CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 10
Cena 01: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Prudência – Esperar só irá aumentar a dor de nossa filha. O melhor para ela, agora, é dedicar sua vida a Deus. Se tu concordares, Agnella irá para o convento.
Enzo – (Surpreso) C-como? Tens certeza do que tu falas, mulher? Essa ideia é uma completa loucura!
Prudência – Mas eu não penso assim. A nossa filha não pode ficar dentro daquele quarto por toda a vida. E, se ela não poderá sair de lá casada, é mais certo que ela saia de lá para tornar-se freira.
Enzo – Pode ser que não estejas tão louca assim. Continuo achando que Adelmo é a nossa melhor escolha… Mas Agnella tem que ter um futuro certo. (Ele se levanta) Prudência, eu irei ponderar os fatos enquanto eu trabalho. Quando eu voltar, nós conversaremos com nossa filha, não importa qual seja a minha decisão.
Prudência – Obrigada por me dar atenção, marido. Também estou sofrendo com isso, porém acredito que não há mais nada que se possa fazer.
Cena 02: Litoral italiano. Região portuária.
A missa na Igreja del Mare acabou, e todos os combatentes da Guerra Santa já estavam no píer se despedindo de quem os acompanhou até ali.
Edetto – Tens que ser forte, meu filho. Tens que ter coragem.
Izabella – (Chorando) Eu não sei se vou suportar essa tua distância… Meu consolo é que eu sei que lutarás por uma justa causa…
Gustavo – (Com as lágrimas quase saindo) Eu já falei, não foi, mãe, que eu voltarei? Eu prometo à senhora e ao senhor que ainda voltarei para casa, e para lutar pelo que mais importa para mim.
Edetto – (Preocupado) Por acaso tu te referes à moça com quem tu casarias, meu filho? Se for, é melhor que esqueças isso. Já passou, não voltará mais. Tu encontrarás outra pessoa, alguém que realmente seja a vontade de Deus. Podes ter certeza.
Gustavo – Eu não sei, pai… Eu… Não sei.
Izabella – Vá em paz, meu filho. Que Deus te acompanhe. Eu rezarei todos os dias e todas as noites por ti.
Gustavo – Obrigado.
Gustavo beija os seus pais, e segue para o navio. Os pais dele voltam e se juntam ao padre.
Santorini – Não chores, minha filha. Essa foi a melhor solução para ele.
Izabella – (Um pouco surpresa) O que disseste, padre? Porque usaste a palavra “solução”?
Santorini – Por nada, Izabella, por nada. Voltem, eu vou falar um pouco com o filho de vocês.
Cena 03: Convento.
Após se reunirem no pátio principal do convento, as noviças se dispersaram, e Valentina começou a realização da limpeza do convento. Quando ela estava limpando próximo à sala da irmã Francisca, ela a viu passando furtivamente.
Valentina – Estranho… Por que a irmã Francisca estava desse jeito? É melhor eu observar.
Valentina resolve seguir a freira, que entra na sua antessala. Quando Valentina entra no mesmo recinto, não vê ninguém. Por isso, ela se dirige à porta da sala da diretora do convento. Estava trancada. Ela encostou o ouvido na porta e não ouviu nenhum som ou ruído. Deu duas batidas, mas não obteve resposta.
Valentina – (Intrigada) Estranho… Parece que não tem ninguém. Mas onde foi parar a irmã Francisca? Como ela sumiu, assim, de repente?
Cena 04: Litoral italiano. Região portuária. Píer.
Santorini – Entendeste, não foi? Toma cuidado nessa viagem. E que tenhas juízo, meu filho.
Gustavo – Está certo, padre. Eu entendi perfeitamente que ao voltar não poderei passar pelo Povoado nem pela Igreja.
Santorini – Muito bem. Vá em paz.
Gustavo se despede do padre, e entra no navio. O alvoroço é grande. Buscando se livrar de tanta confusão, ele se dirige à popa. Ao chegar lá, encontra apenas um homem, parado, olhando para o mar. A princípio, ele permanece um pouco afastado do homem, mas depois decide se aproximar.
Gustavo – Olá! Bom dia, cavalheiro!
Marconi – (Sem dar muita atenção) Bom dia para você também.
