CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 04
Cena 01: Arredores do Povoado das Hortaliças. Próximo à floresta. Casa de Pero.
Valentina – Quer dizer que eu não saí desse maldito lugar! Por Deus, eu preciso urgentemente sair daqui! (Respira fundo; pensa) Cavalheiro, preciso mais uma vez de tua ajuda! Me leve pra qualquer lugar em que eu não seja achada, o mais rápido possível!
Pero – Mas, senhorita, não há nenhum lugar assim por perto. Todos sabem o que acontece em todos os lugares do povoado. (Então, tem uma ideia) A não ser que…
Valentina – O quê? No que pensaste?
Pero – O convento!! Há o convento!!
Valentina – (Começando a criar esperança) Então quer dizer que… Que há um convento por perto!
Pero – Sim, claro! Ao lado da Igreja del Fiume há um convento! E se tu estás precisando tanto te esconder, lá é o lugar ideal, já que as pessoas não frequentam o lugar, não sabem quem está por lá…
Valentina – (Menos empolgada) Mas o convento é um lugar fechado… Eu não sei se eu conseguirei fugir depois. Mesmo assim… Talvez me seja a única alternativa por enquanto.
Valentina se aproxima de Pero e beija sua mão.
Valentina – Obrigada! É melhor irmos logo, então. Mas… como conseguirei entrar lá?
Pero – Não há motivos para preocupações. É melhor descansares um pouco e depois iremos. Acho que eu sei como proceder.
Cena 02: Rio dos Campos.
Agnella e Gustavo chegam ao rio. Depois de acomodarem seus cavalos em um lugar seguro, eles seguem e se sentam à sombra de uma árvore.
Agnella – Cavalheiro, em primeiro lugar, precisamos fazer algo que ainda não fizemos durante todo esse tempo. Foi um pecado não termos nos apresentado.
Gustavo – Claro! Mas que cabeça a minha! Prazer, meu nome é Gustavo. A sua mercê.
Agnella – (Cora) E o meu é Agnella. Agora, seja rápido, por favor. Sabes que não posso demorar, que serei falada no povoado…
Gustavo – (Interrompendo-a) Shhhh… Já falaste isso várias vezes para mim. Não foi por isso que viemos para esse lugar calmo, longe das pessoas? Então, não precisas continuar repetindo esse discurso.
Agnella – (Corando) Então, o que queres? Por que me trouxeste aqui?
Gustavo – Queria falar contigo sobre… Sobre o que aconteceu conosco ontem.
Agnella – Ah, sobre o favor que tu me fizeste? Já conversamos sobre isso. Já te disse que te serei eternamente grata. Estou aqui inclusive como um pagamento da minha dívida contigo. Não há mais nada o que falar. (E desvia a atenção para o rio)
Gustavo – É aí que tu te enganas. E não adianta tu virares o rosto para o outro lado porque eu percebo em teu jeito que tu sentes algo por mim.
Agnella – (Relutante) Não! Eu não sinto nada!
Gustavo – É difícil para mim lidar com isso também, entendes? Nunca senti algo parecido, tenho certo medo de ser errado ou de Deus não gostar. Mas isso me faz tão bem, tão bem, me deixa tão feliz, que eu não acho que esteja errando… Por favor, admita para mim que você… Que você…
Agnella – (Dá um suspiro e se vira novamente para Gustavo) Tu falaste exatamente o que eu sinto, o que eu penso… Tu me entendes, e eu te conheci apenas ontem! E, apesar de eu nem saber o que é isso, de só ter ouvido falar sobre isso, eu… Eu creio que te amo!
E os dois se beijam. Mas pouco, devido ao pudor que preservam da sua formação. Depois de pararem, ficam um pouco envergonhados um do outro.
Agnella – Perdão, mas eu não devia ter feito isso. Nossa Senhora, eu beijei um homem que não é meu marido!
Gustavo – Não, fui eu que errei.
Agnella – Preciso ir embora agora. Minha mãe já deve estar sentindo minha falta.
