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Edição especial: Cantiga de Amor

CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 13

Cena 01: Ponto da floresta próximo à casa de Pero. Manhã.

Valentina – Nós viemos porque precisamos da tua ajuda, mais uma vez. Pero, tu poderias nos abrigar em tua casa, pelo menos por um tempo?

Agnella – Por favor, nós imploramos…

Gregório – Tenhas compaixão de nós…

Inês – Como? Tu queres que Pero os abrigue em sua casa? Vocês, que fugiram da igreja? Eu não acho que ele irá fazer isso. Irás, Pero?

Pero – Não sei, Inês. Não digas nada em meu lugar, por favor. Agora, Valentina, por que vocês vieram para cá? Por que procuraram a mim?

Valentina – É difícil de explicar. Se dependesse de minha vontade, nós já estaríamos muito longe nesse momento. Mas eu fui convencida a vir, porque nós não temos o que comer, e não bebemos água desde ontem. E será perigoso para nós se quisermos ir ao rio, porque com certeza alguém nos veria. Então, eu achei que tu poderias nos socorrer.

Inês – Pero, não podes fazer isso. São duas noviças e um seminarista, fugidos de Deus! Nós temos que avisar sobre eles ao padre! (Se vira para Valentina) Aliás… Eu reconheço a ti… Como te chamas? Valentina? Eu me lembro de ti. (Se “revolta”) Tu és a libertina que entrou em casa e seduziu a Brás, que me humilhou, junto com meu finado marido! Tu não mereces ser ajudada! Tu mereces mesmo é a surra que eu não consegui te dar aquele dia!

Inês avança para bater em Valentina. Gregório se interpõe, impedindo-a.

Gregório – Tu não baterás em ninguém.

Valentina – E, pelo visto, tu foste muito bem iludida por teu marido, porque eu fui vítima dele, assim como tu. Ele me prendeu naquele quarto, retirou minhas roupas à força, e ia fazer o que fez sem o meu consentimento!

Inês – Não sei se acredito em ti. E só não te dei os tapas que devia, porque este seminarista me atrapalhou. Mas ainda terei tempo de acertar minhas contas contigo.

Gregório – Ah, e nós não fugimos de Deus como disseste. Ele nos entende. Ele sabe que ser padre não era o caminho certo para mim, que serem freiras não era a vocação, o destino dessas duas moças!

Agnella – Meu destino… Ele está apontado para onde Gustavo estiver…

Inês – Acho que somente tu, Agnella, merece algum perdão. Porém eu creio que deverias voltar para junto de teus pais.

Agnella – Eu preciso que eles me digam onde Gustavo está… Por favor, Inês, me leve até eles.

Valentina – Não, Agnella! Tu não irás mais longe do que a casa de Pero! Isso se tu, Pero, fores gentil conosco.

Pero – Sabe, Valentina, eu posso ajudá-los. Todavia, como os manterei em casa sem que ninguém desconfie?

Valentina – Este lugar. Ele é perto de tua casa? Nós podemos ficar aqui durante o dia, e só dormir em tua casa à noite, aproveitando o escuro para andarmos sem sermos notados.

Pero – O que tu falas tem sentido. Eu estou disposto a fazer isso por vocês.

Inês – Pero, isso é loucura…

Pero – Não, Inês. Eu estou fazendo o que eu sinto que deve ser feito. Um dia, eles podem ter dito que queriam seguir os caminhos dos quais fugiram, mas, se hoje eles sentem que continuar onde estavam não era o melhor para eles, eu acredito. Quem sabe, até, o padre os entenda. Pelo menos, eles se arrependeram antes de tudo estar consumado, não é mesmo?

Gregório – Isso mesmo. Eu não poderia voltar atrás se tivesse entrado naquela cerimônia de ordenação. Quanto ao padre, nós não queremos vê-lo, nem explicar nada a ele. Não agora.

Valentina – Agora, nós precisamos de água. Pero, tu tens água que possa saciar nossa sede?

Pero – Claro. Vocês podem aguardar aqui, enquanto eu busco em casa. E tu, Inês, não arranjes confusão, por favor. E nem conte a ninguém sobre meus novos hóspedes.