Gustavo – Me chamo Gustavo. Muito prazer…
Marconi – (Completando a lacuna deixada) Marconi. Não sei se posso lhe dizer o mesmo. Vim aqui para ficar sozinho. (Se vira e começa andar, de costas pra Gustavo, que o segue) Se veio aqui para falar sobre como será boa a viagem, a Guerra Santa, peço que procure outra pessoa. Não quero conversar sobre nada agora.
Gustavo – Perdão… Marconi, não é? Creio que estejas nervoso por algum motivo, e não tiro tua razão em achar que vim conversar sobre a Guerra Santa. O alvoroço nesse navio está tão grande, não é mesmo? Mas eu também vim até a popa para ficar sozinho.
Marconi – (Um pouco mais “manso”) Então por que você resolveu conversar comigo?
Gustavo – Porque não sei se conseguirei passar essa viagem toda pensando no que deixei para trás, pensando na, nas pessoas de quem estou sendo obrigado a me afastar…
Marconi – Disse que está sendo obrigado? Não está aqui por vontade própria? Não é como aqueles homens que eu, e você, vimos há pouco?
Gustavo – Não. E também não sei se deveria ficar falando sobre isso. Mas, ao que parece, tu também não estás empolgado com o objetivo final dessa viagem.
Marconi – Você tem razão. Na verdade, eu tenho… Outros objetivos, por assim dizer. Contudo eu não quero comentar sobre tal assunto agora.
Gustavo – Eu entendo. Por acaso conheces algum desses homens que estão aqui?
Marconi – Você é o primeiro com quem eu falo.
Gustavo – Tu também és. (Ele estende a mão a Marconi) Posso acompanhá-lo nessa viagem?
Marconi – (Apertando a mão dele) É, gostei de você. Vamos andar juntos.
Cena 05: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo. Final da tarde.
Agnella chega à sala e se senta.
Agnella – O senhor me mandou chamar, pai?
Enzo – Sim, Agnella. Sente-se. (Ela senta) Prudência, por favor, fale para ela o que tu me falaste hoje.
Prudência – Minha filha, eu e teu pai estivemos conversando acerca do teu futuro. Nós pensávamos em casar-te…
Agnella – Com Gustavo? Ele veio me procurar, não foi? O senhor e ele se entenderam?
Enzo – Esse homem não veio me procurar, e mesmo se tivesse vindo, eu o mataria! O que tua mãe dizia é que pensávamos em casar-te com outro homem. Mais especificamente, com Adelmo.
Agnella – (Surpresa) Com Adelmo? Mas, mas… Ele não sofreu um acidente? Ele não está… (Baixa a cabeça e fala baixo) Quase morto?
Prudência – Cruzes, filha! Ele parece estar morto, mas Deus há de ter piedade dele. O problema é que não sabemos quando a vontade do Senhor o fará acordar, e não queremos fazer-te sofrer esperando um homem moribundo recuperar os sentidos.
Agnella – E o que pensam em fazer?
Enzo – Bem, o que eu e sua mãe decidimos foi que o melhor para ti é dedicar-te a Deus.
Agnella – (Começa a ficar apavorada) E o que isso significa? Eu… eu…
Enzo – Você irá para o convento. Irá se tornar uma freira para ajudar no serviço do Senhor.
Agnella – Não! Eu não quero isso! Não quero!
Agnella se levanta para correr para o quarto. Dessa vez, Prudência a segura.
Prudência – Filha! Entenda que isso é o melhor para ti!
Agnella – (Senta novamente) Não!! O melhor para mim é Gustavo! Onde ele está? A senhora me prometeu que falaria com ele! E hoje a senhora me diz que eu irei para o convento!
Prudência – (Senta ao lado dela, e começa a passar a mão em sua cabeça) Eu não quis te contar, mas ele foi embora. A freira, irmã Francisca, me garantiu que ele não voltará mais. Então, por que ficar com esperanças de que ele virá? O melhor, minha filha, é ter um foco, assumir um compromisso. Um compromisso com Deus.
Agnella – Ele foi embora… Ele não se despediu de mim… Ele…
Agnella abraça a mãe.
Prudência – Calma, minha filha. Tudo isso vai passar, tenha calma… (Em pensamento) Meu Deus, tomara que minha filha seja feliz! Tomara!
Cena 06: Navio. Popa. Final da tarde.
