Batalha Espiritual – Capítulo 19 (Final)
O fim
Serena fugia correndo segurando a barra de seu grande e longo vestido. Ela procurava mantê-lo limpo, por mais que tentasse se refugiar em meio à selva. Estava desesperada e não tinha para onde ir.
Pouco tempo antes, o mundo estava sofrendo as consequências absurdas de ter se afastado da poderosa divindade, que mantinha o equilíbrio e a paz em todos os corações. Desastres naturais constantes fizeram com que Maximus, Francine e Spirited (um renomado homem que se comunicava com demônios e os chamava de “espíritos” — sendo assim seguido por muitos do povo) se unissem num acordo em favor de Draco. As pessoas que aderiam a estas crenças não são automaticamente malignas… Mas as instituições se distorceriam a ponto de se unir a outras que discordam de sua maneira de pensar… Esse movimento ficou conhecido como Oikouméne.
Esse acordo obrigava todos a guardar o dia pagão visto como sacro, para que ficassem com suas famílias e descansassem nesse dia. Não trabalhassem e dessem à natureza uma pausa para se recuperar de toda a extração. Porém, Serena sabia que, apesar da boa iniciativa, não era esse o mandato de Micael desde os primórdios.
Para piorar a situação, houve a aceitação de States, a besta de extrema influência sobre a Terra. Assim, os indivíduos foram seguindo seu exemplo. O tempo ia passando e as catástrofes só aumentavam de proporção. Isso causou dúvida entre os superiores daquele império, que começaram a se perguntar o que estavam fazendo de errado. O cenário da vida urbana estava um completo caos. Pessoas com fome, batalhas, falsos salvadores e profetas, assassinatos frios… A vida foi banalizada. A natureza contra os homens e os homens contra os homens. Algo que já havia sido predito…
Houve gente dizendo que era culpa de Serena e seus adeptos, que estavam se recusando a se curvar diante dessa lei enganosa. Essa foi a teoria mais plausível encontrada pelos superiores da cidade. Os verdadeiros seguidores do criador não queriam manchar suas testas com essa ideia e não queriam colocá-las em práticas com suas mãos. O dia sétimo era a marca de Micael e ele não deveria ser descartado como uma mera tradição esquecida.
Serena agora estava sendo perseguida. Sabia ela que era chegado o tempo do fim, mas suas angústias pareciam intermináveis. Após tanto tempo resistindo em suas decisões, precisou fugir. Ophir havia sido executado dentro do templo. Ele próprio havia preferido ficar para que sua líder pudesse fugir. Ele se ofereceu para que os demais pudessem encontrar abrigo longe da cidade.
Os filhos de Ophir haviam ficado nas cidades para pregar sobre o tempo do fim e que todos deveriam logo fazer suas escolhas, porque as crianças, de fato, não seriam presas. Enquanto isso, Serena encontrava-se desolada e desesperada. A dúvida de sua salvação corroía-lhe a mente.
Logo os poderosos pagãos encontrariam ela e aqueles que fugiram ao seu lado. O tempo estava acabando para os escolhidos… Estava de noite, já havia escurecido e mesmo assim eles caminhavam, precisavam se manter alertas até encontrar uma caverna que lhes fornecesse segurança.
— Tome cuidado, senhora! — uma das crentes ajudava Serena a adentrar o matagal. — Precisa manter seu vestido limpo mesmo nessas horas, porque seu noivo pode chegar a qualquer momento! Nós fomos avisados de que seria assim! Não é como no Grande Desapontamento… Não sabemos dia e nem hora!
— Tem razão… Mesmo em meio à angústia, preciso pensar em meu amado! Tenho esperado por ele há tanto tempo…
— Fico feliz que a senhora tenha percebido suas más atitudes e acordado antes que fosse tarde demais.
— A arrogância me consumia, mas a essência de Micael fez com que meus olhos se abrissem e agora eu aguardo ansiosamente seu retorno… Todas essas desgraças precisam terminar.
— Donzela, bem ali! — um rapaz gritou, chamando a atenção de Serena. — Um forte, podemos passar a madrugada! Vigiaremos, podemos trocar os turnos…
As pessoas assentiram com a ideia do jovem. Lá dentro, em volta da fogueira, eles liam trechos das páginas rasgadas do livro que agora era censurado (mas grande embasamento para suas fés). Os familiares se abraçavam e falavam com Micael. A inquietação tomava conta de parte de seus corações.
— Alto lá! — bradaram fora da caverna.
— Essa não! Eles nos encontraram! — uma mulher grávida pôs-se a chorar.
