CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 11
Cena 01: Convento. Antessala da sala da irmã Francisca. Tarde.
Quando Valentina entrou no espaço aberto na parede, carregando um dos lampiões, notou que ele não era um simples buraco. Dava para andar nele. Ela então, andou um pouquinho, quando visualizou uma escada, para baixo. Desceu.
Valentina – Isso… É um corredor subterrâneo! Mas onde fica o final dele?
Valentina andou um pouco, até encontrar uma porta. No momento em que ia abri-la, a luz do lampião se apagou.
Valentina – Que raiva! Preciso voltar agora.
Ela segue o mesmo caminho que tomou, até chegar novamente à antessala. Ia pegar o outro lampião, mas teve a impressão de ouvir passos.
Valentina – Preciso sair daqui. Mas como fechar isso? Será que é assim?
Ela trocou os lampiões de lugar mais uma vez. Então, os blocos de pedra se reorganizaram e a parede voltou ao normal. Então, saiu da antessala, mas não viu ninguém.
Valentina – Ufa! Não foi dessa vez. Mas eu prometo a mim mesma que ainda descobrirei aonde vai dar esse corredor.
Cena 02: Povoado das Hortaliças. Casa de Pero. Tarde.
Pero havia voltado mais cedo das terras.
Pero – É hora de ver a minha Inês!
Então, ele sai, e vai em direção a um ponto da floresta próximo de sua casa, mas escondido da vista do povoado. Lá, espera um pouco, até que Inês chega.
Inês – Camponês!
Pero – Minha flor do campo! Como estás bela hoje!
Inês – Obrigada, Pero. Demorei muito para chegar?
Pero – Não. Eu espero o tempo que for necessário quando se trata de estar contigo.
Inês – Que bom. Assim, poderemos tornar esse lugar nosso ponto de encontro, até eu findar meu luto.
Pero – E eu pedir a tua mão em casamento.
Inês – Isso mesmo.
Eles sorriem um ao outro. Se abraçam, e então, dão um beijo.
Cena 03: Convento. Tarde.
Valentina estava saindo para seu quarto, quando foi interpelada pela irmã Francisca.
Francisca – Olá, irmã Valentina!
Valentina – Oi, irmã Francisca.
Francisca – Percebo que estavas limpando o convento.
Valentina – Sim, senhora. Mas, graças a Deus, já terminei.
Francisca – Muito bem. Não fazes mais que tua obrigação, claro. Aliás, irmã Valentina, estive pensando sobre certas coisas que vi, e decidi que não precisarás mais realizar a limpeza, nem da igreja, nem do convento.
Valentina – (Fica alarmada) Mas… Por quê? Estive limpando mal, foi isso? Eu prometo que me esforçarei e…
Francisca – Não. Está decidido assim. Confesso até que me surpreendo com tua reação, irmã Valentina. Sabe, pensei que foste achar essa uma decisão boa. Menos trabalho, não é mesmo?
Valentina – Não… Sim… Mas…
Francisca – Mas já que estás tão disposta, colocarei a irmã para limpar o convento duas vezes ao dia aos sábados e domingos. Bem, preciso ir. Tenha uma boa tarde. E até daqui a pouco.
Valentina – Até…
Valentina, então continuou o caminho até seu quarto. Ao chegar lá, encontrou Agnella inquieta, caminhando de um lado para o outro.
Valentina – Algum problema? Estás agitada.
Agnella – Ah, é verdade. Sabe, eu tinha ouvido a freira mandar meus pais conversarem com o padre, quando ele chegasse de viagem. E hoje foi a missa oficial de minha apresentação, e isso me deixou mais aflita ainda. Porque eu não quero ficar… Eu preciso sair. Eu preciso encontrar Gustavo!
Valentina – Calma, minha querida. Precisas ficar calma. (Ela pega Agnella pelo braço e as duas sentam em sua cama.) A propósito, tu não me falaste quase nada sobre ti, sobre ele. Apesar, é claro, de eu ter uma ideia.
Agnella – Eu… Sempre fui uma camponesa, nada além. Mas Gustavo, um filho de senhores feudais. Um homem belo… Nós nos amávamos, nós nos… Bem, mas ele foi embora. (Uma lágrima cai do olho.) Porém eu tenho certeza de que ele me ama. Ele deve ter tido que resolver algum problema, mas ele vai voltar. (Categórica) Eu sei. Mas… E se ele voltar, e eu estiver aqui? (Outra lágrima cai. Ela suspira) Aliás, tu também não me falaste nada sobre ti. Vamos, diga-me. Até hoje, só sei teu nome.