Inês – Somente farei isso porque tu estás me pedindo. E, pensando bem, não ficarei aqui. Prefiro ir para casa, ficar em companhia da minha mãe e do meu irmão. Com licença.

Inês sai.

Pero – Perdoem-me por ela. Acho que ela está com ciúmes por eu ter aceitado abrigar vocês. Agora ela terá que dividir a atenção com mais três pessoas… Ai, minha Inês, parece até que não sabes que eu sou somente teu…

Pero também sai.

Cena 02: Termes. Estalagem. Quarto de Gustavo.

Gustavo – (Surpreso) O senhor tem um convite? Pois não…

Giancarlo – Gustavo, eu não sei por quanto tempo teus recursos te permitirão ficar nesse quarto de estalagem. E, como tu irás fazer parte da família em breve, eu acredito que não seja loucura, um erro, convidar-te para realizar uma mudança para minha casa.

Gustavo – O senhor quer que eu more com a sua família, antes mesmo do… Do…

Giancarlo – Casamento? Claro que sim. Não me seria incômodo nenhum ter-te em meu lar. Pelo contrário, tua presença é muito bem-vinda em nosso meio. Claro, tu e Cecília ficarão em quartos separados, distantes, para evitar qualquer acidente. Mas, então, o que me dizes: aceitas o meu convite?

Gustavo – Eu… Estou sem palavras. (Fala como se procurasse as palavras) Estou surpreso. São poucos os homens que tomariam uma atitude como essa. Eu… Aceito o seu convite.

Giancarlo – Muito bem, rapaz. Tomaste uma atitude inteligente.

Eles apertam as mãos. Giancarlo vai saindo.

Giancarlo – Um detalhe: eu gostaria que tu chegasses em minha companhia, a fim de que não houvesse problemas. Porém tenho que ir ao trabalho. Por isso, ao fim do dia, eu passarei aqui, e nós dois iremos a casa.

Gustavo – Tudo bem, senhor. Tenha um bom dia.

Giancarlo – Um bom dia para ti, também.

Giancarlo sai.

Gustavo – Morar na casa dele, ao lado de Cecília… O quanto dará isso certo, meu Deus?

Cena 03: Povoado das Hortaliças. Rua da casa de Enzo.

Enzo e Adelmo conversam no final da rua. Prudência está na porta de casa, e ouve tudo.

Prudência – Agnella? O que Adelmo tem para falar de Agnella? Será que é sobre aquilo…

Prudência sai de casa e vai em direção aos dois.

Enzo – O que tu sabes sobre Agnella? Por acaso sabes onde ela está?

Adelmo – Ela não está na casa do senhor? Pensei que…

Enzo – Ah, acho que ainda não tomaste conhecimento do que aconteceu… Agnella estava no convento, mas fugiu. Estamos todos à procura de minha filha.

Adelmo – Eu… Eu… Não entendi… (Leva a mão à cabeça) Ai! Eu pensei que ela estava com o senhor, em sua casa. E eu vim aqui porque queria lhe dizer que a vi conversando com outro homem, um desconhecido, conversando como se fossem íntimos. Porém o senhor me diz que ela estava no convento!

Enzo – Eu não sei o que está acontecendo em tua cabeça, rapaz. O que falas não faz sentido. Quando dizes ter visto isso?

Adelmo – Pensei que havia sido há pouco tempo.

Nesse momento, Simone aparece, vindo do mesmo caminho que Adelmo.

Simone – Meu filho, eu falei para não saíres de casa enquanto não estiveres bem. Venha comigo, Adelmo.

Adelmo – Não, mãe. Preciso entender o que está acontecendo. Por que a senhora não me disse que Agnella estava no convento?

Simone – Porque sempre que eu falava nessa moça, tua cabeça doía. Devem ser tuas memórias, que ainda não voltaram.

Prudência – Então tu perdeste a memória?

