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Edição especial: Contos de Hysteria

CONTOS DE HYSTERIA – edição especial: episódio 01

“Os Contos de Hysteria”

Livro 1: “Os Artefatos Mágicos.”

Prefácio: Hysteria

Há muitas eras atrás, antes mesmo do tempo começar a ser contado, não havia nada. O universo não passava de um vasto breu e nada do que se conhece hoje existia. Porém, o universo é um plano inquieto, onde um simples movimento pode colocar tudo fora de ordem, da mesma forma como um sentimento intenso pode confundir até a mente mais forte. E dessa forma, simples e devastadora, surgiu a primeira força cósmica: A Música.

Uma explosão de som que trouxe consigo todos os mundos. A Música era um ser onipotente, toda poderosa, e controladora de tudo que, mesmo que acidentalmente, tinha criado. De todos os mundos que surgiram em meio à explosão, Ela tinha escolhido o maior deles para chamar de seu. Batizou aquela terra, localizada mais próxima do centro do universo, de Hysteria.

Música é capaz de trazer vida ao mais desolado dos locais. Um sopro de sua melodia pode enaltecer um coração partido, e em alguns casos, quebrá-lo ainda mais. Um mundo de música sem vida não fazia sentido algum. Foi quando o primeiro filho da Música nasceu. Seu nome era Harmos. Por muitos anos o Deus viveu sozinho e, em sua solidão, teve tempo suficiente para criar. Abençoava sua mãe superior e dedicava a ela todas as suas belas criações. Harmos era um filho devotado, particularmente parecido com a mãe, inclusive também era dotado de grandes poderes.

Depois de passar tantas estações sozinho, Harmos implorou que a mãe lhe trouxesse uma companhia. Alguém tangível, para que ele pudesse passar tudo o que aprendera. Ele rezou por vários dias, fez oferendas por semanas e a Música, vendo o sofrimento de seu único filho, decidiu fazer um sacrifício por ele. Nesse dia, nasceu seu segundo filho: Metal. Este não era como o irmão. Era agressivo e revoltado, e por diversas vezes sentia inveja de Harmos e de sua relação com a Música.

Harmos, porém, sentia-se feliz por não estar mais só e como prometeu, tentou exercer o papel de irmão mais velho. Ele ensinou a Metal tudo o que sabia enquanto vagou pelo reino de Hysteria, mas a força dentro do outro Deus já parecia ser imensa e ele pensava que o jovem deveria ser controlado. Com tempo e paciência, Metal parecia se acalmar e juntos, os dois passaram a governar o mundo que lhes foi herdado pela grande mãe.

Mas de que adiantava governar sem súditos? Não havia sentido. E com os poderes que lhes foram concedidos, os irmãos criaram os primeiros homens e com um sopro de melodia produzido a partir dos belos instrumentos de Harmos, eles os deram vida.

— Está de brincadeira comigo, não é, Pop? – Perguntou Max, não podendo evitar um sorriso. Não era a primeira vez que ouvia Pop contar-lhe a história da origem de Hysteria, mas ele nunca se cansava de ver a cara do velho anão quando ele zombava dela. — “Os irmãos criaram os homens com sopros de melodia” não me soa muito verdadeiro.

O velho interrompeu sua narração e abaixou o grande livro apenas para mirar o jovem garoto com seus cabelos grisalhos, seu grande nariz e sua expressão insatisfeita. Max permanecia com aquele sorriso malicioso e as sobrancelhas arqueadas exibindo um falso ar de superior. Ao seu lado, também escutando a história como de costume, estava o pequeno Vincent Vinyl, o filho caçula de Pop.

— Sei que não acredita nas lendas Max, mas ao menos deixe Vincent prestar atenção! Você sabe muito bem que… – Max olhou sorrateiramente para seu melhor amigo que, deitado de bruços apoiado nos cotovelos, fez o mesmo. Os dois sorriram e voltaram a mirar o velho tentando segurar o riso. Pop sabia quando os garotos estavam tentando deixá-lo irritado e aquela era uma das ocasiões. Sentiu sua expressão suavizar-se pouco antes de largar o livro e saltar sobre os meninos, que caíram na risada. — Ora, acham que o velho aqui é idiota de cair nos seus truques?

Pop os agarrou carinhosamente e bagunçou seus cabelos enquanto os três riam e fingiam se bater.

— Deixe disso pai… – Vinyl se levantou, ainda rindo um pouco, depois que o pai se acalmou. — Sabe que Max gosta de sacanear com o senhor.

— Gosto mesmo baixinho. – disse Max apalpando a cabeça de Pop como se ele fosse um bichinho de estimação e o velho empurrou a mão do garoto com um sorriso.

Era difícil aceitar o quanto Max havia crescido nos últimos meses. Parecia não fazer muito tempo, Pop acariciava seus longos cabelos castanhos e era o menino quem o olhava de baixo para cima. Jamais aquele velho anão se esqueceria da primeira vez em aquele garoto pisou na sua casa, depois que ele tomou a decisão de criá-lo junto de seus filhos, como parte da família. Fazia uma semana que Maxwell havia completado idade suficiente para tomar posse da herança que sua mãe havia deixado. Uma velha, mas bem cuidada, cabana ao lado da casa dos anões. O garoto havia passado os últimos dias lá, decorando-a a sua maneira, mas sempre que podia, dava alguns passos em direção ao seu antigo lar, nem que fosse para passar só um tempinho com Pop e os outros. Afastando esses pensamentos da cabeça, ele voltou a seu estado sério e disse:

— De qualquer forma, você deveria prestar mais atenção nas lendas Max.

