Capítulo 4 – A Santa e o Bruxo
VELHA MACHULLA – Inté quando ocê pretende ficá escondido lá na aldeia dos índio?
OTTONE – Isso não é da usa conta. Eu to te pagando bem para você ficar tomando conta do baú enquanto eu imagino o que fazer com ele.
VELHA MACHULLA – Por que não joga esse troço no rio?
OTONNE – se ele veio parar aqui, é por algum motivo.
Ottone Sanguinette é italiano, mas veio ainda adolescente para o Brasil. Seus pais ganharam generosas porções de Terra, doadas pelo Imperador para que o Brasil começasse a produzir. Com eles, vieram levas de escravos vindos da África para trabalhar nas fazendas de café, cana-de-açúcar e também no garimpo. Era alto e tinha os olhos azuis. Os cabelos eram grisalhos, e a sua educação no Rio de Janeiro o tornaram um homem distinto e de boa dicção.
Ottone estava sentado bem em frente ao baú, e passava as mãos sobre ele, como se tivesse receio.
OTTONE – Sabe-se lá que tipo de maldição tem aqui, nessa coisa.
VELHA MACHULLA – Ocê chegou a olhar?
OTTONE – Você olhou?
Ela só fez que sim com a cabeça.
OTTONE – Eu vou voltar para a aldeia. Ainda tenho umas coisas a tratar com aqueles índios.
VELHA MACHULLA – E como é que ocê tá se dano com eles? Esses índio come até gente.
OTTONE – Temos interesses em comum. Continue tomando conta do baú até que eu possa vir pegá-lo.
VELHA MACHULLA – Mas ocê viu que até o bando de Celso Canavieira já veio aqui atrás dele. Eu num vou ficar com essa maldição aqui na minha casa muito tempo não.
OTTONE – Você vai fazer o que eu mandar, e você sabe muito bem por que?
Corta para Jesuíno
CONCEÇA – Jesuíno! Meu filho, que bom que você veio. Tá na hora do almoço. Apeia.
JESUÍNO – Dona Conceição. É um prazer. Desculpe-me por não ter vindo antes, a senhora sabe…
CONCEÇA – Eu sei. Eu sei. Se sente aí, que vou mandar servir uma cachacinha pra ocê, viu? Pode ficar à vontade. (Aos berros): Ô, Maria, vem fazer companhia pra Jesuininho!
Maria veio correndo. Desceu as escadas, e quando seus olhos se encontraram com os de Jesuíno, brilharam de tal forma que pareciam duas estrelas.
MARIA – Jesuíno!
Jesuíno se levantou, tomou a mão de Maria e a beijou.
MARIA(cochichando) – Me desculpe por ontem. Eu não deveria estar olhando você tomar banho no rio.
JESUÍNO – Totalmente compreensível. Sente-se, quero conversar com você.
MARIA – Comigo?!
Seus olhos brilharam mais ainda.
Dona Conceça trouxe a cachaça. Jesuíno bebeu um gole, e ela foi arrumar a mesa para o almoço.
JESUÍNO – Você conheceu o bruxo?
MARIA – Eu o vi algumas vezes, andando por aí a cavalo. Estava sempre acompanhado com dois escravos muito bem vestidos. Certa vez o vi conversando com o padre, mas eu não consegui escutar a conversa.
JESUÍNO – Ele teve algum contato com Mariana? Quer dizer, depois desse improvável episódio onde ele teria salvo a vida dela?
MARIA – Uma vez ela chegou aqui falando nele…
FLASHBACK
MARIANA – Sabe quem eu vi hoje lá na beira do rio tomando banho?
MARIA – Quem?
MARIANA – Héctor…
MARIA – Nãããoo!! O bruxo?
MARIANA – Sim, e estava apenas de calças curtas, mostrando todo o tórax forte, másculo e bronzeado, como todo espanhol deve ser.
Ambas suspiraram.