Adelmo – Sim… Eu me lembro das coisas como se elas tivessem ocorrido há pouco tempo, quando na verdade elas são mais antigas… Assim como agora. Eu me lembrei de algo sobre Agnella que parece ter acontecido há mais tempo, mas eu não sei quando…

Enzo – Ah, eu compreendi. Isso que disseste, rapaz, ocorreu há mais ou menos dois meses. E o tal homem de quem falaste já foi embora daqui. Espero inclusive que esteja bem longe no momento.

Simone – Agora, vamos, meu filho. Tens que descansar.

Adelmo – Tudo bem, mãe. Eu acho que já descobri coisas demais por hoje. Senhor Enzo, senhora Prudência, com licença. Muito obrigado pelo que falaram. Os senhores podem ter certeza de que eu não descansarei enquanto não encontrar a filha de vocês.

Adelmo vai embora. Prudência respira aliviada. Enzo segue em direção às terras.

Cena 04: Igreja del Fiume.

Santorini, Francisca, Ottavio, Ricardo, Edetto e Izabella estão na nave da Igreja.

Ottavio – Padre, o senhor vai me desculpar. Eu sou muito grato ao senhor por ter me abrigado aqui hoje, mas eu preciso voltar para minha casa. Só me dói o coração o fato de não saber notícias sobre Gregório… Mas o senhor pode me avisar de tudo, não é?

Santorini – Não há necessidade de voltar agora. Eu entendo que o senhor está preocupado com sua casa, mas eu lhe garanto que não tardará até encontrarmos seu filho.

Ottavio – Não, padre. Meu povoado não é tão distante. Eu estarei rezando por meu filho de lá, e eu confio que o senhor me colocará a par de todas as coisas que souber acerca dele… (Ele olha pra baixo) Por que, padre? Por que ele fez algo assim comigo?

Santorini – Nós não sabemos, ainda. Mas acalme seu coração. Não te preocupes tanto. E tudo bem, vá em paz. Sempre que houver uma nova notícia sobre Gregório, eu o avisarei.

Ottavio – Muito obrigado, muito obrigado, de verdade. Bom dia, padre.

Ottavio sai. Santorini é abordado pelo bispo Ricardo.

Ricardo – Padre, precisamos concordar que essa situação está um pouco constrangedora. Eu havia vindo para celebrar uma cerimônia de ordenação, mas me deparo com a fuga de um seminarista e de duas noviças. O senhor tem certeza de que estava tudo bem por aqui?

Santorini – Meu caro bispo, para nós é difícil conhecermos o coração do homem. Exteriormente, tudo parecia bem. Interiormente, somente Deus pode afirmar.

Ricardo – Entretanto, padre, as pessoas costumam fornecer sinais que denunciam seu estado. Muitos deles, sutis, mas nós, que estamos aqui para cuidar dessas pessoas, devemos sempre estar preparados, treinados, a fim de captá-los quando forem soltos no ar. E eu acredito que o senhor é capaz disso. E, se me permite dizer, o que pode ter faltado foi mais ação. Estou certo?

Santorini – (Mexe a cabeça, como quem está em dúvida) Talvez, bispo. Eu só gostaria de esclarecer ao senhor que eu sou um padre, digamos assim, que confia nos outros. E, como eu conhecia as suas famílias, ou pelo menos a do rapaz e a de uma das moças, eu não cheguei a desconfiar de nenhuma possibilidade de surpresa por parte deles.

Ricardo – Tudo bem, tudo bem. Eu também confio no senhor e no seu trabalho. (Olha para a porta da igreja) O dia está lindo, não acha? Irei contemplar o céu, essa maravilha divina. O senhor me acompanha?

Santorini – Não, obrigado. Quero tomar conhecimento do que se passa ali.

O padre, então, se dirige aos outros três presentes na nave.

Izabella – Pois bem, padre. Nós decidimos que ficaremos aqui até a nossa serva ser encontrada.

Edetto – Eu já enviei um aviso a minhas terras, para que viesse um dos homens especialistas em procurar servos que fogem para a floresta. Só torço para que sua presença não seja mais necessária quando chegar, que Valentina já tenha sido encontrada.

