Ser Humano- Capítulo 01.

SER HUMANO.

CAPÍTULO 01.

1985.

Cena 01- Milão/ Noite/ Prédio da academia italiana de medicina, Stuart Genrz.

Vários fotógrafos estão nas portas da academia, que permanecem protegidas por seguranças, afim de que só os convidados possam entrar para assistir a premiação que escolhe as personalidades do ano.

As mesas estão cheias de pessoas, dentre elas os médicos, advogados, artistas e cantores mais importantes do mundo, que nessa noite se reuniam para receber ( ou não) o troféu de personalidade do ano por cada categoria que representavam.

Em uma das mesas centrais, uma das convidadas reclama enquanto é abanada por uma mulher mais jovem, provavelmente sua assistente.

Úrsula coloca as mãos sobre a testa e olha para cima: Eu não entendo a necessidade dessa estação maldita chamada verão, será que alguém gosta de ter que ligar todos os ventiladores e não poder sair na rua porque derrete junto com o asfalto?- Ela olha os convidados de cima a baixo, procura por alguém- Ah, aposto que o Michael Jackson não vem, com esse tempo infernal, deve ter preferido ficar em casa…Mas nunca se sabe, se ele chegar me avisa, preciso cobrar uma dívida que ele tem comigo.

A jovem, Olive, para de abana-la com o leque e pega a caderneta: Pode deixar- Ela escreve- Avisar quando o Michael Jackson chegar.

Úrsula pega seu monóculo e observa os convidados com ele: Aquela atriz que fazia sucesso nos anos 60 ainda insiste em querer aparecer? Mal se dá conta do quanto é careta, a coitada acha que alguém ainda se importa com a sua presença…Em pleno 1985! Não estou vendo minhas concorrentes, devem ter desistido de vir pois até o cego da esquina sabe que euzinha ganharei o prêmio de Médica do Ano.

Olive aponta: Eu tô vendo uma das suas outras concorrentes ali, qual o nome dela mesmo? Lila, Lili…Lilian! Lilian Lacerda, ela fez um trabalho de caridade muito bonito num hospital do Rio! Tem fortes chances…

Úrsula ajusta o monóculo: Aquela brega com cabelo amarrado? Parece mais uma hippie do que médica. Fortes chances só quem tem sou eu, ou não me chamo Úrsula Malva Alcântara Delfino de Erudith Una Sabel e Andradina- E continua a observar outras pessoas.

Na mesa de Lilian, ela conversa com outra pessoa, aparentemente um pouco mais velha, não muito.

Lilian, se abanando: Ainda bem que minha categoria é a primeira, caraca, aqui tá muito calor! Se não fosse a primeira, estaria tomando um ar fresco lá fora. Aliás, você tá suando muito Acácia, vai lá, aproveita e vê se não conhece um italiano charmoso!

Acácia solta uma risada fraca e olha pros próprios sapatos, sem ânimo: Para de falar bobagem, irmã…

Lilian prende o cabelo: Bobagem porquê? Você é gata, só precisa de um toquezinho especial que vai ficar irresistibile– Ela ri- O que aquela Úrsula olha tanto aqui? Será que é dessas que fica olhando a roupa alheia? Era o que me faltava, médica e consultora de moda- Ela continua a se abanar.

Um homem sobe no palco e pega um microfone, no mesmo instante todos que conversaram, cessam a voz. O enorme salão fica em silêncio.

Aplausos.

O homem se apresenta e começa a recitar um discurso em italiano, a apresentação da cerimônia. Úrsula continua observando Lilian com seu monóculo até que o guarda na bolsa.

Úrsula sorri triunfante: Nariz em pé, vamos ver se continua assim depois que me ver ganhar- Diz.

Apresentador: Bene , ora viene a perdere tempo e andare alla prima categoria: Médica dell-anno. Qui abbiamo com noi i ter concorrenti. E per la prima volta in premio Stuart Genrz , due di loro sono dello stesso paese , il Brasile!- Fala, entusiasmado.

Olive franze a testa: O que esse idoso tá falando, madame Úrsula?

Úrsula, irritada: Está falando que pela primeira vez tem duas concorrentes do mesmo país, o Brasil! Agora para de me perguntar as coisas e compre um dicionário italiano, saiba usar o salário que lhe dou de forma inteligente.