Depois que se conheceram, Gustavo e Marconi passaram a andar juntos. Estavam se tronando amigos.
Gustavo – O navio ancorou. Estão comentando que esqueceram alguns mantimentos no porto, e um barco menor voltará lá para buscar o que falta. Parece que demoraremos um pouco mais para chegarmos a nosso destino…
Marconi – De certa forma, sim, apesar de que não ficaremos muito tempo esperando. (Pequena pausa) Mas então quer dizer que você é, ou era, um desses cavaleiros andantes, que costumam viajar costurando esses feudos, conhecendo pessoas, mulheres…
Gustavo – Pessoas, sim. As mulheres já estão incluídas nas pessoas. (Melancólico) Na verdade, somente uma mulher me interessou… Somente uma mulher me fez pensar em criar raízes…
Marconi – Mas, pelo visto, você teve que se separar dela. Foi a ela, não foi, que você se referiu quando disse estar sendo obrigado a se afastar de algumas pessoas?
Gustavo – Foi a ela, sim. Eu quase cheguei a noivá-la.Porém, de repente, tudo… Desmoronou.
Marconi – De certa forma, eu sei do que você está falando.
Gustavo – Sabes? Tu também tiveste que deixar um amor para trás?
Marconi – Não é bem disso que estou falando. (Ele olha em volta) Eu preciso contar-lhe por que eu estou aqui nesse navio.
Gustavo – Tu me disseste que possuía certos objetivos.
Marconi – Justamente. (Ele olha de novo em volta) Mas ninguém pode saber deles. Eu só irei contar a você porque… Eu estou muito doente.
Gustavo – (Assustado) Doente? Mas tu pareces tão bem!
Marconi – Somente na aparência. Talvez… Talvez eu chegue a morrer aqui mesmo nesse navio, e não consiga alcançar meus objetivos.
Gustavo – Não fales algo assim! Tu não morrerás!
Marconi – A minha situação é grave. Tenho tido com cada vez mais frequência enjoos, tenho passado muito mal, perdi muito peso. Eu estou pálido, meu corpo não é mais o mesmo. Os médicos, a igreja… Não souberam explicar o que é isso. Mas, caso eu faleça antes de chegar aonde eu quero, alguém de confiança tem que alcançar as minhas metas por mim.
Gustavo – Por favor, estás me deixando nervoso. Do que tu falas, exatamente?
Marconi – De um tesouro. Eu estou aqui, nesse navio, porque eu preciso alcançar um tesouro.
Gustavo – (Surpreso) Um… Tesouro? Por favor, explica-me melhor essa história!
Marconi – Na verdade, isso… (Ouve-se um barulho próximo a eles) Tem alguém aqui. Não posso continuar essa conversa agora.
Gustavo – Entendo, entendo. Vamos sair daqui.
Cena 07: Navio. Minutos depois.
Brás está caminhando em uma das laterais do navio, pensando em algo que acabara de ouvir.
Brás – (Pensando) Um tesouro? Se isso for verdade, eu preciso consegui-lo para mim, e, depois, eu vou dar um jeito de surpreender a Inês e aquelas duas velhas… Mas como? Como poderei surpreendê-las?
Então, ele chega a um compartimento onde há apenas um homem, que está passando mal. Ao ver Brás, esse homem começa a gritar.
Homem – Me ajude! Por favor, me ajude!
Brás – (Corre para acudi-lo) Como é o seu nome? O que houve?
Homem – Ma… Magno. Eu… Vou… Morrer…
O homem começa a ter convulsões. Depois de se debater muito, e com o olhar suplicante para Brás, ele morre. Algum tempo depois, outros homens chegam ao local.
Comandante – Mas como esse homem morreu? (Dirigindo-se para Brás) Tu estavas com ele?
Brás – Quando eu cheguei, ele já estava se debatendo muito, parecia louco. Não tive tempo de chamar ajuda. Ele… Morreu na hora. (Começa a forçar um choro)
Comandante – Mas por acaso tu o conhecias? Sabes como ele se chamava?
Brás – Sim, sim, eu o conhecia. O nome dele era Brás. Brás da Mata.
Comandante – E tu, como te chamas?
Brás – Me chamo Magno. E… Por acaso, o que farão com ele?
