Batalha Espiritual – Capítulo 9
Depoimento
Micael se impulsionava para chegar até o altar, no centro da cidade, que haviam preparado para ele. Ali morreria. Antes disso, toda e qualquer pessoa tinha a oportunidade de zombá-lo. Ele subiu lentamente, pela falta de dinamismo.
– Ainda podes desistir desta ideia maluca. – Lucian não parecia preocupar-se com suas vestimentas reais arrastando no chão. Apareceu-lhe segurando uma taça com bebida narcótica, para amenizar a dor do condenado. A potestade nada retrucou e recusou-se a tomar o vinho com mirra e incenso…
Despojaram àquele que seria o mártir. A túnica que lhe colocaram já estava unida às feridas. Entretanto, fora arrancada violentamente pelos soldados e os machucados voltaram a sangrar. Teve um grande padecimento pelos fios de tecidos que foram aderidos à carne viva. Havia risco de tal ato provocar uma síncope, mas resistia.
– Já que é assim… Prepare-se para a recepção dos pecados. Acabaremos logo com isso. – o arcanjo deu as costas e ordenou que deitassem o inocente de costas. Suas chagas se incrustaram de pedras e pó.
O que não permitia a rendição era o constante pensamento de Micael em Francine, Serena e no povo. Os carrascos começaram a martelar os pregos de aproximados 12 centímetros nos pulsos de seu antigo rei, afetando o nervo mediano. Era possível ouvir os gritos de sua noiva, que parecia ficar angustiada por ele… Ao invés de tudo aquilo lhe provocar um desmaio, o nervo do Altíssimo estava esticado como uma corda de violino. A cada movimento, iria vibrar, causando dores dilacerantes que durariam horas…
Ergueram-no. A madeira áspera não era a melhor superfície para uma pele tão lesionada. As pontas da coroa penetram no crânio. A cabeça do homem vai para frente, pois, com aqueles espinhos, não poderia se apoiar na cruz. Em seguida, seu pé direito é colocado sobre o esquerdo, ambos totalmente estendidos foram atravessados por um prego.
Estava pendurado de maneira humilhante. Sentia uma grande sede. Os músculos dos braços ficam enrijecidos gradativamente, como quem busca suportar o tétano. Respirar torna-se uma tarefa árdua. Fazendo todo esforço possível, levanta um pouco o corpo.
Sombras negras saem dos corpos de todos os humanos que ali estavam e, como vultos, dirigem-se ao corpo do mártir através da boca. Depois de horas, as sombras alojam-se em seu cérebro e ele falece de angústia mental, consumido por uma culpa que não era sua… Os céus viraram trevas e um terremoto abalou toda a região. A terra clamava pela vingança do sangue imaculado derramado.
Agora, todo o Universo tinha a plena certeza da brutalidade que morava no coração daquele que uma vez fora regente do coro celestial. Não poupara sequer o seu próprio criador… Será que agora a humanidade recuará em seus pecados e parará de servir àquele que só lhes quer o mal?
Serena correu para longe dali, aos prantos, apesar de não ter para onde fugir e nem onde se esconder. O seu porto seguro fora estilhaçado… Já não sentia mais a presença da alma de seu noivo. Ela não sabia o que fazer… Logo o Sábado chegaria… Como poderia descansar com aqueles pensamentos perturbando-a?
Enquanto ia até a floresta, percebeu que suas vestes estavam brancas e a sua pele, que uma vez já esteve com a marca da besta, estava limpa como nunca. Ao invés de contemplar a bondade de seu mestre, caiu, sem forças, embaixo de uma árvore e chorou. Contemplou o anel em seu dedo e o colar em seu pescoço… E o que o seu querido ganhara? Ferimentos e uma pena de morte. Não era isso que mais a indignava… Era o fato de ele, sendo santo, ter de pagar para que ela, que era completamente o oposto disso, sair intacta. Não conseguiu dormir naquela noite, as lágrimas não cessaram.