Valentina – (Fica séria) Agnella, não fiques zangada, mas eu te garanto que, sobre mim, só precisas saber meu nome mesmo. Minha história não é muito interessante. Não como a tua. Nunca tive um amor… (Em pensamento) Amar… (Em voz alta, novamente) Mas continue o que estavas falando.
Agnella – Então, é por isso que eu estava pensando. Deve haver um modo de fugir, não é? Se a gente seguir pelo corredor principal, e chegar até a primeira sala, a gente pode pegar o outro corredor e chegar à porta de entrada. Daí…
Valentina – Não! Não, não! Não é tão fácil! Esse caminho, por onde viemos, está sempre vigiado. Não dá para fugir por aí. Mas não te preocupes. Nós encontraremos outro modo. (Pensando) Eu só consigo pensar em um único jeito, ainda que, agora, sem a desculpa da limpeza, eu não possa andar mais com certa liberdade. Mas aquela porta… Ela dá em algum lugar, e eu vou descobrir!
Cena 04: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Tarde.
Adelmo estava sentado com sua mãe na sala.
Adelmo – Eu não posso ficar assim, desmemoriado. Mãe, diga para mim o que aconteceu depois do casamento de Inês. Eu quero ouvir. Eu preciso me lembrar de tudo.
Simone – Eu não sei, meu filho. Tenho medo dessa tua dor de cabeça.
Adelmo – Não precisas. Ela já está melhorando. Vamos, eu quero saber.
Simone – Tudo bem. Olha, Inês e Brás se casaram e se mudaram para a casa de Brás, que fica em frente à casa de Enzo…
Adelmo – (Levando a mão à cabeça) Ai!
Simone – Eu não te falei, filho! Eu te falei que seria ruim.
Adelmo – Continue, mãe, por favor… Pelo menos me diga sobre Agnella. (Sente a dor novamente) Ai!
Simone – Não. Tu lembrarás sozinho. O padre nos garantiu que é só rezarmos. E conversa acabada.
Simone sai, deixando Adelmo insatisfeito.
Cena 05: Navio. Popa. Tarde.
Gustavo está sentado. Lembra de Agnella, e, então, alguns versos saem de sua boca.
Gustavo –
Donzela de lindos olhos
Não posso te ter aqui
Nem ver-te bela a sorrir
Por isso eu quase choro.
À espera de ti estou
Esperando que o destino
Te traga a mim, e sorrindo
Dar-te um beijo eu vou.
Ele se levanta, e olha para o mar.
Gustavo –
O mar separa mi amor
O mar aumenta mia dor
O mar…
Gustavo – Não, esses versos não estão bons! Pelo menos não estão como os de Marconi! Mas são para ti, Agnella. Para ti.
Ele se senta novamente. Pega o colar.
Gustavo – Esse colar… O que será que me aguarda nessa tal cidade? (Gustavo divaga.) Esse Giancarlo, um comerciante… Meu avô nunca confiou em comerciantes, sempre me aconselhou a nunca confiar neles… Mas se bem que ele ficou louco com isso, coitado. Porém eu cumprirei o que prometi a Marconi. Mas eu só espero poder voltar para Agnella depois. Nada mais me importa, nada mais me importará.
9 dias depois…
Cena 06: Povoado de Buon Terreno. Manhã.
Gregório estava na casa de seu pai. O povoado fica próximo à Igreja del Fiume.
Ottavio – Meu filho! Há quanto tempo não nos vemos! E olha que há meses tu estás bem perto! Mas, mesmo assim, não vieste me ver! Sabes como me é difícil viver nessa casa sem tua mãe…
Gregório – Eu também sofro com a falta dela, pai. Mas precisamos ser sempre fortes, não é? O senhor mesmo me ensinou isso. E o senhor sabe que eu não posso deixar a Igreja. Só vim aqui para lembrar ao senhor da minha ordenação.
