Agridøcє

Entrar no refeitório na segunda-feira foi estranho, principalmente por que a mão que segurava a de Nick parecia pesar uma tonelada, eu me sentia como se todos estivessem olhando para nós, como se eu estivesse com uma placa de neon pendurada no pescoço pedindo para que olhassem para mim.  Ally foi a primeira a arregalar os olhos, sem nem conseguir disfarçar a surpresa, não havia falado com ela aquele final de semana todo. Nem quando ela ligou 10 vezes para mim na manhã de sábado para saber se eu iria para a casa da mamãe. Eu não fui, passei o final de semana todo com Nick.

— Wendy! — Ally me encarou, seus cabelos presos em um coque mal feito no topo da cabeça, tornava a situação mais suportável.

— Oi. — Sussurrei.

— Sumiu o final de semana todo, por quê? Te liguei e tal.

— Eu sei. Estava ocupada. — Olhei para a minha mão e a de Nick entrelaçadas. Ally só balançou a cabeça para os lados, como se aquilo fosse muito surreal para ela. Era para mim também.

— Não vai apresentar?

— Nicholas, essa é a minha irmã, Ally. Lucy e Ralph. — Apontei enquanto falava.

— Prazer! — Nick estava rígido ao meu lado, ele e Ralph se encaravam.

Nick puxou uma cadeira da mesa do lado e colocou ao meu lado, depois foi com o Ralph e a Lucy para fila para pegarem nossas comidas.

— Caraca, Wendy! Quando ia me contar? — Ally pulou as cadeiras até chegar ao meu lado.

— Quando ia me contar do cabelo?

— Mamãe me disse que você ficou chateada, pelo amor, Wendy! É um cabelo! Meu cabelo, aliás. Nós somos irmãs gêmeas. Tá legal. Mas não precisamos andar por aí vestindo a mesma roupa tipo banana de pijamas.

— Ok, Ally, ok. — bufei.

— E então, quando ia me contar? — Ela olhou para Nick pelo canto dos olhos.

— Não tenho nada para contar, Ally.

— Como não? Vocês entraram de mãos dadas e tudo, nem sabia que estava saindo com alguém. Nem sabia que permitia esse tipo de contato físico. — Ela riu.

— Não sei nem como aconteceu, só foi acontecendo; ele me chamou pra sair e eu disse não, mas ele não aceitou não como resposta e quando vi, estávamos saindo. Eu disse não para contato físico e quando vi estávamos nos beijando, eu disse não para um segundo encontro e passamos o final de semana todos juntos. — Deis de ombros.

— CA-RA-CA! — ela abriu a boca e depois a fechou. — Ele te beijou? No primeiro encontro? Você não surtou? Não bateu nele? Nem vomitou?

— Não. — Revirei os olhos. Por que ninguém esquecia a parte do vômito?!

— CA-RA-CA! — Ela repetiu, ia dizer mais alguma coisa, mas se calou quando viu que os meninos voltavam. A tensão entre Ralph e Nick parecia emanar por todo o refeitório, me deixando desconfortável.

Nick botou na minha frente uma bandeja com macarrão com almôndegas, dois potinhos com gelatina e duas cocas. Havia uma quantidade  generosa de macarrão com almôndegas, então eu e Nick dividimos o mesmo prato. Era estranhamente constrangedor o silêncio que se fazia na mesa, todos me encaravam e eu encarava meu prato, tentando fingir que eu não era o centro das atenções. Eu nunca era o centro das atenções. A única vez que levantei os olhos do prato, dei de cara com os olhos ônix de Ralph que me encaravam quase me perfurando, meu estômago se embrulhou.

— Já terminou Nick? — Sussurrei.

— Falta a gelatina. — Ele sorriu, pegando um potinho e me entregando um.

— Então, já terminou. Vamos. — Levantei pegando minha gelatina e minha latinha de coca, caminhei para a saída do refeitório e me sentei no mesmo lugar que havia sentado com Nick na sexta-feira, ele se sentou ao meu lado.

— Você sempre acaba seu almoço dessa maneira?

— Não. — sorri sem graça. — É só que o Ralph me incomoda um pouco.

— Incomoda como?

— Ele fica me encarando. Sempre. Odeio que me encarem e ele nunca para. — Estremeci um pouco.

— Ele encara todo mundo. — ele pegou o potinho de gelatina e levou até a boca, sugando a gelatina. — Ele me encarou bastante hoje, provavelmente, vai vir tirar satisfação.

— Sobre o que? Não sou nada dele. Nem aceitei sair com ele quando ele pediu.