— Qual é Pop! Sabe que gosto quando você as conta. Só nunca entendi sua obsessão por elas. – disse o menino, cruzando os braços e fitando o anão com seus expressivos olhos castanhos.

— Lendas são histórias, garoto. E histórias são o que montam nosso passado. – Ele dizia enquanto caminhava para guardar o livro na prateleira, antes de olhar por detrás do ombro para os dois garotos. — E o passado pode ser um grande suporte para nós nos momentos presentes.

Max descruzou os braços e os olhos escuros de Vinyl pareciam iluminados ao ouvir o pai falar daquele jeito. Ele adorava quando Pop filosofava. Max também gostava, mas naquela situação, as palavras do seu protetor pareceram ecoar de maneira estranha por toda a sala, como se tivessem sido proferidas especialmente para ele. Sentiu-se acuado e pequeno por algum motivo. O frio que percorreu sua espinha eram a prova de que aquilo que Pop tinha dito era muito importante para ser ignorado. O velho voltou sua atenção para a prateleira empoeirada de livros, o que deu tempo de Max engolir a seco e umedecer os lábios, sabendo que o homem não estava mais olhando para ele.

— Certo… Acho que vamos indo. Vinyl? – o garoto deu uma cotovelada no ombro do amigo, desesperadamente tentando convencê-lo de que era hora de fazer outra coisa. O anão, entendendo a mensagem, parou de fitar o pai e concordou. Rapidamente os dois se despediram do velho e saíram pela porta da frente que dava de cara com a vasta paisagem da Capital.

“E com os poderes que lhes foram concedidos, os irmãos criaram os primeiros homens e com um sopro de melodia produzido pelos dos belos instrumentos de Harmos, eles os deram vida. A partir daí, o grande reino de Hysteria cresceu e tornou-se o que é hoje. Mas os contos de Hysteria não terminam em sua origem…”.

Pop recitou em voz alta aquela primeira parte do livro de lendas de Hysteria. Conhecia o livro como um velho amigo de quem era impossível se esquecer. Quando abriu os olhos de novo, olhou para a porta entreaberta por onde os meninos saíram poucos segundos antes e andou até lá para fechá-la. Max não foi o único a sentir uma sensação estranha naquele dia.

— É Maxwell… Você ainda tem muito o que aprender…

 

Capitulo 1: Maxwell

Max ainda se sentia meio estranho com o conselho que havia recebido segundos atrás. Imaginava se a visão da casa escurecida e o frio na espinha foram sensações que só ele havia sentido. Achava que sim, já que Vinyl caminhava ao seu lado alegremente como fazia de costume. Olhou para a direita e vislumbrou sua cabana, que agora já estava mais parecida com o lugar onde imaginara viver quando crescesse. Max sabia bem que quando completasse seus dezesseis anos, herdaria a casa onde viveu com sua mãe durante os quatro primeiros anos de sua vida. Gostava daquela cabana. Ela lhe trazia boas lembranças da mãe e tinha uma janela que dava uma visão incrível do castelo real. Na última semana, ele tinha se sentado próximo à vista e apreciava o lugar imenso, os muros brancos cheios de torres, o telhado negro e os detalhes que pareciam discos de vinil enquanto tocava sua guitarra.

Max sempre fora apaixonado por música. Era difícil vê-lo sem um violão pendurado nas costas. Aprendeu todos os estilos de rock conhecidos pelo homem, mas o Glam era sua verdadeira paixão e não era complicado adivinhar isso: Seus cabelos castanhos um pouco abaixo da altura dos ombros estavam sempre bagunçados e ele sempre usava calças justas e camisetas com cores chamativas. O garoto havia ensinado seu melhor amigo, e filho mais novo do homem que o havia criado, a tocar também e os dois se tornaram tão próximos quanto irmãos. Vinyl era dois anos mais novo, mas isso só fazia com que Max sentisse ainda mais a necessidade de protegê-lo.

Para a família, o jovem anão era chamado pelo seu primeiro nome, Vincent. Mas Max achava o sobrenome deles tão incrível, que achava que o membro que ele mais gostava dos anões merecesse ser chamado simplesmente por ele. Achava aquele sobrenome quase tão legal quanto um da realeza. Os mais nobres músicos, reis e rainhas tinham fama e dinheiro para fazer o que quisessem e ele não conseguia evitar imaginar como seria se tivesse nascido com essa sorte. Os dois garotos eram humildes e nunca tiveram luxo ou riqueza suficiente na vida, ainda mais porque depois que Pop o adotou, tinha que alimentar mais uma boca em casa, além da sua própria, da mulher, e dos seus dois filhos. Maxwell sabia que as coisas ficariam mais complicadas agora que morava sozinho. Teria que se virar para sobreviver, aprender a lutar ou caçar talvez, e isso o levava a agradecer, mais do que de costume, ao velho anão por tê-lo acolhido depois que a mãe morreu. Em Pop, Max conheceu um pai que nunca teve por perto.

