AJUSTE DE CONTAS – edição especial: capítulo 01
Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2001.
Na escola durante o recreio, Kadu e Guilherme conversam:
Kadu: Cara, tá difícil tirar a Vanessa do meu pé. Ela tá grudada igual carrapato.
Guilherme: Ela gosta de você. Assume esse namoro de uma vez e faça a garota feliz.
Kadu: Se eu fizer isso, EU não serei feliz. Olha pra ela Guilherme. Ela é feia. Gordinha. É só um passatempo para os meus momentos de carência. Eu não preciso disso não.
Guilherme: Isso que você está fazendo não é certo Kadu. Você está brincando com os sentimentos de uma pessoa. Ela te leva a sério. Ela acredita em você.
Kadu: Eu sei, eu sei. Você tem razão. Mas fica tranquilo que vou dar um basta nessa história.
Vanessa chega, tímida.
Vanessa: Oi meninos. Atrapalho alguma coisa?
Guilherme: Claro que não Vanessa, fica a vontade. Eu já estava voltando pra sala.
Guilherme se retira e deixa Kadu um pouco enfurecido, por deixa-lo sozinho com Vanessa.
Vanessa: Pensou sobre aquilo que conversamos?
Kadu se faz de desentendido: Sobre o que conversamos? O que conversamos?
Vanessa: Você sabe meu amor. Sobre assumirmos de vez nosso namoro. Poder andar de mãos dadas. Beijar em publico. Conhecer nossas famílias. Essas coisas.
Kadu suspira: Meu pensamento continua o mesmo. As pessoas são invejosas. Estamos indo tão bem dessa forma. Mas prometo que vou voltar a pensar. Agora deixa eu ir, não posso perder um minuto dessa aula de matemática que vou ter agora, beijos.
Kadu se retira apressado, e Vanessa permanece no local, sonhadora.
Guilherme chega em casa e vê os pais arrumando a árvore de Natal.
Vera: Oi filho. Chegou mais cedo hoje? Olha como a nossa árvore está ficando linda.
Afonso: Mas tem que ficar. Sua mãe gastou rios de dinheiro com esses enfeites.
Guilherme, visivelmente abatido: Está linda mesmo. Mas ver uma arvore de Natal me traz recordações tão tristes… Lembro de ser abandonado…
Vera imediatamente levanta e vai acariciar o filho, enquanto Afonso começa a desmontar a árvore: Ô meu filho, você sabe o que o médico falou sobre isso. Desvia seu pensamento. Você sofreu de uma forma que não era para ter sofrido com apenas 15 anos.
Guilherme, emocionado: É muito difícil mãe. Eu achei que fôssemos casar, te dar um monte de netinhos, viajar por todo o mundo juntos …
Vera: Eu sei querido, sei que essa menina foi importante pra você, mas é passado. A vida continua. A sua trajetória é longa e a vida reserva muitas coisas boas pra você. Vamos subir, vou te amostrar um filme muito divertido com o Rodrigo Santana, você vai adorar.
Vera consegue tranquilizar Guilherme.
Algumas horas depois, Afonso vai até o quarto saber como ele está.
Afonso: E aí?
Vera: Ele dormiu. Está melhor. Riu bastante do filme, esqueceu-se da história de novo.
Afonso: Incrível como ele se envolveu nesse namoro. Um garoto tão novo. Não imaginava que alguém nessa idade poderia amar tanto.
Vera: Incrível mesmo. Nosso filho é especial Afonso. O médico o diagnosticou como uma criança superdotada. Se lembra?
Afonso: Me lembro de cada palavra: é um fenômeno que se caracteriza por uma elevada capacidade mental e um nível de performance significativamente superior à média.
Vera: Com 6 anos de idade ele já lia e escrevia quase tudo. Ao mesmo tempo que é tão forte, é tão frágil. Fico tão preocupada com essa fragilidade dele.
