CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 11
Cena 01: Povoado das Hortaliças. Casa de Pero. Manhã.
Inês – Ouça-me, camponês. Tenho uma proposta para te fazer. Irrecusável.
Pero – (Se anima) Uma proposta? De que tipo?
Inês – De amor. Pero, queres casar comigo?
Pero fica surpreso. Aos poucos, abre um sorriso.
Pero – Ca-sa-mento? Mas… Mas… O que aconteceu? E Brás?
Inês – Aquele homem inescrupuloso morreu no mesmo dia em que chegou ao porto. O padre trouxe a notícia. Não vês que estou de preto?
Pero – Sim, claro, claro que vejo. Mas, de qualquer forma, devia ser eu a fazer esse pedido, não tu!
Inês – Ora, camponês, eu sei que tu demorarias tempos para me fazer o pedido. Com certeza ficarias com receio de incomodar meu luto. Por isso, vim logo dizer-te que eu quero, sim, me casar contigo, agora que Brás da Mata foi para Deus. Contudo, tu podes fazer o pedido oficial à minha mãe posteriormente.
Pero – Bem, nesse caso… Eu aceito, minha flor do campo! Eu quero me casar contigo! E quero casar-me o quanto antes!
Inês – Calma lá, camponês, aguarda um pouco. Preciso de um tempinho para manter o luto, se não nem o padre aceitará realizar a cerimônia. Só que, enquanto isso, nós podemos muito bem encontrarmo-nos às escondidas…
Pero – Proposta acatada. E sejamos felizes, minha Inês! Felizes!
Eles se beijam.
Cena 02: Igreja del Fiume. Manhã.
O padre Santorini, a irmã Francisca e o seminarista Gregório estão na nave da igreja.
Francisca – É uma pena que um combatente tenha morrido de forma tão prematura. Que Deus o tenha.
Santorini – Amém! Mas não vamos ficar pensando muito nesse assunto por enquanto. Até à tarde, pelo menos, quando rezaremos uma missa pela alma do pobre coitado.
Francisca – A propósito, padre, tenho algo a dizer. Enquanto estiveste fora, admiti uma noviça ao convento. E, de certa forma, fiquei surpresa. Afinal não a esperava aqui.
Santorini – E quem foi essa noviça que você admitiu, irmã Francisca?
Francisca – Agnella, a filha de Enzo.
Santorini – (Surpreso) Agnella? Olha só, quer dizer que uma moça que, até pouco tempo, ia ser casada, entrou para o convento. É… Só espero que ela tenha mesmo a vocação.
Francisca – Eu falei para seus pais que viessem conversar com o senhor quando chegasse. O senhor sabe, não gosto de admitir nenhuma moça sem a sua presença.
Santorini – Ah, não é necessário isso. Você é quem administra o convento. Você é quem toma essas decisões. Se ela foi admitida, então que faça bem seu trabalho! Falando nisso, Gregório, me diga uma coisa: como foram esses dias em que estive fora? Correu tudo bem?
Gregório – Claro, padre. Fiz tudo o que me cabia aqui, enquanto seu substituto.
Santorini – Mas não se preocupe. Em dez dias, deixarás de ser um seminarista, um simples ajudante e substituto, para também se tornar padre! Como se sente quanto a isso? Está ansioso?
Gregório – Um pouco. Deve ser normal, em casos como esse.
Santorini – Sim, meu filho, muito natural, até. É, esse será um grande dia. O dia da ordenação de Gregório!
Gregório dá um sorriso fraco, forçado, e se levanta, dirigindo-se à sala ao lado da nave da igreja. Lá, se depara com Valentina limpando a mesa. Eles se encaram por um pouco de tempo, até que Gregório sai. Valentina permanece, pensando no que acabara de ouvir.
Valentina – Ele vai se tornar padre em dez dias… Isso… Não é bom. Não! Não está certo!
Cena 03: Convento. Quarto de Valentina. Final da tarde.
Valentina e Agnella estão deitadas em suas respectivas camas.
Agnella – Valentina, notei que estás muito quieta, desde que chegaste da limpeza na igreja. Aconteceu alguma coisa?
Valentina – Aconteceu. Eu ouvi algo, uma conversa, sobre algo que deve me… Me atrapalhar.
Agnella – Atrapalhar? Em quê?
Valentina – Lembra do dia em que tu entraste aqui? Tu disseste que não era para estares aqui, e eu concordei contigo. Esse lugar não é para mim. É uma prisão, não há liberdade.
