Capítulo 1 – A Ilha
Ouvi um barulho estranho vindo da parte oeste da ilha. Não era barulho de nenhum animal ou qualquer outro ruído típico da natureza. Parecia barulho de explosão. Uma grande explosão.
– Susi? – minha irmã, Lila, surgiu do meio da mata – Você viu o avião caindo?
– Avião? – não sei por que de minha surpresa.
– Eu vi tudo! – Lila parecia ter engolido uma pilha – Ele estava voando no céu e de repente começou a perder o controle e foi perdendo o controle e perdendo e perdendo e BOOM! Bateu na montanha! Será que morreu?
– Você viu se tinha alguém pulando do avião? – perguntei fingindo interesse.
– Acho que não. – ela coçou a cabeça – As árvores atrapalharam um pouco minha visão. Estava tão divertido!
– Você sabia que isso é muito sadismo de sua parte? – perguntei brincando.
– Mas eu me preocupo com a pessoa que estava naquele avião. – ela fechou o rosto em uma expressão de total angustia – Eu não sou assim tão má. Mas quase não acontece nada nesta ilha.
– Pare de fazer essa cara! – dei um tapa em seu ombro – Parece um maracujá velho!
– Credo Susi! – Lila pôs as mãos no rosto – Ás vezes você é tão má comigo.
– Tudo bem. – revirei os olhos – Quer vir caçar?
– Caçar? – ela berrou – Você sabe muito bem que eu detesto ver você matando seres vivos.
– Você detesta é ter que pegar no pesado! – zombei.
– Mentira! – Lila retrucou – Eu pego no pesado todos os dias! Ou pensa que manter essa casa limpa é fácil?
Fiquei calada. Nossa casa não era exatamente o que se pode chamar de palacete, mas admito que deveria ser um pouco penoso mantê-la sempre limpa no meio de uma selva.
Construí a casa apoiada em uma árvore grande. Era uma casa de dois andares, feita de troncos e cascas de árvore, galhos, cipós e folhas de palmeira – os únicos matérias que encontrei. Tentei deixá-la o mais próximo possível de um lar, com todo o conforto que as nossas atuais condições nos permitiam. Era uma casa bonita no fim das contas.
– Está certo! – falei em tom de desculpas – Mas aproveite esse tempo e vá cuidar da horta. Eu a fiz perto da cabana justamente para ninguém poder dizer que se esqueceu de cuidar. E pegue também algumas mangas, goiabas e maçãs! Tivemos foi sorte de ter achado esses pés de frutas tão próximos daqui!
– Sim senhora capitã! – Lila zombou de mim batendo continências.
– Engraçadinha. – fiz uma careta.
Nós tínhamos um esquema de caça organizado para que todos os animais tenham uma chance de continuar existindo – e nos alimentando. Estava em época de “caça ao javali”.
Depois que pega o jeito, capturar um javali não é assim tão difícil. Nos primeiros dias que foi pesado. Voltava para casa cheia de ferimentos. Mas agora eu aprendi a ter paciência e concentração para poder atacar no momento certo. Com tanto tempo de treino acabei ganhando algumas habilidades: Força, agilidade, melhores reflexos. Não podia reclamar.
Voltei para casa com um belo javali nas costas. Imaginava a surpresa que Lila teria quando visse o tamanho do javali que havia capturado. Mas quem teve uma surpresa mesmo fui eu.
Ouvi barulhos de passos. No princípio achei que fosse Lila, mas os passos estavam pesados demais para serem os dela. Fui me aproximado devagar da cabana e o encontrei. Um rapaz!
– Quem é você? – perguntei sem ação.
– Você construiu tudo isso? – ele rebateu com uma pergunta sem lógica.
– Sim, mas qual a surpresa? – respondi um pouco assustada. Ainda não sabia que tipo de garoto ele era.
– Não acredito que uma mulher tenha conseguido construir todo esse lugar! – não acreditei que ele havia dito isso na minha cara. Já começava a detestar esse rapaz.
– Tudo bem, você deve ser o dono daquele avião caído lá em cima. – coloquei o javali no chão. Já via que teria que ser dura com esse rapaz – Se realmente pretende ficar aqui já fique avisado – me aproximei – Fique longe da minha cabana! Essa é a minha área, meu território. Não cace por aqui e tentei não construir sua cabana por perto. Eu não sou sua amiga e nem pretendo ser. E, principalmente, nem pense em tentar alguma coisa comigo. Vivo muito bem nesta ilha há dois anos. Alguma pergunta?