Ottavio – (Abre um sorriso) Ora, mas se tu pensas que me esqueci disso, estás muito enganado! Pelo contrário, todos os nossos vizinhos já sabem desse tão lindo acontecimento. Meu filho, padre! Sabe, Gregório, faz tanto tempo desde que partiste para o seminário, que até pareceu que esse dia nunca chegaria. E já é amanhã!
Gregório – (Tentando demonstrar felicidade) Sim, pai, é verdade. Tantas lutas, sofrimentos, mas chegou o dia…
Ottavio – (Olha para o lado) O dia mais feliz da minha vida, desde que perdi a Susana. (Vira o rosto abruptamente) Não te preocupes, eu estarei na igreja. Ela fica perto, o que torna tudo mais fácil. Aliás, mais perto até que a outra para a qual eu vou; mas, cá pra nós, as freiras que a frequentam são mais simpáticas. Mas eu irei, bem cedo, para prestigiar esse teu momento.
Gregório – Então, pai, adeus. Amanhã nos vemos.
Ottavio – Adeus, meu filho. E reze por mim!
Eles se beijam, e Gregório sai em direção à igreja. Em dado momento do caminho, passa por um trovador sentado à porta de uma casa.
Trovador –
“Senhora minha, desde que vos vi,
lutei para ocultar esta paixão
que me tomou inteiro o coração;
mas não o posso mais e decidi
que saibam todos o meu grande amor,
a tristeza que tenho, a imensa dor
que sofro desde o dia em que vos vi.”
Gregório apressa o passo.
Gregório – Por que fui ouvir esse homem? Agora pensamentos querem vir, querem me dizer coisas… Preciso afugentá-los.
Nessa intenção, ele passa o caminho todo até chegar à Igreja del Fiume, e passa pelo padre, sem perceber que ele estava lá.
Santorini – Meu Deus, e Nossa Senhora, sua mãe, que esse rapaz seja um bom padre! Que ele possa ficar firme nesse propósito!
Cena 07: Navio. Manhã.
Gustavo ainda não tinha saído do navio. Ouviu alguém gritar algo, do lado de fora, que o fez sair.
Gustavo – Acho que chegamos…
Ao sair, viu o navio se aproximar de uma praia. Um pouco próxima a ela, havia um muro, extenso, com um portão ao meio. Ele estava aberto, e havia pessoas indo e vindo. Dentro, podiam ser vistas casas. Alguém, próximo a Gustavo, repetiu o que ele havia ouvido antes.
Homem 1 – Chegamos a Termes!
Homem 2 – Uma cidade, até exótica em um mundo rural como esse. Nossa primeira parada. Alguns homens irão descer num bote para abastecer o navio para a viagem.
Gustavo aproveitou que todos tinham saído para ver a cidade, entrou no navio e se dirigiu ao seu “quarto”. Amarrou as suas coisas em um saco praticamente impermeável que achou na despensa do navio, e saiu por outra porta, se escondendo em um lugar vazio na lateral da embarcação. Esperou o navio ancorar mais perto da praia. Então, inspirou profundamente, para se encorajar. Pulou na água e nadou um pouco, o mais perto possível do navio, até poder ficar em pé, sempre tomando cuidado para não molhar muito suas coisas. Então, correu, e, para que não fosse visto, se misturou às pessoas que entravam e saiam de Termes. Atravessou o portão. Quando julgou estar seguro, pôde suspirar.
Gustavo – Então essa é a cidade onde deve estar o tesouro que Marconi me confiou… O que encontrarei aqui? Sinceramente, não sei. Mas que Deus me ajude a partir de agora.
Gustavo ajeita seu cabelo, suas roupas, e confere sua bagagem, constatando que está tudo certo com ela. Olha à sua volta. Percebe que as pessoas vão e vem, em um grande fluxo, para um determinado local. Resolve segui-las, e chega uma feira, apinhada de comerciantes. Dirige-se, então, a uma pessoa que estava por lá.
Gustavo – Por favor, podes me dizer onde fica a banca de Giancarlo, um comerciante da cidade?
Homem – Giancarlo? (Pensa um pouco) Sim, sim, que cabeça eu tenho! É um comerciante muito famoso e muito querido aqui. É aquela lá. (Aponta para uma banca no centro da feira.)
Gustavo – Muito obrigado.
Gustavo, então, segue até o lugar apontado. Ao chegar, encontra um garoto.
Garoto – Bom dia, senhor. Queres trocar ou comprar algo?
