CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 18
Cena 01
Os navios de Gustavo e de Agnella estão se aproximando, em rotas opostas.
Agnella – Até que enfim eu te achei, Gustavo!! Me espera, meu amor! Eu estou indo ao teu encontro!
Gustavo – Mas isso é Agnella mesmo… Como… Como é possível isso? Como ela pode estar nesse navio? Será que ela me viu?
Agnella – Aguarda só um pouco, meu amor! Só um pouco!
Gustavo – Parece que ela está falando… Será que é comigo?
Cecília – (Se aproximando) O que aconteceu, Gustavo?
Gustavo – O que ela está falando? E agora? Os nossos navios estão em direções opostas…
Gregório – Meu Deus, mas é Gustavo mesmo que está nesse navio! Agnella, o que pensas em fazer?
Pero – Mas esse rapaz não estava em Jerusalém?
Valentina – Só Deus sabe o que aconteceu. Mas pelo amor de Deus, não faças besteira, Agnella!
Agnella – Não. Eu preciso ir ao encontro do meu amor. Tchau.
Dito isso, Agnella se joga na água do mar.
Valentina – Agnella!! Volta aqui, Agnella!
Agnella – Eu irei até tu, Gustavo! Eu irei até onde estás!
Do navio 2, Gustavo vê Agnella.
Gustavo – Agnella está louca! Ela… Pulou do navio? O que ela pensa em fazer? Será que… Eu não posso permitir que nada aconteça com ela.
Gustavo pula na água.
Cecília – Gustavo, aonde vais? O que está acontecendo?
No mar, Agnella começa a dar sinais desesperados.
Pero – Gente, precisamos resgatá-la! Ela não sabe nadar. Irá se afogar se não fizermos nada!
Gregório e Valentina se entreolham.
Gregório – O rio… O mar. A mão…
Valentina – Era Agnella? Era Agnella no sonho?
Gregório – Só pode ser. Precisamos salvá-la. Sabes nadar?
Valentina – Aprendi enquanto tive que fugir dos meus senhores feudais.
Gregório – Então vamos. Pero, fique no navio. Deve haver alguma corda aí perto. Precisaremos de ti para nos tirar do mar.
Pero consente. Gregório e Valentina pulam e nadam até Agnella. No sentido oposto, chega Gustavo.
Gustavo – (Ofegante) Agnella, eu irei te salvar. Eu estou chegando…
Gustavo alcança Agnella e a pega pelo braço. Ela estava quase perdendo os sentidos.
Gustavo – Graças a Deus! Vem comigo, Agnella! Eu te ajudarei.
Gustavo começa a nadar de volta para o navio.
Gregório – Mas o que é isso? Por que Gustavo está levando Agnella com ele?
Valentina – Deixa ele levá-la, Gregório. Ela não o ama? Com certeza preferiria ele a nós.
Gregório – Mas… O sonho… Nós é que deveríamos salvá-la, lembra?
Valentina – Só que no sonho ela, ou a mão, recuava, voltava. Assim como está acontecendo com Agnella. Agora vamos voltar. Essa água está muito gelada.
Gregório – Não percebes, Valentina? Precisamos segui-la! Ela ainda pode precisar de nós…
Gregório começa a nadar em direção a Gustavo e Agnella.
Valentina – Gregório, volte já! Volte agora!
Gregório parece não ouvi-la. Inconformada, Valentina começa a persegui-lo.
Pero – Mas o que está acontecendo? Não me pediram a corda? Pensei que eles voltariam para cá. Será que eles… Ai, minha nossa Senhora…
No mar, Gustavo alcança o navio.
Gustavo – (Gritando) Cecília! Peça a algum dos homens para me lançar uma corda! Preciso voltar para o navio! E preciso que alguém me ajude a subir com Agnella!
Cecília – Eu não entendo nada… Mas tudo bem.
Cecília sai e volta com dois homens, que lançam a corda.
