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A Santa e o Bruxo

Capítulo 7 – A Santa e o Bruxo

CIPRIANO – E ocê, eu num quero saber de falhar da próxima vez…
CELSON CANAVEIRA – Não vai haver próxima vez. Aliás, eu nem sei o que tô fazendo aqui, pois não lhe devo explicação nenhuma, num sabe?

Celson retirou a peixeira afiada e encostou a lâmina bem no nariz de Cipriano.

CELSON – E da próxima vez que você me ameaçar, ou tentar me obrigar a fazer um serviço pra tú, eu arranco fora seu nariz, nem que eu saia morto depois.
CIPRIANO – Ocê é um home de muita coragem. Mas acredite, se fizer qualquer coisa comigo, a morte vai ser a única coisa que ocê vai desejar.

Celson Canaveira guardou a peixeira, deu meia volta e montou seu cavalo.

CIPRIANO – Fi duma égua! Esse eu vou ter que dar um fim nele é logo.

Corta para a tribo

Jesuíno passou a noite sentado ao redor de uma fogueira, pensando no que ouvira. Foi uma surpresa saber que o seu pai escondia alguma coisa. Mas e Malheiros, será que também tinha algo a esconder? Quando retornar à vila, era a primeira coisa que ele ia pensar em fazer. Esse negócio do baú, que ele nem sabia que existia estava ficando muito misterioso. Por que muitos o queriam, e por que muitos tinham medo dele? E o mais importante, por que Ottone estava com o baú? E agora, outro mistério? Quem o teria roubado da casa de Machulla. Isso tudo aliado ao maior mistério de todos: Quem teria matado Mariana e o Bruxo? E será que tudo isso tem relação com o baú? Ottone dissipou os devaneios de Jesuíno.

OTTONE – Está pensando em que?
JESUÍNO – Em tudo isso que eu ouvi hoje. Eu pensei que estava envolvido em mistérios na Europa, e chegou aqui no Brasil, numa terra esquecida por Deus, e vejo tantas coisas misteriosas. Como a morte de Mariana. Quem poderia ter cometido uma barbaridade daquelas? Eu até entendo que as pessoas tivessem motivos para matar o bruxo, mas a Santinha…
OTTONE – Eu também me faço essa pergunta sempre. A Santinha era um doce. Ajudava todo mundo. Ajudava na igreja. Até defendeu o padre quando ele chegou aqui. Você sabe, as pessoas não estão acostumadas a ter negros numa posição de respeito como é um padre.
JESUÍNO – Essa barbaridade está quase extinta na Europa. Onde já se viu? Escravizar pessoas? Excluir uma pessoa da sociedade por causa da cor da sua pele nem soa como humano.
OTTONE – Jesuíno, as pessoas foram ensinadas desse jeito. A própria Bíblia sanciona o uso de escravos. E se até Deus permite, então por que não fazer uso?
JESUÍNO – Porque é Bárbaro! Tio, eu não quero discutir isso com o senhor. Aliás, temos outras coisas para discutir, como por exemplo, o senhor ainda não me explicou por que disse à tia Marta que está no Rio de Janeiro, e está aqui, enganando ela.
OTTONE – Eu estou doente. Estou aqui me tratando.
JESUÍNO – Mas doente de quê? O que o senhor tem? Vamos para a Europa, temos ótimos médicos lá…
OTTONE – O meu problema não se cura com médicos. Eu estou morrendo, mas o problema é mais espiritual que físico. Eu contava com a ajuda do Bruxo, mas ele morreu.
JESUÍNO – Como e quando você descobriu que estava doente?

FLASHBACK – Seis meses antes

Ottone havia chegado do Rio de Janeiro, e foi recebido calorosamente pela esposa, Marta Snaguinette. Ela havia feito um belo jantar ara o marido que costumava passar semanas viajando. Roberto lhe contava com muita empolgação como cuidava da fazenda, e Ottone já havia decidido deixá-lo tomar conta de tudo e retornar ao Rio de Janeiro com a esposa Marta.
Naquela noite, depois das suas intimidades com a esposa, Roberto dormiu e teve pesadelos. Ele se viu uma espécie de pântano, e tinha os pés atolados em uma pútrida e fedida lama. Ele estava faminto, e logo passaram dois homens montados em um único cavalo.

OTTONE – Bom dia, senhores. Será que os senhores poderiam me ajudar.
CAVALEIRO – Nós não podemos, mas o senhor é que vai nos ajudar…

Ele chegou perto e viu que os cavaleiros eram Jesuíno Velho e Malheiros, ambos dividindo o mesmo cavalo branco. Malheiros desceu do cavalo, e retirou um baú de um saco que eles traziam consigo. Era o tal baú que o próprio Jesuíno tinha entregado a Ottone meses antes.

JESUÍNO – Nós vamos lhe revelar o que tem aqui dentro.

Eles depositaram o baú no chão, e Malheiros o abriu. Mas do seu interior saiu uma verdadeira nuvem negra de moscas, que empestaram todo o local, ajuntando-as todas em Ottone e consumindo a sua carne. Ottone gritava com todas as suas forças, mas era inútil, pois Malheiros e Jesuíno Velho só olhavam.

JESUÍNO VELHO – Conhecer o grande segredo só vai consumir você, Malheiros. Não tente fazer isso, porque não é somente o seu corpo que se perderá. Pior do que isso, a sua alma também será consumida.