O apresentador aponta para Úrsula: E qui Úrsula Malva- Ela se levanta e acena para os convidados- Lilian Lacerda um altro brasiliano- Lilian se levanta e sorri, deixando a rival brasileira furiosa- E Stefania Amanda , Messico , che era accompagnato da suo marito , uno dei nostri partner.– Uma de suas assistentes trás o envelope dourado, ele o abre com entusiasmo.

Úrsula, confiante: Olive, não se surpreenda se eu ganhar, e também não precisa fazer escândalos, porque do jeito que você é…- Ela se levanta quando ele diz o nome.

Apresentador: E il medico dell ‘anno è Lilian Lacerda , il Brasile , per il suo lavoro in Botafogo Ospedale!- Anuncia, deixando Úrsula chocada.

Lilian se levanta, surpresa: Eu? Ai, não acredito- Ela é guiada pelas assistentes até o palco, onde beija o apresentador na bochecha e recebe o troféu, muito feliz.

A médica recebe uma salva de palmas da plateia.

Olive a aplaude com vigor: Mereceu! MEREC…- Mas leva um tapa de Úrsula.

Úrsula, vermelha: Calada ou eu te demito e te abandono aqui em Milão! Só pode estar havendo algum engano nessa premiação profana! Marmelada, eu aposto, essa tal médica Lilian, hippie, comprou o troféu!- E bate o pé no chão- A gente tenta conseguir as coisas na vida com honestidade, mas sempre vem alguém pra atrapalhar- Os convidados a olham- Eu venci, moralmente, o trabalho dessa Lila nem se compara a doação que fiz com os lucros do meu hospital pras crianças carentes na África! Ela doou alguma coisa? Não!

Olive tapa os ouvidos.

Lilian pega o microfone e profere um agradecimento.

No hall do salão…

Lilian é cumprimentada por alguns outros médicos quando Acácia chega.

Acácia, suada: Estou passando mal de tanto calor que faz, vamos Lilian! Quero chegar em casa logo…

Lilian se despede: Vamos sim, você não é nada social né? Nem pra falar um ciao pra eles…Também quero sair daqui porque eu sinto que esse troféu nas minhas mãos está prestes a derreter- Ela sorri.

Acácia, feliz: A mamãe ia se orgulhar muito de ter te visto em cima daquele palco, falando aquilo em italiano, vencendo tão lindamente…

Lilian pega na mão da irmã: Você tá falando como se ela já estivesse morta, Acácia! Quando eu chegar no Brasil, aposto que dona Irene vai fazer questão de mostrar o troféu pras vizinhas, exibida do jeito que é…Bem, isso se ele chegar inteiro lá. Vamos- As duas caminham em direção ao estacionamento quando Úrsula e Olive as param.

Úrsula dá um sorriso: Olha, minha rival por aqui?- Diz, ironicamente- Prazer, sou Úrsula Malva, deve me conhecer- Ela estende a mão.

Lilian entrega o troféu pra Acácia e estende a mão pra cumprimenta-la mas ela retira a mão e é Olive que cumprimenta a médica.

Úrsula sorri: Desculpe, é que não encosto em ninguém que não seja da família, pra isso tenho minha personal body Olive…Mas, esquecendo isso, tenho um convite pra te fazer querida, e não aceito um non como resposta- Ela fita a rival.

Lilian a encara: Convite? Bem, eu já estava indo pra casa mas…

Úrsula a interrompe: MAS você vai esquecer sua casa e vai pra minha festa, que está prestes a começar. Olive, o endereço- Olive entrega um cartão com o local- Tem música boa, convidados requintados, não é nada demais, apenas pra comemorar a vitória…Seja ela com ou sem troféu…A vitória pela vida, digamos assim. Sua irmã deve saber onde fica, é uma mansão bem aconchegante que venho visitar de vez em quanto.

Acácia observa o endereço: É, eu sei sim onde fica…

Úrsula sorri: Ótimo, quero que as duas venham para minha festa soft, os membros da nobreza italiana já marcaram presença…Quem sabe não encontram alguém interessante?

Lilian ri: Minha irmã talvez, eu já sou casada- Ela mostra a aliança.

Úrsula torce o pescoço: Desculpe, uma aliança tão “ apagada” que nem notei…De qualquer forma venham, se não comparecerem ficarei muito triste! Arrivederci, vejo as duas ainda essa noite.- Ela e Olive saem- Agora a hippie quarentona vai ver quem é a verdadeira vitoriosa dessa noite, Olive. Ninguém passa por cima de mim. Jamais.