Agnella – Por acaso pensas em fugir do convento? Mas como? Na hora em que sais para fazer a limpeza?
Valentina – Não. A irmã Francisca quase não tira os olhos de mim. Só às vezes, mas sempre vai para um lugar em que me veria caso tentasse fugir. E, pelo próprio convento, é quase impossível.
Agnella – Então, como pensas em ir embora? Tens algum plano? Ah, e eu posso ir junto? (Olha para cima, esperançosa) Seria tão bom se eu achasse Gustavo. Eu queria tanto me encontrar com Gustavo!
Valentina – Gustavo? Esse nome é novo para mim.
Agnella – Eu o amo…
Agnella vira para o lado, repetindo a mesma frase. Valentina sorri.
Valentina – (Falando para si mesma) E não, eu nunca tive um plano. Mas pensei que ele poderia me ajudar… E agora? O que fazer?
Valentina fecha os olhos e dorme. Em pouco tempo, sonha. Ela está ao pé de um grande abismo, caída. Ao olhar para o lado, vê Gregório, também caído. Ela se levanta, e o ajuda a levantar. Quando olham para frente, veem a sombra de uma grande mão na outra parede do precipício. Então, eles correm, até chegarem à beira de um rio, de onde não enxergam mais a mão. Do outro lado do rio, ao longe, há casas. Então, eles mergulham, sorrindo um ao outro.
Cena 04: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Final da tarde.
Inês, Simone e Leonor acabaram de voltar da igreja, onde houve a missa pela alma de Brás da Mata.
Simone – Minha filha, me diga: aonde foste naquela hora em que o padre estava aqui?
Inês – A minha casa, mãe. A senhora mesma me viu lá quando foi me chamar para o almoço.
Simone – Não sei… Podes muito bem ter ido a algum outro lugar antes disso.
Inês – Mãe, por favor, não é hora para isso.
Leonor – Exatamente. Viemos aqui para rezar por Adelmo.
Simone – Vamos. Vamos rezar. Meu filho está precisando…
Uma lágrima escorre dos olhos de Simone. As três mulheres se dirigem ao quarto de Adelmo, e se ajoelham ao lado da cama, onde ele está deitado. Uma vela está acesa em uma mesa ao lado. Elas passam alguns minutos assim. De repente, ouvem um ruído.
Adelmo – (Balbuciando) Mãe… Mãe!
Cena 05: Igreja del Fiume. Quarto de Gregório. Final da tarde.
Gregório está sentado em sua cama, relembrando um sonho.
– Flashback –
Sonho. Ele está sentado, agachado, com a cabeça entre as pernas, e encostado em alguma coisa. Está chorando. Até que sente alguém chegando, e levantando sua cabeça. É Valentina. Ele segura na mão dela, e percebe que estão em uma floresta. Então, eles veem a sombra de um rosto e de uma mão. Os dois correm, mas a sombra corre atrás deles. Depois de um bom tempo sendo perseguidos por ela, eles chegam ao final do caminho, que dá na igreja. Quando dão mais um passo, com a sombra ainda atrás, o que era chão vira precipício, e caem no abismo.
– Fim do Flashback –
Gregório fica agitado. Relembra outro acontecido.
– Flashback –
Estavam no convento. Valentina titubeou, seu corpo balançou um pouco e ela desmaiou nos braços de Gregório.
– Fim do Flashback –
Gregório leva as mãos à cabeça, tomado por outra lembrança que não queria ter.
– Flashback –
Estavam na igreja.
Valentina e Gregório – (Quase em uníssono) Eu sonhei contigo!
Eles se espantam. Cada um dá um passo para se aproximarem. Valentina se ajoelha novamente. Gregório se ajoelha ao lado dela.
Gregório – O meu sonho foi bem estranho. Porém eu também acho que não significou nada. Era só… Correria, precipício, nada que fizesse sentido.
Valentina – (Pensativa; fala baixo) Correria… Precipício… Floresta?
– Fim do Flashback –
Gregório tira as mãos do rosto, com lágrimas caindo, mesmo que contra a sua vontade.
– Flashback –
Santorini – Em dez dias, deixarás de ser um seminarista, um simples ajudante e substituto, para também se tornar padre! Como se sente quanto a isso? Está ansioso?
Gregório – Um pouco. Deve ser normal, em casos como esse.