Francisca – Me perdoe, senhor Edetto, mas da maneira que o senhor fala, me parece que esses mesmos homens que diz serem especialistas foram aqueles que permitiram a Valentina estar por aqui no momento. (Edetto assume uma expressão raivosa) E, por favor, não me entenda mal. O que quero dizer é que nós mesmos podemos encontrar os fugitivos, que não há necessidade de desconfiar da capacidade do nosso exército: um povo faminto por novidade, aventuras. Ah, e com medo, claro. Afinal de contas, é uma afronta a Deus o que eles fizeram, e quem for conivente com isso também o afronta. Não é mesmo, padre?

Santorini – Exatamente, irmã. Eu tenho plena certeza de que quando esse povo vir os três que fugiram, nos contarão onde estão.

Edetto – E se eles não virem?

Francisca – Impossível. Em algum momento, com certeza eles vacilarão. Não são tão espertos quanto pensam. Principalmente a menina, a apaixonada. Com certeza ela será vista logo. E quem a vir, descobrirá os outros. E os delatará a nós.

Izabella – Assim esperamos.

Francisca – Assim será.

Cena 05: Termes. Casa de Giancarlo. Final da tarde.

Giancarlo chegou com Gustavo a sua casa. Foi recebido por Cecília.

Cecília – Pai! Senhor Gustavo, estou surpresa por vê-lo aqui.

Giancarlo – Filha, eu devo anunciar que Gustavo, teu futuro marido, é o mais novo morador da casa!

Marlete vem chegando da cozinha.

Marlete – Esse rapaz irá morar conosco? Isso é realmente surpreendente. Assim, tão cedo? Nem se casaram ainda…

Giancarlo – Sim, realmente não é o mais tradicional a ser feito. Mas os recursos, as condições dele de se manterem na cidade morando em uma estalagem são insuficientes. E nós achamos que é melhor para ele que fique conosco. Não é mesmo, rapaz?

Gustavo – Sim, senhor. Eu também fiquei surpreso pelo convite. E o senhor Giancarlo me garantiu que o meu quarto e o de sua filha ficarão longe um do outro. Então, eu aceitei a chamada.

Giancarlo – E fez o que é certo. Agora, acho que é bom que te acomodes no quarto. Serás chamado quando o jantar estiver pronto. (Vira-se para um dos empregados) Por favor, leve-o para o quarto de hóspedes que está do outro lado da casa. Lá é o lugar ideal para que ele fique.

Gustavo e Giancarlo saem.

Marlete – Eu… Preciso sair agora.

Cecília – Aonde vais, minha prima?

Marlete – A nenhum lugar importante, Cecília. E, se perguntarem por mim, diga que eu voltarei logo, antes do anoitecer.

Marlete sai de casa.

Marlete – Era só o que faltava… Colocar esse estranho para dentro de casa, assim, do nada? Eu sei que ele é o tal prometido, o que terá acesso ao tesouro… Mas essa atitude… É um total absurdo.

Ela dobra a esquina. Da sombra da parede, surge um homem desconhecido, que se coloca em sua frente e impede sua passagem. Ela dá um grito, se assustando.

Marlete – (Um pouco amedrontada, um pouco desafiadora) Quem és tu? O queres comigo?

Brás – Eu te vi saindo daquela casa, ali na outra rua. E fiquei me perguntando: por acaso conheces o dono da casa?

Marlete – Por que queres saber? Não vejo motivos para teu interesse. E também não vejo motivos para conversar contigo, um total desconhecido para mim. Com licença, por favor. Tenho coisas para fazer.

Brás – Calma, moça, calma. Eu não pretendo nada de ruim com a senhorita não… Eu só te fiz essa pergunta porque… Porque acredito que, se a senhorita tiver relação com o dono daquela casa, poderia se interessar pelo que eu tenho a dizer.

Marlete – Sobre Giancarlo? (Ri ironicamente) Eu duvido que conheças algo sobre Giancarlo. Nem mesmo és da cidade, nunca o vi aqui.

Brás – E quem disse que o que eu tenho a falar diz respeito ao dono da casa? Um homem respeitadíssimo, por sinal, de muito boa fama nesse lugar, até onde descobri.