— Fiquem calmos! Vós fazeis parte de mim e Micael protegerá sua noiva! Tranquilizem-se! A angústia do agora durará só um momento…
— Saiam todos, senão vamos atacar! Vós sois hereges malditos, estais trazendo toda essa dor a nós por não seguir as palavras do Pontifex! — alegou um dos soldados que compunha o grande exército que cercava o exterior.
Os adeptos e a própria Serena saíram lentamente para fora da caverna. Eles estavam cantando, porque acreditavam na possibilidade da morte instantânea. Mesmo em seus supostos últimos minutos, queriam estar louvando à poderosíssima deidade.
Para a surpresa de todos, a princesa avistou de longe uma pequena nuvem, do tamanho da mão de um homem. Tentava forçar seus olhos para ver o que era aquilo no céu, mas sua expressão tornava-se cada vez menos necessária, porque a nuvem ia aumentando gradativamente.
— Olhem! — uma menina apontou para o firmamento.
Até mesmo os soldados se surpreenderam com aquela cena. Todo olho estava vendo o miraculoso espetáculo. Numa chegada sobrenatural, Micael estava mais glorioso do que nunca, assentado sobre seu trono e anjos estavam envolta de si. Sua amada não conseguiu esconder a felicidade e começou a sorrir, emocionada.
Os estrondos eram imensos, todos os presentes caíram de joelhos ao ver aquela cena esplêndida, até mesmo os soldados que ameaçavam a nação santa. Eles estavam abismados, não felizes pela chegada do verdadeiro rei… Acabaram sendo destruídos num grande terremoto. Os ímpios já não mais Micael estava com porte nobre e com um cetro em suas mãos. Os anjos tocavam trombetas, anunciando a chegada do noivo.
Micael desceu correndo para se encontrar com Serena. A moça não conseguia conter suas lágrimas. Ele próprio sorriu meigamente enxugando-as:
— Eu disse que viria!
Serena riu:
— Eu tive medo de que não viesse me levar… Tive medo de ficar aqui… Sem ti…
— Não precisa temer. Você fez o que te pedi e agora eu quero te recompensar por isso. Você é minha noiva!
Quando tais palavras saíram da boca do mestre, contornos luminosos apareceram envolta de Serena e também dos convidados para a festa do casamento. Todos foram transformados. Suas aparências não tinham marca de pecado e suas vestimentas eram dignas para comemoração que estava por vir.
Serena foi levada por anjos para o Terceiro Céu numa viagem de sete dias, onde todos os servos de Micael puderam guardar o bom e verdadeiro dia: o Sábado. Lá, bem na entrada, encontrou-se na cerimônia que todos esperavam. Era um lugar esplendoroso e muito diferente de tudo que conseguiu imaginar.
Ela estava com o vestido de noiva mais bonito que já existiu. Suas rendas eram muito bem planejadas e detalhadas. Seu véu cobria seu rosto e ela caminhou até seu amado, que trajava roupas reais. Ele estava extremamente feliz por finalmente poder se unir à sua princesa sem que a maldade do mundo impedisse.
Seu sorriso era muito sincero e os convidados estavam comovidos com tudo aquilo. Era o casamento mais esperado dentre todas as galáxias. Micael não tirava os olhos de sua dama, que caminhava em direção ao mesmo.
Na frente do altar, a menina de seus olhos tirou a luva branca que cobria sua mão e recepcionou em seu dedo uma aliança. Logo depois, colocou outra em seu amado. Agora oficialmente pertenciam um ao outro!
Diante de todos, seus lábios se tocaram de um jeito amoroso e que também expressou a grande paixão que estava em seus corações. Suas saudades finalmente poderiam ser saciadas com aquele carinho mútuo.
Enquanto isso, em meio as trevas e a escuridão de um mundo sem esperança e povoado por demônios, Draco se encontrava numa prisão circunstancial. Não possuía vidas para destruir, não tinha mais ninguém para atormentar em todo o império. Viu-se inútil e só poderia agora pensar no que fez… Esse castigo duraria mil anos.
No Céu…
— Venha ver, esposa! — Micael enchia a boca para chamá-la dessa maneira. O sorriso em seu rosto era a coisa mais meiga daquele império puro e de paz.
— O quê, meu mestre?
— Estes são os livros com os registros… Você pode lê-los para saber a razão pela qual cada um está aqui… Ou não está.
— Eu acredito na sua justiça, senhor…
— Sei que acredita, mas eis aqui o testemunho para que todos saibam que eu me esforcei para trazê-los, mas eles não quiseram…
Serena passou um tempo olhando os livros. Alguns conhecidos dela não vieram ao casamento e gente que ela não esperava estava lá… Mas tudo isso tinha sua razão. Às vezes chorava, mas seu querido secava as lágrimas que escorriam pelo seu doce rosto.