Gustavo – Aqui, Agnella, tu consegues segurar a corda?
Ela dá uma resposta afirmativa com a cabeça. Ele coloca a corda em suas mãos.
Gustavo – Puxem-na!
Os homens a puxam, e lançam novamente a corda para Gustavo.
Gregório – Espera, Gustavo! Nós também precisamos subir nesse navio.
Gustavo – Esse dia está cada vez mais maluco. Mas tudo bem. Podes subir primeiro.
Valentina – Tu não podes fazer isso, Gregório! Pero nos espera de volta àquele navio! Não podemos retornar para aquele lugar que só nos trouxe problemas!
Gregório – Esses sonhos, Valentina, são como guias de nossas ações. E nós temos uma missão a cumprir agora.
Gregório segura e começa a subi-la. Do navio 1, Pero observa tudo.
Pero – O que raios é isso? Gregório e Valentina estão subindo naquele navio? E a corda? E… (Pausa) Quer saber? Se mesmo eles decidiram mudar o destino da viagem, quem sou eu para me negar a fazer isso. (Grita) Gregório, Valentina! Eu também estou indo! (Pero pula na água) E adeus, Inês. Aproveite agora que estás livre desse asno.
Pero começa a nadar em direção ao navio, porém ele acaba tendo que dar braçadas mais fortes, pois os navios começam a se afastar. Valentina está subindo, e Gustavo o vê.
Gustavo – Mais um? Só espero que ninguém ache que foi culpa minha…
Pero se aproxima.
Pero – Que bom que consegui chegar. Podes subir primeiro, cavalheiro. Já passaste tempo demais nessa água fria.
Gustavo sobe. Pero pega na corda.
Cena 02: Navio 1.
Inês estava presa no compartimento pelo “ermitão”. Conseguiu se livrar.
“Ermitão” – Venha cá, Inês! Ainda temos muita coisa para tratar!
Inês – Me esquece, ermitão! Isso já durou tempo suficiente. Agora preciso encontrar Pero.
Inês sai e consegue trancar a porta por fora.
“Ermitão” – Ah, quanta gente maluca nesse mundo. Vá! E que Deus a abençoe, então!
Inês começa a procurar por Pero no navio. Até que se dirige à popa. Já um pouco distante, ela enxerga algo.
Inês – Isso é um navio? E o que Pero faz subindo nele? Ele está indo embora! Como ele conseguiu fazer isso?
Enraivecida, Inês bate a mão na madeira. Se machuca um pouco. Nervosa, começa a andar um pouco sem rumo.
Inês – (Agitada) O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço?
Ela caminha até chegar à proa. E leva um susto. Próximo ao seu navio, ela avista um terceiro, navegando na mesma direção que o anterior.
Inês – Outro navio… Ah, isso é coincidência demais para que eu não aproveite.
Os navios passam a se aproximar, se “cruzando”. Inês vê um homem na lateral. Então, rapidamente, se dependura na lateral de seu navio.
Inês – (Gritando) Senhor, por favor! Eu preciso que o senhor me ajude!
Giancarlo – (Aéreo) Como? (Gritando) Falas comigo, senhora?
Inês se solta, caindo na água.
Inês – Eu preciso que o senhor me salve! Faça alguma coisa, por favor! Mas me tire daqui!
Cena 03: Barco.
O barco que seguia o navio 1 se aproxima do navio 2.
Edetto – Mas o que é aquilo? Por acaso eu estou vendo Valentina nesse navio à nossa frente?
Adelmo – Sim, o senhor está certo. E aquele parece ser Pero. E o seminarista, também. Será que Inês está lá? E Agnella…
Izabella – E olha, marido. Aquele é nosso filho! Gustavo… Será que ele já voltou da guerra?
Edetto – Precisamos tirar isso a limpo. Essa história está muito confusa. Comandante, é possível refazermos a rota e passarmos a seguir esse outro navio?