Marlete – Pelo visto és bem informado. Mas então… Continuo sem enxergar razões para teres me parado nessa esquina. Se me permites, não estou com vontade de ouvir conversas inúteis hoje.

Brás – Percebo que és muito apressada. Serei direto, então: o que eu sei, eu sei sobre o outro homem. Aquele que entrou com o senhor Giancarlo na casa dele. E eu posso garantir: o dono da casa não gostaria em nada de ouvir o que eu tenho comigo.

Marlete – (Surpreendida) Então… Conheces Gustavo? Mas de onde?

Brás – Eu venho do mesmo lugar que ele. E então, a senhora se interessa em ouvir minha história?

Marlete – Bem… Eu fiquei curiosa, confesso. Como te chamas, mesmo?

Brás – Meu nome é Magno. E a senhorita?

Marlete – Marlete. Muito prazer. Eu posso te escutar, sim. Só gostaria de saber qual o interesse que tens em me contar algum “segredo”.

Brás – O mesmo que eu acredito que a senhorita deve ter, caso seja da família. És da família?

Marlete – Tudo bem, eu admito que sim, eu sou. Sou como uma sobrinha do dono da casa, filha do irmão de sua falecida esposa; o que, no final das contas, não resulta em tanto, não. Nunca sou tratada como um parente legítimo. (Cai em si) Ah, mas eu estou expondo minha vida para o senhor? Afinal de contas, por que queres saber de tudo isso, hein?

Brás – Porque, como disse, imagino termos um interesse em comum: um certo… Tesouro.

Marlete arregala os olhos, e afasta Brás para um lugar escuro, num beco. Começam a falar baixo.

Marlete – Quer dizer que também sabes do tesouro? Como sabes disso? É por isso que queres (fala com uma imponência irônica) me revelar um segredo?

Brás – Exatamente. Aliás, não é simplesmente um motivo, é uma condição: eu quero ter acesso ao tesouro dessa família. Eu quero ter a garantia de que terei acesso a ele. E, aí, eu conto tudo.

Marlete – Sinceramente, está sendo muito petulante! E eu não consigo relacionar as coisas que o senhor fala. Gustavo e Cecília, minha prima, irão casar, possuirão o tesouro que era dos seus avós, e então farão o que quiserem com ele. Não é comigo que o senhor tem que falar.

Brás – Claro, eu poderia ir diretamente ao senhor Giancarlo, mas não acho que ele atentaria a nenhuma palavra minha. Não se eu estivesse sozinho.

Marlete – (Se desinteressando) E o senhor quer que eu o ajude? Não vejo que razão eu teria para isso.

Brás – E se a senhorita conseguisse o tesouro, também? E se, digamos… Os dois, Gustavo e Cecília, não chegassem a se casar?

Marlete volta a se interessar.

Marlete – Bem… Isso mudaria o jogo. É aí, então, que se encaixa a tal história sobre Gustavo? Ela seria capaz de desfazer o casamento e desvinculá-los do tesouro? Mas isso seria impossível. Eles continuariam como herdeiros.

Brás – Se a senhorita tivesse paciência para me escutar…

Marlete – Está certo. Conte tudo o que quiseres.

Brás – Se a senhorita for mesmo paciente, esperará até amanhã. E me ajudará a pagar a estalagem, afinal sou um viajante.

Marlete – Como? Tu queres que eu pague tua estada na cidade? É óbvio que não faria isso!

Brás dá as costas para ela.

Brás – Nesse caso, não haverá história nenhuma. Descobrirei outra maneira de revelar o segredo e garantir este tesouro.

Marlete – Tá, tudo bem. Eu desisto. Pegarei alguma joia minha para servir de escambo. Eu só espero que o senhor não se acostume. Espere-me aqui. Irei em casa, voltarei com a joia e o senhor partirá para onde quiser.

Marlete sai, um pouco raivosa. Brás dá um sorriso.

Cena 02: Floresta ao redor do Povoado das Hortaliças. Dia seguinte. Manhã.

Inês e Pero estão em um lugar afastado de Gregório, Valentina e Agnella.