Gustavo – Mas, por favor, minha amada donzela, não te esqueças de mim, do que tu sentes por mim, do que eu sinto também por ti… Não fujas desse amor…
Agnella – Eu… Eu sei. Quero dizer, eu acho.
Agnella corre em direção a seu cavalo, monta e sai em disparada na direção do povoado. Gustavo senta novamente à sombra da árvore.
Gustavo – Meu Deus, por favor, te peço que dê tudo certo… Eu a amo!
Cena 03: Igreja del Fiume. Algum tempo depois.
Pero e Valentina chegam à igreja, e encontram o padre.
Pero – Bênção, padre!
Santorini – Bênção, meu filho! Quem é esta moça ao teu lado?
Pero – Esta é Valentina. Ela é uma prima minha, filha de um tio meu que mora do outro lado da Península. Na verdade, padre, nós queríamos falar não só com o senhor, mas também com a irmã Francisca.
Santorini – (Ficando contente) Não me diga que…
Pero – Justamente, padre. Nós queremos que ela faça parte do seu convento.
Nesse momento, a irmã Francisca aparece.
Francisca – Ora, ora! Então teremos mais uma noviça em nosso meio! Ela é da tua família, Pero?
Pero – Sim, irmã Francisca, ela é prima minha.
Francisca – Isso é ótimo! Mas… Não te parece ser um pouquinho tarde para que ela se torne uma noviça?
Santorini – (Repreensivo) Irmã Francisca, por favor.
Pero – Nós mesmos admitimos que é um pouco tarde. Ela relutava um pouco em concordar com a ideia de se tornar uma freira, mas depois compreendeu ser o melhor para ela.
Santorini – Que bom, então. Não importa o tempo que ela levou, mas o que importa é que entendeu. Então, vamos cuidar do seu ingresso no convento. Aliás, minha filha, tu até agora não pronunciaste uma palavra. O que estás achando desse momento?
Valentina – Eu? Eu… estou… achando ótimo. Muito… muito bom pra mim. É um sonho.
Os quatro se dirigem ao convento. Enquanto eles caminham, Gregório, que fazia algo por perto, para. Para e fica observando, principalmente, a donzela que parece ser a nova noviça, e que transpira garra e força… Enfim, depois de tudo estar pronto, Valentina e Pero se despedem.
Valentina – Não sei nem como te agradecer por isso, meu amigo. Fizeste tanto por mim, sem nem me conheceres direito…
Pero – Eu confiei em ti assim que te vi. Tu pareces ser uma moça decidida, e só isso bastou.
Francisca, ao fundo, chama Valentina.
Valentina – (Olha para o padre, a freira e o ambiente do convento) Agora, terei que enfrentar uma coisa que nunca pensei que enfrentaria. Precisarei de muita graça de Deus para isso.
Pero – Boa sorte, minha querida. Que Deus te ajude na tua caminhada. Tenho certeza de que conseguirás sobreviver. Ah, e podes deixar, eu cuidarei muito bem de teu cavalo.
Valentina – Obrigada. Tchau, cavalheiro.
Valentina sai. De longe, o padre e a freira se despedem de Pero, que volta para sua casa.
Cena 04: Povoado das Hortaliças. Terras coletivas. Final da tarde.
Enzo está saindo das suas terras, do seu trabalho. Então, Adelmo aparece.
Adelmo – Senhor Enzo, eu preciso falar contigo sobre algo urgente. Algo que eu já devia ter falado.
Enzo – O que há de tão urgente, rapaz? Desse modo tu me assustas! É algo sobre as terras?
Adelmo – Não, não há nada com as terras. Eu quero casar-me com a tua filha.
Cena 05: Povoado das Hortaliças. Casa de Inês. Quarto do casal.
Desde o momento em que trancou Inês no quarto, Brás não apareceu nem com comida nem com água. Inês ainda estava um pouco surpresa com a atitude do marido, mas, principalmente, com o fato de ele saber que ela havia ouvido sua conversa com o criado. Deitada, com as primeiras lágrimas derramadas já secas, Inês ouve a porta da frente abrir e fechar. Então, corre até a janela, e, depois de muito esforço, consegue destrancá-la. Pula a janela.
