Capítulo 50 – Cantiga de Amor (Última Semana)
Cena 01: Beira do Rio dos Campos.
Brás está prendendo Izabella junto a seu corpo, mantendo o facão sob seu pescoço.
Brás – Prestem muita atenção em mim! Eu não quero ninguém me perseguindo! Porque senão eu não terei nenhuma pena em deixar órfão o tolo cavalheiro viajador… Entenderam?
Gustavo – Largue a minha mãe! Solte-a!
Edetto – Se tu fizeres alguma coisa com minha mulher, eu te mato!
Brás – Morta será ela se qualquer um de vocês se aproximar de mim um palmo que seja enquanto eu ainda estiver por aqui!
Sutilmente, Gustavo e Edetto começam a se movimentar para próximo de Brás.
Giancarlo – O que irás fazer?
Brás – Fugir! Fugir com o meu tesouro!
Pero – Posso saber como irás fazer isso, Brás? A pé? Com um baú pesado assim?
Brás – Eu me viro com essa carroça mesmo! Eu só preciso encontrar uma forma de colocá-lo em cima. Podem ser vocês dois, mesmo, senhor Giancarlo e Pero… Coloquem o baú na carroça, mas não se atrevam a fazer mais nada com ele, ou então eu passo o facão no pescoço dessa senhora!
Pero – Tu só podes estar louco!
Izabella – Por favor, obedeçam a ele…
A contragosto, Giancarlo e Pero colocam o baú na carroça.
Brás – E tem mais uma coisa. Eu quero que Inês também suba nessa carroça. Ah, e a minha ameaça ainda está de pé.
Inês – Eu não permitirei que continues com essa atrocidade, Brás! Solte-a, e eu irei contigo!
Brás – Eu não confio em ti. Quero que proves. Suba nessa carroça agora!
Pero – Tu irás mesmo fazer isso, Inês?
Inês – Ele é meu marido, não é? Não tenho outra alternativa. E essa loucura tem que acabar.
Brás – Boa menina… Aprendes direito e rápido, Inês. Agora, suba!
Inês obedece. Brás se aproxima do meio de transporte, ainda com Izabella como refém. Ele se prepara para subir na carroça. Então, empurra Izabella para Edetto e sobe. Gustavo ainda tenta impedi-lo, mas não consegue. Brás arranca com o cavalo.
Brás – Adeus, cambada de inúteis!
Nesse momento, Gustavo pega uma pedra de médio porte e arremessa no cavalo, atingindo em cheio sua barriga. Atordoado, o cavalo ergue as patas dianteiras, relincha, e dispara fazendo a carroça colidir com duas árvores. Brás é lançado no chão, e Inês bate o rosto em uma das árvores.
Edetto – Muito bem, meu filho! Graças a Deus essa pedrada deu certo!
Agnella ajuda Inês a sair da carroça. Giancarlo e Gustavo correm e imobilizam Brás. Giancarlo puxa algo de seu pescoço.
Giancarlo – Mas o que é isso? O que o colar de minha filha faz com esse homem?
Brás – Foi a sua sobrinha quem me deu, ontem mesmo, para que eu identificasse e roubasse o outro baú antes de vocês!
Inês – Então tu sabias mesmo, não é, Marlete, onde Brás estava escondido? E mentiste para mim de modo descarado! Eu só quero entender como ainda pude confiar em ti!
Marlete – Eu estava, sim, me encontrando com Brás! Eu sabia o paradeiro dele! Porém eu só ocultei isso de vocês porque eu achava que, escondido, ele poderia ser útil para nós!
Giancarlo – Como um crápula desses poderia ser útil para alguém? Podes explicar?
Marlete – Encontrando o tesouro! E, afinal, não foi isso o que aconteceu? E, quando eu soube que ele havia obtido sucesso nessa busca, a primeira coisa que fiz foi avisar ao senhor, meu tio! Quanto a Inês, eu precisava fazê-lo pensar que estava ao seu lado, até que o senhor e Pero, que eu também havia chamado, chegassem.
Brás – Então tu me enganaste por todo esse tempo, Marlete? Fingiste cumplicidade enquanto me apunhalavas pelas costas?
Marlete – Tu sempre te consideraste esperto, Brás. Sempre achaste que mentiria para todos e esconderias quem eras. Porém a verdade veio! E eu me sinto de certo modo feliz por ter contribuído com ela!
Cecília – És mesmo muito cínica, Marlete! E tu queres que nós acreditemos que fostes altruísta, benevolente, que esse foi um gesto de solidariedade?
