edetto – Tu não tens direito de me ordenar nada!
Santorini – O seu filho está certo, Edetto. Contenha seus ânimos. Por favor, Izabella, ajude seu marido a se conter. Uma palavra foi dada, um acordo foi firmado, e não se pode voltar atrás.
O padre bateu na porta. Ela foi aberta por Enzo, e Santorini e Gustavo entraram. Seus pais ficaram parados.
Santorini – (Falando de lado para os outros não ouvirem) Vamos, meus filhos, entrem. Não nos façam desfeita.
Edetto e Izabella entram e vão a um canto da sala.
Edetto – Isso não irá ficar assim. Eu tenho certeza de que encontrarei um jeito de acabar com essa comédia.
Izabella – Calma. Tem paciência, meu senhor. Tudo irá se arranjar.
Enzo se aproximou.
Enzo – Tomem assento, por favor.
Santorini – Graças a Deus, chegou um dos momentos mais importantes da vida de dois jovens. (Edetto sentou-se ao olhar seu lado. Ao ver a expressão furiosa de Edetto, o padre dirigiu-se a ele em voz baixa) Contenha-se, meu bom homem.
Edetto – Mas…
Santorini – Shh!! Quieto! Ah, continuando, de onde parei. Onde está a noiva?
Enzo – Ela está terminando de se arrumar, padre. Já deve estar chegando. (Vira-se para Gustavo) Te prepare, meu rapaz, porque, modéstia à parte, e com a licença do padre, devo dizer-te que minha Agnella é linda.
Prudência aparece.
Prudência – Boa tarde a todos. Boa tarde, padre. Boa tarde, meu rapaz. Boa tarde aos seus pais também. Prazer em conhecê-los. Prazer em noivar a minha única filha com um rapaz tão belo, não é mesmo! Mas, sem mais delongas, quero vos apresentar a minha filha. Agnella, venha conhecer a sua futura família.
Agnella aparece. De cabeça baixa, não quer olhar quem é essa família que querem lhe empurrar, e está também chateada com o fato de Gustavo não ter ido falar com seu pai.
Enzo – Levante a cabeça, minha filha. Vamos!
A contragosto, ela levanta. Então, vê aquele que ela menos esperava: Gustavo. Olhando para ele, ela sorri. Gustavo recebe o sorriso da amada, e devolve com outro.
Cena 03: Povoado das Hortaliças. Casa de Inês. Alguns minutos antes.
Brás está saindo de casa. Abre a porta. Nesse momento, nota que esqueceu o seu sapato. E também vê algo curioso.
Brás – Mas olha só, o rapaz de quem falei hoje cedo para Enzo! O que ele faz aí?
Decidido a descobrir, Brás volta para buscar seu sapato. No caminho, percebe algo diferente.
Brás – Inês, diga-me uma coisa. Por acaso tu viste um balde que eu deixei aqui, no caminho da cozinha?
Inês – (Gaguejando) U-um b-balde?
Brás – Sim, um balde. Cheio de terra, e com algumas plantas. Ele sumiu.
Inês – (Sem graça) É que… Eu usei as ervas que estavam aí no almoço de ontem. Tu não notaste, querido, um sabor diferente?
Brás – (Ficando enfurecido) Eu não acredito que fizeste isso com as minhas plantinhas! Pelo visto, tu gostas de confusão, não é, Inês?
Inês – Perdoe-me, Brás, eu não sabia que tu ias usá-las para outra coisa. Eu… Eu… Pensei que elas eram para o almoço!
Brás – Pois pensaste errado! Já para o quarto!
Inês – Não, Brás, isso não faz sentido. Não estou presa, de qualquer jeito?
Brás – (Gritando) Já para o quarto!
Inês entra no quarto. Brás pega um cinto e bate nela. Ela grita de dor.
Inês – Seu safado!
Brás – Como é, Inês? (E bate novamente) Repete isso!
Inês – Safado! Traidor! Pelo visto tu não és diferente dos outros homens, como tu disseste!
Brás – Não sou mesmo! (E bate nela mais uma vez) E tu vais ficar aí o resto do dia!