Afonso: As crianças superdotadas podem eventualmente sofrer de problemas no ajustamento emocional. Palavras do doutor.
Vera: Pois é. Mas como o doutor disse, vamos dar tempo ao tempo, que cedo ou tarde ele vai superar esse trauma. Eu tenho certeza.
Kadu chega em casa e encontra uma grande discussão entre os pais.
Kadu: Ei, o que está acontecendo aqui? Vocês estão discutindo mais uma vez?
Janete, aos berros: Esse cretino chega em casa cheio de marca de batom e quer deitar do meu lado, na minha cama. Some daqui Sandro, sai da minha casa!
Sandro, exaltado: Quem é você pra mandar em mim? Você é uma prostituta, não tem moral nenhuma pra mandar em alguém. É por isso que esse moleque é mimado desse jeito.
Kadu: Olha só, não me mete na discussão de vocês!
Sandro menospreza Kadu: Meto sabe por quê? Porque você é um erro. Você não deveria ter nascido. Pra que você existe? Pra nada. Só veio trazer mais problema para nós.
Janete complementa: É bom mesmo você dar um tempo. Sai daqui, não se intrometa na nossa conversa. Vai pro seu quarto assistir TV, ouvir rádio, ver revista de mulher pelada, qualquer coisa, mas sai da nossa frente e não venha arranjar mais problemas.
Kadu, com os olhos marejados: O erro foi ter nascido nessa família. Gostaria de ter nascido em qualquer outra, menos nessa. Eu odeio vocês.
Kadu sai de casa enfurecido.
Ao chegar em casa, Vanessa se desespera ao encontrar o pai desmaiado.
Vanessa: Pai? Está tudo bem? O que houve? Acorda pai!
Paulo, alcoolizado: Hã? O que houve? Me dá mais um copo.
Vanessa: Ah pai. Você bebeu de novo?
Paulo: Me dá um copo. Um copo ou sua mãe. Eu preciso de um ou outro.
Vanessa: Pai, eu sei que a mamãe está fazendo muita falta para nós. Mas tenho certeza que de onde ela está, não está gostando nem um pouco de vê-lo assim.
Paulo, agora chorando: Porque ela foi embora minha filha? Minha vida não tem sentido sem a sua mãe [começa a gritar] volta Rosa ! Volta Rosa ! Cadê você? Volta pra mim!
Vanessa, tentando segura-lo: Calma pai, por favor. Fica calmo.
Paulo: Eu não vou ficar calmo sem sua mãe aqui minha filha. Eu quero minha mulher de volta!
Vanessa: Ela não vai voltar pai. Por favor, aceita isso.
Alguns minutos depois, Vanessa consegue acalmar Paulo e faze-lo dormir.
Em seguida, começa a pensar em Kadu e decide fazer uma visita à Guilherme.
Guilherme: Vanessa? Que surpresa. Está tudo bem?
Vanessa: Está sim Guilherme. Está muito tarde? Você já estava dormindo? Desculpe…
Guilherme dá uma risada: Não, tá tudo bem. Eu não estava dormindo. Ainda está cedo. Só fiquei surpreso com sua visita. Aconteceu algum coisa?
Vanessa: Não, não é nenhum problema. Eu vim aqui porque preciso de uma ajuda sua. Uma opinião sobre eu e Kadu. Você é o melhor amigo dele, conhece ele melhor que eu e acredito que vai poder me ajudar.
Guilherme: Claro que sim. Ele aprontou alguma?
Vanessa sorri: Não, não aprontou nada. É que… Amanhã é nosso baile de formatura. A escola toda vai estar presente, nossos pais…
Guilherme: Sim, falta pouco. Vai ser bem legal. Mas o que tem? Está planejando algo?
Vanessa: Sim, estou sim. Estou planejando pedir o Kadu em namoro em público. O que acha?