Marlete – Interpretem como quiserem.
Gustavo – Acho que nós já podemos encerrar a conversa por aqui, não é? Precisamos levar esse homem de volta para a igreja, e apresentá-lo ao padre, para que ele decida o que fazer.
Giancarlo – Bem, não posso negar que Marlete não tenha sido importante nisso tudo. Como ela me pedira, eu consegui cordas. Para prendê-lo, e impedir que fuja.
Izabella – E o tesouro, meu filho? Não o levarás?
Gustavo – Não sei, mãe. Tenho medo de que as pessoas queiram pegá-lo. Está tendo um alvoroço tão grande na igreja por causa dele. Eu só não sei como essa história começou.
Edetto – Não importa como começou, O que importa é que termine. E a última coisa que tu podes fazer é deixar esse baú aqui. Nós o levaremos, sim. E lá encontraremos um jeito de escondê-lo daquela multidão.
Gustavo – Duas coisas, apenas, me intrigam. Uma é que nem sabemos se esse é realmente o tesouro. Nem o conseguimos abrir. A outra é o lugar onde ele estava escondido…
Gustavo olha para a árvore derrubada.
Agnella – Eu sei do que estás falando, meu amor. Mas tudo irá ficar bem de novo. A árvore pode ter caído, mas o nosso amor ficará de pé.
Prudência – Agnella, contém-te, minha filha! Esquece isso! Tu irás casar com outro! Com Adelmo! E eu pensei que já havias desistido desse rapaz!
Agnella – Eu nunca desistirei de Gustavo, mãe! Nunca!
Prudência – Nós iremos embora daqui agora! Vem comigo, Agnella!
Prudência segura o braço de Agnella, e começa a arrastá-la de volta à igreja.
Agnella – Mãe, me solta! Gustavo, nosso amor irá ficar de pé, meu amor!
Gustavo se dirige à árvore. Agacha-se. Cecília se junta a ele.
Cecília – Algum problema, Gustavo?
Gustavo – E pensar que embaixo dessa árvore eu vivi bons momentos, momentos marcantes de minha vida… (Seus olhos ficam marejados) E ela teve que ser derrubada para que um tesouro fosse desenterrado. Mais uma vez eu me pergunto: até onde a riqueza pode ser mais importante que as boas lembranças… E que os bons sentimentos?
Cecília – Nunca será. Gustavo. Pelo menos não em teu coração. E, se isso te for de importância, eu garanto que também não será no meu.
Uma lágrima cai do rosto dele. Cecília o abraça, e seus rostos se aproximam. Quase se beijam. No entanto, são interrompidos.
Edetto – Os dois já podem parar com isso! Precisamos voltar para a igreja!
Cena 02: Povoado das Hortaliças.
Vindos do rio, Edetto, Izabella, Gustavo, Giancarlo, Cecília, Pero, Inês e Brás, amarrado, passam pelos arredores do povoado. Pero para.
Pero – É realmente uma pena ver tanta destruição assim… A maioria das casas ainda de pé, mas o resto perdido… Eu acho até que ninguém tem nem coragem de voltar para cá. Mas isso será preciso. E aí? E quando isso acontecer? Como será o recomeço a partir de então?
Inês – Só mesmo Deus para nos ajudar. Ele há de mandar uma providência. Mas vamos andando. Ou então eu serei obrigada a soltar as lágrimas que estou prendendo.
Cena 03: Floresta.
A “comitiva” vinda do rio chegou ao final do caminho que dá no convento e na igreja.
Gustavo – Olhem! Vejam quanta algazarra ao redor da igreja! Um baú como esse com certeza chamará a atenção.
Edetto – Como faremos para que ninguém perceba que isso é, ou pode ser, o tesouro? Eu não vejo solução.
Izabella aponta para outra estrada saindo da floresta.
Izabella – Ali, naquela estrada! Não é o bispo Ricardo?
Edetto – Sim, ele mesmo! E o que tem isso?
Izabella – Eu acho que encontrei uma maneira de camuflarmos e escondermos o tal artefato.
Cena 04: Nave da Igreja del Fiume.
Santorini – Gregório, tudo isso que vocês me contaram ali atrás é verdade? Desde o fato de Brás ter aparecido naquele acampamento, até o fato de Gustavo ser o herdeiro do…
Gregório – Exatamente, padre. Tudo isso é verdade.
Santorini – Então é por isso que está havendo tanta confusão por aqui. De alguma maneira essa história se espalhou entre o povo.
Gregório – O senhor entende agora como o que eu falei sobre os meus sonhos com Valentina? Os fatos presentes neles só podem ter sido revelação de Deus!