Lilian olha pro endereço: Essa mulher tá tentando me provocar…Vamos nessa festa sim, Acácia, nem que seja pra ficar cinco minutos. Quero mostrar pra ela que não sou “ a fraca” que ela imagina só por ter esse meu jeito mais contido. Vamos pra mansão da Úrsula, agora! Aliás, agora não, vamos passar em casa e pegar a Maísa e os outros, ela não estipulou o número de pessoas que eu podia levar, né?

Cena 02- RIO DE JANEIRO/ Início de Noite/ Apartamento dos Segata.

O apartamento é típico, com cores vivas e bem estruturado. A sala tem objetos antigos, com flores que perfumam todo o ambiente. Irene assiste televisão, e Rubem tenta atrapalhá-la, conversando.

Irene, que já está impaciente: Você está atrapalhando minha novela. Será que um dia poderei ver ela em paz? Corpo a Corpo é uma das minhas novelas preferidas, quando eu estiver vendo, por favor, cale-se!

Rubem, virando os olhos: Está de bode hoje! Não só hoje, mas todos os dias.

A porta abre e é Fausto. O semblante dele está fraco, chega em casa segurando as lágrimas. Mas ao fechar a porta e encarar Irene e Rubem, que assistem televisão, ele não se contém e desaba.

Irene, que se levanta preocupada: Fausto, você está chorando, o que foi que aconteceu? Que semblante é esse?

Fausto, enxugando as lágrimas: Fui demitido, Irene. Eu sou um fracasso de homem, nem no meu trabalho eu consigo me realizar. Quem dirá me realizar com a Lilian, eu sinceramente tenho desgosto de ter vindo ao mundo.

Rubem, sentando o genro ao seu lado: Meu filho, a vida é feita de altos e baixos. E uma hora você vai superar isso tudo. E não diz isso, você ama a minha filha, ela te ama e fim. Você está querendo colocar a Lilian em um assunto de trabalho, mas ela faz parte da sua vida pessoal!

Fausto, se levanta: Talvez você tenha razão… Mas eu tô péssimo, Rubem. Me sentindo um lixo!

Irene, ainda confusa: Fausto, confessa, você pisou no tomate, foi? Somos pai da sua mulher, seja sincero.

Rubem, a repreendendo: Pega leve, Irene. Deixa o homem, se ele não quer falar, não insiste!

Fausto, pegando sua pasta de volta: Eu simplesmente não sou capacitado, dona Irene. – ele enxuga as lágrimas que ainda rolam o seu rosto – Eu não tenho condições nenhuma para sair de casa, mas terei que sair. Tenho que ir em uma festa de um amigo que vai viajar. Dá licença. – ele sai.

Irene repara que Corpo a Corpo acabou: Perdi até minha novela. Gilberto Braga não vai me perdoar nunca por essa gafe.

Rubem, a encarando: Quem é Gilberto? Por acaso você está me traindo?

Irene, gargalhando: Você só presta para literatura mesmo. Dá licença, por favor. – ela pega o controle e aumenta o volume da televisão.

Rubem pega um livro, enquanto Irene continua assistindo.

Cena 03- Mansão de Úrsula em Milão/ Noite.

Paula e Bernardo descem a escada, os empregados organizam tudo pra festa que acontecerá dentro de poucos minutos.

Bernardo, irritado: Ah, você tá ficando muito mala, que caretice toda é essa? A gente é namorado, não duas pessoas acorrentadas…Seu ciúme tá passando de qualquer limite possível…

Paula cruza os braços: Será? Será mesmo que não tem nenhum fundamento? É claro que tem! Eu quero a sua atenção. Pra você, eu sou uma pessoa invisível, é isso? Eu não mereço ser ouvida, nem receber palavras carinhosas…

Bernardo pega sua câmera: Mas quanto drama…Você já foi mais bacana do que é agora…É o desfile que tá te deixando tão nervosa assim? Porque se for, eu te peço pra trocar de profissão, quem sabe modelo de estúdio, aí eu aproveito e…Tiro uns clicks- Ele tira uma foto dela.

Paula, furiosa: PARA DE TIRAR FOTO DE MIM! Já cansei disso tudo…

O rapaz coloca a câmera no pescoço: Você não sabe mais brincar…Meu Deus, que pessoa você se tornou Paula? Eu tô tentando te entender mas não consigo. Quem devia estar cansado de tanta reclamação era eu! Talvez seja melhor…

Paula aponta o dedo em sua cara: Não…ouse.

Bernardo cruza os braços e completa a frase: Talvez seja melhor dar um tempo pra nós dois esfriarmos a cabeça, se eu fosse você, congelava a sua por um tempinho…Quem sabe o humor volte. Não gosto de gente mal humorada, sabia?