Santorini – Sim, meu filho, muito natural, até. É, esse será um grande dia. O dia da ordenação de Gregório!
– Fim do Flashback –
Gregório – (Dá um grito abafado) Aaaah!!! (Sussurra, para si mesmo) Deus, eu não… Não quero… Não posso… Mas eu devo… Meu Deus, eu não sei…
Cena 06: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Final da tarde.
Ao ouvir o filho falar, Simone deu um pulo e sentou na cama, ao seu lado, beijando-o. Com a mão em seu rosto, começou a chorar. Inês também sentou na cama. Leonor ficou de pé.
Simone – Meu filho… Você acordou! Eu sabia, Deus, eu sabia!
Inês – Ai, meu irmão querido! Que bom, que bom!
Leonor – Graças a Deus, rapaz! Estávamos todos tão preocupados…
Os olhos de Simone brilhavam.
Simone – Meu filho… Meu filho…
Adelmo tenta sentar, mas sua mãe a impede.
Leonor – Fique deitado, Adelmo. Você não esteve bem durante esses dias.
Adelmo – (Olhando assustado para ela) Como assim?
Inês – Você sofreu um acidente, meu irmão. Na floresta.
Simone – Inês, ele acabou de acordar! Vamos evitar falar sobre isso agora.
Leonor – Vamos deixá-lo descansar.
Simone – Amanhã, chamaremos o padre, para vir rezar por ele. Agradecer a Deus. Meu filho acordou!
As três saem da sala, felizes.
Cena 07: Popa do navio. Final da tarde.
Marconi e Gustavo estão sentados, conversando. De repente, Marconi levou a mão ao peito.
Marconi – Gustavo, eu… Estou me sentindo mal… Uma dor no peito…
Gustavo – Calma, Marconi, respire fundo. Inspire. (Ele obedece.) Expire. (Novamente.) Estás melhor?
Marconi – (Fala pausadamente, com dificuldade) Um pouco. Mas vai piorar, tenho certeza.
Gustavo – Não fiques pensando assim. É só respirar fundo, que isso passará.
Marconi – Não tenho tempo para respirar fundo. Preciso te contar sobre o tesouro. Aquele tesouro.
Gustavo – Deixa isso para depois! O que precisas é de um descanso.
Marconi – Não! Gustavo, me ouça bem. Eu não sei se viverei até amanhã, muito menos até o dia de chegar ao meu destino. O destino em que encontrarei meu tesouro.
Gustavo – Está bem, está bem. Eu cedo. Mas não te esforces muito, por favor. Não quero ver-te morrer, ainda mais em minha frente.
Marconi – Uma cidade. Algo raro nos dias de hoje, mas uma cidade. Nela, mora um comerciante, por nome Giancarlo. Meu avô Emiliano, pai de meu pai, conhecia o pai dele, era amigo dele. (Gregório divaga.) Como era mesmo o nome do pai desse senhor? Acho que eu não me lembro… (Ele volta a contar a história.) Enfim: juntos, eles descobriram um tesouro perdido, que deve ter sido de algum dos césares romanos, extintos séculos atrás. Decidiram não tocar nesse tesouro. Certo dia, esse homem teve que partir em viagem para o oriente – ao que parece, ele teve que voltar para a casa de seu pai. Eles temiam que algo acontecesse com o tesouro. Alguém acabou descobrindo a existência do tesouro, e eles temiam que ele fosse roubado, temiam até ser mortos. Por isso o amigo de meu avô levou consigo, prometendo escondê-lo em um lugar seguro. Antes, porém, firmaram uma aliança: a de que a terceira geração de suas famílias deveriam se reencontrar para usufruírem da descoberta, em um tempo em que talvez não corressem mais algum perigo.
Gustavo ouvia a tudo estupefato. Marconi se levantou e começou a andar em círculos, olhando às vezes para o chão, às vezes para seu interlocutor.
Marconi – Anos depois, o tal comerciante, filho do amigo de meu avô, encontrou meu pai, e eles decidiram manter a aliança. Ele contou que seu pai havia se estabelecido em um burgo, uma cidade fortificada, próximo a Constantinopla. Esse comerciante teve que ir embora, e, logo depois, meu pai morreu. (O olho dele se enche de lágrimas, mas ele segura o choro) Eu decidi vir atrás do tesouro. Descobri que esse navio pararia por um dia em Termes, a tal cidade, antes de seguir para Jerusalém, e por isso estou aqui. Não quero ir para Jerusalém. Quero… Queria encontrar meu tesouro. Mas não só ele… (Começa a tossir) Queria tentar recomeçar minha vida…
Gustavo – (Se levanta e conduz Marconi a se sentar de volta) Sente-se. Fique calmo. Eu tenho certeza de que tu conseguirás chegar a teu destino.