Ele tinha esquecido a quantidade exata de vezes que tinha perguntado à mãe sobre a identidade do pai, mas ela sempre fugia do assunto, dizendo apenas que os dois se encontrariam na hora certa. As únicas coisas que ele sabia sobre o pai é que sua mãe havia sido muito apaixonada por ele e que seu nome havia sido escolhido em homenagem à “Maxwell e o Martelo de Prata”, um conto popular que o pai gostava muito de contar para a mãe de Max. Era bobinha e infantil e falava de um herói que matava os inimigos com uma martelada na cabeça e, para falar a verdade, Max nem gostava tanto desse conto.

— Que está pensando Max? – perguntou Vinyl percebendo a preocupação do amigo desde o momento em que deixara sua casa.

— Nada carinha… Estou bem, de verdade. – Max respondeu sorrindo antes de se sentar no gramado em frente a sua cabana. O sol logo iria se por, e ali era um lugar excelente para observar os últimos raios se escondendo atrás do castelo. — Pop apenas me deixou inquieto com aquele papo todo. Você não sentiu?

Vinyl se sentou ao lado do amigo pegando o violão que sempre estava apoiado ali, já que Max provavelmente o tocava enquanto observava o horizonte. Levantou uma das sobrancelhas, confuso. — Sentiu o que?

Max revirou os olhos, já sabendo que Vinyl não tinha sentido nada de errado. — Deixa para lá. Não é nada. – Ele deu um curto sorriso tentado afirmar que estava tudo bem mesmo e voltou a fitar o castelo. — Apenas toque alguma coisa.

Enquanto o anão tocava, Max permitiu que sua mente viajasse. Ele sempre gostou da vista do castelo, mas tudo mudou desde que a viu pela primeira vez. A família real tradicionalmente fazia uma passeata pela Capital uma vez ao ano, durante o dia do Boom, uma celebração que simbolizava o dia em que a explosão da Música que deu origem ao reino de Hysteria tinha acontecido. É claro que não havia sido exatamente naquele dia, e que a maioria das pessoas encarava tudo aquilo como uma simples lenda, mas ainda era um feriado divertido. Nesse ano em especial, Max e Vinyl ficaram encarregados de cuidar da barraca de joias, que exibia as preciosidades que haviam sido encontradas nas minas durante o ano. Não eram muitas e o dinheiro era dividido igualmente por todas as famílias que lá trabalhavam.

Foi durante o seu turno que o desfile da família real começou e ele pode vê-la em um belíssimo vestido, verde e brilhante como a copa das árvores. Ela era filha dos atuais rei e rainha de Hysteria, e era chamada de Aria. A princesa havia sido criada para que um dia viesse a se tornar uma rainha tão boa quanto seus pais. Os dois eram governantes liberais, e se mostravam clementes em relação ao seu povo, sendo os responsáveis por dar os primeiros passos a caminho de uma sociedade mais moderna. Porém, muitos acreditavam que as colheitas estavam ruins, as minas não proporcionavam mais tantas riquezas e outros problemas como estes, porque Harmos estava decepcionado com a conduta do rei. E por pressão do povo, algumas leis antigas que haviam sido abolidas, voltaram à tona.

Mas ao contrário de todos, que voltavam sua atenção ao rei e a rainha, a visão de Max estava limitada a Aria. Era como se tudo em volta dela fosse um grande borrão que apenas enaltecia a sua presença. Ela era a coisa mais bonita na qual ele já havia botado seus olhos e, mesmo que eles não tivessem chegado a trocar palavras naquele dia, o menino jamais conseguiu esquecê-la. Vários dias já haviam passado desde o último dia do Boom e Max a enxergava em tudo que achava bonito. O verde das árvores lembrava seu vestido; o amarelo das flores do jardim de Pop lembrava seus cabelos louros; o sabor do mel lhe lembrava da cor de seus olhos e a vista do castelo se tornara tão mais bela, apenas por que ele sabia que ela caminhava lá dentro.

O menino percebeu que a canção de Vinyl havia acabado e que sol finalmente havia se posto. Ele conseguia ver os últimos fiozinhos de luz se escondendo. Aquela visão e a mente ainda vagando em busca de pensamentos com a princesa o deixaram animado e a noite estava apenas começando. Max correu para dentro e rapidamente voltou com bebidas geladas para ele e Vinyl.

— Já estava pensando que você ia dormir. – disse o anão sorrindo de forma irônica e apanhando a caneca de cerveja que Max havia trazido para ele.

— Que é isso Vinyl, estamos apenas começando. – Max levantou a caneca em direção ao céu e o anão fez o mesmo e então eles brindaram. Antes de virar a caneca para dar um gole da bebida, Max sussurrou para si mesmo. — Vou esquecer a sensação estranha agora.

 

Maxwell Starr e Vincent Vinyl perderam total noção de tempo naquela noite. Beberam tudo o que podiam, riram, cantaram, tocaram músicas completamente aleatórias e desafinadas no violão e Max não conseguia lembrar da metade das coisas que haviam sido ditas até então, embora lembrasse vagamente de Vinyl reclamando que sua barba estava demorando demais para crescer e que um anão sem barba era uma vergonha. Em meio aquela festa, os pensamentos do menino retornaram a princesa e, embriagado como estava, ele havia tomado a decisão de ir atrás dela assim que Vincent fosse para casa.