Comandante – Eu vou fazer o possível, senhor. Mas preciso de ajuda.
Edetto – Tudo bem. Eu e Adelmo o ajudaremos.
Cena 04: Nave da Igreja del Fiume.
Ottavio – E então, padre? Onde está meu filho?
Simone – E os meus dois filhos? Eles estão aí fora?
Santorini – Infelizmente, não. Eles conseguiram fugir.
Leonor – Mas… O que sucedeu, então? Será possível que eles conseguiram enganá-los?
Francisca – Não somos tolos, Leonor. Não fomos enganados. Nós quase os alcançamos, aliás. Porém eles apenas foram mais rápidos que nós.
Ricardo – E onde eles estão agora?
Santorini – Embarcaram para Jerusalém.
Simone – Oh, Deus… Inês fez isso mesmo? E onde está Adelmo?
Francisca – Ele, Edetto e Izabella conseguiram alugar um barco para segui-los. E eu tenho fé em Deus que dessa vez eles os trarão de volta.
Ottavio – Meu filho no mar uma hora dessas… O que Gregório está fazendo com sua vida…
Santorini – Tenhamos paciência. Logo, logo eles estarão aqui. E tudo se acertará. Vamos apenas continuar rezando.
Francisca – Isso mesmo. Tudo se acertará. E, se me permitem dizer, da maneira certa.
Cena 05: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Prudência recebeu Enzo em casa.
Prudência – Então Agnella partiu para Jerusalém… Por que tudo isso está acontecendo, Enzo? O que deu errado com nossa filha?
Enzo – Tudo começou quando aquele rapaz entrou na vida de Agnella, e estragou todo o futuro de nossa filha! Tenho certeza de que ele pagará caro por isso, inclusive por tê-la desvirtuado. Aliás, Prudência, tu nunca suspeitaste de nada? Nunca nossa filha deu nenhuma pista a respeito disso?
Prudência fica um pouco pálida por um instante, mas recupera a cor.
Prudência – Não, meu senhor. Eu fui pega de surpresa por Adelmo da mesma maneira que tu.
Enzo – Oh, Deus. Guarda minha filha e trá-la de volta, em segurança…
Cena 05: Navio 02.
Gustavo está no interior do navio, ao lado de Agnella, que está deitada. Pero, Valentina, Gregório e Cecília estão por lá.
Agnella – (Agitada) Ai, Gustavo, que bom que enfim te encontrei. Tu estás aqui, meu amor, ao meu lado. De novo…
Gustavo – Calma, Agnella. Precisas descansar. Essa aventura ao mar te deixou cansada.
Gustavo a cobre com um pano de couro. Aos poucos, ela pega no sono. Ele e os outros saem.
Gustavo – Pelo visto há muita história para ser contada aqui. Quer dizer que tu saíste da igreja, Gregório? Não devias estar lá?
Gregório – Eu é que pergunto: não eras tu quem deveria estar em Jerusalém?
Eles continuam a conversa por um bom tempo.
Gregório – Eu e Valentina estamos ligados por um laço que eu não consigo explicar. E se eu estou aqui hoje, é porque eu também devo a ti, Gustavo. Muito obrigado pelas palavras que me disseste antes de partir.
Gustavo – Que é isso, desse jeito eu fico até envergonhado. Eu só fiz o que achei certo.
Pero e Valentina conversam paralelamente.
Pero – Acho que estamos um pouco fora de contexto.
Valentina – (Dá um risinho) Pois é… Mas deixa eles dois conversarem. Faz tempo que não se veem… E quem é essa moça que está perto de Gustavo?
Pero – Deve ser alguém que ele conheceu em Jerusalém. Enfim, vamos saindo. Deixa esses dois aí.
Depois de mais um tempo de conversa, Gustavo e Gregório se separam um instante. Cecília se dirige a Gustavo.