Paula, furiosa: Foi essa câmera…Quando eu te conheci você ainda não era fotógrafo propriamente dito, e depois que começou nessa profissão, mudou completamente! Isso aí tá te destruindo!

Bernardo grita: Você tá ficando louca! E essa viagem foi o ápice!

Paula arranca a câmera dele: Eu vou destruir isso daqui!

Bernardo tenta pega-la, mas a moça corre: Você não vai destruir meu instrumento de trabalho, volta aqui!

Paula joga a câmera no chão violentamente: Opa…- Ela sorri- Foi sem querer…Cadê o senhor Bernardo Bom-Humor agora? Acho que é melhor assim…

Bernardo pega a câmera e percebe que quebrou: Sai…Sai daqui, pro bem de nós dois. Vai embora.- Ele olha pros garçons que organizam a mesa.

Paula pega uma bolsa: Avisa pro meu tio Sid o que aconteceu, vou pra casa que é melhor mesmo…Nunca tive uma discussão tão ridícula como essa…Aliás, nunca te vi tão ridículo como agora- Ela sai.

Bernardo se senta no sofá: Insuportável…

Cena 04- Milão/ Noite/ Em Frente ao Prédio da Academia Italiana Stuart Genrz.

Estacionamento do prédio…

Elisafran e Meddeiro vão se escondendo atrás de cada carro até chegarem no estacionamento.

Elisafran, irritado: Mandei você anotar a placa do carro, incompetente!

Meddeiro, observando os carros: Eu sei que tem números. Ah e também tem letras. – ele para e observa que todos as placas contém números e letras. Mas, todos tem letras e números. – ele coça a cabeça.

Elisafran, estapeando o moço: Seu jegue! – Ela se recorda lentamente do carro e logo avista o mesmo. – É aquele! – Aponta

Meddeiro, sorrindo: ACHOU! – ele pula. – Agora vamos fazer o serviço antes que eles cheguem.

Elisafran, correndo até o carro: Trouxe o que eu te pedi? Os pregos e a pistola de pregar?

Meddeiro, tirando da bolsa: Sim, aqui estão. – ele entrega os itens. – Tem certeza que esse é o carro? Nada pode dar errado.

Elisafran, colocando o prego na pistola: Tenho certeza! – Ela então termina de furar os quatros pneus do carro de Sid. – Agora sim. Onde está o nosso carro? Vá até lá e pegue, e traga aqui. – Ela vê que Sid e Úrsula se aproxima. – ANDA LOGO, AS MOÇAS, DIGO, A MOÇA E O MOÇO JÁ ESTÁ VINDO.

Meddeiro corre e pega o carro, Elisafran entra e vai até onde Úrsula está.

Úrsula, inconformada: Mas eu estou estarrecida, mas será possível que até aqui na Itália esses vândalos furam os pneus do carro?!- Ela se apoia em Olive.

Sid, apertando os pneus: Não tem nem como sair daqui, o carro vai ter que ser rebocado. E eu estou sem dinheiro na carteira, você tem?

Úrsula, chocada: Tá boa, meu amor? O carro é seu, arca com os prejuízos, tenho um nome a zelar. – ela coloca as mãos na cintura – Você já imaginou eu, Úrsula Malva Alcântara Delfino de Erudith Una Sabel e Andradina, andando em caminhão de reboque? É ruim, hein! Eu vou de taxi, E VOCÊ paga o reboque.

Sid, indignado: Mas o quê? Você também andou no meu carro, sua azarenta. Por tanto, é justo dividirmos o valor do reboque.

Úrsula, rindo: Eu não vou pagar nada, e nem insista. E outra, azarenta é… – ela é interrompida pela buzina de Elisafran. – Ai, meus ouvidos. Será que não tem uma buzina mais suave? Povo ignorante. – ela olha para Elisafran. – Perdeu alguma coisa ou quer ajudar?

Meddeiro, abrindo a janela toda: Quero saber se vocês querem ir comigo. Pelo jeito só reboque isso aí. Eu levo vocês, moro aqui perto.

Sid, se intrometendo: A gente aceita. – ele abre a porta do carro. – Aproveita que não é todo dia.

Úrsula, pensativa: Aceito ou não? – ela enfim entra. – É melhor do que pagar taxi, que aliás, está uma fortuna! Vem logo, Olive, ou te deixo aí!- Olive entra.

O carro então arranca.