Inês – Não tem problema mesmo. Estou presa há tanto tempo que nem solidão eu sinto mais.
Brás – Vais falando, para tu veres o que é bom. Podes falar.
Brás tranca a porta do quarto, e calça o sapato.
Brás – Agora eu vou tirar a história desse rapaz a limpo.
Brás sai de casa. Leonor também aparece.
Leonor – Xiii… Não acredito que este homem também foi convidado. Nem que terei que suportá-lo.
Brás – A senhora se enxergue, velha fofoqueira. Além disso, eu não fui convidado. Vim apenas esclarecer uma dúvida.
Cena 04: Povoado das Hortaliças. Interior da casa de Enzo.
Agnella e Gustavo estão sentados em lugares opostos, mas não param de se olhar. Depois de alguma conversa, o padre e os pais dos noivos resolvem se apressar.
Santorini – Pois bem, acho que está na hora de selarmos esse compromisso. Vocês pais, se aproximem. Serão vocês que colocarão as alianças nos dedos desses dois jovens.
Enzo e Prudência se aproximam. Edetto e Izabella, não.
Santorini – Mas onde estão as alianças de noivado?
Edetto – Estão comigo.
Enzo – Algum problema, senhor e senhora Schiartoni? Vocês não se levantaram…
Santorini – Claro que não. Não é, Edetto?
Edetto – Sim. Há um problema sim.
Então, ouvem batidas na porta.
Prudência – Isso é hora de baterem na porta?
Enzo – Deve ser a Leonor. Eu a convidei. Afinal, a especialista em casamentos do povoado não poderia ficar de fora dessa cerimônia.
Enzo abre. Leonor e Brás entram.
Enzo – Brás? O que estás fazendo aqui?
Brás – Eu vim porque vi esse rapaz entrar na sua casa. (E aponta para Gustavo, que está de costas.) E fiquei muito curioso.
Nesse momento, Gustavo se vira. Leonor se desequilibra, mas é amparada por Brás.
Brás e Leonor – Mas é ele!
Enzo – Como assim “ele”? Não gostaste do noivo que eu escolhi para minha filha? Já o conheces?
Leonor – Por Deus, foi ele quem eu vi conversando com Agnella na entrada do povoado! Foi sobre ele que eu te falei hoje! E digo mais: acabo de lembrar o que eu havia esquecido. Eles se beijaram uma vez, lá na igreja! Eu juro que vi isso, com esses olhos que a terra há de comer!
Brás – E foi ele que eu vi trazendo comida para Agnella quando ela estava de castigo. E tomei um susto quando o vi aqui. Quer dizer que é com ele que tu vais casar a tua filha, Enzo?
Todos estão estarrecidos com as notícias. Agnella e Gustavo se entreolharam, com o olhar carregado de medo. Tudo estava indo por água abaixo.
Enzo – (Enraivecido) Então quer dizer que o homem a quem eu ia entregar a minha filha já estava se engraçando com ela há muito tempo? Canalha! (Ele avança para dar um murro em Gustavo, mas Agnella o impede.)
Agnella – Não faças isso, papai. Por favor! Perdoe-nos! Nós… Nós nos amamos!
Enzo – Que nada! Vocês estão é querendo se perverter! E você, rapazinho, fora daqui! E vocês também, que são parentes desse cafajeste, fora daqui!
Santorini – Controle-se, meu filho. Não se precipite.
Enzo – E o senhor também, vá embora!
Edetto – Antes de eu ir embora, porém, eu só gostaria de deixar bem clara uma coisa. (Vira-se para Enzo) Se não fosses tu a desistir de tal loucura, seria eu quem pararia esse noivado, mesmo que o senhor, padre, não quisesse. Porque jamais um filho de senhores feudais se casaria com uma reles camponesa!
Enzo – Já disseste o que querias? Agora saia de uma vez!
Izabella – (Com desprezo) Vamos sair desse casebre sem graça.
Os pais de Gustavo e o padre saem de cabeça baixa, mas revoltados com a situação. Gustavo é o último a deixar a casa. Antes de sair, solta um beijo pra Agnella. Ela devolve.