Logo ele foi e Max desceu o morro do lado de sua cabana em direção ao castelo, carregando consigo sua guitarra e uma caixa de som e a regulou da forma mais alta possível, de maneira que, não apenas a princesa, mas todo o castelo o escutasse.

Dentre as leis que o rei foi obrigado a revogar, estava a lei do silêncio. Ninguém jamais viu sentido nessa lei, mas ela nunca foi contestada, já que proibia a música e a celebração alta depois de um certo horário da noite. A última vez que ela havia sido descumprida, quando o governo estava nas mãos do pai da atual rainha, por um cidadão da Montanha Punk, todos que ali viviam foram castigados, não pelo rei, mas por forças maiores que tornaram o local desolado e difícil de viver. Eram situações como estas que geravam a dúvida em relação à veracidade das lendas e a existência de deuses. Com medo de que o mesmo acontecesse na Capital, o atual rei tornou a lei do silêncio como essencial para a segurança de todos.

Max sempre achou aquela lei uma besteira e agora que havia tomado umas boas doses de coragem e álcool não seria uma lei idiota que proibia música em mundo dedicado ao rock ‘n’ roll que o impediria de cantar para a princesa. Traçou seus dedos pelas cordas da guitarra uma vez e o volume estava alto o suficiente. Talvez alto demais. O menino só percebeu o tamanho da burrice que estava fazendo quando sentiu o chão tremer aos seus pés e parte do muro do castelo ceder perto dele.

Engoliu a seco em desespero e tentou rapidamente juntar suas coisas e correr para casa, mas era tarde demais e em questão de segundos estava cercado por guardas reais que apontavam lanças em direção a ele. Max levantou os braços, se rendendo. Foi dessa maneira que entrou no castelo real pela primeira vez, rendido e algemado. Esperou durante algumas horas numa cela escura e úmida, aguardando pela punição do rei. Provavelmente seria mandado para viver na Montanha Punk com os outros vândalos e foras da lei. Jamais veria sua família ou amigos de novo, não conheceria a princesa e não poderia usufruir da única lembrança que tinha ganhado da mãe. Se sentia um completo idiota e lutava para segurar as lágrimas, embora o ambiente não ajudasse nem um pouco. Logo os guardas voltaram e ele sabia que seria levado a uma audiência de emergência frente ao rei em pessoa.

Os guardas o jogaram de joelhos em frente ao trono do rei Reed num gigantesco salão esculpido em marfim, tão rico em detalhes que depois de passar aquelas horas na cela escura, Max achou que fosse ficar cego. Ergueu a cabeça em direção ao homem de meia idade, cabelos grisalhos e bondosos olhos azuis que ele conhecia como o cara que mandava em toda Hysteria. Não conseguia direcionar uma palavra a ele, tamanha era a sua vergonha e ele sentiu que o correto seria abaixar novamente a cabeça. Ainda sentia sua cabeça um pouco zonza já que tudo tinha acontecido tão rápido, apesar de que os efeitos da bebida já tivessem ido embora.

O rei Reed não conseguiu evitar sentir pena do rapaz que estava diante dele. Ele parecia tão jovem e não escondia o quanto estava embaraçado pelo que fez. O próprio homem já havia sido um garoto sem nenhum título nobre que às vezes agia de forma inconsequente. Pediu educadamente que Max o olhasse antes que ele começasse a falar.

— Você sabe o porquê está aqui, não sabe garoto? – Max simplesmente consentiu. — Quebrar a lei do silêncio é considerado muito sério. Você sabe o que aconteceu com o último que a desobedeceu, não é?

Max consentiu mais firmemente dessa vez e sentiu os olhos se enchendo de lágrimas. — Por favor senhor, eu sinto muito. Não vai se repetir.

O rei parou para pensar. Analisou bem o rosto do menino que de fato parecia arrependido. Ele não expressava ser um encrenqueiro, alias acreditava que já o tinha visto antes.

— Qual é o seu nome, meu jovem? Creio que já o vi antes.

— Meu nome é Max. Maxwell Starr, e sim, já nos vimos antes. Eu o guiei na mostra das joias no último dia do Boom. – ele disse ainda choroso. O rei se lembrava daquilo e sabia que Max era um bom menino de fato. Não fazia sentido puni-lo tão severamente pelo seu primeiro delito e afinal, ele estava assustado o suficiente dificultando acreditar que ele faria algo do tipo novamente.

— Acredito que por vez um castigo braçal seja suficiente. – Max arqueou uma das sobrancelhas, sentindo-se totalmente confuso. — Você pode começar amanhã após o almoço.

O rei levantou-se do trono e começou a andar para fora do salão em direção ao seu quarto fazendo um simples gesto com as mãos para que os guardas o levassem dali. — Espere! – Max gritou, já erguido pelos guardas, o que fez com que o rei virasse para olhá-lo outra vez. — O que vai fazer comigo?

O rei deu uma fraca gargalhada antes de responder. — Garoto, não é o que vou fazer com você, mas sim o que você vai fazer com o meu lar. – Max olhou para os lados e para o chão tentando entender o que o rei estava dizendo. — Você vai reconstruir a parte do muro que destruiu.