Gustavo – Não, obrigado. Eu gostaria de falar com o dono dessa banca, o senhor Giancarlo. Ele se encontra?
Garoto – E se eu disser que o senhor por pouco não o vê? Ele tinha chegado há pouco tempo, mas sentiu uma dor de cabeça e foi para sua casa. Se o senhor quiser, eu posso dar um recado.
Gustavo – Não, obrigado. Prefiro eu mesmo conversar com ele. Tu poderias me informar onde fica a sua casa?
O garoto, mesmo um pouco desconfiado, passa a informação.
Garoto – Olha, se eu fosse o senhor, não ia lá hoje. Geralmente ele fica bastante mal-humorado quando tem essas dores. Mas o senhor pode falar com ele amanhã bem cedo em sua casa, ou então aqui mesmo, na feira.
Gustavo – Verei o que farei. Muito obrigado. E tenha um bom dia de trabalho.
Gustavo sai, mas volta em seguida.
Gustavo – Já ia me esquecendo. (Então, Gustavo abre o saco com suas coisas, e tira de lá algumas roupas) Essas roupas são de lã pura, verdadeira. Sabes se são suficientes para pagar algumas noites em uma estalagem da cidade?
Garoto – (Ele pega as roupas e as examina) Bem… Elas são boas. Devem dar para três ou quatro noites em uma estalagem simples. O senhor quer trocá-las?
Gustavo – Por favor. Aliás, onde fica uma dessas estalagens?
O garoto pega as roupas, e entrega algumas moedas a Gustavo. Diz também o caminho para chegar até lá. Gustavo, então, vai até a estalagem e aluga um quarto.
Gustavo – Amanhã. Amanhã eu irei até a casa dele. Espero a imagem de meu avô sobre comerciantes não seja real. É… Amanhã será um dia longo.
Gustavo deita na cama. Uma lembrança lhe vem à mente.
– Flashback –
Gustavo estava na biblioteca subterrânea. Estava lendo “O Banquete”, de Platão. Então,sua leitura é interrompida por passos, vindos do outro lado da biblioteca subterrânea. Uma pessoa havia entrado, e pegado um livro, que, aliás, deixara Gustavo assustado. Impulsivamente, ele decide descobrir de quem se tratava. Seguindo o som dos passos, ele corre na direção da pessoa misteriosa. Até que, no momento em que essa pessoa chega à porta, ele visualiza sua sombra. Entretanto, quando ele tenta se aproximar, a porta é fechada.
– Fim do Flashback –
Gustavo – Mas quem aquela sombra me lembra? Quem, meu Deus?
Cena 02: Igreja del Fiume. Quarto de Gregório. Dia seguinte. Manhã.
Gregório havia dormido pouco. Estava acordado havia uma hora e meia, mas não tinha tido coragem de se levantar da cama. Até a porta ser aberta.
Santorini – Meu filho, ainda não estás de pé?
Gregório – (Sentando) Não, padre. Eu dormi mal, e estava um pouco cansado. Acordei faz uma hora e meia.
Santorini – Eu te entendo. A ansiedade, o nervosismo, a emoção… São grandes, não é, meu filho?
Gregório – (Sorri um pouco) Sim, senhor.
Santorini – Mas você precisa se controlar para estar bem durante a cerimônia. O bispo Ricardo já chegou. Será ele quem presidirá a tua ordenação. Agora, tu precisas te arrumar. Antes, porém, alguém quer falar contigo.
Ottavio entra. Santorini sai.
Ottavio – (Abrindo os braços) Meu filho! Já estou aqui! Passaste bem o dia ontem? Dormiste bem?
Gregório – Sim, papai.
Ottavio – Estás pronto? Olha que não quero ver meu filho fazer feio, hein? É um dia tão belo…
Gregório – O senhor pode ficar tranquilo, meu pai. Dará tudo certo. O filho do senhor não decepcionará em nada.
Ottavio beija a testa de Gregório e sai.
Gregório – Em nada, meu Deus… Em nada.
Cena 03: Termes. Casa de Giancarlo. Manhã.
À frente da casa de Giancarlo, um homem está parado. Ele inspira uma vez, expira, e bate à porta. Ela é aberta por uma mulher, sempre simpática ao falar.
Cecília – Pois não, cavalheiro?
Gustavo não responde de imediato. Ele foi atraído pelo sorriso dela.