Enzo – Safado! Pilantra! Não se atreva a fazer mais nada com a minha filha!
Gustavo sai. Monta no cavalo e corre em disparada em direção à igreja, ultrapassando o padre e os seus pais, que tinham ido embora antes dele. Enquanto isso, Agnella corre chorando para o quarto. Prudência a segue.
Enzo – Raios!
Cena 05: Igreja del Fiume. Final da tarde.
Gustavo chega atordoado à igreja. Com receio de ser repreendido pelo padre e por seus pais, e também procurando refúgio, vai até seu quarto. Em um canto escondido, Gustavo tira uma chave. Sem que ninguém o veja, ele segue até a sala do padre. Entra, mas com a pressa, e por achar ter ouvido a voz dos seus pais, se esquece de trancar a porta e apenas a encosta. Então, ele puxa a cadeira do padre, levanta o tapete e abre o galpão da biblioteca. Desce.
Gustavo – (ofegante) Cheguei, graças a Deus. Preciso encontrar alguma leitura que me acalme.
Ele puxa um livro, o qual não tem indicação de sua autoria. Abre em qualquer página e começa a lê-lo.
Gustavo – “Eros, ao ver Psiquê, fica impressionado com sua beleza, acidenta-se com suas flechas e se apaixona perdidamente por ela, raptando-a para seu castelo dos sonhos, protegidos do mundo, vivendo o mais intenso amor. Mas, por falta de confiança, Psiquê acaba magoando Eros, além de ferir seu coração com uma cera de vela. Abandonada e em tristeza profunda, ela procura Afrodite, a mãe do seu amado, que já tendo confinado o filho traidor, a castiga com sua esperteza e, logicamente, não a ajuda, determinando que para ter Eros de volta teria que cumprir quatro tarefas, exigindo-lhe discernimento, criatividade, visão sistêmica e foco. A ‘sogra’ tinha em mente que Psiquê jamais conseguiria cumprir as provas, e que de tanto tentar as cumprir perderia toda sua graça e beleza, satisfazendo sua vingança.”
Gustavo para a leitura e começa a chorar, com indignação.
Cena 06: Nave da Igreja del Fiume. Final da tarde.
Depois de chegarem, os pais de Gustavo se dirigiram à ala dos quartos dos visitantes à procura de seu filho, mas não o acharam. O padre, ao saber disso, sentou-se, pensando.
– Flashback –
Dentro de seu quarto, estava o padre, que se assustou com o barulho de uma chave sendo jogada.
Santorini – A chave da minha sala? Ela não estava em meu guarda-roupa? Estranho…
– Fim do Flashback –
Santorini – Será possível? Meu Deus, será? Eu prefiro estar errado, mas tenho que fazer isso!
Santorini corre em direção à sua sala. Ao constatar que a porta está aberta, ele entra. Então, nota a sua cadeira fora do lugar. Aproxima-se. Ao fazer isso, ele percebe que o galpão que dá acesso à biblioteca está aberto. Cuidadosamente, desce. E vê Gustavo sentado no chão, lendo um livro.
Santorini – (Revoltado) Gustavo!
Gustavo se assusta. Notando o padre, ele deixa o livro cair, se levanta, e fica grudado à parede.
Santorini – Então foi você quem roubou a chave do meu quarto! E tudo isso para se infiltrar na minha sala, sabendo que era proibido! E o pior: você descobriu esse lugar!
Gustavo – Padre, eu… Eu…
Santorini – Nem tente se explicar, rapaz! O que você fez foi um pecado gravíssimo aos olhos da Igreja e de Deus! Sabe o que eu devia fazer? Entregá-lo para as cortes do papa!
Gustavo – (Desesperado) Não, padre! Clemência, por favor! Não faças isso!
Santorini – (Respira) Não, eu não irei fazer. Tu desobedeceste sim à nossas normas gravemente, e, pelo visto, isso já faz um bom tempo! Mas se eu não o entregarei à Santa Inquisição, devo pensar em uma boa maneira de fazê-lo pagar por seu pecado.