Max pareceu surpreso. Não teve tempo de dizer mais nada, pois o rei já tinha se virado e sumiu atrás das cortinas do salão. Os guardas o arrastaram para fora e ele imaginou que fosse passar o resto da noite nas masmorras, dentro daquela cela horrível, mas não. Os homens do rei apenas o atiraram para fora do castelo e ele sentiu o gélido ar da noite penetrar em seu corpo. Ele foi instruído a voltar no dia seguinte para começar o trabalho e pela primeira vez na vida, estava feliz por receber uma punição. Comparado ao destino que tinha imaginado para si, aquilo era quase um presente. Correu o mais rápido que pode para casa, se enfiou debaixo das cobertas e agradeceu por estar são e salvo dentro de sua cabana.

Max acordou cedo na manhã seguinte e correu para a casa dos anões para tomar café. Contou a eles tudo o que passou na noite anterior e o quanto o rei havia sido compreensivo com ele e Eddie, o irmão mais velho de Vinyl, aproveitou para tirar sarro da situação já que já tinha dado boas risadas quando viu o irmãozinho chegando em casa, bêbado, na noite passada.

De fato, Vinyl não parecia muito bem. Seu rosto estava inchado e cansado e ele só conseguia rodar a pequena colher que segurava dentro do seu copo de leite. Ele olhava mortalmente em direção a Eddie toda vez que este mencionava alguma piada, embora ser alvo das brincadeiras do anão mais velho era algo que o dois já estavam acostumados.

Max, tentando evitar maiores problemas, correu até o castelo assim que terminou seu café da manhã para começar a trabalhar. Passou na frente do muro destruído e se sentiu mais estúpido do que nunca ao ver o que tinha feito. Recebeu algumas instruções do rei e os materiais necessários para o conserto tinham lhe sido entregues. Ele começou a carregar os tijolos e a preparar a massa enquanto murmurava uma canção. De repente, sentiu como se sua voz tivesse se transformado em duas, ou era isso ou mais alguém estava por perto sussurrando a mesma música. Tinha a sensação que estava sendo vigiado. Tentou ignorar, mas tinha certeza que tinha alguém ali por perto o assistindo trabalhar e foi então que ele escutou o barulho de alguma coisa se chocando contra o chão atrás de si.

Ele olhou para trás e viu uma pequena tiara prateada estendida no chão do outro lado do salão. Perto dela, sentada em algumas escadarias, Max a viu. Aria parecia incrivelmente ainda mais bonita do que na ocasião em que o menino a havia visto anteriormente. Usava um vestido que chegava à altura dos joelhos, branco com detalhes dourados. Não usava nada nos pés e seu cabelo estava solto da forma mais natural possível. Max sentiu seu rosto corando quando seus olhos encontraram os dela e quando ela sorriu e disse “Oi”, o menino cambaleou para trás e quase esbarrou no que já tinha feito até o momento. A princesa riu e correu até ele, ajudando-o a se manter firme.

— Tome mais cuidado. Meu pai não o perdoaria por destruir nosso muro pela segunda vez. – ela disse tentando segurar o riso. O rosto de Max queimava, envergonhado. Max tentou sorrir para ela, mas teve certeza de que pareceu um tolo de tanto que sentia seus lábios tremerem no processo. Ela novamente riu e colocando os braços para trás e curvando-se sutilmente em direção a ele, ela continuou. — Qual é o seu nome?

Max coçou o pescoço nervosamente antes de abrir a boca para responder. — Max. E você é Aria, a princesa. – Ela sorriu ardilosamente para ele quando percebeu que ele sabia seu nome. — Eu realmente sinto muito pelo muro.

O menino se sentia um estúpido. Ela parecia tão bela, mesmo com aquela roupa tão simples enquanto ele usava um macacão velho e já estava um pouco sujo de massa. Mesmo olhando para sua aparência patética, ela agia de forma gentil. — Não conheço muitas pessoas que sabem essa música. – Ela disse e logo em seguida sussurrou para si mesma. — Na verdade, não conheço muitas pessoas.

— Bom, você me conhece agora. E vai me ver bastante no castelo nos próximos dias. – Ele disse apontando com a palma da mão para o muro destruído. — Tenho muito trabalho pela frente.

Ela riu e, pensando de forma otimista, talvez ela tivesse ficado contente em saber que veria Max durante mais alguns dias. Quando ela abriu a boca para dizer algo mais, os dois escutaram alguém chamar seu nome em outro cômodo. — Oh… Eu tenho que ir agora. Mas nos vemos depois, não é? – Ela disse, já caminhando de costas em direção da onde a voz a havia chamado.

— Claro. Nos vemos depois.

Ela deu um último sorriso para ele e virou-se para correr quando a voz a chamou pela segunda vez deixando Max sozinho no salão. O menino sentiu-se paralisado e não tirava os olhos do corredor por onde a princesa tinha ido. Sentia o coração em seu peito batendo forte e rapidamente, como se estivesse em um transe. Só voltou ao normal quando o pincel que segurava escorregou de sua mão e bateu no chão. Não pode evitar sorrir para o objeto e, apanhando-o novamente, Max retornou a sua maravilhosa punição.

 

O menino passou as tardes seguintes no castelo. Era verdade que ele não podia fazer o que mais queria ali, já que tinha que focar no estúpido muro, mas pela primeira vez em muito tempo a sorte parecia estar ao seu favor. Aria sentava-se perto dele para conversar, lhe trazia água e comida de vez em quando e conforme os dois iam descobrindo mais sobre o outro, mais próximos ficavam. Era como se os sonhos de Max estivessem se tornando realidade.

