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A Santa e o Bruxo

Capítulo 10 – A Santa e o Bruxo

PADRE VITAL – Acho que os escravos fugiram depois que ele foi embora. Não havia mais nenhum aqui um dia depois do sepultamento.
JESUÍNO – O senhor acredita que eles possam ter algo a ver com isso?
PADRE VITAL – Não creio. Eram uns ignorantes. Com excessão do mordomo, que apesar de ser escravo, falava muito bem. Parecia ter uma educação de berço.
JESUÍNO – Eu queria poder falar com ele.
PADRE VITAL – Você pode…

Corta para algum lugar do outro lado do rio.

PADRE VITAL – Ele preferiu se afastar depois que o seu senhor morreu. Nem sei se você conseguirá falar com ele, pois ele se fechou. Não conversa desde que o Bruxo morreu.

Era um casebre feito de taipa que o próprio escravo construiu. Ele pasava as tardes sentado à beira do rio, e raramente saía de perto da casa.

PADRE VITAL – Lá está. O nome dele é Gacês. Eu vou esperar você aqui.

Jesuíno fez que sim com a cabeça e se aproximou de Gacês

JESUÍNO – Gacês…

O escravo continuou olhando para o Rio, sem dar qualquer atenção a Jesuíno.

JESUÍNO – Eu trouxe algumas coisa para você comer. Está com fome?

Nada.

JESUÍNO – Meu nome é Jesuíno, e o seu? Quer dizer, eu… eu sei o seu nome. É Gacês, não é? Eu sei, é um nome espanhol. Provavelmente foi dado pelo seu senhor,não foi?

O escravo nada dizia.

JESUÍNO – Olhe aqui. Tem pão, tem carne seca, farinha, rapadura, cachaça. Tem peixe-seco também. E tem algumas frutas…

Gacês sequer se virou para Jesuíno.

JESUÍNO – Estou perdendo meu tempo, não é? Tudo bem. Aproveite a comida. Não mais incomodá-lo.

Jesuíno se afastou, e estava se aproximando da sua canoa, quando ouviu:

GACÊS – Espere!

Jesuíno animou-se, e voltou, estampando um sorriso de satisfação.

GACÊS – Obrigado pelos víveres. Vou levá-los para dentro. Venha, vou fazer um café.

Corta para os dois já tomando café.

GACÊS – Foi terrível ver o meu senhor daquela forma. Ele era um homem bom. A melhor pessoa que conheci.
JESUÍNO – No entanto, ainda mantinha você omo um escravo.
GACÊS – Doutor, eu não era um escravo. Ele me deu alforria quando ainda estávamos na Espanha.
JESUÍNO – Você tem umaótima dicção. Teve alguma educação?
GACÊS – Desde muito jovem estou na família do senhor Hector. E eles sempre educaram seus escravos. Essa é uma marca da Família Samalla, que sempre foi muito respeitada entre os nobres da Espanha. Ele era consultor astrológico do Rei, e muitos nobres vinham lhe pedir auxílios. Ele ganhava com isso muito dinheiros, jóias, propriedades, se tornando ainda mais rico.
JESUÍNO – E a sua família sempre foi de bruxos?
GACÊS – Ele não era um bruxo, nunca foi.
JESUÍNO – Mas as pessoas falam…
GACÊS – As pessoas falam o que não sabem. Há uma enorme diferença entre mago e bruxo. Mas para quem não conhece,. Tudo é bruxaria.
JESUÍNO – Eu também ignoro isso. Pode me explicar?
GACÊS – Com certeza. Um bruxo jamais poderá ser um cristão. Falar de cristianismo com um bruxo é de tal forma de mal gosto, que é tido como ofensa grave aos bruxos. Porque eles lidam com deidades pagãs, seres da natureza, e se recusam a aceitar o cristianismo como uma porta para uma possível salvação, e também se recusam a aceitar em Lúcifer como uma criatura que caiu do Céu, sende relegado a um inferno. Já os magos, que lidam com forças na natureza, mais como mecanismo do que como ambiente. Forças latentes nos seres e nas coisas. A manipulação da realidade pela força da vontade. E essa manipulação da realidade pode ser por motivos autruístas como a magia branca; e por motivos egoístas, como a magia negra. O meu senhor conhecia tanto a magia negra como a branca.
JESUÍNO – E isso não fazia dele um homem mau?
GACÊS – De forma alguma. Conhecer e saber usar determinada lei não molda o caráter de um homem, mas sim a forma como ele usará tal conhecimento. Acredita-se por exemplo que o próprio Jesus Cristo tenha usado magia egípcia para suas curas. Toda ela vem de Deus. O seu mau uso é que vem dos homens.
JESUÍNO – Eu não estou aqui para debater religião.
GACÊS – Eu imagino que não… Aceita mais café?
JESUÍNO – Por favor.
GACÊS – Então, diga-me, a que veio?
JESUÍNO – Antes de morrer, o meu pai esteve com o senhor Samalla.
GACÊS – Sim, eu me lembro. Esteve ele, e o senhor Sanguinetti.
JESUÍNO – Pois é sobre isso que quero saber. Sobre o que conversaram?

