Capítulo 49 – Cantiga de Amor (Última semana)
Cena 01: Beira do Rio dos Campos.
Brás – Um baú… Um baú! Já podes ficar contente, Agnella! Eu achei o que eu queria! O que nós queríamos! O tesouro… É meu! (Grita) Meu!
Agnella se levanta do chão.
Agnella – Essa árvore era nossa! Essa árvore era minha e de Gustavo! Tu não podias tê-la matado! E eu que pensei que esse tesouro me ajudaria a voltar para meu amor…
Brás – Mas é claro que ele irá ajudar…
Agnella – Encontrar esse tesouro custou a derrubada de um lugar que era nosso…
Brás – Calma, garota… Tudo irá dar certo. Basta apenas que te mantenhas calada com relação a tudo o que aconteceu conosco nesses últimos dias. E que me sejas útil mais uma vez.
Agnella –O que queres agora? Seja o que for, é a última coisa que farei por ti!
Brás – Quero que tu voltes à igreja, e diga a Marlete para trazer Inês para cá. Está na hora de certo morto voltar a viver.
Cena 02: Ao lado do convento.
Cecília está sentada, cabisbaixa. Gustavo a avista e se junta a ela.
Gustavo – Cecília, como estás? Eu acredito que toda essa loucura deve ter mexido contigo, não é?
Cecília – Gustavo, eu vim para cá porque precisei pensar. Pensar sobre tudo o que aconteceu até agora. Sobre quando tu preferiste a mentira e o engano para ter algo que não era teu, quando poderias ter sido sincero… Sobre quando eu te perdoei porque descobri quem eras de verdade e que, apesar de tudo, gostava de ti… E sobre quando nos reencontramos aqui. E agora, nós descobrimos que todos os fatos que conhecíamos nessa história eram o contrário, que nem eu era quem eu pensava que era, e que tu eras a verdadeira pessoa a se encaixar em meu papel… Eu me pergunto o que será de mim agora. Me pergunto o que será de nós agora, se é que ainda haverá nós…
Gustavo – Cecília, tu acabaste de dizer que descobriste que eu não sou aquele que se apresentou a tua família em Termes! Eu pensei, sim, em ser dono de um tesouro de modo fácil. E posso ter enganado a mim mesmo, achando que eu estava fazendo isso apenas para cumprir o desejo de um amigo. Porém, para uma coisa, pelo menos, essa experiência serviu. Eu sempre vivi como um aventureiro. Mesmo depois de sentir o amor pela primeira vez, eu não comecei a medir as consequências dos meus atos. Fui um irresponsável em vários momentos. Desobedeci a regras. Regras que ainda permanecem incoerentes para mim, mas que não devem ser enfrentadas de um modo impensado. E, de certa forma, essa irresponsabilidade foi que me levou a ti. Em tua casa, continuei fazendo coisas erradas. Mas foi depois de todos esses erros que eu decidi mudar. Não sei se quero mais encontros desesperados, paixões inocentes e avassaladoras ao mesmo tempo. Quero a certeza de uma vida segura, não importa com que seja. Tu não tens motivo para pensares que sou o mesmo de antes. Eu estou me transformando em um homem mais sério.
Cecília – O que tu me falaste agora… Me fez pensar em como eu também tenho mudado. Antes, uma pessoa que achava que ser a felicidade passaria pela riqueza. Depois, eu me vi largando isso para viver um amor… Olha, Gustavo, eu quero que saibas de uma coisa: se precisares de mim, eu te apoiarei, qualquer que seja a decisão que tu tomares sobre esse tesouro.
Gustavo – Falando nisso, eu preciso voltar àquele baú. É que Gregório e Valentina acham que o tesouro está perto da igreja.
Cena 03: Igreja del Fiume.
Ao redor da igreja, um rebuliço acontece.
Prudência – Que história é essa de tesouro? Tu sabes, marido? Estão todos comentando…
Enzo – Eu não tenho a mínima ideia de como isso surgiu. Mas parece que todo o mundo já ficou sabendo que um tal tesouro está perto da igreja.
Prudência – Olha ali, meu senhor, ali na frente, tem umas três pessoas mexendo na terra! Será que acreditaram nesse boato, e resolveram procurar esse tesouro?
Ao lado da igreja, próximo à parede, outras pessoas estão cavando. O padre as observa.
Santorini – Mas o que é isso? Por que todos resolveram mexer na terra?
Simone – Padre, se o senhor me permite… É que estão dizendo que há um tesouro escondido perto da igreja.