No seu terceiro dia de trabalho, Max passou horas falando sobre como era a vida fora do castelo. A princesa perguntava tudo que sempre sentira necessidade de saber. Ela nunca tivera amigos de verdade, a não ser os filhos dos nobres com que era obrigada a conviver. Foi nesse dia que ela contou-lhe a história de seus pais.

O destino da realeza embora confortável e luxuoso, não era nem um pouco romântico. Os príncipes e princesas do passado não tinham a oportunidade de escolher com quem desposariam. O próximo rei ou rainha de Hysteria era escolhido a partir de um teste realizado pelos governantes atuais. Os testes para o marido da rainha Scarlett, mãe de Aria, estavam se aproximando quando ela conheceu Reed. Ele roubou seu coração e a princesa afirmou que só se casaria se fosse com ele. Aria contou a Max que a canção que ele murmurou no dia em que se conheceram era a mesma que seu pai tinha cantado para conquistar sua mãe, por isso ela a reconhecera tão facilmente.

Esse era o motivo de muitas pessoas acharem que os atuais reis não agradavam a vontade dos deuses. Reed não tinha direito algum ao trono de acordo com as velhas leis. Ele não tinha passado por nenhum teste ou provação para se tornar rei. Tudo o que tinha feito foi fazer com que a princesa se apaixonasse por ele.

— Meu pai passou por muitos conflitos com a sociedade e com ele mesmo depois disso. – Aria explicou. — E é por isso que ele não quer que o mesmo aconteça comigo.

Max coçou a cabeça, tentando processar a informação que tinha acabado de ouvir. — Espera ai, está me dizendo que os testes voltaram? Irão lhe obrigar a se casar com alguém que você mal conhece?

Aria confirmou com a cabeça, tristemente. Max não podia acreditar. Se alguma fagulha de esperança surgiu em relação a ter algo com a princesa, um balde de água havia acabado de apagá-la. A princesa encarava o chão sem conseguir dizer mais nenhuma palavra. Vê-la chateada daquela maneira fazia Max se sentir mal por não poder fazer nada a respeito e sentia o instinto de protegê-la. Ele estava sujo e suado e ela estava limpa e perfumada, mas ele não se importou e a puxou para um abraço, que ela retribuiu carinhosamente. Max continuou a segurá-la em seus braços, com os olhos fechados como se não quisesse que ela escapasse. Quando os abriu novamente, encontrou Reed  parado, surpreso, perto da cortina que dava acesso ao salão. Como um animal acuado, Max a soltou e ela olhou para trás percebendo que algo estava errado.

— Aria, precisamos conversar. – Ele disse olhando para filha e sem desviar o olhar dela, ele continuou. — Maxwell, está dispensado por hoje.

— Mas… Senhor…

— Maxwell. – ele olhou firmemente para o garoto. — Até amanhã.

Max desviou o olhar, envergonhado. Não estava em posição de questionar o rei, já que era um rapaz cumprindo pena. A princesa caminhava até o pai timidamente. Max pensou em dizer ‘adeus’ ou ‘até amanhã’, mas estava claro que o momento não era correto, então ele simplesmente apanhou suas coisas e caminhou de volta para casa. Pensou em chamar Vinyl para desabafar, mas ele não queria falar ou beber. Ele queria pensar e música era a companheira certa para uma noite como aquela. Ele apanhou a guitarra, que tinha sido devolvida a ele no primeiro dia, e passou o resto da noite tocando e pensando.

 

Ele se esforçou para abrir os olhos na manhã seguinte. Dormira tão mal e tão pouco que quase esqueceu-se que sua pena consertando os muros do castelo ainda não havia terminado. Max ficou perdido horas em pensamentos antes de finalmente ceder ao cansaço e decidir se deitar e com apenas algumas horas em um estado profundo ouviu, o que ele encarou como um sonho, a voz de um homem o chamando diversas vezes em um tom de alerta. Arrastou-se para fora da cama e colocou roupas limpas. Quando se olhou no espelho, tomou um susto com a própria aparência e sabia que não adiantava disfarçar: as olheiras mostravam a qualquer um que Maxwell tinha tido uma noite ruim.

A caminho do castelo, Max tentou não pensar em como o resto da punição seria. Depois da sua cena com a princesa e a reação áspera do rei, sabia que ela não viria mais vê-lo trabalhar. Talvez nunca mais os dois pudessem olhar nos olhos um do outro e isso o deixava para baixo. Passou pelos portões e andou o longo corredor em direção ao salão com o muro já quase pronto. Quando atravessou as cortinas, entretanto, sentiu uma mão o impedindo de continuar. O rei Reed o olhava com a mesma expressão séria do dia anterior. Max sentiu sua sobrancelha arqueando em direção ao homem como se não entendesse o que estava havendo.

— Sua pena acabou Max. – ele disse calmamente. Max desviou seu olhar em direção ao muro, que claramente não estava terminado. Ainda faltava dar o acabamento e a pintura.

— Mas senhor, o muro ainda…

— Eu sei garoto. Mas você já fez o bastante por aqui não acha? – ele perguntou retoricamente e o olhou de cima a baixo e Max entendeu tudo. — Até mais do que devia.