Cena 06: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone.
Simone – Sabes, minha amiga, eu acho que aprendi muito com esses dez anos em que perdi meu marido. Aquele acidente na montanha foi bem triste e marcante… Esses tempos para cá foram difíceis, é verdade, mas graças a Deus eu pude contar com pessoas boas.
Leonor – Sua família, é claro, e sua amiga aqui. Eu fico muito contente por estares melhor, e por ter te ajudado a melhorar de vida. Acho até que estarias pronta para uma nova mudança…
Simone – Cruzes, Leonor! Será que não podes pensar, ao menos um segundo, sem ser como uma alcoviteira? Eu confesso que às vezes sinto falta de uma companhia, mas não é para tanto! Até porque Deus nem permite isso!
Alguém bate na porta. Simone abre.
Simone – Minha filha! Que cara é esta que tu tens?
Inês – Mãe, preciso de tua ajuda! E da senhora também, dona Leonor.
Leonor – Minha querida, eu fiquei sabendo que ocorreu algo de ruim contigo hoje, e não entendi direito quando ouvi… O que houve de verdade?
Inês – Foi culpa de meu marido! Ele descobriu que eu ouvi sua conversa com o amigo, aquela em que ele deixou escapar que era pobre, e quis me punir por isso. Mas o fez da pior maneira possível!
Leonor – (Curiosa) E o que ele fez?
Inês – Enfiou uma libertina despudorada em minha casa e estava pecando com ela, na minha frente! E depois disso me colocou de castigo no quarto, trancada!
Leonor – Mas que loucura! Que dificuldades tu passaste!
Inês – Então, mamãe, eu preciso que a senhora e a Leonor façam algo por mim! Falem com o padre… Ele há de fazer algo.
Simone – Claro, querida, eu e Leonor falaremos com o padre Santorini amanhã mesmo após a missa.
Inês – Ai, mamãe, obrigada mesmo! Obrigada também, Leonor. Agora, preciso ir antes que meu marido descubra a minha fuga.
Cena 07: Povoado das Hortaliças. Terras coletivas.
Enzo – Casar? Tu queres casar com minha filha?
Adelmo – Isso mesmo. Tu sabes, e acho que todo o povoado, que eu sempre gostei de Agnella. Nunca fiz nada de mais, claro, mas sempre a amei. Além disso, eu não sou um camponês pobre: tenho condições de dar uma boa vida a tua filha.
Enzo – Perdoe-me, meu rapaz, mas infelizmente tu chegaste um pouco atrasado. A minha filha já irá se casar com outro homem.
Adelmo – (Surpreendido) Como assim? Quem foi esse que chegou antes de mim?
Enzo – Isso não interessa a ti. Não por enquanto, enquanto eu ainda acerto os detalhes. Então, eu te peço que não insistas em tentar tal casamento, porque não serás bem-sucedido. Com licença, que eu tenho que ir para minha casa.
Enzo se afasta de Adelmo, que fica furioso.
Cena 08: Igreja del Fiume. Manhã.
A manhã chegou, e é hora de missa. Após o café da manhã, Gustavo saiu para admirar um pouco a paisagem próxima à Igreja. Nesse momento, várias pessoas estão chegando, a pé ou a cavalo, para assistirem à missa. Gustavo, entretanto, está um pouco afastado delas, e não presta muita atenção ao movimento. Então, para sua alegria (e surpresa), ele reconhece uma voz atrás de si.
Agnella – Cavalheiro!
Gustavo – (Se vira, sorrindo) Pois não, minha amada senhorita!
Agnella – Eu estive pensando em tudo o que ocorreu conosco ontem, em como tu tiveste o atrevimento de me beijar…
Gustavo – (Interrompendo-a) Eu não te beijei. Nós nos beijamos.
Agnella – Mas não importa como ocorreu. O que importa é que eu te vi enquanto chegava, e não resisti. Vim logo falar contigo, porque eu queria muito dizer-te uma coisa.
Gustavo – O quê? Por acaso já esqueceste que tu me afirmaste que me amavas?