Cena 05.Ruas do Rio de Janeiro/ Noite.

O trânsito está grande, mas, enquanto na maioria dos carros os motoristas estão irritados e com cara fechada, em um deles, várias pessoas conversam.

Natália está ao volante, sorridente: Estou feliz, por finalmente estarmos aqui no Rio, mas triste…Com saudade de Porto Alegre…Praticamente fiz minha vida lá.

Onofre está ao seu lado: Mas agora a gente vai refazer nossas vidas, e será tudo melhor ainda! Vamos conquistar prestigio no clube de biologia, e…Quem sabe, realizações pessoais também- Ele pega em sua mão.

Natália porém se afasta: Profissionais primeiro, depois pessoais. Sempre pensei assim. Sempre- Ela observa a vista noturna, a lagoa Rodrigo de Freitas- Tava com saudades dessa cidade também, passei minha infância e juventude inteira aqui.

Vasco está no banco do carona: Eu ainda tô com um grilo na cuca…Sinto que algo vai dar errado nesse clube…

Natália, irritada: Vira essa boca pra lá, Vasco! Pensa positivo, custa alguma coisa? Eu fiz planos e expectativas demais pra esse emprego, não tô pronta pra que tudo seja destruído…

Vasco aperta o coração: Mas eu sinto! E vocês sabem que eu tenho disso…

Onofre revira os olhos: Você é um mala, isso sim, devia ter virado sensitivo ao invés de biólogo!

Vasco aproxima a cabeça dos dois: Mas o lado bom é que eu ganhei dois amigos leais- O carro da frente anda e Natália vai acelerar mas acaba pisando forte demais e bate nele.

Natália percebe o que fez: Ah…Não. Belo começo de vida no Rio.

Vasco sorri: Eu avisei, tudo vai dar errado, eu avisei gente!

O motorista do carro sai, furioso, Natália faz o mesmo.

Onofre olha pra Vasco: Não viaja na maionese, por favor.

Fausto é o motorista do carro: Olha- Diz, ainda sem encara-la- Vamos resolver logo isso, porque eu não tô muito bem hoje…- Ele repara na mulher- Tinha que ser…

Natália cruza os braços: Tinha que ser o quê?

Fausto ri, debochadamente: Mulher, é óbvio…Não se preocupa, vou ser bondoso e aproveitar que a batida foi fraca e relevar…Tenho um amigo mecânico e ele conserta isso rapidinho, sem cobrar nada- Ele repara nela- Cuidado, eu fui bonzinho, mas o próximo motorista que você bater o carro, pode ser mais carrasco. Recomendo que faça aulas extras antes de sair dirigindo por aí.

Natália ri: Eu sou ótima motorista, isso foi uma falha mas…

Fausto a corta: Ótima, né? Tô vendo…Olha, os outros motoristas tão buzinando porque você parou AINDA MAIS o trânsito daqui, eu tenho que ir em uma festa, então é isso, dessa vez passa- Ele vai saindo.

Natália fica irritada: Olha, qual o seu nome, senhor?

Fausto se vira: Fausto Damásio, porquê?

Natália esquece tudo o que ia falar: Fausto…Damásio? Não é possível, como eu não reconheci com essa marra toda, só podia ser você mesmo!

Fausto se aproxima: Perdão?

Os motoristas buzinam, enfurecidos. Onofre e Vasco observam a conversa de dentro do carro.

Natália ri: Não tá me reconhecendo? Olha bem…Pingo.

Fausto, boquiaberto: Pingo? Não é possível, só uma pessoa me chamava de PINGO! Natália, não estou acreditando…- Os dois se abraçam.

Onofre, com ciúme: Mas o quê? Eles tão se abraçando? É um festival da amizade?

Natália, ainda abraçada: Mas que mundo pequeno, eu fico longe do Rio por uma década e quando volto, encontro logo meu melhor amigo cujo contato tinha perdido! Que lindo!

Fausto coça a nuca: Ainda não acredito que te reencontrei…Aqui…Agora…

Os motoristas reclamam, os guardas de trânsito se aproximam.

Natália pega um bloquinho da bolsa e anota o endereço: Antes que eu leve minha primeira multa, toma aqui, é o apartamento onde tô morando em Botafogo, na verdade eu ainda nem o conheço, pois cheguei no Rio agora!

Fausto anota seu numero de telefone: Quero manter contato hein, qualquer dia desses, me liga! Quero saber como anda a vida daquela estudante tão brilhante, quer dizer, brilhante na biologia, porque no volante não muito…

Natália entra no carro: Sempre pegando no meu pé, né? Eu ligo sim.