Cecília – Gustavo, com licença. Eu não quero ser inconveniente. Então, por favor, não fiques irritado comigo. Eu só queria saber se… É ela, não é?
Gustavo – É sim, Cecília. Eu não faço a mínima ideia de como ela chegou aqui, mas é ela.
Cecília – E agora? O que pretendes fazer? Afinal, tu a reencontraste…
Gustavo – Por favor, Cecília, me deixe só. Eu não quero falar nada agora. Estou cansado e preciso pensar.
Cecília – Tudo bem. Eu irei andar por esse navio enfadonho.
Cena 06: Navio 3.
Giancarlo puxou Inês por uma corda que havia no navio. Agora, ele está com ela a seu lado.
Giancarlo – Agora, me responde uma coisa. Como é teu nome mesmo?
Inês – Eu me chamo Inês. E eu quero muito agradecer ao senhor por ter me resgatado do mar.
Giancarlo – Eu só não entendo por que estavas ali. E por que pediste ajuda a mim.
Inês – Eu… Me desequilibrei, foi isso. E acabei caindo na água. E o senhor foi o primeiro que eu vi. Depois foi que eu percebi que havia gente por perto no outro navio. Oh, se eu o incomodei, se o senhor acha que fiz errado, eu… Peço perdão.
Giancarlo – Não. De modo algum. Não há problema.
Ali por perto, Marlete e Brás caminham.
Brás – Vem cá, Marlete, por que ainda não falaste sobre o tal tesouro com o senhor Giancarlo?
Marlete – Ora, ora, não quero ser jogada ao mar. (Ela ri) É claro que eu não falei porque eu estou esperando o momento certo. Vamos esperar ele encontrar a filha, e seu humor melhorar.
Eles e aproximam ao lugar onde Giancarlo e Inês estão. Brás dá um pulo, de sobressalto.
Brás – (Assustado) O que se passa nesse navio? O que Inês faz aqui?
Cena 07: Navio 1.
Um tempinho depois de deixar Agnella, Gustavo voltou ao local. Encontrou-a acordando.
Gustavo – Perdão, perdão, Agnella. Eu te acordei? Podes voltar a dormir.
Agnella – Não, meu amor. Tu nunca me incomodas. Pelo contrário, eu me sinto segura contigo… Agora, senta aqui ao meu lado. Eu acho que nem preciso te dizer como estou feliz em te ver novamente.
Meio lentamente, meio receoso, Gustavo senta.
Agnella – Parece que eu esperava por isso desde que eu havia nascido… Ai, meu amor. Como é bom estar ao teu lado… Agora que nos reencontramos, tudo vai voltar ao normal… Nossas vidas, nossos destinos, tudo se reencontra. Não é mesmo, Gustavo?
Ele permanece calado, com a cabeça baixa.
Agnella– Não é, meu amor? Agora ficaremos juntos novamente. Seremos felizes novamente… Hein, Gustavo, me diz o que achas. Tenho certeza que achas o mesmo.
Gustavo não responde. Agnella começa a ficar impaciente.
Agnella – O que houve, Gustavo? Me diz, vamos!
Seu tom de voz muda. Começa a ficar um pouco ríspido, um pouco desesperado. Ela segura os ombros dele, que permanece impassível.
Agnella – (Bastante nervosa) Me diz, Gustavo! Nós seremos felizes, não é? Nós dois, juntos, novamente? Para sempre? (Eleva o tom da voz) Fala, meu amor! Fala! Fala que o nosso amor irá durar para sempre! (Seus olhos passam a encher de lágrimas. Ela grita, como que desesperada, agitando os ombros dele) Vamos, Gustavo! Fala!
Cena 01: Navio 2.
Agnella – (Grita, como que desesperada) Vamos, Gustavo! Fala! Fala que me amas, Gustavo! Ainda me amas, não é?
Gustavo não fala nada, mas sua expressão facial é emocionada.
