CANTIGA DE AMOR – edição especial: capítulo 01
1096.
Tempo de calmarias na Europa Ocidental. Os bárbaros já haviam expulsado as pessoas de suas cidades, e todos fugiram para o campo e fundaram feudos e povoados. Além disso, a Igreja Católica controlava as pessoas, seus costumes, suas atitudes, suas crenças, e todos levavam uma vida um pouco sossegada. Muitos eram os cavalheiros, filhos de senhores feudais, que se davam a aventurar pelos campos europeus, conhecendo paisagens e pessoas.
E é nesse tempo, nesse local, que começa a nossa história…
Cena 1:
E nessas montanhas e vales, um cavaleiro andante vaga pelos feudos italianos, já cansado, até encontrar um monumento. Uma igreja, em estilo românico, que lhe dá a sensação de paz, repouso e segurança, e que o faz parar e pedir abrigo. De portas abertas, como é costume, ele entra em uma igreja com pouca iluminação, mas cuja iluminação lhe revela belas imagens do Paraíso. Encontra o padre no altar.
Gustavo – Sua benção, padre!
Santorini – Deus te abençoe, meu filho! Tenha um bom dia! Veio pedir a proteção de Deus para o teu caminho, que parece ser longo?
Gustavo – Bom dia, padre. Na verdade, estava vagando por esses campos do Senhor, e resolvi pedir abrigo na casa de Deus. Será que há um lugar onde eu possa ficar por algumas noites?
Santorini – Claro, meu filho. Sempre há espaço na casa do Senhor para fiéis que venham se abrigar debaixo de suas asas. Chamarei o seminarista para o levar aos seus aposentos. (Grita) Gregório!! Venha aqui, por favor. (E volta-se para o cavaleiro) Sou o padre Santorini. Mas diga-me, meu bom jovem, como se chama? Por onde tem andado? E o que tem feito?
Gustavo – Me chamo Gustavo.Apenas resolvi sair de casa e descobrir o que há por estas terras, além do feudo de meu pai. Sabe, padre, conhecer novas pessoas, ter novos amigos…
Santorini – Meu rapaz, espero que não tenha feito algo que desagrade a Deus… Mas não cabe a mim julgá-lo. Apenas acreditarei que suas viagens são inofensivas.
Nesse momento, o seminarista chega.
Gregório – Sim, senhor, padre!
Santorini – Meu caro, conduza esse cavalheiro a um dos aposentos reservados a viajantes. Ele passará algumas noites conosco.
Gregório – (Indicando um caminho a Gustavo) Por favor, venha comigo.
Cena 2: Um dos quartos da igreja reservados para viajantes.
Gregório abre a porta do quarto, e ele e Gustavo entram.
Gregório – Quer dizer que és um viajante?
Gustavo – Exatamente. Mas não tenho um destino certo.
Gregório – Então, és um cavaleiro errante, na verdade? Qual o teu nome?
Gustavo – Me chamoGustavo. Pelo visto tu és o Gregório. O padre gritou teu nome na igreja.
Gregório – Isso mesmo. Sou um seminarista, servo do Senhor. Em breve serei padre de verdade. Mas o dia da minha ordenação está perto.
Gustavo – Bom para ti que tens a chance de ter tal cargo e a vocação para ser padre. Eu nunca tive esse chamado. Meus pais chegaram a pensar sobre isso, me colocaram em um seminário… Cheguei a aprender as letras, mas então acharam que tal função não competia a mim e me tiraram de lá.
Gregório – Teus pais estavam certos. É preciso ter a vocação espiritual para a batina. Mas não se preocupe, porque para cada servo seu Deus tem um chamado diferente. Há de haver algo para ti.
Gustavo – E eu aguardo. Enquanto isso, vou conhecendo as poucas cidades, os povoados e seus habitantes, conhecendo a beleza da natureza, e conhecendo as obras dos homens, como os grandes feudos e as belas igrejas, que foram construídas pelos humanos, porém inspiradas pelo Senhor. (Pausa e pensa um pouco) Aliás, poderias me informar se há algum povoado ou cidade por perto?
Gregório – Queres conhecer novas pessoas? Direi, mas espero que não faças nada errado. Há uma floresta bem em frente ao convento, que fica ao lado dessa igreja. Verás um caminho aberto entre as árvores. Ele leva à cidade. Em certos momentos da estrada, aparecerão bifurcações. Na primeira, podes entrar à (tosse) – não é bom falar esse nome – esquerda. Nos próximos, entrarás sempre à direita.
Gustavo – Muito obrigado, meu amigo, se já puder te chamar de amigo. Farei agora o que há tempos costumo fazer. Vou ver novos rostos…
Gregório – Cuidado com o que cometerás. E que Deus te proteja.
Gustavo – Amém! Eu aceito a Sua proteção.
Cena 3: Nave da igreja.
O padre Santorini e a freira estão conversando.
Francisca – Padre, vais mesmo deixar que esse desconhecido passe um tempo em nossa igreja? Não achas perigoso?
Santorini – Irmã, sabe que o nosso papel é ajudar àqueles que precisam. Este rapaz estava cansado de sua viagem, e veio pedir abrigo na casa de Deus. Que mal há em oferecer um de nossos vários aposentos para ele? Não é isso que fazemos sempre?
Francisca – Sim, padre, sei que esse é o nosso trabalho. Mas não gostei dele. Acho que ele pode ser um veículo de maldições para essa Igreja. Acho melhor que o mandemos embora.
Santorini – Minha querida irmã Francisca, não percebe que está sendo precipitada? Eu não vi nadade mais nesse cavaleiro. Pelo contrário, acho que ele pode ser útil para os planos do Senhor. Nós podemos precisar dele em algo nessa Igreja.