MARIA – Mas lembre-se que você está prometida ao Jesuíno, que é o melhor partido da região, é bonito, rico, e conhece a Europa.
MARIANA – Será que ele me levará para morar na França? Eu sempre quis conhecer Paris. A gente bem que poderia ir conhecer Paris, mas o papai teve que enlouquecer. Aliás, o alienista que a mamãe contratou já deveria ter chegado.
MARIA – Mas esse lugar é o fim do mundo. Mas conta mais, o que mais você viu?
MARIANA – Ele estava tomando banho, e ergueu da água, jogando seus imensos cabelos para o ar, e enxugando a barba com as mãos. Eu tentei ficar escondida, mas ele me viu com aqueles seus olhos de lince. “Aproxima-se”– Disse ele. Muito temerosa, eu cheguei perto. Ele saiu da água e ficou me olhando, e apenas me perguntou se eu estava bem. Eu disse que sim, e que precisava sair. E então o deixei sozinho lá.
MARIA – Você sentiu alguma atração por ele?
MARIANA – Por Deus, claro que não! Além do mais, ele é um pagão. Utiliza forças da natureza, condenadas pela Igreja. Nunca seria um bom partido aqui na Barra.
MARIA – Não estou falando em casamento, tolinha.
MARIANA – O que então?
MARIANA – Ai, Santinha. Não é à tôa que lhe deram esse apelido. Estou falando daquele calor que vem subindo assim e te consome por dentro, sem que você possa fazer qualquer coisa para aplacá-lo. Esse calor que está no corpo e na alma ao mesmo tempo, e que somente o toque de um homem poderá abafar.
MARIANA – Isso é coisa do demônio. Cuidado ao ficar falando essas coisas, porque podem entregar você ao Visitador.
MARIA – Santinha. Definitivamente, você não está mesmo pronta para casar.
FIM DO FLASHBACK
JESUÍNO – Então quer dizer que pelo menos uma vez eles tiveram contato.
MARIA – E pode ser que houvessem tido outros. Mariana era muito inocente e qualquer pessoa a conseguia dominar através do medo.
JESUÍNO – Diferente de você, imagino…
MARIA – Jesuíno, chega uma hora que até mesmo as mulheres têm que crescer.
JESUÍNO – Principalmente as mulheres. Sabe quais eram as mulheres mais liberais que conheci? As alemãs. Me lembro bem quando certa vez em Ingolstadt, na Alta Baviera. Um lugar cheio de castelos e de teatros.
FLASHBACK
ADAM – Acho que aquela mulher está olhando para você.
Adam Weishaupt era um jovem bávaro, que desde criança mostrou sinais de genialidade. Adam estudava na Faculdade Direito da Universidade de Ingosltadt, onde seu pai o rabino Johann Georg Weishaupt era professor. O velho rabino morreu que Adam era criança. Jesuíno, também um estudante genial, já formado em Direito, se especializava em Direito Internacional, e Direitos Humanos, um paradigma do pensamento humano ainda não difundido no Velho Mundo, e que tanto Adam quanto Jesuíno sonhavam e divulgar.
Jovens e bonitos, os dois costumavam sair pelas ruas da cidade, de cervejaria em cervejaria, esbanjando dinheiro e galanterias. Adam ainda eram menor de idade naquela ocasião, mas possuía grande influência por causa do nome do seu pai, que era um respeitadíssimo advogado, requisitado em todo o País.
JESUÍNO – Não. Ela está olhando para você, que é mais rico, e com certeza mais visível.
ADAM – Não se deprecie, mein freund(meu amigo).
Aproximou-se da mulher.
ADAM – Com licença, Fraullein, meu amigo ali gostaria de ter um minuto de proza consigo.
JESUÍNO – Eu não acredito…
MULHER – Olá, bonitão. Que tal uma noite de diversão, heim?
JESUÍNO – Bem, é que…
ADAM – Ele está querendo dizer que só aceita se formos os três…
MULHER – Mas você é um bebezinho. Aposto como ainda é virgem…
ADAM – Não me subestime!