Agnella – Não, não esqueci. Por isso queria te dizer que eu aceito esse amor. Que eu quero viver o amor que eu sinto por ti.
Os dois se beijam.
Agnella – Mas, por favor, aqui não poderemos fazer nada. As pessoas do povoado, tu sabes como elas são…
Gustavo – Sei, sei… Tu nem podes imaginar como eu estou feliz com esse momento. Eu… (Tem uma ideia) Amanhã, cedo, estarei te esperando no rio. Sei que tu irás pegar água lá.
Agnella – Ah, cavalheiro, é claro que imagino como estás, porque eu também estou muito contente! E, quanto a esse encontro no rio, eu confirmo. Agora, com licença, tenho que voltar logo.
Agnella sorri e sai. De longe, Leonor observa tudo.
Cena 02: Convento. Pátio interno.
As noviças estão todas alinhadas, à espera de um comunicado da irmã Francisca. Nesse momento, ela chega.
Francisca – Muito bem, irmãs. Mandei que todas se aprontassem porque hoje chegou um momento especial. Pela primeira vez, a missa na Igreja del Fiume, aqui ao lado, terá a nossa participação. As pessoas dos povoados ao redor irão conhecê-las, vocês que sabiamente resolveram se dedicar ao serviço do Senhor, e…
A irmã Francisca continua falando. Valentina, entretanto, não presta muita atenção nas suas próximas palavras, já que algo que ela havia falado chamou sua atenção. E a deixou com medo.
Valentina – (Falando baixinho) Eu não posso ser vista por essas pessoas… Preciso fazer algo logo…
Uma noviça, à sua direita, a ouve balbuciar algo.
Noviça – Irmã, falaste algo?
Então, a noviça vê a novata, que entrara ontem, desmaiar ao seu lado.
Noviçã – Irmã Francisca! Ajude-me aqui! A novata acaba de desmaiar!
Começa um burburinho, que logo é repreendido pela irmã Francisca. Então, ela se dirige a uma das administradoras do convento.
Irmã Francisca – Irmã Gertrudes, mande levar essa noviça para o seu quarto agora. Pelo amor de Deus, não queremos problemas hoje. (Vira-se para as noviças) E vocês, nem inventem de passarem mal, desmaiarem ou algo parecido. Hoje é um dia especial para todas nós.
Cena 03: Igreja Del Fiume. Tempo depois.
A missa acabou, e as pessoas estão se despedindo. Na nave da igreja, conversam Enzo e o padre Santorini.
Enzo – Então, padre, falaste com o rapaz?
Santorini – Meu filho, eu pensei melhor… Não é melhor tu te preservares, e procurares um marido para tua filha aqui mesmo? Ir até lá e ter sua proposta rejeitada é pior.
Enzo – Padre, eu também pensei no assunto. Nós mentiremos, e diremos que eu sou um homem de posses. Eles só descobrirão quando chegarem aqui, e, então, já será tarde. Afinal, o valor de uma palavra acordada é muito grande.
Santorini – Não! Eu me recuso a fazer isso!
Enzo – Por favor, padre! Eu prometo ao senhor que posso pagar um valor um pouco maior nos meus impostos à Igreja.
Santorini – (Sério) Está bem, filho. Mas essa é a única coisa “errada” que farei por ti. Quanto ao rapaz, falei com ele, sim. As notícias não parecem tão desanimadoras assim. Segundo ele, seus pais não têm tantas posses como os outros senhores feudais da região da Campania, que é de onde ele vem.
Enzo – E o nome dele? E o nome dos seus pais?
Santorini – Ele é Gustavo Schiartoni. E os pais dele são Edetto e Izabella Schiartoni.
Enzo – Hum… Belos nomes. Sabe, padre, eu gostaria muito de conversar com seus pais sobre esse casamento. Ele não disse como achá-los?
Santorini – Não. Até porque não comentei sobre a sua ideia de casamento, meu filho. Mas, se você quiser, eu o chamo para conversarem. Quem sabe até você não consegue fazê-lo se interessar por seus planos…
Enzo – Verdade… O senhor pode fazer isso agora, padre?
Santorini – Claro, claro.