Gacês respirou fundo.

GACÊS – Se importa que eu fume?
JESUÍNO – Não, por favor…

Gacês acendeu o cachimbo e deu uma baforada.

GACÊS – Bem, eles não falavam claramente. Estavam reunidos ao redor de um baú estranho, com um símbolo que eu identifiquei como sendo rosacruz. Eles falaram de uma certa temporada que estiveram em Portugal
JESUÍNO – Em Portugal?! O meu pai?!
GACÊS – Ele, o senhor Ottone, e o senhor Malheiros. Todos admitiram que estiveram em Portugal na Juventude, e que um acontecimento obscuro acabou separando os três.
JESUÍNO – Isso é impossível! Meu pai nunca esteve em Portugal. Aliás, sua ascendência é holandesa…
GACÊS – Sim, mas ele era português de nascimento.

Desolado, Jesuíno se levantou, sem saber o que pensar. Passou as mãos pelos cabelos, e depois voltou-se para a mesa.

JESUÍNO – Será que a minha mãe sabe disso? O que mais você lembra?

FLASHBACK

A sala, iluminada com um candelabro, estava silenciosa. Os três cavalheiros, Samalla, Ottone e Jesuíno Velho estavam ao redor da mesa olhando para o baú.

JESUÍNO VELHO – Eu fiz um voto de nunca mais lidar com essa coisa.
BRUXO – Tú não podes abandonar o steu passado e as tuas responsabilidades, Jesuíno. Eu tenho ordens para tirar esse baú daqui…
OTTONE – Ordens de quem?
BRUXO – Dos seus verdadeiros protetores. Os Templários, de quem esse tesouro foi roubado.
JESUÍNO – Isso não é um tesouro, é uma obra de Satanás, e eu devia ter ateado fogo!
BRUXO – Palavras estranhas para um homem como tú, que ste beneficiastes diretamente com ela no passado.

Jesuíno começou a tremer e esbugalhou os olhos.

JESUÍNO – Nunca mais repita isso!
BRUXO – E eu falei alguma mentira? Todos vós se beneficiastes disso aqui. Do poder que ele proporciona, do status diante da Igreja e dos nobres. E de repente ela é roubada, vós debandastes, e quando ela reaparece, vocês a renegam. A Ordem não acabou, ela apenas mudou de nome…
JESUÍNO (aos berros) – Chega! Não quero mais ouvir falar nisso! Em ordem, em baú, em nada. Quer levar o baú para os seus líderes, leve…
BRUXO – Os meus líderes são os teus. Lembre-se que vós fizestes um juramento. Tú e o teu companheiro Malheiros. Têm uma responsabilidade para conosco.
JESUÍNO – Abri mão dessa responsabilidade a muitos anos. E é melhor que o meu filho não saiba disso. Além do mais, sem o objeto, a Ordem acabou. Seria melhor que queimássemos essa aberração…
BRUXO (gritando) – Mais respeito! Esse é o símbolo máximo do nosso poder. Estamos na obscuridade, mas retornamos vitoriosos quando o baú estiver em seu devido lugar. Retornarei para Portugal ainda essa semana, com o Baú. Lá, subjugaremos el Rei, e tomaremos o poder primeiro em Portugal, e depois na Europa, quiçá no mundo inteiro.
OTTONE – Então as suas intenções não são nada autruistas…
BRUXO – Claro que sim. Queremos livrar o mundo da tirania…
OTTONE – Instituindo outra?
BRUXO – Os mestres rosacruzes só querem que haja paz no mundo.
JESUÍNO – Bem, vamos fazer o seguinte. Hector, retorne à Europa com o baú, e finja que nunca me viu, e estamos acertados.

Estendeu a mão para cumprimentar Hector, ao que correspondeu, e ambos ficaram satisfeitos. Ottone também cumprimentou o Bruxo. Então, Jesuíno saiu sorrindo, e segundos depois, entra o padre e surpreende o Bruxo e Ottone, ainda na presença do baú.

FIM DO FLASBACK

JESUÍNO – E o que aconteceu depois?
GACÊS – O padre perguntou o que era aquilo, e o meu senhor respondeu que era um objeto mágico, que não podia ser tocado. O padre, evidentemente respeitou.
JESUÍNO – E o que aconteceu com o Baú depois disso? Me parece que o Bruxo…Mago, ia retornar à Europa com ele ainda naquela semana.
GACÊS – E ele ia, mas naquela semana, ele não podia sair de casa.
JESUÍNO – Por que não?
GACÊS – Alguém havia denunciado o meu senhor, e o Visitador da Inquisição tinha acabado de chegar á vila. Meu senhor então enterrou o baú em um local próximo ao rio, e se trancou em casa. O Visitador estava atrás do Baú.
JESUÍNO – Então a Igreja conhece o seu conteúdo?
GACÊS – Sim. E eles estavam dispostos a destruir quem tivesse contato com o baú. Inclusive o seu pai.

Jesuíno engoliu a seco.

Fim do capítulo 10

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