Agnella – (Agitada, nervosa e com a fala “dura”) Gustavo, o que aconteceu contigo? Por que estás calado?
Gustavo – Agnella… Foi um erro meu ter vindo aqui agora. Devia tê-la deixado descansar mais.
Agnella – Então é assim? Não irás me responder? Isso significa que não me amas mais, Gustavo? É isso não é?
Gustavo – Não, Agnella, em nenhum momento eu falei uma coisa dessas. Agora, por favor, volte a dormir. Depois conservaremos com mais calma.
Agnella – Gustavo, não saias agora! Tu não sairás daqui sem me dizer se ainda me amas!
Gustavo – Eu te peço mais uma vez, Agnella: por favor, procure descansar. Tu poderias ter morrido hoje.
Gustavo sai.
Cena 02: Navio 3.
Marlete – Tu conheces essa mulher que conversa com Giancarlo? Sabes o seu nome? Quem é essa Inês, Magno?
Brás – Ela… É uma… Ela morava próximo à região de onde eu venho. Só não sabia que ela estava em Termes. Eu realmente não estou entendendo. Por que ela está nesse navio? Não me lembro de tê-la visto antes por aqui.
Marlete – Sabe… Acho que ela não estava nesse navio. Vês como ela está molhada? Ela esteve no mar. E deve ter vindo desse outro navio que acaba de cruzar o nosso.
Brás – Do outro navio? Então está explicado… Quer dizer: o que ela fazia no outro navio?
Marlete – Não estás preocupado demais com o que alguém que mal conheces direito está fazendo? Parece até que tu ficaste assustado quando a viu no navio…
Brás – Eu fiquei surpreso, claro. E só estava curioso quanto ao fato de sua aparição.
Marlete – Nesse caso… Vamos falar com então, não é? Tenho certeza de que ela ficará feliz em te ver. Ou não?
Brás – Eu prefiro não ir. Na verdade, eu a conhecia pouco, mas por esse pouco não gostava tanto dela não. Aliás, prefiro que ela não me veja aqui, não saiba que eu estou nesse navio.
Marlete – E como farás isto? Cedo ou tarde vocês se encontrarão.
Brás – Não se eu, ou ela, passar todos esses dias em um lugar fechado, sem poder sair.
Marlete – Caro Magno, não acho que seja preciso tanto. Se não a queres ver, saia daqui então. Eu irei conversar com ela.
Marlete se separa de Brás. Ela se dirige a Inês; ele adentra o interior do navio.
Cena 03: Navio 2.
Gustavo se encontrou com Cecília, Pero e Gregório.
Gregório – Gustavo, Valentina me contou que está um pouco receosa contigo. Ela me disse que está com medo, tu achas? Ela está até ali, se escondendo de ti. Tu a conheces, não é?
Gustavo – Não sei, não me lembro… Mas por que ela ficaria com medo?
Gregório – É porque… Ela é, ou era, serva dos feudos de teus pais. Se chamava Iasmin. Porém ela fugiu, mudou de nome, e acabou parando no convento… E o resto da história tu conheces. Ela devia achar que irias prendê-la.
Gustavo – Oh, não, que besteira! Diga a Valentina que não há por que ficar com medo de mim. Eu quase casei com uma camponesa, não foi? Por que prenderia uma serva, mesmo tendo fugido? Eu mesmo não prefiro uma vida andante a uma vida fixa? De modo algum a recriminaria.
Gregório – Que bom, que bom. Estás ouvindo, não é, Valentina?
Valentina aparece, de cabeça baixa.
Valentina – Muito obrigada, Gustavo. Eu devo admitir que fiquei bastante surpresa, e depois amedrontada, quando me dei conta de quem eras tu. Mas e então? Como Agnella está?
Gustavo – Ela ainda está um pouco agitada por conta de tudo o que aconteceu. Eu pedi para que ela descansasse mais um pouco.