Comandante – Bem, um barco estará voltando ao porto em poucos minutos para buscar mais mantimentos. Acho melhor aproveitarmos e levarmos o corpo para a família, já que os padres e as famílias de todos vocês só devem partir para suas casas amanhã. Carlino, coloque o corpo do homem dentro de um saco…
Brás fica em alerta.
Brás – Eu… Acho melhor não, comandante.
Comandante – (Se assusta) Por quê?
Brás – Ele não possuía família, não haverá ninguém para enterrá-lo. Acharia melhor se o corpo fosse jogado no mar, mesmo, como uma lembrança do destino que ele escolhera para si.
Comandante – É… Acho que tens razão. Homens, joguem-no ao mar. (Vira-se para Brás) Ah, e muito obrigado pela sua ajuda.
Brás – Por nada, comandante. Podes dispor da minha colaboração sempre que necessário. Agora, com licença, preciso ir a algum local reservado. A dor da perda de um amigo é muito grande…
Brás sai chorando. Ao sair da vista deles, sorri, satisfeito.
Cena 02: Nave da Igreja del Fiume. Início da manhã.
A irmã Francisca está conversando com Enzo e Prudência. Agnella está sentada em um dos bancos, um pouco distante.
Francisca – Meus caros, receio que seja melhor esperarmos o padre Santorini chegar de sua viagem, para que sua filha entre no convento. Não gosto de tomar decisões desse tipo sem ele.
Prudência – Mas, irmã, pense bem. Quanto mais tempo minha filha passar em casa, mais ela ficará pensando naquele homem por quem diz estar apaixonada. Por isso achamos melhor que ela viesse logo para cá, para poder se dedicar a Deus. E não dizem que o diabo gosta de trabalhar em mentes vazias?
Enzo – E, como já dissemos, o futuro de Agnella não pode ficar incerto. Por favor, irmã, aceite nossa filha no teu convento.
Francisca – Está bem, vocês me convenceram. No entanto, quando o padre chegar, vocês terão que conversar com ele.
Enzo – Entendemos. Muito obrigado, irmã, pela sua compreensão.
Enzo e Prudência se dirigem à filha.
Agnella – E então? Serei obrigada a ficar aqui?
Enzo – Mais respeito com nossas decisões, Agnella! Sabemos o que é melhor para você. E, sim, você foi aceita para o convento.
Prudência – Sentiremos muitas saudades, filha.
Eles se abraçam. Uma lágrima cai do rosto de Agnella.
Enzo – Adeus, filha. Até breve.
Agnella – Até logo.
Eles saem.
Francisca – Muito bem, filha. É hora de conhecer sua nova casa.
Resignada, Agnella segue com Francisca para o convento.
Cena 03: Convento. Quarto de Valentina.
Valentina voltava ao seu quarto após o café da manhã. Nesse momento, a porta foi aberta. Era Francisca, acompanhada de Agnella.
Francisca – Agnella, este será seu aposento. Irmã Valentina, conheça sua nova companheira de quarto, a irmã Agnella.
Valentina – Olá, irmã Agnella.
Agnella – Olá.
Francisca – Irmã Agnella, voltarei em pouco tempo para te dar as instruções devidas. Bem vinda ao convento.
A irmã Francisca sai. Calada, Agnella segue para uma cama. Valentina a observa.
Valentina – Tudo bem? Como estás? Pareces preocupada.
Agnella – Eu não queria estar aqui. Não era para eu estar aqui.
Valentina – (Senta ao seu lado) Tenha calma. Como tua nova companheira, eu te darei um conselho. Não expresse isso aqui dentro. Muitas irmãs são muito boas, mas precisas ter cuidado com outras. De resto, eu estou aqui. (Diz secamente) Mas como você, também não deveria estar.
Elas se entreolham.
Agnella – Muito obrigada. Muito. Obrigada.
Agnella e Valentina seguram uma nas mãos da outra, sorrindo levemente.
Cena 04: Litoral italiano. Região portuária. Igreja del Mare. Início da manhã.
A missa matutina tinha acabado de ser celebrada. As “delegações” estavam perto de partir. Nesse momento, um grupo de marinheiros chegou à igreja, e conversou com o padre local. Minutos depois, os padres que haviam trazido os combatentes da Guerra Santa estavam reunidos na sala de recepções da Igreja.