Gustavo – Eu gostaria de falar com o senhor Giancarlo. Ele se encontra no momento?
Cecília – Sim, sim. O senhor não quer entrar?
Gustavo – Claro. Com licença.
Gustavo entra. Cecília chama o pai.
Gustavo – Bom dia, senhor. Eu gostaria de conversar sobre um assunto sério.
Giancarlo – O senhor… Como é mesmo o seu nome, rapaz?
Gustavo – Gustavo. Muito prazer.
Giancarlo – O senhor vai me desculpar, mas eu preciso ir à feira. Sou um comerciante, tu deves saber. E estou atrasado. Com licença.
Gustavo – Mas o que eu tenho para falar é muito importante.
Giancarlo – Contudo precisarás aguardar mais um pouco. Agora eu preciso ir. Bom dia para o senhor.
Giancarlo sai. Gustavo também vai saindo, mas Cecília o chama.
Cecília – Com licença, senhor. Eu vejo que está realmente interessado em falar com meu pai.
Gustavo – Sim, mas ele não pôde me atender agora. Ontem mesmo o procurei na feira, mas ele não estava… Vejo que terei que esperar mais um dia.
Cecília – O senhor não precisa se preocupar. Meu pai às vezes é um pouco rude, mas é uma boa pessoa. Olha, darei um jeito de falar com meu pai, e conseguirei que ele o receba ao final da tarde, para o jantar. O senhor será nosso convidado.
Gustavo – Eu realmente fico muito agradecido por isso. A senhorita pode me aguardar, então, porque eu aparecerei.
Cecília – Assim, estamos acertados. Até o jantar.
Gustavo – Até. Bom dia para a senhorita.
Cecília abre a porta, e Gustavo sai. Os dois sorriem.
Cena 04: Convento. Manhã.
Valentina e Agnella estão se dirigindo, junto com as outras noviças, à sala de entrada do convento.
Agnella – Por que será que a irmã Francisca mandou todas nós irmos à sala de entrada?
Valentina – Não sei… Achei isso bastante estranho. Ainda nem tomamos o desjejum! Além disso, não é aqui que a irmã Francisca costuma fazer as reuniões. Mas vamos em frente.
Elas continuam. Quando chegam à porta que dá acesso à sala de entrada, Valentina reconhece dois rostos que a alarmam.
Valentina – (falando baixo, mas nervosa, e um pouco assustada) Meu Deus! Agnella, vem comigo. Não podemos esperar mais. Temos que sair imediatamente daqui.
Agnella – Mas… A reunião…
Valentina – Esquece essa reunião.
Ela pega Agnella pelo braço e volta pelo caminho que haviam tomado.
Valentina – Presta atenção, estamos camufladas pelas outras noviças, mas já, já não haverá ninguém para nos esconder. Teremos que ser rápidas. Eu conheço um caminho que irá nos levar mais depressa.
Agnella – Mais depressa? Mas para onde, Valentina? Estás me assustando.
Valentina – Para o único lugar que deve nos tirar daqui. É a nossa chance, Agnella, de tentar fugir dessa prisão.
Cena 05: Igreja del Fiume. Sala do padre. Manhã.
Santorini, o bispo Ricardo e Gregório estão conversando.
Gregório – Mas por que o senhor me trouxe até aqui, padre?
Ricardo – Ele quis quebrar o protocolo, meu filho. (Eles dão leves risadas.) Aliás, de vez em quando ele gosta de quebrar protocolos.
Santorini – Somente em ocasiões especiais, e em coisas simples. O senhor sabe, eu não faço nada que seja realmente errado. Gregório, eu só o trouxe aqui para você se familiarizar, digamos assim, com a sala de um padre. A sala que, muito em breve, tu irás ocupar.
Gregório – Então… O senhor irá mesmo se tornar um bispo?
Santorini – Bem… Em pouco tempo, se o Senhor assim permitir. Mas, por enquanto, ainda ficarei contigo.
Gregório – Mas, mesmo assim, eu já havia entrado nessa sala outras vezes. O senhor sabe, para limpá-la.
O bispo Ricardo lança um olhar questionador a Santorini.
Santorini – Sim, meu filho, mas não como praticamente um padre. Eu quero que você olhe, que você leia algum sermão meu. Quero que esse seja um tempo seu, um tempo para uma rápida experiência. Não haverá problema em atrasar um pouquinho a cerimônia, não é, Bispo?