Fausto entra no carro: Só pode ser sonho mesmo.- Ele se observa no retrovisor- Eu amava ela demais- E se dá conta de que está sozinho- Mas o que eu tô falando e com quem? Ah…- Ele acelera e buzina pro carro de trás.

Natália dirige animada.

Onofre, irritado: Pelo visto você conseguiu se acertar com ele, pegou até o número do telefone do sujeito, quanto ficou?

Natália, olhando pra frente: Não ficou nada…Ficou um reencontro, Onofre, o mais bonito que podia ter tido- Ela sorri, deixando os amigos intrigados.

Vasco, surpreso: Então parece que não começamos tão mal assim como eu previ. A desgraça será posterior então.

Natália, sem prestar atenção: É…- Ela observa os dois- O que estão olhando, gente? Vamos ouvir uma música que tá tudo muito quieto, e odeio silêncio- Ela liga o rádio.

Cena 06- MILÃO/ Noite/ Em frente a mansão onde Úrsula está.

Úrsula e Sid descem do carro. A madame se apoia na janela.

Úrsula, sorrindo: Queria agradecer vocês por terem nos oferecido a ajuda. E como pagamento, ou melhor, gratidão, quero convidar os dois para a minha festa, que aliás começa em breve.

Elisafran, desligando o carro: Aceitamos o convite. Será que a festa já está apta a receber os convidados?

Úrsula, se afastando: Faço as honras. Entrem, por favor.

Elisafran e Meddeiro acompanham Úrsula e Sid.

No local da festa…

Úrsula vê Bernardo sozinho, ela tenta se aproximar mas Olive a chama.

Olive, encostando em Úrsula: Úrsulinha, a família daquela Lila chegou.

Úrsula, virando os olhos: É Lilian, incompetente! A mesma não veio a festa, só mandou secretários? – ela ironiza, limpando o local onde Olive a encostou.

Olive, sorrindo: Ela também veio. Ah, tentei fazer contato com o Michael Jackson, mas ele nem atendeu. Caloteiro, aposto que não vai pagar a dívida que tem.

Úrsula, pegando um leque e o abrindo: Dá licença que a queen aqui precisa entrar em cena. – ela segura Olive pelos braços. – Vê se faz tudo certinho, se essa minha festa for um fracasso, eu não sei do que sou capaz de fazer com você. – Ela solta Olive e vai até a porta.

Úrsula abre a porta. Lilian, a irmã Acácia, a filha Maísa, e Raquel entram.

Úrsula, se exibindo: Fiquem à vontade na minha humilde casa. – Maísa encosta em um jarro sem querer. – Cuidado, esse jarro é CARÉRRIMO, ouro puro, não pode quebrar, não acha?

Lilian, ironizando: Ainda bem que alguns rostos não são de ouro, só assim podem ser quebrados.

Úrsula, não entendo: Oi? – Lilian não responde. – Enfim, venham, sintam-se em casa. Me acompanhem, por favor. Vou mostrar a casa toda…Esse quadro aqui foi a minha amiga Tarsila que me deu e…- Ela apresenta tudo.

Cena 07.Porto da Lagoa/ Noite.                              

Fausto encara sua bebida, rindo a toa. Élton se aproxima.

Élton o abraça: Ora, mas só mesmo eu de partida pros states pra gente poder se encontrar não é mesmo? E aí, cadê a Lilian, a Maísa…

Fausto larga o copo: Milão. A Lilian foi receber um prêmio e a Maísa foi pra um desfile na Itália…Mulheres importantes essas que eu fui arrumar, não é?

Élton repara: É mesmo…E parece que o seu humor tá ótimo! Viu passarinho verde? Bom, essa hora da noite é quase impossível ver um…Mas nunca se sabe.

Fausto o olha: Meu dia hoje já foi de péssimo a ótimo…Comecei sendo demitido da firma onde eu trabalhava e acabei reencontrando uma pessoa muito querida. Mas mesmo assim ainda tô muito abalado, bicho, trabalhava fazia tempo naquela fábrica pra eles me dispensarem dessa forma. Não vou superar tão cedo.

Élton petisca algo: É por isso que eu odeio trabalhar em firma, eles não tem compaixão, pra eles você é só mais um peão e pronto…Mas cê tem diploma de biólogo, né? Vivia dizendo isso…

Fausto confirma: Tenho mas não atuo no ramo, claro, se surgir vaga de biólogo eu aceito! Tô aceitando tudo…Odeio ficar parado em casa, me sinto um inútil, mais inútil do que de costume- Brinca.