Max sentiu raiva por um segundo do rei. Olhou para baixo sentindo as palavras lhe queimarem a língua e sabia que se ele as soltasse, problemas viriam, mas ele não ligava. Não gostava de segurar as coisas dentro de si. — Isso é porque sua filha gosta de mim? – O rei se mostrou surpreso diante as palavras do garoto e suas mãos se afastaram de Max abruptamente. O menino sacudiu negativamente a cabeça, em uma mistura de raiva e decepção e então virou-se para ir embora.

Andou pesadamente todo o caminho percorrido só pensando em estar fora dali o mais rápido possível, mas quando passou por um lance de escadarias que davam acesso aos quartos principais, ele pode ouvir suas lágrimas. Foi um choro baixo e curto, mas ele sabia que vinha de Aria. Ainda sentindo a impulsividade dentro de si, Max começou a subir as escadas. Já que nunca mais a veria mesmo, qual era o problema de se despedir? Afinal, ele podia considerá-la uma amiga, alguém que fora gentil com ele durante todo o tempo que ele passou no castelo. Tomando coragem, ele bateu educadamente à porta e como não estava trancada, ela se abriu. Max deu alguns passos adentro do quarto e o que viu em seguida foi incrível. Ele ficou assustado com o tamanho do quarto dela, que, com certeza, era espaço suficiente para ele e toda a família dos anões dormirem. As paredes pintadas de lilás e lotadas de desenhos provavelmente pintados à mão davam uma sensação de paz difícil de descrever. Encontrou Aria sentada chorosa em sua cama, ainda usando sua camisola de dormir.

— O-oi… – ele gaguejou e ela olhou instantaneamente para ele, limpando as lágrimas e retribuindo o cumprimento. — Aria, porque está chorando?

— Não é nada. Eu e meu pai tivemos uma briga ontem. – ela respondeu voltando seu rosto para algo que estava aberto na cama. Parecia um livro, mas Max notou ao se aproximar que era um caderno de desenhos. Os traços eram muito parecidos com os que estavam pelas paredes.

— Você que fez? – Aria consentiu ainda mirando o caderno. — São muito bonitos.

— Você acha mesmo? – ela disse virando o rosto para ele e naquele instante, seus rostos ficaram extremamente próximos, o que fez Max corar quando concordou. Sentiu o mundo girar e pensou se não seria correto aproximar-se ainda mais, quando algo o fez parar. A princesa estava de costas para uma grande prateleira de livros, bem parecida com a que Pop guardava seus tão amados livros, mas em um estado bem mais conservado. Vendo que o menino voltava sua atenção à prateleira, Aria virou-se para ver também. — Qual é o problema?

Um livro enorme e brilhante chamava a atenção de Max o suficiente para fazê-lo desfocar da princesa. Na lombada ele conseguia ler em letras douradas e chamativas “A Lenda dos Artefatos Mágicos”. — O que é aquilo? – disse o menino não hesitando em se levantar e caminhar para pegar o livro nas mãos.

Aria fechou o caderno de desenhos e andou até onde Max apanhava o livro. Sentiu-se confusa ao ver que o menino parecia tão interessado em algo tão comum. — Oh… Bem, é um livro. Uma antiga lenda de Hysteria. – Aria deu um pequeno sorriso lembrando-se de como costumava gostar daquele em especial. — Eu sempre gostei dessa ai, mas você sabe, não passa de uma história.

Max sentiu as palavras de Pop ecoando em sua cabeça quando ouviu a princesa. “Lendas são histórias garoto. E histórias são o que montam nosso passado. E o passado pode ser um grande suporte para nós nos momentos presentes.” Sua boca se abriu sem controle e o pedido lhe escapou de maneira quase infantil. — Pode me contar?

Aria pareceu surpresa com o pedido, mas deu de ombros vendo a oportunidade de ficar perto de Max. Os dois se sentaram ao pé da cama e ela abriu o livro. Começava com um breve resumo do desentendimento entre Metal e Harmos e como a rebeldia do irmão mais novo fez com que Harmos fosse obrigado a trancá-lo em um lugar seguro para conter sua fúria. Quando Harmos criou as Trevas para que Metal fosse impedido de machucar os seres vivos de Hysteria.

O resumo era necessário, pois quando os irmãos deram vida aos homens de Hysteria, Harmos criou também cinco dádivas para eles. Os chamados ‘artefatos mágicos’ foram espalhados pelo reino, cada um escondido em um local diferente e apenas Ele sabia onde encontrá-los. Aquele que tivesse posse dos cinco se tornaria tão poderoso quanto os deuses, mas só sobreviveria à jornada para achá-los, aquele que fosse corajoso, de bom coração e digno de um espírito harmonioso. Quando os criou, para não serem tão facilmente identificados, Harmos transformou os artefatos em simples pedras. A diferença estava na suave tonalidade que as tingia, cada uma com uma cor: azul; amarelo; vermelho; verde e branco. Quando o escolhido, aquele com as características necessárias, as encontrasse, eles voltariam ao seu estado natural e poderiam ser usados novamente.Porém com a traição de Metal, o irmão mais velho foi obrigado a destruir os artefatos com medo de que Metal os usasse a seu favor.

Os olhos castanhos de Max brilhavam olhando para aquelas velhas páginas e a voz da princesa contando-lhe a história ecoava em sua mente, fazendo parecer como se ele estivesse lá, visualizando claramente a lenda como o passado de fato daquele reino. Sentia uma sensação estranha no peito, como o início de uma falta de ar e, inicialmente, pensou que fosse devido à proximidade com princesa, mas agora duvidava que fosse isso. Era intenso e profundo, muito mais forte do que sentiu na conversa com Pop, como uma mistura de pressentimentos a cada palavra que ela lia.