Guilherme, surpreso: Caramba! Pra ser sincero, estou um pouco surpreso. Não esperava que você pudesse um dia tomar essa atitude. Você é tão tímida, jamais poderia imaginar que fizesse um pedido desse em público.
Vanessa: Eu estou surpresa comigo mesma [dá uma risada]. O amor tá me dando coragem, sabe Guilherme? Eu tenho enfrentado alguns problemas pessoais muito difíceis. Perdi minha mãe há pouco tempo, meu pai se afundou nas bebidas depois disso… E o Kadu tem sido meu apoio, meu porto seguro pra tudo isso. Eu sempre fui muito sozinha, nunca fui de fazer muitos amigos. O Kadu está sendo minha válvula de escape. É a única pessoa que posso desabafar. Mas o problema é que posso fazer isso só em momentos restritos. Ou pelo telefone, ou tarde de noite quando não tem ninguém presente. Ele é meio paranoico com essa coisa de inveja sabe, ele acha que outras pessoas podem fazer intrigas com a nossa relação.
Guilherme: Sei…
Vanessa: Até entendo, ele quer a segurança do nosso namoro. Mas a gente precisa ser forte e enfrentar os obstáculos não é verdade? Em resumo, você acha que pode dar certo?
Guilherme: Posso ser sincero? Acho que pode dar certo sim. Talvez seja disso que o Kadu precise: de um incentivo! Achei uma ótima ideia Vanessa.
Vanessa, animada: Ai, que bom Guilherme! Agora eu preciso criar coragem pra subir naquele palco e falar pra tanta gente. Ai meu Deus, já estou nervosa [ri]
Guilherme: Relaxa, na hora você vai ter coragem.
No dia seguinte.
Após dormir fora de casa, Kadu decide tentar conversar com os pais.
Ele encontra ambos assistindo televisão.
Janete: Onde você estava? Quem pensa que é para dormir fora de casa?
Sandro: Dá um tempo mulher. Seria melhor que ele nem voltasse.
Kadu, respirando fundo: Eu vim em paz. Eu quero conversar com vocês civilizadamente.
Sandro: Civi o que ?
Kadu: Eu quero saber se o que disseram é verdade. Eu sou realmente um erro? Vocês não queriam que eu tivesse nascido? Não gostam de mim?
Sandro: Ô moleque, ainda não caiu sua ficha? É isso mesmo. Você é indesejado.
Janete: Eu pensei em abortar na época, mas da forma que o Sandro queria não concordei.
Sandro: É, até entendo, eu queria enfiar uma faca na barriga dela.
Kadu grita: Chega! Eu vou embora! Eu nunca mais quero ver vocês.
Kadu sai de casa transtornado e vai para um bar, arrasado.
Guilherme o encontra e se preocupa com o amigo.
Guilherme: Kadu? O que houve? Eu nunca te vi assim.
Kadu: Eu to cansado Guilherme, cansado! Cansado de colocar essa capa como se estivesse tudo bem. Quem olha pra mim pensa que sou feliz, que tá tudo bem. Mas não está. Meus pais me odeiam. Eles não queriam que eu tivesse nascido. Eu sou indesejado! Eu não sirvo pra nada
Guilherme: Calma meu amigo, não é bem assim.
Kadu: É assim Guilherme. Simplesmente assim. Eu sou indesejado. Eu não aguento mais fingir que sou feliz, eu não aguento mais forçar um sorriso. Eu quero ser feliz de verdade. Eu quero uma família que me ame. Eu chutei o balde, pra mim já chega. Eis o Kadu de verdade, esse que você está vendo. Um garoto amargurado, arrasado, rejeitado, infeliz.