Leonor – Aí, o senhor sabe… Todo o mundo perdeu a lavoura com o incêndio. Estão todos tão desesperados por um recomeço que dão ouvidos a qualquer falácia.
Santorini – Eu preciso investigar melhor essa história.
O padre sai. Ottavio aparece.
Simone – Senhor Ottavio! Que bom vê-lo! Veio rezar pelo seu filho?
Ottavio – Na verdade, eu fiquei sabendo do ataque ao povoado, e eu vim prestar minhas solidariedades a todos. E aproveitar e rezar por todos que precisarem.
Leonor – O senhor realmente teve uma ótima ideia… É preciso termos compaixão nessa vida, não é? É uma situação realmente tão triste… (Começa a forçar um choro) Será que o senhor não poderia me dar um abraço? Eu estou muito abalada com o que aconteceu…
Ottavio – Claro, claro… (A abraça) A senhora pode ficar calma. Tudo irá se resolver.
Simone – (Começa a chorar forçado) Mas será mesmo? Sabe… Eu acho que eu também preciso de um abraço… Mas tem que ser um abraço forte… Um abraço de uma pessoa muito amiga… Mais que amiga, até.
Ottavio – Tudo bem… (Ele também a abraça) A senhora também não precisa ficar preocupada. Deus irá ajudar-nos nesses momentos de dificuldades.
Simone –Amém!
Ottavio – Bem, eu irei entrar agora. As senhoras vêm rezar também?
Leonor – Claro! Pode contar comigo, ao seu lado.
Simone – Conosco.
Cena 04: Igreja del Fiume. Ala dos aposentos.
Marlete – Então ele encontrou mesmo o tesouro? Por um momento eu até duvidei dele… Mas sua obstinação realmente foi necessária.
Agnella – Ele quer que tu leves Inês até ele. Diz-me: o que ele pretende fazer com ela?
Marlete – Eu não sei… O que eu sei é que ele enfim conseguiu o que queria. Um tesouro, para impressionar sua mulher. Nesse caso… Agora eu irei convidar uma amiga para passear à beira do rio.
Agnella – Eu só quero dizer uma coisa: a partir desse momento, esqueçam-me! Já os ajudei o suficiente. Encontraram o que queriam.
Marlete – Tudo bem… Se queres assim, de minha parte não tenho mais nada contigo. Eu só te desejo boa sorte com o teu amado. Apesar de que ele parece já estar decidido.
Agnella – Isso não importa! Ele está apenas se iludindo! Ele ama a mim! E eu o farei descobrir isso.
Cena 05: Em frente à Igreja del Fiume.
Inês – Passear? Mas passear onde?
Marlete – Não sei… Pode ser à beira do rio…
Inês – Mas por que isso agora? Há pouco tempo, disseste que não querias mais passear.
Marlete – Eu só quero ficar um tempo contigo, minha amiga. Superar nossa última discussão… Conversar um pouco…
Inês – É só isso? Ou estás escondendo algo de mim? É uma espécie de armadilha, por acaso?
Marlete – O que eu poderia esconder de ti? Não há armadilha alguma. É uma simples caminhada pela região. Não há nada de mais.
Elas saem. Pero e Giancarlo as veem e as seguem.
Cena 06: Beira do Rio dos Campos.
Brás conseguiu tirar o baú da terra. Ainda estava fechado.
Brás – Meu tesouro… Só tem um problema. Como abri-lo? Será que precisa de alguma chave em específico? Ah, mas se for preciso, eu arrombo, quebro… Isso é o menos importante. O que importa mesmo é fugir com Inês para longe daqui.
Cena 07: Igreja del Fiume. Sala de recepções.
Cecília – Por que tu acreditas que o baú possa ter alguma resposta? Não já desvendamos tudo que estava nele?
Gustavo – Não, não… Há mais alguma coisa que não entendemos.
Cecília – Só se for aquela árvore. Eu só não compreendo qual a importância de uma simples árvore. Deve haver tantas delas por aqui.
Gustavo – Sim, sim, a árvore… Agora que eu me lembro. Acho que eu já vi alguma dessas antes… (Olha em volta) Onde está o baú mesmo? Ah, ali. Preciso confirmar minha hipótese.
Eles tiram o baú do lugar, e o abrem.
Gustavo – Essa é a árvore. Onde eu a vi antes, mesmo?
Ele começa a “forçar” a memória. Uma cena volta a sua mente.
– Flashback –
Gustavo tem dez anos. Está ao lado do avô, à beira de um rio. Atrás deles, várias árvores.