Ricardo – Você e suas ideias, Santorini… Não haverá problemas. Agora, vamos deixá-lo sozinho.
Santorini – Esteja na nave da igreja em meia hora, quando o sino badalar uma vez. Então, será ordenado padre!
Eles saem. Gregório senta na cadeira do padre, pensativo.
Cena 06: Convento. Antessala da sala da irmã Francisca. Manhã.
Valentina – Chegamos. Por pouco não fomos vistas, mas chegamos.
Agnella – Para onde me trouxeste, Valentina? Essa não é a sala da irmã Francisca?
Valentina – É quase ela. Mas isso não importa. O que importa é isso daqui.
Valentina vai até a parede onde estão os lampiões e os troca de lugar. O caminho secreto que ela havia encontrado no dia anterior se abre novamente.
Agnella – (Estupefata) Nossa Senhora! Isso é realmente surpreendente!
Valentina – Vem, Agnella.
Elas entram.
Valentina – Mas como fechar isso por dentro?
Então ela vê dois apoios iguais aos da parede, dentro do corredor. Ela pega os lampiões, e os coloca na mesma posição. A entrada para o caminho se fecha. Começa a andar, levando os lampiões.
Valentina – Creio que estamos seguras.
Agnella – E para onde iremos agora? Ai, como é desconfortável isso daqui…
Valentina – Mas só pode ser a única forma de irmos embora, E o fim desse caminho teremos que descobrir sozinhas.
Elas chegam à porta que Valentina havia visto. Estava trancada.
Valentina – Deve haver algum meio de abri-la…
Valentina passa a mão na parede, à procura de um espaço vazio. Até que encontra uma pedra que parece estar solta. Ela a remove, e, dentro, encontra a chave. Abre a porta. Elas atravessam-na, e Valentina a fecha novamente.
Valentina – Depressa! Vamos logo antes que a luz do lampião se apague!
Elas seguem em frente. Então, se surpreendem com o que veem.
Agnella – Estantes… O que elas têm? Se parecem com a Bíblia que o padre usa. Parecem ser… Livros. Será que foi deles que Gustavo havia me falado outro dia?
Valentina – Não temos tempo de ficar parando, pensando, nem olhando ao redor, Agnella. Até porque nenhuma de nós sabe ler, não é? Vamos em frente. Precisamos encontrar uma saída.
Elas caminham, passam por várias estantes. Até que algo chama a atenção de Agnella.
Agnella – Olha, Valentina, uma escada!
Valentina – Isso! Deve ser essa a saída que procuramos!
Elas sobem a escada.
Cena 07: Igreja del Fiume. Sala do padre. Manhã.
Gregório ainda está sentado na cadeira do padre. Está inquieto, aflito, suando. Suas mãos estão elevadas à cabeça.
Gregório – Eu… Eu… Chegou o dia. Esse é o meu destino, meu Deus. Serei um sacerdote teu.
Nesse momento, batidas chamam a sua atenção. Curiosamente, elas vêm exatamente debaixo de onde ele está sentado.
Gregório – O que é isso? Que batidas são essas? Que estranho…
Então, ele afasta a cadeira. Ao levantar o tapete, dá de cara com um alçapão.
Gregório – Mas o que pode estar debaixo disto?
Quando ele levanta o alçapão, leva um susto. As batidas estavam sendo feitas por Valentina e Agnella, que sobem as escadas e entram na sala do padre.
Gregório – O que… O que as senhoritas fazem aqui? Como… Como… Eu não estou entendendo…
Só então Valentina reconhece Gregório.
Valentina – (Surpresa) Então és tu! O sonho… Ele estava certo!
Agnella – Que sonho?
Valentina – Um sonho meu… Um sonho que, eu tenho certeza, não foi só meu.
Gregório – (Confuso) Por que as duas estão aqui? São noviças. Não deveriam estar no convento?
Agnella – Não. (Baixa gradativamente o tom de voz) Eu nunca deveria ter estado lá. (Volta ao tom normal, mas baixa-o novamente) Não. Eu deveria estar do lado de Gustavo…
Gregório – Eu preciso de explicações. Como chegaram até aqui?
