Capítulo 3 – Agridøcє
Agridøcє
Enquanto caminhava pelo Campus em direção ao prédio três, olhava fixamente para o chão para evitar o contato visual com as centenas de jovens que caminhavam de um lado para o outro. Mas, é claro que nunca se deve caminhar olhando fixamente para o chão, ainda mais quando você tem “dois pés esquerdos” como eu. Acabei tropeçando e batendo em alguém.
— Caramba! — sussurrei, conseguindo pegar meus óculos antes que eles caíssem no chão.
— Pô! Mal aí, moça! — Encarei o menino que me olhava com um sorriso, enquanto colocava meus óculos no lugar.
— Eu… Desculpe, não estava prestando atenção. — Arrumei a bolsa no ombro e desviei dele.
— Sem problemas! Eu também não estava. — Ele sorriu, enquanto caminhava ao meu lado.
— Ok. — Sussurrei apressando o passo.
— Vai pra que prédio? — ele apressou o passo também.
— Três. — Abaixei a cabeça e apressei o passo mais um pouco, deixando claro que não queria conversa, mas não funcionou.
— Ah, que maneiro! Tô indo pra lá também! — Pelo canto do olho pude ver que ele sorria.
— Ok.
— Não é muito de conversar, né? — Ele perguntou.
— Não.
— Percebi. — Ele sorriu enquanto passava as mãos nos longos cabelos pretos que caiam até a altura dos ombros. — Prazer, Nicholas Scott!
— Wendy. — Atrás de uma árvore pude ver um grande três vermelho desenhado na lateral de um prédio de tijolos, apressei mais um pouco o passo e me despedi do tal menino.
Pude respirar aliviada quando entrei na minha sala de aula daquela manhã e percebi que ele não entrou também. Eu nunca me dava bem com meninos, na verdade, nunca me dava bem com pessoas no geral. Eu e Ally apesar de sermos irmãs gêmeas e fisicamente idênticas, não éramos nada iguais. Ally havia beijado pela primeira vez aos 11 anos e depois de então, namorara quatro vezes. Eu, por outro lado, havia beijado pela primeira vez aos 17 anos, e namorara com o menino desde então, até que seis meses depois ele terminara comigo, pois encontrara alguém que sabia “namorar de verdade”, como ele me disse quando apareceu na porta da minha casa no dia em que iríamos fazer seis meses e duas semanas de namoro. Desde então eu não havia beijado outro garoto.
No colegial eu também não tinha muitas amigas, para ser sincera, Ally era a única que eu realmente podia chamar de amiga, já ela, sempre fora rodeada por garotos e garotas, era convidada para festas, e podia ser considerada bem popular e cobiçada. No começo, ela sempre me obrigava a ir ás festas com ela, dizia que éramos um pacote só, na grande maioria das vezes eu recusava, nunca me encaixei bem em uma festa, não sabia como me vestir, como socializar, não sabia dançar e pra ser sincera, também não tinha vontade, mas ficava feliz quando ela me chamava, fazia me sentir importante, mas com o passar do tempo, ela me chamava cada vez mais em cima da hora e cada vez com menos vontade, depois que descobriu que havia sido aprovada na faculdade parou de me chamar e depois, começou a beber.
Um pouco depois do começo da aula, meu celular vibrou dentro da bolsa, meio sem jeito abaixei um pouco o corpo, tentando procurar o celular com uma mão, sem parar de escrever o que o professor dizia, quando finalmente consegui pegar o celular vi que era uma mensagem:
“Como estão as coisas?” — Era o que dizia a mensagem de Ally.
“Colega de quarto estranha. Aula. Mensagem depois.” — Respondi, segurando sem jeito meu celular embaixo da mesa.
Depois que sai da aula e caminhava para o prédio quatro para a minha próxima aula, resolvi ligar para Ally, que atendeu logo no primeiro toque.
— Então, colega de quarto estranha? Estranha de que tipo? — Ela perguntou assim que atendeu.