Edetto (avô) – Este lugar… Quando venho aqui, tenho a sensação de isolamento do resto do mundo. Quando venho aqui, o momento é só meu. Gosto de pensar…
Gustavo – O senhor também pesca aqui?
Edetto (avô) – Não, não. Aqui, não. Aqui eu apenas deito embaixo dessa árvore, e deito. Fecho os olhos, e penso na minha vida.
Ele aponta para a árvore que lhes faz sombra. Há várias dela ao redor.
Edetto – Essa árvore é única. Ela só existe aqui, nessa região. Quer dizer, eu nunca a vi em outros lugares por aí, e já andei tanto, não é? Gosto dela por sua sombra, e também porque, para mim, ela sempre significou solidez, sabe?
Gustavo – (Estranhando) Solidez? O que é isso?
Edetto – Solidez significa segurança. Eu me sinto seguro quando estou aqui.
– Fim do flashback –
Os olhos de Gustavo estão marejados.
Cecília – Mas, se o tesouro está perto da igreja, então deve haver alguma árvore dessa aqui. Quer dizer, teu avô falou que ela era exclusiva da região onde moravas…
Gustavo – (Emocionado) Não, Cecília. Pelo contrário. Eu sei onde existe uma árvore dessas aqui. Sei porque eu também sentia segurança quando estava abaixo dela. E só pode ser lá que meu avô enterrou o tesouro.
Cena 08: Beira do Rio dos Campos.
Marlete e Inês chegaram à margem do rio. Inês se agachou à beira d’água.
Inês – Já faz um tempo que eu não vinha aqui. Esse lugar é particularmente belo…
Marlete – Eu concordo, minha amiga. Mas diz-me lá: como estás lidando com o fato de teu marido estar por perto e tu não saberes onde ele está?
Inês – Meu maior desejo é que os homens que foram até o acampamento onde estavam os saqueadores possam me garantir que o crápula do Brás estava, por acaso, naquelas redondezas, e que ele morreu queimado. Se existe um desejo que eu não tenho é o de me reencontrar com o traste do ex-finado Brás.
Brás aparece, saindo da floresta.
Brás – Sinto decepcioná-la, minha cara Inês. Mas eu ainda estou aqui. E dessa vez eu voltei definitivamente para ti.
Cena 09: Nave daIgrejadel Fiume.
Gustavo e Cecília se encontram com Edetto e Izabella. Agnella os observa.
Gustavo – Pai, eu estava mesmo procurando pelo senhor. Temos um assunto sério para resolver.
Edetto – Meu filho! Pensei que estiveste lá fora! Mas de que tu falas?
Izabella – É o que estou pensando? Tem a ver com o…
Gustavo – Shh!! Mãe! Não sei como, mas todos que estão à nossa volta já sabem da existência disso! Mas vamos, pai, nós temos um problema.
Edetto – Para onde tu irás me levar?
Cecília – O senhor descobrirá. Mas vamos logo. Ou então não haverá mais chances para nós!
Edetto, Izabella, Gustavo e Cecília saem na frente. Agnella os segue.
Agnella – (Atordoada) Gustavo não pode encontrar o tesouro… Ele não pode…
Prudência se encontra com ela.
Prudência – Aonde estás indo, Agnella?
Agnella – Resgatar minha felicidade, mãe. Ao lado do homem que eu sempre amei.
Agnella desvia da mãe e acompanha os outros. Prudência não desiste e segue a filha.
Cena 10: Beira do Rio dos Campos.
Inês – (Furiosa e histérica) Era só o que me faltava! Brás, sabes o que eu quero? Que morras! Que morras! E tu, Marlete, sabias disso, não era? Trouxeste-me aqui por causa desse homem?
Marlete – Eu juro que eu não sabia, minha amiga. Eu estou definitivamente surpresa.
Inês – Eu não acredito em ti! E olha aqui, Brás: tudo o que eu menos quero é viver de novo contigo. Entendeste? Nunca mais! Nunca mais eu quero saber de ter-te como meu esposo!
Brás – Calma, minha querida… Falas isso sem pensar. Tens certeza de que não irás me querer nem mesmo se eu estiver rico?
Inês – Como assim? Como assim? Tu sempre foste pobre! Como ficarias rico? A não ser que…
Brás tira da floresta o baú.
Inês – Então toda essa lorota de tesouro… Era verdade?
Brás – Claro que sim! E esse tesouro agora é meu. É nosso.
Brás se aproxima de Inês, pega-a pelo corpo e a leva até a carroça. Ela resiste.