— Ele vai dizer que eu rompi o pacto. De não pegar a menina que o outro está afim e tal.

— Quando você me chamou para sair você nem sabia que ele estava afim de mim.

— Mais quando te beijei, eu sabia. — Ele sorriu torto.

— Diga para ele que esse pacto idiota não vale quando a garota sou eu. — Levei meu potinho de gelatina na boca e suguei um pouco de gelatina.

— Vou tentar lembrar disso antes que ele me dê um soco.

— Sério isso? — Arregalei os olhos.

— A parte de lembrar ou a dele me bater? — ele riu, mas eu o encarei séria. — Tô brincando, Wendy! Faz mais de um ano que eu e Ralph moramos na mesma casa e tal, ele não chegaria a esse ponto. Ainda mais por causa de uma menina. Não que você seja qualquer menina. Provavelmente eu bateria nele se ele te roubasse de mim.

— Hm. — Levei o potinho de gelatina à boca e suguei o resto de gelatina. Nick se aproximou de mim e me deu beijo no alto da cabeça. Nós havíamos fechado um acordo. Sem beijos de língua, ou contatos muito próximos até que eu estivesse completamente confortável com a nossa situação.

Depois da última aula, Nick me encontrou na porta do meu dormitório e nós entramos. Subimos pela escada e eu passei na máquina de chocolate. Aquilo havia se tornado uma rotina e eu adorava rotinas. Rotinas eram confortáveis. Congelei quando vi uma figura parada do lado da minha porta, sentada. Arrumei os óculos no rosto e pisquei. Não era Ralph. Respirei aliviada e continuei caminhando.

— Oi, Wendy! — Rylan abriu um sorriso se levantando, mas o fechou quando viu Nick vindo um pouco atrás de mim.

— Oi. Joy não está?

— Ainda não chegou, posso entrar? Tô ficando quadrado de ficar sentado nesse chão.

— Claro. — Peguei as chaves dentro da bolsa e abri a porta. Rylan entrou primeiro e se esparramou na cama de Joy.

— Nick, Rylan. Rylan, Nick. — Os apresentei me jogando em minha cadeira e abrindo o notebook. Enquanto esperava ligar, abri meu pacote de bolinhas de chocolate com caramelo, peguei um pouco e joguei para Rylan.

— Minha garota! — Rylan sorriu, virando o pacotinho na boca. — O que vão fazer?

— Não fale de boca cheia! — murmurei. — É só a Joy sumir que você faz a festa!

Rylan mostrou a língua e voltou sua atenção para o pacote de bolinhas de chocolate. Nick que até então estava sentado na ponta da minha cama, se levantou e se sentou na cama atrás de mim, colocou o queixo no meu ombro enquanto eu mexia no notebook. Não sei se era impressão minha, mais tanto Nick quando Rylan não pareciam estar totalmente confortáveis com a situação, me fazendo assim não ficar confortável também. Enquanto respondia um e-mail da mamãe, imaginei qual seria o primeiro a desistir e ir embora. Então o celular de Nick tocou.

— Alô? — Ele sussurrou. — Hm… Agora? — ele esperou uma resposta. — Ok.

— Precisa ir? — Perguntei me virando.

— Sim. — Sussurrou, então se levantou, deu um beijo no alto da minha cabeça e saiu.

— Achei que ele nunca ia embora! — Rylan se jogou na minha cama, abraçando meu travesseiro.

— Não gostou dele? — Arregalei os olhos.

— Não é isso… — Rylan mordeu o lábio inferior. — É só que tô acostumado a ser o único homem nesse quarto. Se ele vai começar a frequentar aqui, vamos ter que estabelecer algumas regras.

— O quarto nem é seu.

— É como se fosse.

Joy abriu a porta com um empurrão, fazendo a porta bater na ponta da cama.

— Qual o seu problema, não sabe abrir a porta como um ser humano normal? — Rylan perguntou.

— Me defina o que é ser um ser humano normal. — Joy se jogou na cama com os pés para cima, puxando suas botas de salto. — E se tiver como exemplo de ser humano normal, a Wendy, nem abra a boca. —  Rylan não abriu a boca.

— Vou fingir que não ouvi isso. — Murmurei.

— Duvido que você mesma se defina como um ser humano normal, Wendy. — Eu também não abri a boca. Joy terminou de tirar as botas, pegou suas coisas e saiu para tomar banho.

— Qualquer dia desses, dê uns tapas nela, Wendy. — Rylan sorriu.

— Claro, claro. — Virei para o notebook, abri meu e-mail mais uma vez para ver se mamãe já havia me respondido.

• Capítulo 9 – Dia 15/01