Gregório – Que bom. Ah, nós estávamos aqui conversando com essa moça que diz ter te conhecido na tal cidade em que terminaste tua viagem. Ela disse que podes nos ajudar com relação a nossa permanência no navio.
Cecília – Isso mesmo. Tenho algumas coisas de valor que posso oferecer ao comandante do navio, para que eles não sejam jogados ao mar. (Ela ri.)
Pero – E se não houver lugar para dormirmos, dormimos em pé mesmo.
Gustavo – Cecília tem sido uma pessoa muito prestativa, mesmo. Tu sabes, não é, que eu só tenho a te agradecer por todas essas coisas que vem fazendo por mim, e agora por meus amigos, em detrimento de ti mesma.
Cecília – Não, de forma alguma. Eu não me sinto prejudicada fazendo isso. Pelo contrário, se eu posso ajudá-los, faço isso com o maior prazer. Ah, e quanto a essas roupas molhadas com que estão vestidos, eu posso ajudar também. Quer dizer, se Gustavo puder ajudar com as roupas dos rapazes, seria muito bom, porque essas eu não tenho…
Eles riem.
Gustavo – Então ficamos assim. Mas e quando aportarmos na península? Voltaremos para o Povoado das Hortaliças?
Valentina – Se depender de mim, não. Eu arranjarei outra maneira de me manter longe daquele lugar. Não vim até aqui para me entregar assim tão fácil.
Pero – Quanto a mim, ainda não sei se volto e cuido das minhas terrinhas, mesmo correndo o risco de me reencontrar com Inês algum dia, ou se vou para um povoado onde moram alguns tios meus.
Gustavo – Tudo bem, então. Há tempo para decidir-se isso. Temos alguns dias até lá.
Pero – Eu acho que eu vou vasculhar melhor esse navio. Com licença.
Pero sai. Valentina e Gregório o acompanham.
Cecília – Gustavo, eu só queria te dizer algo… É que eu acho que agi mal contigo hoje. Disse coisas demais, e te importunei quando querias ficar só.
Gustavo – Sem problemas. Eu não estou chateado, se é isso que pensas. Só estou um pouco cansado, confuso… Devem ter sido todas essas coisas que aconteceram hoje.
Cecília – Então tu me perdoas pelo incômodo que posso ter te causado?
Gustavo segura a mão de Cecília.
Gustavo – Claro que te perdoo. Mesmo não tendo me sentido incomodado, eu te perdoo, já que isso te deixa melhor.
Nesse momento, Agnella aparece.
Agnella – Então é isso, Gustavo? Tu deixaste de me amar e passaste a amar outra mulher?
Cena 04: Navio 3.
Giancarlo – Agora, senhora, se me permites, eu tenho que ir aos meus aposentos.
Inês – Podes ficar à vontade. Saibas apenas que eu te agradecerei para sempre pelo que fizeste por mim.
Giancarlo – Não foi nada. Só que tu tens que descansar, e dar um jeito de trocar essas tuas roupas. Estão muito molhadas.
Marlete – Eu a ajudo. Como te chamas, senhora?
Inês – Inês. Quem és? O senhor a conhece?
Giancarlo – Essa é minha sobrinha Marlete. Só estou surpreso com a sua boa intenção.
Marlete – O senhor faz mau juízo de mim. Não sou uma pessoa má. Talvez prática. Olha, querida, não escute muito o que meu tio fala de mim. Às vezes ele exagera.
Giancarlo – Eu realmente preciso sair agora, cara Inês, senão ficaria para te proteger dessa maluca dissimulada. Vês se não confias muito nela.
Ele sai. Inês olha curiosa para Marlete.
Inês – Por que ele está dizendo tudo isso? Parece que não gosta muito de ti.