– Susi? – Lila quase me mata de susto – Com quem está falando?
– É o dono do avião! – respondi sem perder o tom de autoridade suprema daquele lugar. Precisava ter certeza que ele iria embora e que teria medo de mim.
– Achei que não tinha sobrevivido. – Lila se aproximou com os dentes arreganhados – Eu vi o momento em que o avião estava caindo. Que espetáculo! Sabe, não temos muita coisa interessante aqui. Que sorte você falar a nossa língua.
– Lila! – estava ficando furiosa – Cale a boca!
– Desculpe. – Lila coçou a cabeça. Ela já estava percebendo o que eu pretendia fazer.
– Vocês duas são?… – ele nos olhou com aquele olhar.
– Irmãs! – não tentei esconder minha fúria – Nós duas somos irmãs!
– Então vocês não… – ele estava mesmo desconfiando?
– Não! – fiz questão de mostrar que estava zangada. Quem ele pensa que é? – Não somos lésbicas. E quer parar de ficar nos olhando como se fossemos duas extraterrestres.
– Acho que ele está impressionado com a nossa beleza. – Lila colocou a mão na cintura. Se não conhecesse bem a irmã que tenho iria achar que ela estava dando em cima desse desconhecido. Seria trágico ter uma irmã tarada.
Mas, olhando direito, ele até que não era de se jogar fora. Tinha cara de ter uns 23 anos, a mesma idade que a minha. Apesar de estar com uma típica jaqueta de couro de aviador, ele parecia ter belos braços. Seu cabelo preto estava com aquele corte de exército, bem baixinho, mas duvido muito que ele tenha servido. Mesmo aparentando ser forte, tinha algo nele que não me fazia crer muito em sua coragem. Seus olhos castanhos deixavam uma mensagem: Estou disponível! E prestando atenção neles que vi que o rapaz também não tirava os olhos de mim. Que tipo de pensamento malicioso não devia estar passando por aquela cabeça linda?
Poucos minutos com um rapaz e já estava me transformando em uma mulherzinha. Precisava mostrar que comigo ele não conseguiria nada.
– Muito bem! – voltei ao meu tom autoritário – Regras apresentadas. Pode ir embora e procurar seu rumo. Talvez, se eu estiver de bom humor, posso até te ajudar a construir sua cabana, mas apenas para que fique o mais longe possível da nossa área.
– Mas ele não vai ficar com a gente? – Lila tinha que fazer essa pergunta. Só podia ser provocação.
– É claro que não! – berrei para que entendesse bem o recado.
– Mas já está anoitecendo. – Lila se aproximou dele. Ela estava disposta a me convencer – E até ele construir uma cabana vai levar muito tempo. Susi? Luciana! Você não vai deixar esse pobre rapaz ficar ao relento. E se ele for pego por algum animal.
– Sorte a nossa. –sorri.
– Que feio! – Lila agora se aproximava de mim – Você não é assim.
– Espere! – ele interrompeu – Ninguém me perguntou se eu quero ficar.
– Muito bem! – agora ele tinha me ofendido – Ele é um ingrato. Viu como tinha razão em não me importar com ele.
– Espere! – ele falou um pouco mais alto – Eu não disse que não queria ficar.
– Mas você não vai ficar – gritei. Agora era uma questão de honra – quem disse que você iria ficar?
– Que ótimo! – ele bufou feito um cavalo.
– Olhe aqui, eu decido! – Lila interveio.
– Você não decide nada! – estava ficando nervosa – E agora leve esse javali para dentro antes que estrague.
– Credo Susi! – Lila foi pegar o javali – Você está muito estranha!
Eu não estava acreditando no que eu estava prestes a dizer. Sabia que iria me arrepender depois, mas no fundo eu também sabia que não teria outra escolha. Por mais imprestável que ele parecesse ser, era um ser humano. Não podia deixá-lo a própria sorte.
– Tudo bem. – suspirei fundo – Eu deixo você ficar!
– Yupi! – Lila comemorou de dentro de casa.
– Mas só até sua cabana ficar pronta. – já fui estabelecendo as regras – E não faça nenhuma gracinha!
– Gracinha? – ele devia estar se fazendo de besta.
– Você sabe muito bem do que estou falando! – fiz uma cara feia.
– Está tendo uma visão equivocada, Susi. – ele sorriu.
– E você é muito engraçadinho, seu… – só então me dei conta de que não sabia o seu nome – Como você se chama mesmo?
– Richard – ele sorriu – Mas todos me chamam de Rich.
– Rich? – achei graça – Fala sério? Que ridículo!