— Além de tudo o que fez, ainda faz questão de se justificar pela sentença? – olhou para ele depois de um tempo julgando. — Minha irmã…
— Eu lamento…
— N-Não precisa se lamentar, mestre… — Serena soluçou. — Ela fez as escolhas dela… Oportunidade não faltou… Ela quis se divertir e se perverteu no meio daquela gente… Foi chamada, mas não quis voltar…
— Eu também não queria que fosse assim, mas não interrompo a liberdade das minhas criaturas.
— Você não precisava fazer tudo isso, sabia? Seu amor é tão grande… Você fez isso, mas na verdade era o senhor mesmo que está sendo julgado com esses registros. Eu verificar tudo isso é uma forma de provar que o senhor é realmente bom, misericordioso e justo… É mesmo um bom governador… Meu governador! — disse orgulhosamente. — És mais maravilhoso do que espero, meu amor! Nenhuma tristeza é relevante quando sinto a alegria de estar na sua presença! Consegue me surpreender de diversas maneiras!
— Ah! Falando em surpreender… Acho que há alguém que você gostaria de ver por aqui…
— Alguém?
— Olá, minha dama! — Ophir correu para abraçá-la.
— Ophir! — ela abraçou-o de volta.
— Eu fiquei tão surpreso quanto você por ter vindo parar aqui!
— Você entregou sua vida pela causa, por que não estaria? — Serena acabou chorando um pouco.
— Eu pensei que não… Mas é natural… Muita gente que achou que estaria aqui hoje está dormindo… E após os mil anos estará viva novamente para receber seu castigo… Mesmo após ressuscitar, eles não desistirão de fazer o mal e tentarão atacar a cidade santa com Draco como líder… Mas obviamente irão perder…
— Você se recorda muito bem do que aprendeu no templo… — a princesa comentou.
— Bem, eu vou voltar a brincar com meus filhos e deixar vocês dois conversando. Estou muito feliz pela união! Amo vocês! – o homem deixou o ambiente em sua maneira simpática, mesmo após relembrar do ato estranho de Micael, que iria acontecer vindouramente.
Essa ocorrência é conhecida como “ato estranho” simplesmente porque o fogo lançado para consumir os ímpios não é comum da dócil natureza do criador… Mas o mal precisa acabar… Era uma medida drástica, uma prevenção de que isso nunca mais se levantaria novamente. O que Micael sempre quis foi salvar vidas e ter os seus amados consigo… Todavia, nem todos se interessam por tal proposta.
— Serena… — ele demonstrou-se sério naquele instante.
— Hã? — ela estava distraída, olhando as chagas que seu mestre carregava consigo por sua causa. — Pois não…
— Obrigado…
— O quê?! – a menina se surpreendeu mais uma vez com os dizeres do general.
— Obrigado por aceitar ficar comigo… Você poderia dizer que não, se quisesse… Mas você me escolheu… Obrigado… Eu agora posso finalmente te fazer feliz, mais feliz do que tudo o que sempre imaginou. — ele estava comovido pela aceitação de sua mulher.
— Eu é que devo te agradecer… Eu nunca mereci alguém com todo esse amor. — colocou sua mão sobre a dele. Micael já sabia que ela estava lembrando do sacrifício que fez para tê-la por perto… Preferiu morrer a viver sem ela.
— Antes mesmo de criar-te, eu era intensamente apaixonado por ti… Você é linda, a melhor escolha que já fiz… Você sabe o que vai acontecer após esses mil anos aqui no Céu, certo? Lembra do que faremos após vocês julgarem com os anjos, não lembra?
— Como Ophir relembrou, a cidade descerá até a Terra! — os olhos de Serena encheram-se de lágrimas e, enquanto sorria, recostou sua testa sobre a testa de seu marido.
—Exatamente! Lá será a nova capital do Universo! Morarei contigo para sempre. — disse Micael segurando a mão de sua joia rara de maneira firme. Ela sabia, no seu toque, com as visíveis feridas abertas, que ele nunca mais iria deixá-la escapar. Ele havia lutado muito para estar com ela e seu sonho finalmente estava se realizando. — Nada nunca mais vai nos separar!
— Nunca! — Serena sorriu ao mesmo tempo que envolvia seus braços no pescoço de Micael.
— A eternidade é o nosso final feliz. — segurou-a, pela cintura e deu-lhe um profundo beijo. Entretanto, mesmo com todos os dias que o tempo sem fim poderia oferecer não seriam suficientes para entender plenamente o sentimento incondicional que o governador nutria por ela.
Enquanto era beijada e seu corpo tocava o de seu amado calorosamente, a garota percebeu que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem as autoridades ou poderes celestiais, nem o presente, nem o futuro, nem o mundo lá de cima, nem o mundo lá de baixo… Em todo o Universo não havia nada que pudesse separá-la do amor de seu criador.