Gustavo – Eu pago qualquer penitência, eu rezo quantos terços o senhor quiser, padre. Palavra de honra!
Santorini – Não, só isso não basta. Eu já sei como proceder. Lembra-se da notícia que eu trouxe ontem para os meus fiéis, na missa? Se não, eu vou refrescar sua memória. Você, Gustavo, pecou gravemente, e para pagar por seus erros, será um dos nossos enviados para a Guerra Santa contra os mouros, em Jerusalém!
Gustavo se desespera.
Gustavo – Pelo amor de Deus, padre! O senhor não pode fazer isso comigo! Eu tenho uma história aqui nesse lugar! A mulher que eu amo mora aqui, eu não posso ir embora! E os meus pais? Não tem como eu deixá-los aqui e partir!
Santorini – Você podia ter pensado nisso antes de fazer o que fez! Além disso, errou ao se encontrar escondido com Agnella. E pior ainda: se beijaram! Sabe de uma coisa, rapaz: essa é a melhor coisa a ser feita. E eu vou lhe explicar por quê. Se outra pessoa e não eu soubesse disso que você fez, o entregaria às cortes do papa. E nesse caso seria morte certa. Se você ficar, o pai da moça que você diz que ama vai procurá-lo para fazer justiça! De qualquer jeito, Gustavo, você vai sofrer.
Gustavo – (Abaixa a cabeça) Se esse é o único jeito, então, padre, me explique: o que devo fazer? Sairei daqui sem dar notícias?
Santorini – Fique tranquilo, rapaz. Eu sei o que é certo pra você, e farei tudo do jeito que tem que ser feito.
Cena 02: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo. Final da Tarde.
Enzo estava bufando na sala. Alguém bate na porta. Ele abre, e é Adelmo.
Adelmo – Boa tarde, senhor Enzo. Pelo visto, algo sério aconteceu aqui, para o senhor parecer tão agitado.
Enzo – Não queiras se intrometer na minha vida, rapaz. Aliás, o que fazes aqui? Não estou em bom momento para ouvir futilidades.
Adelmo – Na verdade, senhor, eu vim aqui para falar algo também muito importante. Mas acho mais conveniente voltar outra hora.
Adelmo deu a volta, mas Enzo segurou em seu braço.
Enzo – Creio que nada mais me abalará hoje. Podes contar o que quiseres.
Adelmo – Está bem.
Cena 03: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo. Quarto de Agnella.
Agnella está encolhida, em cima da cama. Sua mãe, ao seu lado, tenta confortá-la.
Prudência – Acalma-te, minha filha. Não chores. Foi melhor para ti e, inclusive para ele, que isso acontecesse.
Agnella – Não, mãe, não foi! Eu o amo! Será que dá para entender isso?
Então, Agnella ouve uma voz familiar vinda da sala.
Agnella – Adelmo? O que ele faz aqui? (Tem um estalo) Não! Ele não será capaz!
Ela dá um salto da cama, abre a porta e vai à cozinha. Sua mãe, sem entender nada, a segue.
Prudência – Minha filha, o que tu estás fazendo? Volta para o teu quarto, Agnella! (A filha não lhe dá atenção) Agnella!
Agnella entra na cozinha, pega uma jarra com água, um copo e chega à sala.
Agnella – (Sorrindo, mas com um olhar fulminante para ele) Adelmo, que prazer ver-te. O que te trouxe aqui?
Adelmo – Eu… Eu…
Enzo – Agnella, eu quero saber o que tu fazes aqui! Eu e Adelmo estamos tendo uma conversa séria!
Agnella – Tudo bem, meu pai. Eu só vim aqui porque ouvi a sua voz e vim oferecer a ele um pouco de água.
Adelmo – (Sem entender) Quanta gentileza a tua, Agnella…
Agnella anda em direção a ele com a jarra e o copo na mão, mas, quando chega perto de Adelmo, tropeça propositalmente e, usando toda a sua força, bate com a jarra na cabeça dele, quebrando uma parte dela e o molhando totalmente. Instantaneamente, ele se levanta.