Élton ri: Então eu acho que tenho o emprego perfeito pra você. Eu tava trabalhando num clube de biólogos, um espaço bem bacana, eles cuidam dos animais, levam pra natureza e tal…Lá só trabalha gente fina! Fica no Leblon, numa rua meio escondida. Inclusive meu chefe, o Fleury, tá aqui. Acho que vou te apresentar pro cara, leva seu currículo pra lá e quem sabe não consiga alguma coisa…

Fausto se anima: Claro, levo sim! Me dá o endereço do tal clube! Eu não sabia que cê atuava de biólogo também, tanto tempo sem nos falar que deu nisso…Um nem conhece ou outro direito. Queria arranjar esse trampo antes da Lilian chegar, eu não quero que ela me veja desempregado, sofrendo. Não me sinto bem, nem ela.

Élton chama Fleury com um assovio: Vou te apresentar pra ele.- O homem aparentemente mais velho e com terno vermelho se aproxima dos dois- Fleury, esse é o Fausto, ele é biólogo e acho que se encaixa perfeitamente na vaga que eu deixei.

Fleury o avalia: Passa lá no clube, eu preciso mesmo de outro biólogo agora que esse fujão nos deixou! Até trataria da sua contratação agora, mas eu já bebi umas e outras, e pra falar de negócio precisa estar sóbrio- Ele ri.

Élton ri: Ótimo! Parece que te salvei do seu problema do desemprego…Tá me devendo uma!- Ele pega uma taça de champanhe- Vamos brindar, que agora sua vida vai melhorar de novo, Fausto!

Fausto sorri e pega a taça: Então tim tim!- Os dois colam as taças, mas ao mesmo tempo se escutam gritos na lancha, os convidados saem correndo e eles ficam sem escutar nada.

Élton larga a bebida e olha pra traseira da lancha: Fogo! É fogo, Fausto, minha lancha tá pegando fogo!- Ele sai correndo na direção da fumaça.

O caos é total. As pessoas deixam a lancha e se dirigem ao porto, tentando se salvar. Felizmente, o veículo marinho estava ancorado.

Fausto fica sem reação: Espera, Élton! ÉLTON!- Ele o segue pra perto do incêndio- Meu Deus do céu, como isso foi acontecer?

Élton pega o extintor: Foi de propósito- Ele olha com medo pro amigo- E eu suspeito de quem tenha feito isso pra estragar a minha festa, se eu pegar o sujeito, acabo com ele!- Esbraveja, tentando conter as chamas.

Fausto tenta ajuda-lo de alguma forma: Mas QUEM? Quem pode ter feito isso?

Élton o encara, sem nada dizer.

E de repente, como que do nada, a lancha explode. A explosão forma uma faixa de fogo e faíscas voam por todos os lugares, sendo contidas ao chegarem na água, que agora se mostrava turbulenta por conta do acontecimento. A lancha havia ficado totalmente destruída, e agora pegava fogo mais uma vez, só que prestes a afundar. Algumas pessoas nadavam no mar, mas a maioria já se encontrava no porto, assistindo a explosão, desesperadas.

Fleury aponta: Ainda tinha gente lá! O Élton, cadê ele?

A multidão de convidados está traumatizada, confusa, sem saber o que fazer.

A lancha explode mais uma vez: Fausto e Élton ainda estavam por lá.

CENA 8. MILÃO/ NOITE/ CASA DA ÚRSULA MALVA

Perto da escada…

Maísa passa distraída com um copo de champanhe. No momento, ela acaba esbarrando e derramando a bebida na blusa de Bernardo.

Maísa, colocando a mão na cabeça: Nossa, me perdoa, eu nem sei onde estou com a cabeça. Me perdoe, mesmo!

Bernardo, sorrindo e limpando a blusa: Não tem nada, eu vou ali em cima e troco rapidinho. Você está bem, vi que tropeçou, podia ter se machucado.

Maísa, sorrindo boba: Estou bem sim. Eu te acompanho até lá em cima. Posso?

Bernardo, erguendo a cabeça: Claro que sim. Por favor, me siga.

Bernardo e Maísa sobem a escada. Úrsula de longe vê e não gosta nada.

No quarto de Bernardo…

Bernardo troca de blusa na frente de Maísa, que fica admirada.

Maísa, sorrindo: Não tem vergonha de se trocar na frente das pessoas?