Inês – Larga-me! Eu não te quero nem mesmo pintado de ouro!
Brás – Falas isso porque nem mesmo tentaste segurar esse baú. Quando vires o quão pesado ele é, desistirá dessa aversão tola a mim. E aí… Fugiremos. Para longe daqui.
Marlete – Tu estás querendo fugir? E levar o tesouro sem ao menos dividir comigo? Que te ajudei esse tempo todo?
Brás – É óbvio que não. Até porque esse baú precisa de uma chave; ou melhor, duas, para ser aberto. E eu não faço a mínima ideia de que chaves são essas.
Sorrateiramente, Inês começa a deixar a carroça. Brás percebe e a segura, prendendo forte seus braços para trás. Ele está, agora, de costas para a carroça.
Brás – Pensas que irás fugir? Estás enganada! Ainda és minha mulher! E ficarás comigo! (Dirige-se a Marlete) Dá uma olhada nessa velharia. Será que tu consegues imaginar quais são as chaves que nos levarão ao tesouro?
Marlete se agacha sobre o baú, e vê os dois orifícios.
Marlete – Duas chaves… Como eu imaginava… Sabes de uma coisa, Brás? Tu não irás a lugar nenhum!
Brás – Do que estás falando?
Pero sai da floresta.
Pero – Solta Inês, seu cafajeste!
Brás – Ora, ora, o camponês voltou para defender a amada… Ainda está apaixonado por ela…
Pero – Eu estou te falando, Brás! Solta Inês agora!
Brás – Tua benevolência não servirá de nada agora! Eu sou o marido dela! E eu tenho o direito de fazer o que quiser com ela! Como fugir daqui!
Segurando Inês com uma mão, Brás se dirige ao baú e o arrasta com a outra até a carroça, quando descobre que um dos cavalos foi solto.
Brás – Quem fez isso?
Giancarlo – Eu fiz isso! Agora, solte Inês! E afaste-se desse baú!
Brás – Queres que eu a solte? Tudo bem! Aí está ela!
Ele empurra Inês para junto de Pero.
Inês – Que bom que vieste, Pero. Que bom!
Brás – Mas o tesouro é meu! E ninguém toma! E tu, Inês, ainda és minha mulher! É só o tempo de eu guardar essa beleza aqui em um lugar seguro!
Brás puxa um facão da calça e aponta para os outros. Ele começa a andar em direção à floresta, sempre de frente para eles e apontando o facão. Até que bate em alguém atrás de si.
Gustavo – Então tu estás com o que é meu, não é?
Brás volta em direção ao rio, apontando o facão para todos.
Brás – Teu? Desde quando isso é teu? Isso nunca foi teu! Nem nunca será, nem mesmo se casares com a filhinha mimada do comerciante, que está do teu lado!
Cecília – Eu não sou uma filha mimada! Tu, porém, és um cafajeste que adora interferir na vida dos outros! Ah, e caso não saibas, o tesouro é, sim, de Gustavo!
Agnella – (Surpresa) Como? O tesouro… É de Gustavo?
Brás – Isso não importa! O que importa agora é que ele será meu!
Edetto – Desiste, Brás! Somos muitos! Tu não podes nos vencer!
Brás – Eu sou muito melhor do que todos vocês podem pensar!
Agnella – (Desesperada) Se tudo isso for verdade, Brás, dá o tesouro a Gustavo! É ele quem merece!
Brás – Agora tu queres que ele seja rico? Esqueceste que até pouco tempo atrás tu querias que esses bens viessem para minhas mãos?
Gustavo – O que ele está dizendo, Agnella? Que história é essa?
Brás – A tua outra namoradinha, Gustavo, foi quem me deu a localização exata desse tesouro. Pelo visto, o amor dela não é tão grande assim como tu pensas! Ela é muito mais cretina e mentirosa do que o que parece!
Prudência – Não fales assim da minha filha!
Brás – Se bem que um homem burro como tu, Gustavo, só poderia errar mesmo ao escolher uma mulher para si! Um asno! E ainda acha que tem direito a um tesouro! Eu sou muito melhor do que tu!
Izabella avança até Brás.
Izabella – Eu não te permito ofender o meu filho!
Ela ergue a mão para bater nele, mas ele é mais rápido, segurando em seu braço e a imobilizando. Depois, ele a prende junto a seu corpo, mantendo o facão sob seu pescoço.
Brás – Prestem muita atenção em mim! Eu não quero ninguém me perseguindo! Porque senão eu não terei nenhuma pena em deixar órfão o tolo cavalheiro viajador… Entenderam?