Adelmo – Estás louca, menina? Olha o que fizeste comigo! Agora terei que voltar a minha casa e me trocar! Infelizmente, senhor Enzo, não poderemos continuar nossa conversa hoje, por causa dessa sua filha atrapalhada. Mas muito em breve voltarei e trataremos do nosso assunto.
Enzo – Mil desculpas, rapaz. Estarei disposto a ouvir-te.
Adelmo segue, meio cambaleante, para a porta, e sai.
Enzo – E tu, Agnella, que deverias ter ficado em teu quarto, irás para lá para nunca mais sair! Já! Estarás de castigo por muito e muito tempo!
Agnella volta para o quarto, mas não mais chorando.
Enzo – Só me faltava essa!
Cena 04: Povoado das Hortaliças.
Por uma das ruas do povoado, Adelmo volta pra casa. Cambaleando em cima do seu cavalo, com a vista embaçada. A rua está vazia. Na curva entre duas ruas que ficam vizinhas à floresta, ele não enxerga o final da rua, e, mesmo avisado pelo cavalo, não freia. Bate em uma árvore, e cai rolando floresta adentro.
Cena 05: Igreja Del Fiume. Noite.
O padre Santorini está passando pela nave da igreja, seguindo para o seu quarto. Izabella o encontra.
Izabella – Padre, e o meu filho? Encontrei-o agora, mas ele não me disse onde estava… Mas diga-me: onde o senhor o encontrou?
Santorini – Ele estava por aí. E, por favor, não me pergunte mais nada. Amanhã você e o pai saberão melhor o que aconteceu.
Ele sai. Izabella fica se perguntando sobre o que ele estava falando.
Cena 05: Convento. Quarto de Valentina. Noite.
Valentina está deitada.
Valentina – Meu Deus, e eu achando que seria livre… E vim parar dentro de um convento! Perdoe-me, Deus, mas eu não nasci para ser freira! Eu preciso sair daqui!
Valentina, então, dorme. Ela tem um sonho. Ela está correndo, sem parar, mas não sabe do quê, e nem sabe onde. Até que olha para as árvores ao redor e percebe que está na floresta. Quase cai ao tropeçar na raiz de uma árvore, mas segue correndo. Cansada, ela encosta em uma árvore, e, nessa hora, vê Gregório sentado ao pé de outra, com a cabeça entre as pernas. Aproxima-se e levanta a cabeça dele. Ele está chorando. Eles se olham, seguram-se pelas mãos, e, vendo a sombra enorme de um rosto e de uma mão, voltam a correr juntos. Ela acorda.
Valentina – (Ofegante) É ele, então! É ele que vai me ajudar a encontrar minha liberdade!
Cena 06: Nave da Igreja del Fiume. Manhã.
O padre está sentado em sua cadeira, até que Gustavo aparece.
Santorini – Eu estava esperando por você, rapaz. Venha comigo.
O padre puxa Gustavo para a sala ao lado.
Gustavo – E então, padre? Não há nenhuma chance de o senhor ter mudado de ideia?
Santorini – Nenhuma, e você sabe disso. Contaremos a seus pais durante a refeição que você irá embora. Mas preste atenção: você está proibido de sair dessa igreja. Somente eles ficarão sabendo disso até a sua partida, e somente eu e você saberemos por que você irá lutar em nome do Senhor nessa viagem, entendeu? Nem mesmo seus pais podem saber a verdadeira razão.
Gustavo – Mas, padre, eu não posso nem mesmo olhar a floresta aqui à frente, ou ir ao rio que passa atrás da igreja?
Santorini – De forma alguma. Você ficará aqui até amanhã. E amanhã partiremos em direção ao litoral. Agora, vamos tomar café.
Eles se dirigem à “sala de jantar” da igreja. Os pais de Gustavo já estão lá.
Edetto – Padre, o senhor disse à minha mulher que hoje nos explicaria melhor o que aconteceu ontem. Pois bem. Onde o meu filho estava?
Santorini – Ele estava aqui mesmo, na igreja. Mas o que eu tenho para avisá-los é algo muito importante.