Marlete – Tudo não passa de uma brincadeira, com certeza, apenas para te assustar, querida. Mas tu podes confiar em mim. Se não fosse por isso, eu não te ajudaria a trocar essas roupas e a pagar essa viagem, não é?
Inês – Oh, Deus, já ia me esquecendo disso! Estou clandestina, não é? Mas então tu farias esses favores por mim… Por quê?
Marlete – Ora, eu simpatizei contigo assim que te vi. Não posso? Pensas em recusar?
Inês – Não, não. Essa atitude nobre me é muito importante.
Marlete – Pois bem. Vamos lá dentro, eu tenho uma roupa que deve servir para ti.
Elas caminham.
Marlete – Ah, já ia me esquecendo de que preciso ajudar meu amigo Magno. Ele está voltando para a península de onde veio, e ficou tão empolgado com a viagem que passou mal. Está descansando no momento. Diga-me: tu também és da península para onde esse navio vai? Ela é muito grande?
Inês – Sim, sou. E a península é grande, sim. Bastante extensa, muitas e muitas terras.
Marlete – (Simula desapontamento) Ah… Por um momento pensei que pudesse conhecer meu amigo… Ele anda tão aflito por notícias de sua terra…
Inês – Oh, é uma pena, mas eu não me lembro de conhecer nenhum Magno não. Quer dizer, havia um no povoado onde moro, mas ele morreu antes mesmo de eu me casar com meu falecido marido, que morreu pouco mais de um mês atrás. Ave, nossa Senhora, eu não gosto nem de me lembrar do crápula do Brás da Mata; que Deus o tenha bem longe de mim.
Elas chegam aos aposentos de Marlete e de outras pessoas a bordo.
Marlete – Aqui estão as minhas roupas. Enquanto te vestes, eu irei ver Magno. Ele está tão mal, coitado, que prefere não ver ninguém… Fique bem, tá? Volto em pouco tempo.
Cena 5: Navio 2.
Agnella – Tu estás amando outra, Gustavo, é isso? Confessa! Eu te vi pegando em sua mão! Eu ouvi tua voz, como falavas calmo e compreensivo!
Gustavo – Agnella, tu estás entendendo errado. Eu apenas… Estava tendo uma conversa simples com Cecília. E esse é o meu jeito de falar mesmo.
Agnella – (Sua voz embarga; aos poucos as lágrimas descem) Será que eu posso acreditar em ti, Gustavo? Eu quis tanto que esse dia chegasse… Eu corri, fugi, fui parar em um convento, em um porto, naquele navio, arrisquei minha vida para te ver, meu amor… Eu estou aqui em tua frente porque te amo… E quando eu chego aqui te encontro ao lado de outra mulher… Não me amas mais, não é?
Gustavo – Agnella, volta para o teu quarto, por favor…
Agnella – Quem sabe até nunca me amaste mesmo… Quem sabe até aquele dia em que… Tu sabes o que nós fizemos. Tu lembras, não lembras? Então foi tudo em vão? Teu único objetivo desde o início foi o de te divertires comigo, da mesma forma como deves ter feito com outras mulheres em outros povoados por onde passaste… Foi isso, não foi? E aí o nosso noivado não deu certo, tu aproveitaste a Guerra Santa para te livrares de mim, e me deixaste lá, sonhando contigo, tantas vezes nem dormindo por tua causa… Me fizeste sofrer, correr, me afogar, sem motivo… E, tu, moça, não sei o que queres com Gustavo. Só te aviso uma coisa: tenhas cuidado com ele. Cuidado para não sofrer como eu tenho sofrido.
Gustavo – (Emocionado) Agnella, tu estás me machucando com essas palavras. Eu não imaginei que tu pudesses dizer tantas calúnias. Em nenhum momento, nunca, em hipótese alguma, duvides do que eu senti por ti. Sempre fui verdadeiro, meu amor sempre foi verdadeiro… Tu estás sendo muito incompreensiva, Agnella…
Cecília – Querida, eu posso te garantir que Gustavo nunca te esqueceu. Olha só: ele sempre falou em ti todo esse tempo, ele sempre deixou claro o amor que sentiu por ti… Então não sejas dura assim com ele. Apesar de tudo, Gustavo não merece ser tão insultado assim.