Agnella – Nós… (É interrompida)
Valentina – (Taxativa) Não importa como chegamos. O que importa é que precisamos ir embora desse lugar. (Mais calma, se aproxima de Gregório) Eu, Agnella… E tu também.
Gregório – (fala rápido, mas sem muita segurança) Eu não tenho nada a ver com isso. Hoje é o dia da minha ordenação. Meu pai está aqui, muitas pessoas dos povoados ao redor estão aqui, o bispo e o padre estão me esperando para a cerimônia. E vocês duas precisam voltar para o convento.
Valentina – Me escuta, Gregório! Eu sei, eu posso ver em teus olhos que tu não queres ser padre. Estás aflito, estás confuso… Estás olhando para mim… Tu não podes sair agora.
Valentina se interpõe entre ele e a porta.
Gregório – P-por favor, me deixa ir agora. Esse é um momento muito importante para mim.
Valentina – Não, não é. Eu sei que não queres. Eu vi, no mesmo sonho que tu sonhaste. Tu estavas cabisbaixo, na floresta, e era eu quem te levantava. Eu! O teu destino não está lá, no lugar para onde tu queres ir agora. Não podes ir a essa cerimônia. Não podes fazer isso!
Gregório – (Tentando falar em tom desafiador) E o que eu vou fazer, então?
Valentina – Fugir. Fugir de um caminho que nós dois sabemos não ser o melhor para ti.
Gregório respira longamente. Ele se apoia na parede, procura a cadeira do padre, e senta.
Gregório – (Emotivo) É tudo muito confuso! Eu… Eu sempre achei que havia nascido para ser padre. Desde pequeno, meus pais quiseram isso, principalmente minha mãe. Puseram-me no seminário, eu os visitava sempre que podia… Mas aí minha mãe morreu… E eu decidi que iria até o fim, como um presente a ela. Um presente que eu não pude dar com ela viva… (Ele começa a chorar) Mas, um dia, eu te vi. E vi em ti uma mulher decidida, uma mulher… Bela. Cheguei a pensar em desistir algumas vezes, mas reprimia esse pensamento. Até ter o sonho, e, então, tudo ficou muito mais difícil. Eu confesso, Valentina, que, de certa forma, eu me senti ligado a ti, atraído por ti, não sei como, e que Deus não me castigue por isso… Mas eu não posso decepcionar meu pai, nem minha falecida mãe. Eu prometi a eles isso… Eu prometi a Deus isso…
Valentina – (Se ajoelha à sua frente) Presta atenção, Gregório. Esses sonhos… Eles só podem ser uma revelação divina! Nós dois sonhamos a mesma coisa, na mesma paisagem, fugíamos de uma mesma sombra… Foi Deus quem nos mostrou isso. Sabes o que Ele estava dizendo? Que esse não é o teu lugar. Esse não é o meu lugar. Vamos, é hora de ir embora daqui.
Gregório – Sabe, Valentina, eu aprendi que nós nunca podemos negar e resistir, quando Deus fala. Jonas tentou, mas foi parar em uma baleia… Mesmo, mesmo que haja uma briga dentro de mim, uma mistura de sentimentos, de medos… (Fala como se estivesse se esforçando muito para isso) Eu vejo que esse sonho deve ser um recado. Por favor, só me diz uma coisa… Uma coisa que está me incomodando… Sabe, eu estou sendo sincero, eu estou desabafando contigo, expondo minha dor, meus pensamentos. E eu estou realmente confuso, mas eu preciso me sentir mais seguro. (Ele se levanta) Tu repetes tantas vezes que precisas fugir. Mas por quê?
Valentina – (Se levanta também) Porque… Porque viver em um convento é viver aprisionada, é viver…
Gregório – Não, não, eu sei que tem algo além. No sonho, já estavas correndo naquela floresta, antes de me encontrar. Mas de quem? Por quê? Vamos, Valentina, diz-me a verdade. Eu preciso confiar plenamente em ti, antes de largar tudo que eu vim fazendo durante tantos anos, tudo que eu construí pensando em minha família, tudo que por tanto tempo foi meu alicerce, foi a construção do meu alicerce, para então partir para uma vida incerta com alguém que conheci há apenas dois meses. Por favor, Valentina, me fala a verdade. Por que queres tanto fugir? (Ele baixa a cabeça, e a levanta novamente) Aliás, quem és tu?