Francisca chega.
Francisca – Ora, ora… O que a serva está fazendo aqui? Tu não deverias ter sido presa por teu senhor, Valentina?
Valentina – Isso não é um assunto que lhe diz respeito, irmã.
Francisca – Não me afrontes! Tu não sabes o que estás fazendo!
Santorini – As duas podem parar, por favor! Chega de discussões entre vocês!
Ricardo entra na igreja.
Ricardo – Está havendo algo de errado aqui?
Santorini – Bispo Ricardo! Que bom vê-lo novamente! Como o senhor está?
Ricardo – Cansado, claro. Tive que carregar dois baús com roupas, pois estou percorrendo uma viagem longa… Será que eu poderia acomodá-los em algum aposento?
Santorini – Claro, bispo! Eu resolverei esse problema agora. Ah, sim, e as notícias da Guerra Santa, que o senhor prometeu trazer?
Ricardo – É lamentável, porém fui informado pelo mensageiro do papa que os nossos homens não têm tido sorte em Jerusalém… Temos que rezar por eles. Mas, mudando de assunto: o que aconteceu aqui? Por que está havendo tanta confusão? Por que todo esse povo está aqui, na igreja?
Francisca – Bispo, eu posso explicar tudo ao senhor.
Ricardo – Certo. Explica-me enquanto me acompanhas. Eu gostaria de sentar um pouco. Padre, pode deixar, eu levo minhas bagagens até o aposento.
Santorini olha para a porta da igreja. Pero, Inês e Giancarlo entram, carregando Brás.
Santorini – Tudo bem. Até porque eu estarei resolvendo outros problemas por aqui.
Ricardo e Francisca seguem. Gustavo também entra, e sai novamente com Gregório e Valentina.
Santorini – (Surpreso) Brás? (Se dirige a Pero) Onde ele estava?
Giancarlo – Na margem do rio.
Pero – Ele tentou armar uma emboscada para Inês, para fugir com ela e com o te… Digo, com aquilo.
Inês – E ele ainda ameaçou a mãe de Gustavo.
Santorini – Entendi… E por isso vocês o prenderam? Para que não fugisse mais? Muito bem. Tenho muito a conversar contigo, Brás.
Brás – Eu não quero conversar com ninguém!
Simone e Leonor se aproximam.
Leonor – Brás? Então o safado está mesmo vivo…
Simone – E eu só não lhe dou um tapa porque estou dentro da igreja! Se não, iria dar-lhe uma bofetada por tudo o que fizeste com minha filha! Padre, diz-me, Inês não voltará a viver com ele, não é?
Santorini – Isso eu não posso garantir, minha querida. Ele é o seu marido. Mas antes, eu gostaria que ele fosse levado a um quarto que esteja vazio. Pero, por favor, me ajude com isso. Quero conversar em particular com ele.
Leonor – Eu só espero que o senhor não esteja achando que pode mudar algo nessa natureza ruim. É como o senhor já disse outras vezes: uma fonte amarga nunca produz água doce!
Cena 05: Exterior da Igreja del Fiume.
Gregório – O senhor quer conversar conosco?
Valentina – Qual a intenção do senhor? Prender-nos novamente?
Gustavo –Por favor, escutem o meu pai.
Izabella – Ele está prestes a cometer uma insanidade, mas fazer o quê?
Edetto – Enquanto voltávamos do rio, meu filho me contou sobre os sonhos que vocês tiveram, e sobre como eles ajudaram a descobrir a localização do tesouro.
Valentina – Aonde o senhor quer chegar?
Edetto – Eu tenho a plena certeza de que eu irei me arrepender disso depois. Mas, devido a essa ajuda, essa ajuda fundamental e com certeza divina, eu decidi que não quero mais persegui-los enquanto fogem da lei que rege nosso mundo. E eu quero deixar claro que isso não tem nada a ver com uma compra de liberdade. Tem a ver com gratidão. Vocês foram amigos e essenciais para Gustavo, e podem colher os louros por sua atitude.
Gregório – Isso quer dizer que…
Edetto – Vocês podem fugir para onde quiserem, para a cidade que quiserem. Eu não os seguirei mais.
Gregório – Percebeste, meu amor? Estamos livres! Livres!
Exultante, Gregório abraça Valentina, que ri e sorri, mas não se exalta tanto.
Valentina – Eu agradeço muito ao senhor. Eu teria liberdade de qualquer jeito, eu a conseguiria um dia. Mas se o senhor está mesmo disposto a isso, eu fico muito feliz.