Izabella – (Ansiosa) E o que é?
Santorini – Eu e seu filho entramos em um acordo ontem, e ele será um dos nossos enviados para a Guerra Santa da Igreja em Jerusalém. Como vocês sabem, os mouros tomaram a Cidade Santa, e… (É interrompido.)
Izabella – (corre para abraçar o filho dela) Gustavo! Por que, meu filho? Por quê?
Gustavo – Mãe, eu…
Santorini – (Enfático) Nós achamos melhor para ele. Ele está disposto a defender essa causa nobre, e, depois do que aconteceu ontem, não é, achamos melhor que ele saísse daqui.
Edetto – Quanto a isso, concordamos com o senhor. Mas não dá para levarmos Gustavo de volta conosco?
Santorini – Não. Já está decidido. Amanhã partiremos em direção ao litoral, de onde ele embarcará. Creio que vocês irão querer nos acompanhar.
Edetto e Izabella – (Acatando a ordem do padre) Claro, com certeza.
Cena 07: Igreja Del Fiume. Manhã.
O padre já havia tomado café, e estava agora em sua sala.
Santorini – Bem, irmã Francisca, conforme o que eu acabei de lhe contar, eu e Gustavo decidimos que seria bom que ele lutasse nessa Guerra Santa.
Francisca – O que eu não entendi, padre, é como, de repente, ele tomou essa decisão. Não há, assim, nenhum motivo específico por trás disso?
Santorini – Irmã Francisca, claro que não. E, mesmo se houvesse…
Nessa hora, Gregório aparece.
Gregório – Com licença, padre. Um dos nossos fiéis do Povoado das Hortaliças – se não me engano ele se chama Pero – está à sua espera.
Santorini – Com licença, irmã Francisca. Irei ver o que Pero deseja.
Ele sai. A irmã Francisca fica na sala dele, com raiva. O padre chega à sala de recepção da igreja.
Pero – Sua bênção, padre.
Santorini – Deus te abençoe, meu filho. Mas, diga-me, o que você quer?
Pero – Padre, o senhor já está informado acerca do que Brás da Mata vem fazendo com a minha, digo, com Inês, a filha de Simone, lá do povoado.
Santorini – Claro, meu filho, claro. Não concordo com o que ele faz, mas eu estou de mãos atadas, afinal, ele é o seu esposo, não é?
Pero – Sim. Mas, padre, acho que tenho uma solução. Eu estive na missa em que o senhor nos informou sobre os mouros em Jerusalém e sobre a Guerra Santa. E, a menos que o senhor já tenha homens suficientes para cumprir essa missão…
Santorini – Brás pode preencher uma das vagas, certo?
Pero – (Sorrindo) Exatamente.
Cena 08: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Manhã.
Simone acordou, e, procurando, não viu o filho.
Simone – Meu Deus! Desde ontem que não vejo Adelmo em casa… Será que ele chegou sem que eu percebesse, e hoje de manhã partiu sem me avisar? Ele não faria algo assim comigo! (Ela senta) Bem, mas, se foi isso, devo ficar tranquila.
Ela toma café, e vai até a casa de Leonor. Ao chegar na rua dela, vê um movimento anormal. Ao avistar a amiga, ela grita.
Simone – Leonor! Leonor! (Leonor chega perto dela) O que está acontecendo aqui?
Leonor – Minha amiga! Creio que a notícia não é das melhores! Venha comigo!
Ela puxa Simone em direção ao final da rua, que dá na floresta. Quando passam pelo povo, todos ficam fazendo burburinhos. Então, elas chegam ao local de destino. Alguns homens e crianças estão lá. Elas entram na floresta.
Simone – Mas, afinal de contas, o que houve?
Leonor – Seja forte, amiga.
Então, Simone vê, a alguns metros de distância, Adelmo, caído no chão, ensanguentado. Se desespera e corre em sua direção, agachando-se ao seu lado.
Simone – (Gritando) Adelmo!! Meu filho!! (Ele não responde. Ela começa a chorar, e olha para as pessoas ao redor) Ele… Ele está morto!