O resumo do Sábado foram lamentos. Quando o dia seguinte chegou, ela conseguia olhar para cima… Vira um homem com máscara de leão, atrás das matas. A surpresa e a esperança fizeram com que, rapidamente, a dama o seguisse. Ele parecia estar indo até a casa de madeira que não estava muito distante dali. Tomando cuidado para não esbarrar em nada e não se atrasar, perseguiu-o. Ele subira rapidamente na casa e Serena quis imitá-lo. Na última parte da escada, o homem a ajudara a entrar.
Ele permaneceu parado e em silêncio, como se a estivesse apreciando. A jovem sabia que era Micael, mas não tinha valentia para dizer-lhe qualquer coisa. Ainda sem emitir sons, o rapaz apontou para um livro que estava em cima da mesa.
Serena, amedrontada, andou bem devagar e sentou na cadeira, para olhar as páginas daquele livro.
– Um presente… – o homem, por trás dela, colocou a mão em sua cintura.
Quando a donzela virou para vê-lo, havia sumido. Porém, estava certa de que era ele. Isso a deixou indefinidamente feliz. Com as mãos ávidas, explorou cada centímetro do livro. Pedira ajuda para compreender as mensagens e passara o dia lendo, à procura de algum recado importante. Por excepcional que pareça, todo o livro era de extrema importância. Contudo, o que a mais impressionou fora o vigésimo primeiro conto… Parecia ser uma completa declaração de amor à ela, porque tudo se encaixava.
Serena se encontrava em êxtase, seu maior desejo era expor a qualquer um as coisas que aprendera no livro. Fora correndo para o vilarejo, procurando copiar a potestade na vez que pregara publicamente.
Não encontrando lugar alto para escalar e chamar mais a atenção dos demais, utilizou nada menos que o recurso de elevar a voz:
– Todos nós sabemos da crueldade feita com o nosso rei! – no momento que ela o disse, as pessoas começaram a cochichar, perguntando o que acontecera com Lucian. A jovem preferiu continuar, apesar da ignorância deles. – Micael foi culpado pelos nossos crimes e o desejo dele é que nos convertamos! Ainda dá tempo de voltarmos aos seus braços! Ele nos espera! Ele nos ama…
– Se ele é tão paciente, por que não aguarda um pouco mais? Estou muito ocupado para ir agora! – um homem aparentemente bêbado se manifestou no tumulto de maneira irônica.
– Porque há um prazo para recuar. Tudo está escrito nesse livro! Tudo pode ser esclarecido! Na verdade, Micael faz tantas coisas que não caberiam aqui… Mas neste está registrado tudo aquilo que precisamos saber! – a dama respondeu.
– Como poderemos saber se este livro realmente veio de Micael? – outro indagou.
– É um livro inspirado! Caso o leia e o entenda, verá que está iluminado por santidade! Terás essa certeza por experiência própria! Tenham ânimo! Ele se preocupou em mostrar-lhes a verdade, vejam como é benevolente!
– Tu não és aquela mulher que causada o assassínio desse tal Micael? – um idoso interrogou, procurando enxergá-la melhor.
– Eu… Eu… Certamente que ele morreu por minhas infrações, mas foi por vós também! Se o sacrifício não fosse puro, não poderia carregar os nossos pecados!
– Então tu queres lançar a culpa sobre nós?! – uma senhora murmurava. – E por que essa garota fala tanto de Micael se quem cuida de nós é o Draco?
– Acham que Draco é bondoso para convosco?! Vós dais valor ao bobo da corte ao invés do verdadeiro rei! – Serena sentia-se oprimida, mas persistia em relatar-lhes os fatos.
– Além de querer lançar a culpa sobre nós, ainda tem a audácia de insultar nosso líder! – a senhora revoltou-se.
– Somos criminosos, não há um santo sequer! Incluindo o vosso líder que não passa de um enganador! O desejo dele é assistir nosso infortúnio! No momento, ele sabe que morrerá, por isso quer levar o máximo de pessoas consigo! Entretanto Micael está vivo e sempre estará! Eu o contemplei com meus próprios olhos! – ela estava entusiasmada como nunca.
– Então foste tu quem roubou o cadáver dele para sair espalhando mentiras?! – um dos guardas apareceu montado num corcel.
“Quero conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte”
Filipenses 3:10