Inês – Pero, eu não conseguirei ficar quieta por muito tempo. Eu ainda acertarei minhas contas com essa despudorada que tu estás colocando perto de ti, perto de nós! Exatamente como Brás fez! Por acaso também me trancarás no quarto, me prenderás na casa?

Pero – Tens que ter calma, Inês, e cuidado. Primeiro porque não estamos casados, e, portanto, eu abrigo quem eu quiser em minha residência. Segundo porque eu acredito em Valentina. Tu e eu sabemos quem era Brás. Depois do que ele fez, ao mentir para ti e ser covarde ao ponto de te tornar sua prisioneira, não é nada surpreendente descobrir que esta moça também foi vítima dele. Por favor, Inês, irás me prometer que não farás nada contra Valentina. Melhor ainda: que irás pedir perdão, e perdoá-la também, pelo que aconteceu.

Inês – Eu não sei. Sei que é importante perdoar, mas não sei se estou preparada para isso. Eu tentarei me controlar, por tua causa. Mas perdoar, me entender com essa mulher aí… Não será hoje que isso acontecerá.

Pero – (Suspira) Ai, ai… Teu gênio sempre difícil, não é, minha flor? Acho até que é isso que me atrai em ti…

Inês – Hum… (Um pouco zombadora) E ainda pedes que eu mude? Está difícil de te entender, hein, Pero?

Pero – Não, não. Eu sempre fui e sempre serei o mesmo apaixonado por ti.

Os dois dão um leve beijo.

Cena 03: Floresta ao redor do Povoado das Hortaliças. Tarde.

Valentina e Gregório conversam.

Valentina – Eu só queria que ficasse claro que eu apenas concordei em vir para esse lugar como uma medida paliativa. Ainda não me sinto totalmente segura. E, se depender de mim, sairemos daqui quanto antes possível.

Gregório – Eu te entendo, Valentina. Por mais que estejamos longe da vista das pessoas, estamos próximos demais de onde elas realmente podem nos ver. Entretanto, esse é o único local onde podemos nos “abastecer”, nos preparar de verdade, antes de partir para essa viagem que tanto queres… Ou melhor, que tanto queremos…

Valentina – Ainda estás em dúvida sobre tuas atitudes, Gregório? Por favor, se estiveres, nós nos despediremos agora mesmo.

Gregório – Não, Valentina. Não é isso. Só estou me deparando com situações novas. Mas os motivos que me levaram a vir embora contigo permanecem. Aquele não era o meu espaço. Eu percebi que me sinto bem somente quando estou ao teu lado, aqui, do lado de fora. És como um refúgio, um porto seguro para mim. Depois de Jesus, é claro.

Valentina – (Sorri, embaraçada) Sim, percebo que ainda estás confuso. Eu também, por mais convicta que seja de todas as minhas ideias sobre algumas das vidas que levamos, às vezes me deparo com dúvidas. Porém é para isso que existem pessoas como tu, que nos permitem ver como não estamos sozinhos, como nossos problemas podem ser resolvidos se não formos apenas um…

Gregório – Valentina, eu só posso te agradecer por ter me feito enxergar, e entender tudo o que se passava comigo. O único pensamento que consigo ter é que foi Deus quem te colocou no meu caminho. Eu sinto como… Como se Ele tivesse uma espécie de missão para nós dois.

Gregório e Valentina seguram-se pelas mãos, e aproximam os rostos. Nesse momento, eles ouvem um barulho de passos. Então, dirigem seus olhares para o local de onde estes vêm.

Valentina – Mas, mas, isso é Agnella?

Gregório – O que ela faz indo em direção ao povoado?

Cena 04: Termes. Casa de Giancarlo. Quarto de Gustavo.

Gustavo está sentado na cama.

Gustavo –

Oh mi’amor, quero tua calma.

De tua beleza estou longe

E tua lembrança se esconde!

Já não descansa minh’alma.

Por que precisei jogar

O meu amor pelo vento,

E vê-lo, no firmamento,

Além das nuvens, do ar?

Só quero passar o muro

E encontrar-te do outro lado…

Mas será? Tenho sonhado

O que não posso alcançar?