— Do tipo que você ia gostar; tatuagens, maquiagem forte. Estranha.
— Ah! Não achei nada de estranho. — pude ouvir sua risada. — Achei que seria do tipo óculos fundo de garrafa, roupas de anime, sobrancelhas que se encontram, pernas peludas, essas coisas.
— Rá! — bufei. — E a sua colega de quarto, como é?
— CA-RA-CA! — ela pronunciou cada sílaba bem devagar — Falo com você depois, Wendy! Menino. Olhos verdes. Moreno. Lindo. — ela disse fazendo uma pausa exagerada entre as palavras. Chamou o nome de alguém e desligou.
— Ok. — Sussurrei para o celular já mudo.
Depois que a segunda e a terceira aula acabara, caminhei para o prédio principal onde era o refeitório, havia combinado com Ally que iríamos almoçar todos os dias ali.
Abri a porta do refeitório e olhei em volta procurando Ally, o refeitório ainda não estava lotado, então foi fácil acha-la, mais percebi também, que além dela havia mais duas pessoas na mesa.
Enquanto caminhava até lá, Ally me viu e esticou a mão, mostrando onde estava, como se eu ainda não a tivesse visto, acenei de volta.
— Uau, Ally! Ela é igual mesmo, achei que era zoeira! — Disse a menina, com uma voz fina e levemente irritante.
— Eu disse: gêmeas idênticas, qual a parte que você achou que era zoeira? — Ela riu e a menina também.
Parada em pé ali, olhando para Ally e sua nova amiga, percebi que o rapaz me encarava, tirei o cabelo de trás da orelha e deixei que caísse no meu rosto, envergonhada.
— Wendy, esses são o Ralph e a Lucy. Lucy é minha colega de quarto. — Ela sorriu.
— Prazer! — Sussurrei sem levantar a cabeça.
Enquanto Ally, Lucy e Ralph caminharam para a fila para pegar suas comidas, me encostei na cadeira, analisando o trio.
Ralph era um pouco mais alto que Ally e eu, Lucy, quase do mesmo tamanho, Ralph tinha os cabelos loiros espetados em todas as direções como se tivesse feito de propósito para que ficasse com um charme desgrenhado, tinha uma pele extremamente clara e olhos de um preto ônix, pareciam quase líquidos. Já Lucy, tinha uma pele morena, cabelos encaracolados um pouco acima dos ombros, olhos verdes escuro, com uma mistura estranha de castanho, lábios grossos contornados por um batom vermelho. Igual aos de Ally. Enquanto Ally trazia sua bandeja com a minha comida também, percebi sua roupa, que não tinha notado até então, Ally usava uma saia alguns dedos acima do joelho, uma blusa vermelha quase da cor do seu batom com um leve decote e botas, seus longos cabelos pretos — que já haviam sido da cor exata dos meus — estavam presos em um rabo de cavalo no alto da cabeça, de uma forma desgrenhada e estranha.
Fixei meus olhos em seu rosto e em seu cabelo, antes, quando olhava para Ally, via o reflexo perfeito de mim, mas naquele momento, olhando para minha irmã, percebi que não me via mais ali, que Ally tinha conseguido o que queria, não éramos mais “ás gêmeas”.
Almocei em um silêncio constrangedor, Ally e Lucy conversavam como se fossem amigas há séculos e o estranho Ralph não tirava os olhos de mim, me encarava fixamente com aqueles olhos cor de ônix que me deixavam desconfortável. Percebi, que Ally tentava puxar a atenção de Ralph para si, e ficou claro que Ralph já devia ser um dos “peguetes”, ou, devia estar em sua lista. Tornando os olhares dele para mim, ainda mais desconfortáveis, até que me levantei e me despedi antes do final do almoço, fingindo precisar pegar algo em meu quarto antes das próximas aulas. Suspirei fundo quando passei pela porta, meninos eram estranhos. Eu não sabia lidar.
- Capítulo 4 – Dia 03/01
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