Em uma hora já estavam os três em quarto de hotel, de onde saíam e entravam padres jesuítas aos montes, carregando prostitutas.
MULHER – Vocês são dois dragões!
ADAM – Viu só? Eu disse.
MULHER – Para um rapazinho quase impúbere, você é muito bom. E você também, brasileiro…
JESUÍNO – Acho que não fomos apresentados…
ADAM – Não! Para que estragar o momento. Meu caro Jesuíno, o segredo às vezes é a melhor maneira de manter algo que está bom.
JESUÍNO – Porque você quer. Senhorita, meu nome é Jesuíno, e o seu é?
MULHER – Jormungand
Houve um silêncio ao ouvirem o nome.
JESUÍNO – Bem apropriado!
Jormungand, na mitologia alemã é a Serpente que envolve o mundo. Segundo a mitologia, essa serpente irá ficar cada vez maior e se entrelaçará de tal forma no planeta, que chegará um momento em que o mesmo será esmagado.
JESUÍNO – Mas assim… há um motivo para ter esse nome?
JORMUNGAND – Significa que ninguém foge de mim. Ninguém mesmo.
JESUÍNO – Ah! Entendido.
Adam mais uma vez salvou o clima:
ADAM – Vinho para todo mundo!
Adam serviu a todos e bebeu no gargalo, sentando-se, já tonto.
JORMUNGAND – O seu amigo é uma ótima companhia.
JESUÍNO – Pena que seja um louco de pedra. Ele acha que um dia vai salvar o mundo de si mesmo. Da corrupção da Igreja e do Clero.
JORMUNGAND – Esses jovens riquinhos que não têm muito o que fazer, vivem lutando contra seus próprios pais.
JESUÍNO – Não eu. Eu prezo pela minha paz, e pago por ela se precisar.
Eles desceram ao salão do Hotel. Tratava-se de uma cervejaria como muitas que proliferavam na Alemanha. Homens de todas as classes sociais iam ver as coristas cantarem e dançarem, e beber muita cerveja. Havia também muitas mulheres. E não somente prostitutas ou mulheres de baixa categoria. Mulheres nobres e aristocratas, ali falavam alto, bebiam e cantavam.
JESUÍNO – Isso aqui parece o paraíso
ADAM – Isso é o papaíso, mein freund. O Paraíso do mundo!
Começou uma música e todos começaram a cantar e a dançar em roda. Adam puxou Jesuíno para a roda e um imenso trenzinho se formou no meio do salão, e todos cantavam alto.
Lá pela alta madrugada, subiram todos para os quartos. Jesuíno ficou em um quarto com a Jormungand, e Adam em outro quarto, com outra prostituta. Fizeram sexo mais algumas vezes, até a exaustão se apossar deles.
Ao amanhecer, Jormungand teve uma desagradável surpresa. Acordou sozinha no quarto. E apesar de ter absoluta certeza de que tudo estava pago, o dono do hotel cobrara dela outra diária.
JORMUNGAND – Desgraçados!
FIM DO FLACHBACK
MARIA – Eu acho que esse tal Adam ainda vai dar muito o que falar.
JESUÍNO – Eu também acho.
CONCEÇA – Está servido!!!!
Corta para a Velha Machulla.
Machulla voltava do mato com um feixe de lenha na cabeça. Ao chegar em casa, jogou o feixe no chão, e correu para dentro do casebre para verificar a segurança do Baú. Notou que o volume coberto por um pano velho ainda estava lá, e ficou tranquila com isso. Cozinhou algo para comer e almoçou devagar. Mas lá pelas duas da tarde, resolveu de novo ver o conteúdo do baú. Ela ainda não acreditava no que via. Mas quando ela puxou o pano, quase teve o colapso cardíaco. No lugar do baú havia outra coisa. Um outro monte de lenha. O baú fora roubado.
MACHULLA(Aos berros) Nãããõoooooo!!!!
Fim do 4º Capítulo