Gustavo – É… Talvez estejam melhores… Mas como posso melhorar a cantiga, se estou longe de minha inspiração?

Alguém bate na porta. Gustavo vai abri-la.

Gustavo – (Surpreso) Cecília? Como conseguiste vir aqui? Pensei que nossos quartos ficavam tão separados, a fim de que não nos encontrássemos antes do… Casamento.

Cecília – Ah, sim, é verdade. Mas existe problema em apenas conversarmos? Será que uma simples conversa é errado? (Sorri) Eu acho que não. E, pelo visto, os empregados de meu pai também não.

Gustavo – Hum, pois bem. Já que vieste conversar, eu deixo. (Ele ri) Também não vejo problemas. (Fala um pouco para si) Apesar de que isso já me custou caro…

Cecília – O que disseste?

Gustavo – Nada. Foi só uma ideia sem muito nexo, uma lembrança desimportante. Vamos sentar?

Eles sentam.

Cecília – Sabe, Gustavo, eu preciso te dizer algumas coisas sobre mim as quais julgo serem necessárias, antes de quaisquer ações serem tomadas daqui para frente. Eu sinto que devo contar-te um pouco dos meus pensamentos…

Gustavo – Então, (ele ri, brincando) essas apresentações pessoais costumam ser feitas pelos nossos pais, mas isso não importa agora. O que queres falar?

Cecília – Pois bem. Eu não pretendo ser enfadonha; então, se achares que estou falando demais sobre mim, por favor, me interrompa. (Gustavo acena com a cabeça) Eu só queria te dizer… Que eu sempre fui uma pessoa de sonhos. No final de tudo, o maior deles sempre foi ser feliz. Sempre queremos ser felizes, não é?

Gustavo – (Quase sussurrando) Aristóteles…

Cecília – Como? Oh, me desculpe. Vou continuar. (Pausa) Eu acredito que sou um pouco diferente dessas outras moças de hoje. A felicidade é minha meta, mas eu nunca depositei em um casamento a esperança de que ele seria o meio para alcançá-la. Pelo menos, não o único meio. Nem sempre se consegue viver com alguém e estar alegre, ao mesmo tempo. E que Deus me perdoe por isso, mas nem todos os casamentos formam casais.

Eles riem.

Cecília – Olha, eu e tu estamos prometidos em casamento desde crianças, talvez até desde antes de nascermos, com a promessa de recebermos um tesouro que foi de nossos avós. Talvez tu me ouças e tomes para si que eu sou ambiciosa, porém eu não sou. Eu só penso que, se é nosso direito possuir tal tesouro, não poderá ser com ele que eu alcançarei a felicidade? Ou não poderá ser ele um complemento essencial para uma vida feliz? Não sei, ele pode acabar não significando nada, não contribuindo em nada para isso… Mas, e se ele for importante? O que tu achas, Gustavo?

Gustavo – Eu não sei como te responder… Mas de fato, eu nunca criei tantas expectativas com relação ao… Tesouro.

Cecília – Compreenda-me, não são exatamente expectativas. São apenas esperanças. Todavia eu sou uma pessoa, como se diria, realista. Eu não sonho alto, eu planejo meus passos, meus sentimentos de acordo com a realidade que eu posso alcançar. E eu vim aqui para compartilhar isso contigo porque eu queria saber se tu também tens os mesmos sonhos que eu. Afinal, deveremos nos casar em breve, e eu gostaria de poder te auxiliar em tudo que for possível, e de ser amparada também. Mas, por favor, como eu havia dito, não quero que me entendas mal. Se essa conversa estiver te sufocando, se tu achares que eu estou sendo muito direta, se achares que eu estou te atacando com minhas palavras e meus sonhos, não hesites em me dizer. Eu não tenciono desapontar nem afugentar ninguém.

Gustavo se levanta, dá às costas para ela, anda um pouco no quarto com a mão no queixo e os olhos reflexivos. Então, ele volta ao seu lugar.

Gustavo – Cecília, tu foste corajosa e sincera comigo. E por isso eu também não posso esconder nada de ti. (Inspira profundamente) Por favor, te peço, da mesma maneira, que não me entendas mal. Antes de vir para cá, eu… Me apaixonei por outra mulher.