Marconi – Mas eu sei que não vou. Por isso eu preciso de você. Confio em você. Sei que você será capaz de ser feliz, de cuidar bem desse tesouro.
Gustavo – Mas eu nem sou de tua família! Eles não me aceitarão!
Marconi – Quando esse comerciante se encontrou com meu pai, eu era apenas uma criança. Por isso o sinal…
Gustavo – Sinal?
Marconi – Sim, o sinal da aliança. (Ele põe a mão no pescoço, e retira o colar que usava.) Este colar. Ele era do meu avô. E me identificaria, faria com que a família do falecido amigo de meu avô soubesse quem sou eu.
Gustavo – Chega. Tu não podes mais ter tanto esforço. Vamos sair daqui.
Ele se levanta. Na hora que Marconi tenta fazer o mesmo, perde o equilíbrio e cai. Gustavo se ajoelha para tentar levantá-lo, mas ele resiste no chão.
Marconi – (Respirando ofegante) É a minha hora.
Gustavo – Não! Não é! Venha, deixe-me te levantar!
Marconi – Pega o colar, Gustavo. É teu. Tu… Saberás o que fazer com ele. Até… Uma boa hora.
Gustavo – Não!! Não vá!
Marconi – Muito… Obrigado… Ade…
Não conseguiu terminar a fala. Uma leve e fina chuva se iniciou.
Gustavo – Tu… Foste embora.
Gustavo pegou o colar e o levou à altura dos olhos. O colar possuía um pingente metálico, comprido, com algumas reentrâncias. Depois, cerrando o punho, levou a mão ao peito.
Gustavo – Se este foi teu último desejo, meu amigo, eu o cumprirei. Só peço que me ajudes…
Ao fundo, a sombra de uma pessoa, que estava projetada, se acompridou cada vez mais, até sumir.
Cena 02: Aposentos do navio. Noite.
Estava próximo à hora de todos se recolherem e, por isso, havia um alvoroço em todo o navio, com pessoas correndo de lá para cá. Gustavo chegou ao aposento que dividia com outros homens, e sentou em sua “cama”. Ainda remoendo as lembranças da morte de Marconi, ele segurava e apertava o colar. Cansado, decidiu dormir antes do toque de recolher, colocando o colar embaixo da cama, na lateral. Alguns minutos depois, pegou no sono. Então, nesse momento, alguém aproveitou que os outros ao redor estavam preocupados consigo mesmos, e colocou a mão por baixo do colchão e pegou o colar. Saiu dali furtivamente. Pouco tempo depois, estava em seu quarto.
Brás – Desculpe-me, caro rapaz! Mas esse tesouro será meu!
Cena 03: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Manhã.
Simone, Leonor, Inês, Adelmo e Santorini estavam reunidos na sala.
Santorini – Meus irmãos, confesso que estou bastante feliz com o fato de Adelmo ter voltado a abrir os olhos. Infelizmente, a impressão que tínhamos era de que você não poderia sobreviver ao acidente…
Simone – Não, padre, não! Eu sempre achei que meu filho voltaria!
Adelmo – Sabe, a história que vocês me contaram, de eu ter sofrido um acidente, me assusta tanto, porque eu não lembro de ter sofrido um acidente. Não lembro… (Levou a mão à cabeça) Ai, e essa dor de cabeça está forte!
Leonor – Normal, Adelmo. É somente esperares um pouco, que a dor passará.
Santorini – Ah, rapaz, e tu sabes que não podes aceitar qualquer receita ou chá que prometa curar a dor, não é?
Simone – Ui, padre, credo, nem me fale. Só em pensar nessas coisas de bruxaria, me dá arrepios!
Inês – Padre, chamamos o senhor para rezar, não foi? Para agradecer a Deus? Então, vamos logo.
Santorini – Está bem, minha filha. Só peço que sejas menos impaciente em outros momentos. Nem todas as pessoas são mansas de coração, pacientes como eu.
Do momento em que começaram a rezar, até aquele em que acabaram, passou-se meia hora.