Santorini sai por um instante e volta com Gustavo.
Santorini – Meu rapaz, esse é Enzo, um camponês de boas condições, aqui da região. Ele gostaria de falar com você.
Enzo – Em particular, de preferência.
Santorini – Muito bem. Vocês podem se dirigir à sala de recepção aqui da igreja. (Grita) Gregório!
Gregório aparece e os leva até a sala de recepção da igreja.
Gustavo – Pois não, senhor. O padre já falou meu nome. Eu sou Gustavo. O que o senhor quer?
Enzo – Cavalheiro, isso não é algo tão fácil de falar, principalmente com você. Mas eu preciso ser breve. Pelo que eu sei, você é filho de Edetto e Izabella Schiartoni, senhores feudais da região de… Campania, não é isso?
Gustavo – (Impressionado) Sim… Por acaso o padre Santorini contou isso para o senhor? Por que ele contaria, aliás?
Enzo – Fui eu quem pediu ao padre para que lhe perguntasse isso. Bem, como ele mesmo falou, eu sou um camponês da região, mas, mesmo assim, consegui criar uma pequena fortuna. Talvez não se compare à de sua família, mas, pelo que também me foi dito, suas terras não são tão grandes, o que seria bom para o que pretendo. Em suma: tenho uma filha linda, e é de meu interesse casá-lo com ela.
Gustavo – C-como?
Cena 04: Igreja Del Fiume.
Logo após Enzo e Gustavo serem levados por Gregório, Leonor e Simone chegaram para conversar com o padre.
Simone e Leonor – Bênção, padre!
Santorini – Deus as abençoe, minhas filhas. O que as trouxe aqui para conversarem comigo?
Leonor – É um assunto um tanto sério, padre. E deveras vergonhoso, por assim dizer.
Santorini – Mas o que houve, realmente? Porque, com tais conversas, as senhoras me assustam.
Simone – Queremos falar sobre a minha filha, padre. Ela está sofrendo muito nas mãos do esposo.
Nesse momento, Pero, que estava passando próximo, para e começa a ouvir a conversa.
Santorini – De que maneira ela está sofrendo? Podem explicar melhor?
Leonor – Vamos falar de uma vez. Brás, padre, na verdade é pobre. Ele mentiu o tempo todo sobre suas posses, e Inês descobriu isso ao ouvir uma conversa sua com um amigo. Seu marido, é claro, havia de puni-la por ouvir conversas dos outros. Apesar de que mentira também é pecado, não é, padre? E uma mentira dessas então… Só que ele está a punindo cruelmente.
Simone – Pois é, padre! Ele pôs uma libertina dentro da casa deles e pecou com ela na frente da minha Inês! Uma coisa terrível! E, depois, ainda a trancou dentro do quarto, sem lhe dar comida, água, nada! Ela ainda teve sorte, por ter conseguido fugir e nos contar isso, não é, Leonor?
Leonor – Verdade, padre. Coitada dela, estava com uma cara de cansada, abatida… Dava até pena.
Simone – E nós imaginamos que o senhor pudesse ajudá-la de alguma maneira. Aquele marido dela está louco!
Santorini – Calma, minhas filhas, calma. Essa história é mesmo verdade?
Leonor – Claro! E por que mentiríamos para o senhor?
Santorini – Não sei. Do jeito que as senhoras são, e eu falo isso porque as conheço, qualquer intriga serviria para acusar alguém de quem não gostaram.
Simone – Padre, por favor! Francamente! Será que o senhor não percebe que minha filha está sofrendo?
Santorini – Tudo bem, tudo bem. Eu irei investigar isso melhor. Talvez amanhã eu passe lá no povoado, e então tirarei essa história a limpo. Se o que as senhoras me falam for verdade, tomarei as providências cabíveis para que Brás pague por seus pecados.
Leonor – Pois bem, padre. Assim esperamos.
E saem.
Pero – Não sei sobre o padre, mas eu tenho que fazer algo.
Cena 05: Convento. Quarto de Valentina.