Cecília – Como?

Cena 05: Floresta próxima ao Povoado das Hortaliças.

Agnella está saindo da floresta.

Agnella – Eu preciso encontrar meus pais… Eles precisam me dizer de Gustavo… Eles precisam me levar até onde ele estiver…

Atrás dela, a uma distância razoável, estão Valentina e Gregório.

Valentina – Não podemos permitir que ela saia dessa floresta. Agnella! Volta aqui!

Gregório – Agnella! Não faças isso!

Mas ela não ouve.

Cena 06: Termes. Quarto de uma pequena estalagem.

Brás abre a porta para Marlete.

Brás – Demorou um pouco, não, senhorita?

Marlete – Não achei que deveria me apressar muito. Nem sei se o que tem para me dizer é verdade… E o senhor não está em condição de me cobrar tanto, não é? Já o estou ajudando demais. Vamos lá, não quero perder tempo. Pode desenrolar o novelo.

Brás – Está certo. Mas olha só: enquanto eu não colocar minhas mãos no prêmio, a senhorita não estará livre de mim.

Marlete – Por favor, essa ameaça não funcionou. E então, irá contar esse segredo que pode separar minha prima do outro, ou não irá?

Brás – Sente-se, por favor. O que eu tenho a dizer é chocante.

Ela se senta.

Marlete – Esses adjetivos inúteis só me fazem perder a paciência! Resuma tudo: o que o senhor sabe sobre Gustavo?

Brás – Pois bem. Em primeiro lugar, sei que ele começou a se engraçar para uma moça da região onde eu morava. Eles quase chegaram a noivar, mas eu mesmo ajudei os pais da tal garota a perceberem quão leviano esse rapaz era. Isso porque eles dois se encontravam às escondidas, sem o conhecimento nem o consentimento de ninguém.

Marlete – (Sorrindo levemente) Prossiga.

Brás – Depois que sua tentativa de noivar a moça falhou, ele embarcou em uma viagem para cá. Eu também estava nessa viagem, mas de modo independente do dele. Na verdade, o nosso destino final era Jerusalém. Era a Guerra Santa contra os mouros que a invadiram. Posso garantir à senhorita que não estava nos planos dele, muito menos nos meus, parar em outro lugar a não ser na Cidade Santa.

Marlete – Nesse caso… Eu não entendo. Que motivos ele teria para não vir para cá? Não é aqui que nós moramos, que a mulher prometida a ele mora? E, também, se ele não viria para cá, por que desistiu da ideia e desembarcou em Termes? (Encara Brás fixamente) Muito bem, senhor Magno, o senhor tem muito a explicar.

Brás – E eu estou disposto a isso. Se eu dissesse à senhorita, por exemplo, que Gustavo não é quem ele diz ser, a senhorita se assustaria? (Brás sorri, maliciosamente)

Marlete – Como? Repita isso, por favor. Seja mais claro.

Brás – Mais claro do que serei, impossível: minha cara Marlete, Gustavo simplesmente não é o herdeiro da fortuna do pai de Giancarlo. Ele não é, nunca foi, neto de um dos homens que encontrou o tesouro!

Cena 07: Povoado das Hortaliças.

Adelmo está caminhando em seu cavalo.

Adelmo – Ai, Agnella, por que sempre que penso em ti minha cabeça dói? Eu acho que preciso ir a um local calmo para tentar ficar mais relaxado. (Ele pensa um pouco) E por que não o rio? Seria uma ótima escolha. Pensando bem… Eu acho que não tomarei o caminho de sempre. Hoje eu quero me aventurar um pouco mais. Só espero que meu corpo já esteja pronto para isso. Não quero sofrer outro acidente…

Ele ri de si mesmo. Toma a direção de um caminho alternativo que leva ao rio. Quando ele chega às proximidades da casa de Pero, leva um susto.

Adelmo – Ai, meu Deus. Eu estou enxergando direito, ou essa é… (Grita) Agnella!! Agnella, minha Agnella! Eu te encontrei! Eu te encontrei!

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