Gregório – E muito obrigado a ti também, Gustavo. Se não fosse por ti, nada disso seria possível. Tu és o melhor amigo que eu já encontrei.
Gregório dá um abraço em Gustavo. Depois, ele abraça Edetto e Izabella. Valentina faz o mesmo. Gregório, então, puxa Valentina e sai correndo para os lados do convento.
Gregório – (Grita) Livres, Valentina! Livres!!
Valentina – Depois de tantas correrias, depois de tantas prisões diferentes, depois de tanto tentar… Estamos começando a alcançar nossa liberdade. Que possamos ser livres de tudo, meu amor. De tudo.
Eles se beijam.
Cena 06: Ao lado da Igreja del Fiume.
Gustavo se encontrou com Cecília entre a igreja e o convento.
Cecília – Que bom que está dando tudo certo, Gustavo… Encontraste o tesouro…
Gustavo – Cecília, tu esqueceste que ainda falta uma coisa: abrirmos aquele baú. Passamos por todos esses perrengues, todavia nem sabemos se ali dentro tem mesmo um tesouro.
Cecília – Mas a probabilidade de ser esse o conteúdo do baú é grande. Além disso, deve haver outra maneira de abri-lo.
Gustavo – De fato. Agora, Cecília, eu queria conversar contigo… Falar sobre algo, algo mais sério…
Cecília – Será que é o que eu estou pensando, Gustavo? Tu…
Gustavo segura a mão de Cecília.
Gustavo – Eu decidi, Cecília. Eu quero passar o restante dos meus dias contigo.
Cecília sorri, e eles se beijam.
Cecília – Mas… O que te levou a essa decisão agora, meu amor? Até pouco tempo atrás, estavas indeciso, confuso?
Nesse momento, Agnella aparece.
Cecília – O que essa garota está fazendo de novo aqui?
Agnella – Eu vim resgatar o meu amor. Gustavo, volta para mim… Agora que tu tens o tesouro, que ele é teu, tu não precisas mais dela. Tu já podes ser feliz comigo. Vem, meu amor… Ainda dá tempo de pedir-me em casamento para meu pai…
Gustavo – Agnella, é até bom que tu estejas aqui nesse momento. Porque eu preciso te falar uma coisa. Eu entendi que… Que a minha vida, a partir de agora, ela é ao lado de Cecília. Eu quero me casar com ela. Mas, por favor, entendas que assim como eu quero isso para mim, eu desejo para ti o melhor futuro possível!
Agnella – O melhor futuro para mim é ao teu lado! Será que não entendeste isso?
Gustavo se aproxima de Agnella e passa a mão em seu rosto.
Gustavo – O que eu entendo, Agnella, é que eu não se és a mesma pessoa de antes. Eu confesso, eu errei muito nessa vida, mas tu precisas perceber que também erraste, e que traíste a minha confiança quando resolveste unir-te a Brás! Mas, assim como eu estou fazendo, tu podes tentar uma nova vida! Tu podes dar espaço para que Adelmo te conquiste… Abre o teu coração para ele. Ele te ama…
Agnella – Meu pai quer casar-me com ele. Mas eu não o amo! Além disso, eu só posso ser tua, Gustavo? Ou tu não te lembras do que houve entre nós?
Gustavo – Agnella, por favor… Não mistures as coisas…
Agnella – Eu não estou misturando nada, meu amor. Eu sou tua e sempre serei.
Agnella tenta beijá-lo, mas ele se esquiva.
Gustavo – Eu não posso, Agnella.
Agnella – Então é assim? Tu queres assim? Mas eu não quero! Eu não quero! E tu irás ver, Gustavo! Eu ficarei contigo!
Agnella sai, correndo.
Gustavo – Meu Deus… Ela está obcecada por esse amor… Eu sinto pena dela, porque ela foi cegada… Ela acreditou que dar o tesouro a Brás ia ser a maneira de que nossa relação voltasse a ser o que foi…
Cecília – Eu também percebo que ela precisa de nossa compaixão, Gustavo. Mas uma coisa que ela disse me deixou curiosa. Por que ela disse que só poderia ser tua?
Gustavo – Por nada… Só por esse amor que ela sente por mim. Não é nada de importante.
Gustavo vai andando em direção à igreja. Cecília o segue.
Cecília – Eu posso acreditar mesmo em ti, Gustavo?
Gustavo – (Começa a ficar irritado) Claro que sim!
Cecília – Eu espero mesmo que eu possa acreditar em ti. Porque eu já te perdoei uma vez por causa de uma mentira, ja abri mão de muita coisa, e eu espero sinceramente não ser decepcionada de novo.