Adelmo – Sim, minha irmã, tu e todos me garantem que passei dias com os olhos fechados. Mas agora, aproveitando que o padre está aqui, por que vocês não me põem a par dos preparativos?
Inês – Preparativos? De que estás falando, Adelmo?
Adelmo – Ora, dos preparativos para teu casamento com Brás! Aliás, onde está ele?
Inês, Simone, Leonor e Santorini se olharam, perplexos.
Cena 04: Aposentos do navio. Manhã.
Gustavo acordou. Estava sentindo o corpo doído. Por causa do cansaço, ele dormira bem durante a primeira hora, mas os acontecimentos recentes tomaram sua mente de tal forma que ele não conseguiu mais dormir tranquilamente, e, por isso, ficava se remexendo, entre um cochilo e outro. Nos primeiros raios da manhã, decidiu despertar definitivamente. Passou a mão nos olhos, para ver se espantava o sono, e sentou. Então, colocou a mão embaixo da “cama”, no local em que havia guardado o colar, e levou um susto.
Gustavo – Mas, onde está o colar?
Ele se levantou, e passou a mão por baixo de toda a “cama”, em busca do objeto.
Gustavo – Nada do colar!
Gustavo olhou por todo o chão do aposento, e não localizou o que queria.
Gustavo – Como ele pode ter sumido assim? Será se… Alguém o roubou?
Então, ele aproveitou que todos dormiam, e olhou, no pescoço de cada um, se algum deles usava o colar. Mais uma vez, não o encontrou. Pensou em revistar seus pertences, mas, nesse momento, um deles acordou. Então, ele resolveu se trocar, e sair.
Cena 05: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Manhã.
Ninguém respondeu a Adelmo.
Adelmo – O que foi? Por que todos ficaram mudos, de repente?
Simone – Meu filho, diz-me que isso é uma brincadeira! Tu estás querendo nos dar um susto de leve, não é?
Adelmo – Mas por que eu brincaria? Por acaso… (Abaixou o tom de voz) Inês não se casará mais com Brás?
Leonor – Graças a Deus, não!
Simone – Quieta, Leonor! Não o confunda!
Adelmo – (Levando uma mão à cabeça) Eu não estou entendendo…
Simone – Meu filho, Inês se casou com Brás há meses…
Inês – E Brás está morto.
Adelmo levou a outra mão à cabeça, que passou a doer mais.
Adelmo – Então… Eu… Por que estou assim? Por que não me lembro desse acidente, e por que acho que estou vivendo em um tempo que vocês dizem que já passou?
Santorini – Meu rapaz, você deve ter perdido a memória dos acontecimentos ocorridos desde a época do casamento de Inês.
Adelmo – Mas por quê?
Leonor – Deve ter sido uma batida com a cabeça no momento do acidente. Isso pode ter prejudicado a tua memória.
Adelmo – E agora? O que eu faço? Ficarei assim para sempre?
Santorini – Agora, meu filho, é rezar. Rezar, e esperar.
Tendo dito isso, o padre saiu.
Adelmo – Eu quero trabalhar. Quero me ocupar.
Simone – Não por enquanto. Não enquanto tua dor de cabeça estiver assim, meu filho.
Resignado, Adelmo abaixou a cabeça. Apreensiva, Simone foi se ocupar, na cozinha.
Adelmo – Mas, Inês, me explica melhor essa história da morte de Brás.
Então, ele, Inês e Leonor continuaram conversando.
Cena 06: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo. Sala.
Enzo – Mulher, sabes de que eu fiquei sabendo hoje, enquanto tu foste buscar a água no rio?
Prudência – Não, meu senhor. É algo de importante?
Enzo – Sim. Adelmo acordou, ontem à noite.
Prudência arregalou os olhos.
Prudência – Meu Deus… Foi um milagre! Eu…
Enzo – (Completando a frase) Pensava que ele nunca iria acordar? É, todos pensavam assim. E eu me perguntei: será que fizemos certo em levar Agnella ao convento?
Prudência – Sim! Sim! Nós fizemos certo! Pensávamos que ele nunca iria reabrir os olhos, e garantimos o futuro de Agnella! Sim, nós fizemos a nossa obrigação!
Enzo – Não sei… Sabes, eu vou até a casa dele. Estou curioso para saber o que ele tinha para me dizer antes de sofrer o acidente.
Prudência – Não, meu senhor! Não faça isso.