Padre local – Bem, irmãos, esses homens têm uma triste notícia para lhes dar, e que deve ser de interesse de algum de vocês em especial.
Um pequeno alvoroço é gerado.
Padre local – Irmãos, se acalmem, por favor. (Se dirige ao marinheiro) Meu filho, podes falar.
Marinheiro – Infelizmente, um dos nossos companheiros morreu ontem à noite.
O alvoroço recomeça, mas logo é contido.
Padre local – Diga o nome dele, para sabermos de onde ele veio.
Marinheiro – Brás da Mata era o nome dele.
Santorini – (Assustado) Brás da Mata? Meu Deus, ele… Meu jovem, diga-me, de que ele morreu? Onde está o corpo?
Marinheiro – Ao que parece, ele passou muito mal. E quanto ao corpo, nós o jogamos ao mar.
Santorini – Por que não o trouxeram? E como direi isso à esposa, quer dizer, viúva, dele?
Marinheiro – Padre, eu peço que nos perdoe. Pensamos que ele não possuía família.
Santorini – (Respira fundo) Tudo bem, tudo bem. Agora não há como voltar atrás. Mesmo assim, obrigado por ter me avisado sobre isso.
Santorini sai da sala.
Santorini – Meu Deus, que tragédia. Uma vida perdida sempre será uma tragédia…
Ele vai ao encontro da sua comitiva.
Santorini – Bem, irmãos, acabo de ficar sabendo de algo bastante triste, acerca de um dos nossos que estão naquele navio. Mas podem ficar despreocupados, porque seus familiares que viajarão para combater na Guerra Santa estão todos bem. (Há um burburinho entre o povo.) Por favor, contenham-se. Nós precisamos partir agora.
10 dias depois…
Cena 05: Igreja del Fiume. Manhã.
A comitiva que viajara com o padre Santorini para a região portuária acaba de chegar, de volta, à Igreja del Fiume.
Santorini – Meus irmãos, voltamos para casa. Cada um de vocês se dirigirá aos seus lares, aos seus povoados, retomará sua vida, mas pensando nos seus filhos, netos, sobrinhos, que viram partir dez dias atrás. Apenas peço que todos os dias se lembrem de que tudo isso foi feito pela causa divina, para ajudar na propagação do Evangelho e no combate aos inimigos do Senhor. Peço que não se esqueçam de rezar, não só por seus parentes, mas principalmente por essa guerra, que é mais importante que todos nós. Por ora, tenho apenas isso para lhes dizer. Vão em paz para os vossos lares.
As famílias se dispersam. Edetto e Izabella vão ao encontro do padre.
Izabella – Padre, viemos nos despedir. Queríamos a sua bênção.
Edetto – Sinceramente, estamos envergonhados por tudo o que nosso filho fez com aquela moça. Mas eu creio que, por mais que a saudade seja grande, Gustavo está fazendo o certo. Somos realmente agradecidos ao senhor.
Santorini – Na verdade, eu devo pedir perdão a vocês por ter contribuído com uma mentira.
Edetto – Não se preocupe. Nós o perdoamos.
Santorini – Sendo assim, vão sob a bênção do Senhor. E muito cuidado com seu filho após ele voltar.
Eles vão embora.
Santorini – Quanto a mim, tenho algo de urgente a fazer.
Cena 06: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone. Manhã.
Inês e Simone estão na sala, conversando.
Simone – Mas minha filha, por que tu não vens passar esses dias aqui comigo? Depois que aquele crápula pobre foi embora, as pessoas do povoado estão comentando que tu estás sozinha naquela casa! Daqui a pouco, até o padre e a irmã Francisca deverão se manifestar, e tu sabes que é imprescindível obedecer ao porta-voz de Deus.
Inês – Não, mãe. Eu prefiro ficar ali, mesmo com a imagem do Brás passando por minha cabeça de vez em quando. Além do mais, eu fico o dia quase todo aqui com a senhora, ajudando-a a cuidar do meu irmão… Que não acorda…
Simone – Mas Adelmo vai acordar. Rezo todos os dias, e Deus há de ter compaixão dele.
Batidas se ouvem na porta. É o padre Santorini.
Simone – Meu padre, que bom vê-lo! O senhor trouxe alguma notícia de Brás? Deu tudo certo com a partida dele?