O menino fora arrancado bruscamente da história quando os dois ouviram a porta se abrir. Sentiu como se um furacão puxasse seu corpo e o forçasse a acordar. Os dois miraram a porta e o rei Reed estava começando a chamar pela menina, mas parou quando viu que Max ainda estava lá. — Eu pensei que tinha dito para você ir embora rapaz. – ele disse franzindo o cenho. Max tentou dizer alguma coisa, mas sua cabeça ainda estava muito confusa e ele simplesmente não conseguiu. Aria parecia assustada e um pouco surpresa pelo fato de Max não questionar ou dizer alguma coisa. O rei caminhou até a filha e a puxou para junto de si e ordenou, aos berros, que Max fosse embora do castelo e que não voltasse a ver princesa.

O menino apanhou sua mochila disposta ao pé da porta e deu uma última olhada para Aria. — Eu só quis dizer adeus. – Ele pode ver as lágrimas da menina escorrendo novamente. Ela tentou argumentar com o rei, mas ele foi irredutível na decisão que tomara.

— Como você pode…? – ela disse decepcionada e o empurrou fazendo-o soltá-la. Ela olhou para a porta, mas Max já tinha ido embora. Aria fez questão de tentar correr atrás dele, mas antes fez uma última negativa com a cabeça para seu pai, cuja expressão já havia amolecido ouvindo a tristeza na voz da filha.

Max caminhava entristecido, segurando a alça da mochila como se aquele fosse o objeto mais importante do mundo no momento. Resolveu sair pelos fundos, já que não ia voltar para casa e sim para o bar que costumava frequentar. De repente, sentiu um incrível aroma de morangos no ar, e parou de andar. Estava parado sob um campo de morangos, um jardim lotado deles e aquela visão fazia com que o vazio em seu coração parecesse ainda mais profundo. Ele queria chorar e sim, sabia que conhecera a princesa de fato há apenas alguns dias, embora a admirasse há muito mais tempo, mas agora que eles tinham criado uma pequena relação, ele não queria deixá-la ir embora. Ele não compreendia bem o que estava acontecendo com ele, pois jamais tinha se apaixonado antes. Abriu a boca e uma canção lhe escapou, e provavelmente ele tinha feito aquilo para impedir que chorasse. Continuou a caminhar enquanto cantava baixinho, ia esquecer que tudo aquilo aconteceu em breve e seu curto tempo com Aria se tornaria uma boa lembrança como a que tinha com sua mãe.

Quando estava prestes a dar o último passo para fora do castelo ouviu uma voz, jovem e belíssima, completando a canção que ele cantava, assim como ela fizera no dia em que se conheceram. Aria parecia ofegante, mas esperançosa por ter tido tempo de encontrá-lo. Max virou-se para olhar a princesa, surpreso por ela tê-lo seguido, e não conseguiu continuar cantando.

— Aria…?

Ela caminhou mais calmamente até ele e tirou um pedaço de papel da manga da camisola e lhe entregou. Em seguida, pediu delicadamente que ele o abrisse. Era um esboço de garoto, extremamente parecido com ele, mas o do desenho parecia um pouco mais velho e certamente mais confiante, como se um ar heroico o rodeasse. Max tornou a olhá-la, ainda confuso, depois de ver o desenho. — Eu fiz esse desenho há uma semana. – Ela disse e ele pareceu abismado. Há uma semana, Aria não passava de uma memória do dia do Boom, há uma semana os dois não se conheciam, mas, mesmo assim, ela o tinha desenhado. — Há alguns dias antes de te conhecer eu sonhei com esse menino, e ele era tudo o que eu sempre quis.

Max retornou o olhar para o desenho para estudá-lo um pouco mais, sem conseguir retribuir as palavras, mas sua atenção foi interrompida pela mão da menina tocando levemente seu queixo e o erguendo, fazendo com que seus olhos se encontrassem. Aqueles belos olhos de mel e aquele toque tão gentil o faziam se sentir perdido e nervoso, mas ele não queria parar de olhar para eles nem por um segundo mais, porém, lentamente, enquanto se inclinava em direção ao rosto de Max, ela os fechou.

E então ele sentiu o beijo. Nunca fora pego de surpresa tão intensamente como naquele campo de morangos. Sentiu seu coração desacelerando, junto com o resto de seu mundo. Ela realmente o havia beijado, e era incrível. Seus lábios permaneceram colados por alguns segundos e quando ela o soltou, estava em lágrimas. Max estava pálido e não pode evitar sorrir. Limpou-lhe o rosto e acariciou os cabelos dourados. — O que foi, Aria?

Ela ergueu os olhos novamente para o rosto dele, certa de que jamais veria o menino do esboço novamente. Queria beijá-lo de novo, mas sabia que seu pai ou algum guarda provavelmente os encontrariam logo. Ela fechou a palma dele em volta do desenho, desejando que ficasse com ele, como uma lembrança dela e tirou a mão dele de seus cabelos. — Adeus, Max… – ela virou-se e correu de volta para o castelo, deixando-o sozinho com os morangos e o pedaço de papel.

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