Valentina está deitada em sua cama, pensando em como conseguira se livrar das pessoas do povoado, e em como seria difícil a vida em um convento, um lugar no qual ela nunca pensara que pararia. Então, a porta se abre, e a irmã Francisca entra.
Valentina – Irmã Francisca?
Francisca – Como tu estás, irmã?
Valentina – Eu estou me sentindo melhor, graças a Deus. Eu gostaria de pedir perdão por esse incidente comigo. Eu devo ter reagido mal à comida de ontem.
Francisca – Bem, irmã Valentina, a comida do nosso convento é de excelente qualidade, e abençoada por Deus. Então, não creio que o mal tenha vindo daqui de dentro. De qualquer forma, o que eu espero da senhorita é que evite causar novos problemas como esse. Nós não queremos imprevistos aqui. E, se algo parecido voltar a ocorrer, serás punida por isso. Entendido?
Valentina – (Engole em seco e baixa a cabeça) Entendido, irmã Francisca.
Francisca – Passar bem, então. E lembre-se: a nossa comida é ótima. Não será por causa dela que tu passarás mal de uma próxima vez. Isto é, se houver próxima vez.
Então, ela sai.
Valentina – Só me faltava essa. O que fiz para a freira querer implicar comigo?
Cena 06: Igreja Del Fiume. Sala de recepção.
Gustavo – O senhor quer me casar com a sua filha?
Enzo – Justamente, meu rapaz. Eu comecei a pensar nisso logo depois que você me salvou debaixo daquela carroça, lembra? Sua coragem, sua força e até seus modos de um verdadeiro cavalheiro me impressionaram.
Gustavo – Ah… Claro, claro que me lembro. Mas por que me casar com sua filha? Por causa de um simples salvamento?
Enzo – Não foi um simples salvamento. Foi uma demonstração de bons valores. Eu entendo que você está surpreso com essa minha proposta, mas eu pretendo conversar com seus pais sobre isso e eles hão de aceitar.
Gustavo – Mas o senhor não sabe onde, exatamente, eles moram.
Enzo – Tu podes me dizer. Ou dizer ao padre, se assim preferires. De qualquer maneira, a Campania é aqui ao lado, e não será difícil de encontrá-los. Perdoe-me, mas agora tenho que sair. Falarei com o padre, e ele há de descobrir essas informações. Com licença.
Gustavo desiste de discutir. Se ele falaria com os seus pais, tudo mudaria de cenário. Enzo, então, sai.
Cena 07: Igreja Del Fiume. Final da tarde.
As horas haviam passado, e o sol já se declinava.
Gustavo – O que terá de secreto na sala do padre? Acho que eu posso descobrir…
Após o jantar, seguiu o padre até seu quarto. Um tempinho depois, o padre saiu, e acidentalmente deixou a porta destrancada. Gustavo aproveitou a oportunidade e entrou, dirigindo-se, imediatamente, ao guarda-roupa que vira no dia anterior. Mexeu por um tempo, sem encontrar nada. Até sentir um fundo falso na parede do guarda-roupa. Abriu, e encontrou, lá, a chave que tanto procurava. Saiu, rapidamente, do quarto do padre, se escondeu, e esperou que ele voltasse e fechasse a porta para se dirigir ao quarto em que estava dormindo. Ficou lá por mais algumas horas, e, quando julgou que todos pudessem estar dormindo, acendeu seu lampião e seguiu, sorrateiramente, até a sala do padre. Abriu a porta e começou a procurar por tudo o que julgasse ser estranho. Olhou nas estantes, mas nada além de Bíblias e sermões. Não havia portas nem janelas. Quando já estava desistindo de procurar, cansado, resolveu sentar um pouco na cadeira do padre. Ao pisar sobre o tapete que forrava o chão, ouviu um barulho oco. Bateu, mais uma vez, o pé no chão, confirmando. Tirou a cadeira e levantou o tapete. Viu, então, uma alça. Puxou a alça, levantando um alçapão e revelando assim a existência de um galpão subterrâneo, algo como um porão. Seu acesso se dava por escadas.
Gustavo – (Surpreso) Um porão? O que será que há aí embaixo?
E desceu as escadas.