Guilherme segura o rosto de Kadu: Ei, Kadu, chega! Para com isso. Esse é o garoto que você DEVERIA ser, mas não é. Você é forte. Isso não é uma capa, é uma fortaleza. Você consegue enfrentar essa rejeição com soberania. Outras pessoas no seu lugar já teriam perdido a guerra. Kadu, ouve bem o que vou te falar: você não está sozinho. Muitas pessoas te querem bem. Principalmente eu, que sou seu amigo, seu irmão. Conte comigo sempre. Isso é só uma fase. E uma nova fase se inicia. Hoje nós vamos nos formar, estamos próximos de chegar a faculdade. Você tem o apoio dos meus pais para o que precisar, eles te consideram como filho. Ergue essa cabeça. Dá a volta por cima porque eu sei que você consegue!
Kadu grato, diz: Guilherme… Você é um amigo inexplicável. Você é mais que um amigo, é meu irmão. Obrigado cara, obrigado por tudo.
Guilherme: É isso. Volta pra realidade. Assume sua posição. Veste a armadura.
Kadu: Só me diz uma coisa: você só tem 15 anos mesmo? [os dois riem].
Guilherme: Bom, você sabe que fui diagnosticado como uma criança superdotada.
Kadu: Sabia que tinha algo fora do normal
Guilherme: Mas olha, se prepara, que hoje a noite tem uma surpresa pra você.
Kadu: Surpresa pra mim?
Guilherme: Sim. Hoje é a nossa formatura, ou já tinha esquecido?
Kadu: Eu tinha esquecido cara, tanto aborrecimento na minha cabeça… e a Vanessa? Será que ela vai querer dançar comigo? Ela vai queimar meu filme.
Guilherme, preocupado: Kadu, para com isso cara. Já disse que essa menina gosta de você. Dê valor a ela. Vocês serão felizes juntos.
Kadu: Po Guilherme, fala sério! Até parece que não me conhece! Eu vou ser feliz ao lado da Viviane Araújo, Juliana Paes…
Guilherme fica preocupado em lembrar dos planos de Vanessa de declarar-se para Kadu.
Ao abrir a porta e encontrar a casa vazia, Vanessa fica preocupada.
Vanessa: Pai! Pelo amor de Deus! Cadê os nossos móveis pai?
Paulo, alcoolizado, aponta para a parede, indicando uma pilha de bebidas: Está tudo ali.
Vanessa: Pai! Eu não acredito que o senhor vendeu nossos móveis em troca de bebidas! O senhor chegou aos limites!
Paulo: Pra que sofá, pra que rack, pra que mesa? Nada disso tem utilidade. Meu uísque é mais valioso e necessário do que tudo isso.
Vanessa indignada: Chega pai! Chega! O senhor chegou ao limite! Vender os móveis de casa para comprar bebida é demais. Pai, eu… eu vou te internar numa clínica!
Nesse momento, Paulo leva um choque de realidade e se desculpa com a filha, chorando.
Paulo: Me desculpa minha filha, você não merece passar por isso, você não merece sofrer por minha causa, você é só uma menina, me perdoa…
Vanessa: Você que não merece passar por isso pai! Você não merece. Um homem tão bonito, inteligente, indo para o fundo do poço dessa forma que você está indo. Não é isso que a mamãe desejaria pra você pai. Eu posso te levar para uma clínica, lá eles vão cuidar de você, dar todo o apoio necessário para você se recuperar…
Paulo se joga aos pés de Vanessa implorando que ela mude ideia.
Alguns minutos depois, ele dorme e Vanessa sai para esfriar um pouco a mente.
No caminho, avista Kadu e Guilherme conversando, e decide se juntar a eles.
Vanessa: Oi meninos, tudo bem?
Guilherme: Oi Vanessa. Eu vou sair pra deixar vocês a sós.
Kadu diz rapidamente: Você pode ficar Guilherme, nós vamos apenas conversar.
Vanessa: É verdade Guilherme. Eu quero, inclusive, que você fique para ser testemunha de uma coisa, pra depois dizer que não tentei.
Guilherme: Poxa, até fiquei curioso agora.
Vanessa, decidida: Kadu, é a última chance. Vamos assumir nosso namoro?