Agnella – Isso… É verdade, Gustavo? Oh, perdão, perdão. Desculpe-me, por favor. Desculpe-me. Eu te amo tanto, que não suportaria te ver com outra pessoa. Eu sei que me amas…
Gustavo – Agnella, eu tenho certeza de que isso deve ser efeito de teu cansaço. Vamos, deixe-me conduzi-la até o lugar onde estavas. Lá ficarás mais tranquila, e acordarás mais calma.
Agnella – Claro…
Gustavo vai com Agnella até os aposentos. Volta em pouco tempo.
Gustavo – (Reflexivo) Acho que dessa vez ela descansará de verdade. Seus olhos até fecharam aos poucos. Ela me olhava de uma maneira, que eu não sei se era somente amor, ou se havia algo além disso…
Cena 06: Navio 3.
Marlete caminha pelos corredores do navio.
– Flashback –
Brás – Sei muito bem o que é querer se ver longe daqueles que nos tratam mal. Sabe, comigo foi assim.
Marlete – Então este rapaz te fez algum mal e o senhor quer se vingar… Entendi.
Brás – Não… Eu fui essa pessoa que uma vez tratou outra mal; e por isso fui expulso do meu lugar, da minha casa. Mas olha só onde estou agora: prestes a colocar minhas mãos em um tesouro!
– Fim do flashback –
Marlete – Hum…
Cena 07: Navio 2.
Agnella descansa no aposento que lhe reservaram.
Agnella – (Pensativa) Ai, Gustavo, acho que fui muito tola… Mas agora estou mais tranquila. Eu sei que tudo ficará bem de novo entre nós… Porque tudo precisa ficar bem entre nós…
Cecília, Gustavo, Pero e Valentina conversam na proa.
Cecília – Mas que dias turbulentos esses, não?
Valentina – Os teus também foram? Porque os nossos parecem ter sido intermináveis…
Pero – Mas graças a Deus, eu estou livre da burrada que me fez jogar tudo para o alto. Agora só me resta voltar à vida tranquila que eu levava…
Gustavo – É… Sabe que às vezes me arrependo um pouquinho por ter decidido levar uma vida viajante? Às vezes me dá uma vontade louca de ficar parado, sentado nas cadeiras e camas da casa de meu pai… Mas logo passa. O que eu gosto mesmo é disso, da incerteza, de não fazer tantos planos. Tanto é que (ele ri) não estava nos meus planos viajar para tão longe. Mas já que Deus quis assim… Só posso dizer que apesar de tudo, esses dias, meses e alguns anos têm valido a pena.
Gregório – Mas falando em dias e tempos conturbados… Parece que vai chover forte. Vamos entrando, temos que nos abrigar.
Cecília – Isso. Vamos lá para dentro, aguardar até que esse tempo ruim passe, e que cheguem logo os dias bons…
Cena 08: Navio 3.
Brás está em um compartimento do navio. Marlete aparece.
Brás – Então foste mesmo falar com Inês? E aí? Como ela está?
Marlete – Muito bem, obrigada. Eu até decidi ajudá-la com minhas roupas e mais uma das joias que minha mãe deixou. (Ela anda um pouco pelo compartimento) Não achas, Magno, que tu e tua família têm me saído caros demais esses dias?
Brás – Como assim “tu e tua família”? Não estou entendendo… Eu não tenho família.
Marlete – Mas como não? Essa Inês de quem tanto foges não é de tua família, Magno? Não seria ela tua viúva? Ou melhor, ela não é a viúva do senhor… Como é mesmo o nome? Ah, sim: (fala destacando as palavras) Brás da Mata?