Bernardo, abotoando a blusa: Não. – ele sorri. – Afinal, eu só estou trocando a blusa.

Maísa, rindo: Claro! – ela para de rir. – Será que tem algum lugar mais animado que você queira me mostrar? A festa está bem parada! – ela ri.

Bernardo, fechando o guarda roupa e indo para perto de Maísa: Tem sim. Tem uma danceteria aqui perto. Que ir?

Maísa, jogando charme: Se você topar me levar.

Bernardo e Maísa saem pelas portas dos fundos. Eles vão até a danceteria, que fica bem perto da casa. A danceteria está lotada, com som alto. No momento, Paula desce do taxi e vê Bernardo juntamente com sua rival das passarelas, Maísa.

Paula, perplexa: Eu estou ficando cega ou aquele dali é o Bernardo indo para a danceteria sem mim? – ela percebe Maísa. – E com outra pessoa? Não acredito que já foi capaz de me substituir! – ela diz, perplexa fechando a porta do taxi com força, que arranca.

Paula os encaram perplexa, se roendo de tanto ódio: Mas eu vou mostrar pra ele como chamar atenção de verdade- Ela sobe a escada.

Cena 09.Mansão de Úrsula/ Noite.

A festa acontecia de forma suave. Úrsula passeia pela sala e conversa com vários convidados quando se dá conta de que um em especial chegara: O compositor Téo Padilha.

Úrsula se anima: Téozinho!- Ela o beija e faz o mesmo com sua esposa, Yara- Estava desapontada porque ainda não tinha te visto! Uma noite tão importante pra mim…E o homem que compôs três músicas em minha homenagem não podia faltar!

Téo sorri: Eu já tava vindo, mas aconteceu um imprevisto no caminho, fora que a Yara demora um século pra se arrumar, sabe como é!

Úrsula ri baixinho: Todas as mulheres são assim, demoram pra se arrumar, querendo ficar lindas…Ou tentar, porque muitas não tem beleza- Ela olha pra Yara- Fiquem a vontade, finjam que a casa é de vocês, o que não é muito difícil! AH!- Ela se lembra- Quero apresentar uma brasileira que também está aqui! Ela ganhou o prêmio de Médica do Ano.

Yara provoca: Mesmo? Achei que você tivesse ganhado, então o porquê da festa?- Diz, com sorriso de deboche estampado.

Úrsula não gosta: Não ganhei, mas a festa não tem motivo pra acontecer…Precisa? É uma festa pra reencontrar amigos, beber, falar dos outros…A patrulha da moral já atacou?- Ela está séria- Vou chamar a Lilian aqui, com licença- E sai.

Yara ri: Ela acha que alguém acredita em uma festa sem motivo! A idiota achou que ia ganhar o troféu mas perdeu, coitada, tão ridícula…

Téo a encara: Não começa por favor, sem comentários impertinentes, vamos tentar deixar o clima agradável.

Úrsula chama Lilian: Percebi que você está muito quietinha e perdida na festa, querida, vou te apresentar pra um amigo meu, brasileiro, não se preocupe!

Lilian, sem graça: Não precisa se incomodar, na verdade eu acho que meu tempo já deu- Ela olha no relógio- Tá calor e tudo o que quero é tomar um bom banho gelado e tentar dormir…Falei pra Acácia que a gente já ia e…

Úrsula a interrompe: E…Nada! Vocês vão ficar, eu insisto! Ou então podem ir, mas antes quero te apresentar pro Téo Padilha!

Lilian para no meio do caminho, fica pálida: T-Téo…Padilha?- Repete, trêmula.

Úrsula nota: É, não me digam que já se conhecem? Ai, que mundo pequeno, bem, então dispensa apresentações!

Lilian caminha pra trás: Eu acho que já vou indo, Úrsula…

Úrsula se aproxima: O que houve, Lilian? Você tá branca! Pó de arroz demais?- Brinca- Vamos que o Téo nos espera!

Lilian a olha, com medo: Não…Não- E acaba esbarrando em um garçom e derruba todas as taças da bandeja- Ai…Perdão.

Todos os convidados param de falar e reparam na cena. A banda cessa os instrumentos. E tudo fica em silêncio.

Lilian respira ofegantemente: Sinto muito mesmo- Diz ao garçom- Tenho que ir, Úrsula, desculpe!- Ela sai correndo.

Téo chega: O que tá acontecendo aqui?

Lilian desmaia ao vê-lo.

Termina o capítulo 01.