Quando Ottone acordou, ele não era mais a mesma pessoa. Sentia dores fortes, sem saber a sua origem. Dores e cabeça e no corpo, de tal forma insuportáveis, que ele já não dormia a uma semana. Foi aí que resolveu deixar o baú com Machulla, e ir para a aldeia, procurar uma resposta nos antigos conhecimentos indígenas.

FIM DO FLACHBACK

JESUÍNO – E o senhor nem desconfia do que pode ser isso?
OTTONE – Nem desconfio.
JESUÍNO – Que estranho. Essa representação, dois homens em um único cavalo, me é conhecida, só não estou me lembrando bem agora.
OTTONE – É melhor você iro dormir. Vai amanhecer logo.

Jesuíno continuou sozinho. E então seus pensamentos o transportaram para um ano antes, na Alemanha.

FLASHBACK – Um ano antes

Jesuíno estava em uma mesa de restaurante com alguns homens importantes. Todos iluministas. Entre eles, o jovem Weishaupt.

WOLFGANG – Eu estou dizendo, eles eram rivais, está claro na Bíblia que Jesus e João Batista eram rivais, e o pior, Jesus usurpou para si os seguidores de João Batista.
FRANZ MEYER – Eu nunca vi um absurdo tão grande. Com o que você se baseia nessa afirmação?

Wolfgang era um inflamado ateu, que se dizia muito conhecedor das Escrituras Sagradas, o bastante para não acreditar nelas.

WOLFGANG – Nas próprias palavras de Jesus: Digo a verdade a vocês: Do meio dos nascidos de mulher não surgiu ninguém maior do que João Batista; todavia, o menor no Reino dos céus é maior do que ele. Ele está claramente depreciando João Batista, porque quando se dizia a um homem que ele era “nascido de mulher” , era ofensa pessoal. E Jesus não parou por aí, ainda afirmou que o menor dos seus discípulos ainda era maior do que João.
ADAM – Tem sentido!
FRANZ MEYER – Claro que não tem sentido, isso é uma tremenda bobagem…
ADAM – Mas o que se ensina nas fileiras maçônicas é que João Batista é mais importante do que Jesus. Por isso os maçons o veneram, e por isso, muitas cidades fundadas por maçons têm o nome de São João, sobretudo na terra do meu amigo aqui, Jesuíno.
JESUÍNO – Por favor, não me coloquem no meio das suas discussões, eu prefiro não entrar no mérito…

Jesuíno mal pode terminar de falar, quando viu uma linda mulher entrar pelo salão. Ela o viu, e veio em sua direção. Era Jormungand. Jesuíno se levantou e disse:

JESUÍNO – Jormungand!

Ela deu-lhe um tapa na cara.

JORMUNGAND – Você está me devendo. Tive que pagar as despesas no hotel.
JESUÍNO – Mas era o Adam que… Você não pagou?
ADAM – É uma rameira, vadia. Eu não ia pagar um hotel caro daqueles para uma mulher sem categoria.
JORMUNGAND – Ora, seu moleque!

Ela pegou um copo de vinho e jogou na cara de Adam Weishaupt. Depois ela se voltou a Jesuíno.

JORMUNGAD – Você é que é um homem de verdade. Será que você tem um espaço na sua agitada vida para mim, somente essa noite?
JESUÍNO – Bem, eu… Eu estou indo para a França amanhã e pretendo dormir cedo.
JORMUNGAND – E você vai dormir, depois que eu acabar o que quero fazer com você.

Ela saiu, deixando os cavalheiros em sua discussão.

WOLFGANG – Continuando: Se os maçons têm na figura de João Batista um homem mais importante que Jesus, de onde os senhores acham que eles herdaram isso?

Adam ainda limpava o vinho do rosto.

ADAM – Cavaleiros Templários
WOLFAGANG – E os Templários foram acusados de heresia. Eles foram acusados de adorarem uma cabeça embalsamada de um homem. Portanto, se essa cabeça existisse mesmo, seria a prova de que João batista existiu, uma vez que não há provas nem da sua existência e muito menos da existência de Jesus.
JESUÍNO – Faz alguma diferença para você, que se diz ateu?
WOLFGANG (gritando e batendo na mesa)– A verdade! É o que eu quero! A verdade!

Jesuíno mostrou seu anel maçônico.

JESUÍNO – Eu posso lhe assegurar de que nunca nem sequer ouvi falar nessa tal cabeça.
ADAM – Eu já…
JESUÍNO – Você é um menino. Tem 18 anos. Nem sei o que está fazendo aqui entre cavalheiros.
ADAM – Meu intelecto é superior ao dos senhores, isso eu posso assegurar. Eu tenho vastos conhecimentos do oculto, e posso assegurar que sim, os Templários cometeram a heresia de adorar uma cabeça embalsamada. Se era a cabeça de João Batista, eu não sei, muito embora isso possa explicar o ponto de vista de que os maçons veneram João Batista, e isso, nem mesmo você pode negar.
JESUÍNO – Como foi que essa conversa aqui começou?
FRANZ MEYER – Falávamos sobre o ocultismo. Sobre isso:

Franz Meyer jogor sobre a mesa um panfleto com um símbolo e uma xilogravura. O símbolo da rosa e da cruz não deixava dúvidas: Rosacruz. A xilogravura representava o símbolo dos Cavaleiros Templários: Dois homens montados em um ÚNICO cavalo.

FIM DO FLASHBACK

JESUÍNO – Claro! É isso!!

Fim do capítulo 7

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