– Não sei o que tem de ridículo. – ele pareceu se ofender.
– Tudo bem, Rich, vamos entrar! – não pude evitar um risinho.
Ele entrou em casa como se já conhecesse aquele lugar. Não duvidaria nada se, enquanto estava caçando, ela não tenha vasculhado tudo. Lila é tão boba que é capaz de nem ter reparado.
– Não temos um quarto extra. – falei – E também não temos nenhum colchão sobrando.
– E onde você está pensando em me colocar para dormir? – ele perguntou meio sem graça.
– No chão da sala! – fui direta – Onde mais poderia dormir?
– Mas neste chão duro? – ele fez uma cara de espanto.
– Richard – coloquei a mão em seu ombro – eu dormi no chão duro, ao relento, com chuvas à noite e sol forte pela manhã durante um longo mês. Formigas e mosquitos do tamanho de besouros me picavam em lugares que você nem quer saber. Isso sem contar nos dias em que acordava com uma cobra rastejando ao meu lado.
– Caramba! – ele arregalou os olhos.
– Pois bem. – continuei – Agradeça por ao menos ter um teto.
– Está bem! – ele levantou as mãos em sinal de rendição – Eu já entendi. Vou me virar sozinho.
– Não. – tentei acalma-lo – Eu e a Lila iremos ajudar você em algumas coisas. Também não somos esses monstros.
– Então por quê? – Rich perguntava com um tom de carência.
– Por que o que? – rebati a pergunta.
– Por que você me trata assim de forma tão dura?
– Você é um homem. – fui franca – Eu e a Lila somos mulheres. Nós não somos selvagens que cresceram na selva e não conhecem nada da vida. Por isso eu já deixo avisado: Não tente nada com nenhuma de nós ou terei que tomar medidas drásticas.
– Que tipo de medida drástica? – ele perguntou assustado. Respondi imitando uma tesoura com os dedos.
– Mas vamos aproveitar os últimos minutos de sol e pegar algumas folhas secas. – disse em um tom mais ameno. Acho que já podia deixar um pouco meu alter ego de capitã.
– Folhas secas para o que? – ele perguntou bem confuso.
– Para o seu colchão! – respondi – Amanhã nos podemos ver como está os destroços do seu avião. Então acorde cedo. Teremos uma subida e tanto.
– Mas para que ver destroços de avião? – ele continuava confuso.
– Você nunca brincou de perdidos na selva quando era criança? – estava surpresa com sua burrice – Nós estamos presos aqui. Tudo o que puder ser reaproveitado deve ser reaproveitado! Acho que você não é muito bom de raciocínio.
– Não é isso. – Richard se defendeu – É que eu ainda estou entendendo tudo. Até algumas horas atrás eu estava pendurado em uma árvore tentando me livrar do paraquedas que ficou preso enquanto via meu avião explodir. Acho que estou me situando rápido demais.
– Pode até ser. – tive que admitir – Mas tente reorganizar logo suas ideias. De gente inútil eu já tenho a Lila.
– Eu ouvi isso! – Lila gritou da cozinha.
– Que bom! – respondi.
– Vocês duas são irmãs mesmo? – Rich insistia na pergunta.
– Não acredito que você ainda está pensando que…
– Não! – ele me interrompeu – É que vocês duas são bem diferentes.
– Nem tanto. – minha voz quase falhou – O que poderia ser tão diferente em nós duas?
– A Lila tem o nariz bem arrebitado. O cabelo dela é lisinho, o seu já é um pouco mais cacheado. Mas ambos são incrivelmente pretos.
– E daí? – mexi os ombros – Eu puxei mais o lado do meu pai.
– Tem também as roupas. – ele ficou vermelho – A Lila parece ser a mais vaidosa. Foi ela quem fez aquele vestido?
– Foi! – respondi – Pegou todos os retalhos cor de rosa que encontrou. Parece uma fantasia de festa junina.
– Parece mesmo. – ele continuava vermelho. Não estava entendendo.
– Você está corando? – perguntei.
Só então que me toquei. Eu estava com uma camisa branca larga e nada mais.
– Seu tarado! – dei um tapa na cara dele – Desde quando você está me olhando?
– Para ser bem honesto – ele protegia o rosto – desde que você se sentou.
– Cretino! – estava furiosa.
– E as folhas secas que íamos pegar? – ele provocou.
– Vá pegar sozinho! – berrei – E aproveita e enfia elas no…
– Olha! – ele continuava provocando.
– No seu nariz! – tentei me acalmar – Seu pervertido!