Giancarlo aparece em sua frente.
Giancarlo – Então tu voltaste a te encontrar com minha filha, não é?
Gustavo – Senhor Giancarlo, entre nós há um sentimento…
Giancarlo – Eu não quero ouvir todo esse enredo agora. Eu estava mesmo era querendo dar-te um recado. Gustavo, parece que o bispo Ricardo estava procurando por ti. A freira me disse que ele o esperava na sala de recepções da igreja.
Gustavo – Mas o que o bispo pode querer comigo?
Giancarlo – Não sei,mas a freira me parecia séria. Se eu fosse tu, iria agora.
Cena 07: Ala dos aposentos da Igreja del Fiume.
Depois de entrar na ala dos aposentos, Agnella começa a abrir cada quarto, de porta em porta. Até que encontra o quarto que desejava.
Agnella – Eu pensei que iriam trancá-lo.
Brás – Desnecessário. Uma vez que eu estou amarrado. Até porque o padre teve que sair com pressa.Veio com aquela conversa chata de crime, pecado e arrependimento. Mas diz-me: por que estás aqui? Por que me procuraste?
Agnella – Para dar-lhe uma coisa, por ter-me feito afastar de Gustavo algo que era dele.
Agnella dá um tapa e cospe no rosto de Brás.
Agnella – E ainda assim eu permaneço sem tê-lo para mim…
Brás – (Irônico) Que moça valente… Veio aqui para me dar um tapa e cuspir em mim… Por que não aproveitas que estás aqui, então, para tentar, pela última vez, que Gustavo volte para ti?
Agnella – O que é que estás pensando? Eu não entrarei em nenhum de teus jogos outra vez!
Brás – Não é jogo! Eu conheci Cecília melhor do que tu. Eu sei que ela é ambiciosa acima de tudo. Antes, ela acreditava que o tesouro era dela. Agora, o tesouro é de Gustavo, e ela não irá querer se separar dele… Mas e se o tesouro não for de nenhum dos dois?
Agnella – Como assim? Tu ainda o queres? Desiste! Eu não te ajudarei nisso!
Brás – Não, não… Eu não quero mais tesouro. Porém eu quero me vingar deles. Se eu não posso ter essa riqueza, que nenhum dos dois a possua!
Agnella – E o que queres que eu faça? Que eu jogue o tesouro no rio?
Brás – Não. É muito simples. Tu irás recuperar o teu amado, e ainda ajudarás todas as pessoas do Povoado das Hortaliças a recuperarem suas vidas. Apenas precisas contar a uma pessoa aqui, e outra ali, que o tesouro está dentro da igreja! Esse povo com certeza irá querer esse tesouro…
Agnella – Não! Não é por causa de bens materiais que eu irei conseguir Gustavo de volta para mim! Eu já tentei isso contigo, e não deu certo!
Brás – Mas é por bens materiais que Cecília está por perto. Afaste-a, e ele voltará para você.
Cena 08: Igreja del Fiume. Sala de recepções.
Gustavo, Santorini, Francisca e Ricardo estão no local.
Gustavo – Bispo, eu confesso que não entendi por que o senhor nos chamou com tanta pressa.
Ricardo – Eu os chamei aqui porque tenho algo muito sério a tratar-lhes. Como o senhor deveria saber, padre, o pecado da desobediência é muito grave, e merece ser punido exemplarmente.
Francisca – Foi exatamente o que eu vim dizendo ao padre Santorini. A desobediência traz consequências graves para quem a pratica. E tão ruim quanto ela é a conivência.
Santorini – Perfeitamente. Mas o senhor se refere a algum caso específico do qual eu tenha conhecimento? Eu só não entendo por que a presença de Gustavo aqui.
Ricardo – Porque a conversa diz respeito aos dois. Ao senhor e a ele. Segundo o que me foi contado pela irmã Francisca, a região foi invadida por saqueadores. Para ela, isso foi fruto desses dois pecados dos quais nós falamos. Pecados esses que foram cometidos pelo senhor, padre, e por você, jovem Gustavo.
Santorini – Mas, mas… Do que o senhor está falando?
Francisca – Eu mesma digo, bispo. Ele fala da desobediência de Gustavo, que, sem permissão, entrou em sua sala e a desbravou; e do fato de o senhor, padre, não ter aplicado a esse pecado a punição correta!
Ricardo – Punição que, infelizmente, terá de ser aplicada agora pela suprema corte da Santa Inquisição!