Santorini – Por favor, peço que as senhoras me entendam. Eu tenho algo muito sério para lhes falar, e por isso não vim aqui para ficar comentando sobre a viagem, a partida ou coisas assim.
Inês – O que poderia ser tão sério? Isso… Está me assustando.
Santorini – Eu preciso ser direto. Inês, o seu marido, Brás da Mata, morreu no navio, na noite em que partiram do porto.
As duas ficam estupefatas por um tempo. Depois, Simone fica relativamente ofegante, enquanto Inês passa a ter o olhar fixo em algo, pensativa.
Simone – O que o senhor disse… É verdade?
Santorini – Claro que sim! Eu não mentiria em uma situação dessas!
Simone – E o corpo? Por mais que ele tenha sido muito ruim para minha filha, é nosso dever enterrá-lo.
Santorini – Infelizmente, foi jogado ao mar por marinheiros desavisados. E mesmo que não tivessem feito isso, não haveria tempo para o corpo chegar intacto aqui. Creio que a única coisa que poderão fazer é ficar de luto. Você principalmente, Inês, que é sua viúva.
Nesse momento, Inês “acorda” do transe em que estava.
Inês – Como? Luto? (Suspira) Sim, sim, irei em casa agora colocar uma veste preta.
Santorini – Não é só isso, minha cara. A partir de agora, a sua vida é outra. Você não tem mais marido para lhe ajudar, apenas seu irmão, que já cuida de sua mãe. Mas até ele está inabilitado agora para trabalhar. Receio que você e sua mãe precisarão da compaixão alheia, se é que vocês me entendem.
Inês – Tornar-me uma mendiga, padre? Não, não é isso o que eu quero, nem o que eu vou fazer.
Inês se levanta e sai da casa.
Simone – Filha, volta aqui! Aonde vais?
Santorini – Calma, Simone. Ela não terá a quem recorrer.
Cena 07: Navio. Manhã.
Gustavo e Marconi estavam sentados na proa. Marconi cantava.
Marconi –
“Ó formosura sem falha
que nunca um homem viu tanto
Senhora, que Deus vos valha!
Por quanto tenho penado
seja eu recompensado
vendo-vos só um instante.”
Enquanto isso, Gustavo pensava.
Gustavo – Como estará minha Agnella agora? Será que estará bem…
Marconi –
“Da vossa grande beleza
da qual eu esperei um dia
grande bem e alegria
só me vem a tristeza.
Sendo-me a mágoa sobeja,
deixai que ao menos vos veja
no ano, o espaço de um dia.”
Marconi parou de cantar.
Gustavo – São versos bonitos… São teus, Marconi?
Marconi – Não. Um trovador vivia os cantando no povoado que pertencia ao nosso feudo.
Gustavo – E como eles se chamam?
Marconi – Não sei se há um título para eles. Mas nós os conhecemos por cantigas. Cantigas de amor.
Gustavo – Cantigas de amor… E de separação, também. Por que nem todas as pessoas que se amam podem ficam próximas? Por que elas não têm a chance de viver o amor? Por que há pessoas que se separam, que são separadas?
Marconi – (Passando a mão no ombro de Gustavo) Eis uma pergunta difícil, meu amigo. Para esta tua dor, só te aconselho uma coisa.
Gustavo – O quê?
Marconi – Cantar. Criar. Expressar, pôr para fora o teu amor através de trovas. De cantigas. Cantigas de amor.
Gustavo sorri contidamente.
Gustavo – Estás certo. Não sei se meus versos sairão tão belos quanto esses. Mas, mesmo eu não podendo estar com Agnella, sua lembrança, sua presença é tão real que podem, sim, me inspirar. (Olha para o céu) Tu, Agnella, és a minha inspiração.
Cena 08: Povoado das Hortaliças. Casa de Pero. Manhã.
Pero está se preparando para trabalhar. Ele arruma seus instrumentos, confere todos, e abre a porta. Nesse momento, uma surpresa. Inês, vestida de preto, está em sua frente.
Pero – Minha Inês? O que fazes aqui?
Inês – Ouça-me, camponês. Tenho uma proposta para te fazer. Irrecusável.
Pero – (Se anima) Uma proposta? De que tipo?
Inês – De amor. Pero, queres casar comigo?