Enzo – (Curioso) Por quê? Por que, Prudência, há algo errado em ir até lá? Ou há algo errado no que ele ia me contar?
Prudência – Não… Claro que não! Nem sei o que ele ia te contar. Apenas considero necessário esperar que ele se recupere melhor. Então, ele mesmo virá até ti, e continuará a conversa interrompida.
Enzo – É. Pode ser que estejas certa. Irei ao trabalho, agora.
Cena 07: Navio. Início da tarde.
Gustavo está caminhando no corredor principal do navio, pensando no desaparecimento do colar.
Gustavo – Eu já procurei nos pertences de todo mundo naquele quarto. Não achei. Também não achei na proa. Onde mais o poderia encontrar? Quem mais poderia pegá-lo? (Pausa para pensar) Será que foi alguém de outro quarto? Nesse caso, eu não teria como achar! Há muita gente nesse navio!
Gustavo está chegando ao fim do corredor, onde há uma curva e se inicia um outro, menor. Nele, Brás também caminha, porém na direção do corredor principal. Em suas mãos, o colar.
Brás – Minha belezinha… Por sua causa ficarei rico, e eu quero ver se Inês não me respeitará!
Então, ele ouve uma voz familiar, se aproximando cada vez mais.
Gustavo – Onde procurar? Onde?
Nesse momento, Brás, ao ver uma porta, tentou abri-la, mas não conseguiu. Tentou novamente. A voz estava mais próxima, quase presente.
Gustavo – Talvez possa pedir ajuda a alguém… Mas Marconi não gostaria que mais alguém soubesse de nada. Afinal, um colar não é algo assim comum, chamaria atenção, despertaria curiosidade.
A porta, enfim, se abriu. Era uma espécie de depósito. Brás entrou. Quando foi fechar a porta, esta se fechou abruptamente, prendendo a mão que segurava o colar. Na tentativa de liberar a mão, o colar caiu do lado de fora, um pouco afastado da porta, a qual mais uma vez se fechou de repente. Do outro lado, no corredor, Gustavo dobrou.
Gustavo – Se bem que… Será que a pessoa que roubou o colar o fez sabendo da existência do tesouro? Nesse caso, essa pessoa ficará com o que pertence Marconi, e que ele me confiou…
Então, Gustavo chutou algo. Ao olhar para o chão, reconheceu o colar.
Gustavo – Graças a Deus! É ele! Mas de que forma veio para aqui? Será que alguém o deixou cair? (Olhou ao redor) No entanto, o corredor está vazio. Alguém que seguiu pra algum lugar perdeu o colar aqui. Alguém que não sei quem possa ser. Mas agora, preciso ter mais cuidado.
Gustavo colocou o colar no pescoço e seguiu para o fim do corredor. Uma porta estava aberta no início dele.
Brás – (Furioso) Raios! E eu estive tão perto!
Brás saiu bufando de raiva.
Cena 08: Convento. Início da tarde.
Valentina estava na antessala da irmã Francisca.
Valentina – Limpeza atrasada… Missa de entrada de Agnella para o convento. Por que as pessoas têm que ficar felizes com uma prisão? Por que não celebrar a liberdade?
Ela se aproximou de dois apoios para lampiões, situados em uma parede, lado a lado, com uma distância entre eles de aproximadamente 50 cm. Havia dois lampiões de tamanhos diferentes, um em cada apoio.
Valentina – Vamos ver, tenho que limpar isso.
Valentina limpou cada um dos lampiões e dos apoios.
Valentina – (Pensativa) E se eu trocasse os dois de lugar? O maior poderia iluminar a parte maior da sala, e o menor clarearia a parte menor da sala. Vamos ver como ficaria.
Valentina, então, tirou cada lampião de lugar, e realizou a troca, colocando os lampiões sobre os apoios exatamente ao mesmo tempo. Nesse momento, uma surpresa. Silenciosamente, alguns blocos de pedra das grossas paredes do convento recuaram para trás, como se fossem uma porta, mostrando um espaço oco dentro da parede.
Valentina – (Espantada) Meu Deus, o que é isso?
O espaço era estreito, e era mais confortável ocupá-lo de lado. Quando entrou, carregando um dos lampiões, Valentina notou que ele não era um simples buraco. Dava para andar nele. Ela então, andou um pouquinho, quando visualizou uma escada, para baixo. Desceu.
Valentina – Isso… É um corredor subterrâneo!