Francisca – Ai, ai, padre. Não penso que estás fazendo certo. Considero muito melhor o senhor dizer a ele que procure abrigo no povoado ou…
É interrompida.
Santorini – Chega, irmã! Chega de implicância! Vá cuidar do seu convento e das suas noviças que eu ficarei aqui cuidando das coisas da minha igreja! Não quero mais saber dessas suas intromissões.
Francisca – (Chateada) Ai, padre. Não precisas ser tão agressivo. Mas, tudo bem, irei cuidar das minhas noviças. Porém não se engane, porque não esquecerei esse rapaz.
Santorini – Tá certo, irmã. Vá e me deixe sozinho, observando a igreja.
Francisca sai furiosa. O padre Santorini fica sozinho, rindo, sentado em um dos bancos da igreja. Nesse momento, Gustavo passa.
Santorini – Aonde vai, meu filho?
Gustavo – Vou ao povoado, padre. Volto daqui a pouco tempo.
Santorini – Então vá. Que Deus te proteja.
Gustavo – Amém!E obrigado, padre.
Gustavo sai. O padre se ajoelha perante o altar e reza.
Cena 4: Povoado das Hortaliças. Casa de Agnella.
Enzo – (Autoritário) Filha!! Apareça aqui, agora!
Agnella – (Aparece olhando para o chão) Sim, papai!
Enzo– Pegue o cavalo, vá buscar água no rio e comprar pão. Aqui estão as moedas.
Ele entrega as moedas à filha.
Enzo – E não fique olhando para o chão! Olhe para mim!
Agnella levanta a cabeça com medo. Seu pai dá um tapa no rosto dela, que deixa cair uma lágrima.
Enzo – E não chore! Unicamente me obedeça!
Agnella – Tudo bem, meu pai… Estou indo.
Ela vai em direção à porta. Sua mãe passa por ela e lhe dá um beijo.
Prudência – Tome, minha filha, essa bolsa. Coloque as moedas dentro dela para não perdê-las.
Agnella – (Falando baixo) Obrigada, mamãe. Vejo que a senhora se preocupa comigo.
Prudência – Não diga isso, querida. Seu pai a ama. Ele só expressa de uma maneira diferente. Mas vá buscar logo a água, para que ele não brigue conosco.
Agnella sai.
Cena 5: Povoado das Hortaliças.
Em frente à casa de Enzo, moram Inês Pereira e seu marido, Brás da Mata, recém-casados. Eles estão à janela, e veem Agnella, um pouco cabisbaixa, saindo de casa para buscar água.
Brás – Vês, Inês? É assim que uma mulher deve ser tratada pelos seus pais, irmãos e maridos. Deve fazer todo trabalho doméstico, deve servir aos seus familiares… Não se pode dar moleza quando o assunto são elas.
Inês – Sério, querido? (Se aproxima dele, o abraça e fala perto ao seu ouvido) É assim mesmo que me tratas, então?
Brás – (recuando) Não. A ti, eu trato de maneira diferente. Claro que exijo a tua função de mulher e esposa, mas sou mais calmo e brando do que outros homens por aí.
Inês – Que bom, meu amor… Porque agora não poderei massagear teus pezinhos. Vou à casa de minha mãe… Veio-me uma vontade de conversar com ela agora.
Brás – Inês, se saíres tanto assim como estás saindo, começarei a te tratar como nosso vizinho trata a sua filha. E sei que não queres isso.
Inês – Não te preocupes, meu marido. É uma simples visita à casa de minha mãe. Voltarei logo.
Inês sai. Seu marido fica pensativo, na sala.
Brás – Ah, mas isso há de mudar. E será em breve.
Cena 6: Beira do Rio dos Campos.
Agnella acaba de chegar à beira do rio. Enche o seu balde de água. Já vai saindo, mas olha para o rio, que julga grande, e decide sentar na areia.
Agnella – (Com ares de sonhadora) Como eu queria casar-me com um homem que fosse gentil… Ele me tiraria um pouco da presença de meu pai… (Cai em si, arrependida) Perdão, meu Deus. Eu sei que o certo é obedecer aos teus desígnios e, portanto, submeter-me à vontade de meu pai. (Angustiada) Mas, meu Deus, será que ser explorada assim é o que tu queres? Seria tão bom se o meu marido não fosse…
Um barulho na floresta vindo do lado oposto ao da vila assusta Agnella. Com medo, ela monta logo no cavalo, desajeitada como sempre, devido ao balde de água, e sai em disparada floresta adentro.
Cena 7: Floresta próxima à entrada situada do outro lado do Povoado das Hortaliças.
Na floresta, ofegante, surge uma mulher montada em um cavalo. Com expressão de medo, cansada, querendo encontrar repouso, abre um sorriso ao ver casas por entre as árvores. Ergue acabeça.
Valentina – Enfim, conseguirei me livrar para sempre dessa minha vida de prisões.
Cena 8: Campo aberto próximo à entrada oeste do Povoado das Hortaliças.
Gustavo vem andando, tranquilamente, em direção ao povoado, pensando nas pessoas que poderá encontrar lá. Pensando nos amigos que poderá fazer, nas belezas que poderá admirar… À sua frente, em uma velocidade alta para quem está a cavalo, e sem nem olhar para o caminho direito, vem Agnella. Quando percebe que vai esbarrar, o cavalo de Agnella freia de repente. Com o susto, ela é impulsionada para a frente e, junto com ela, o balde também, cuja água acaba molhando Gustavo. Além disso, a bolsa com as moedas que seu pai havia lhe dado para comprar pão cai no chão e elas saem, deslizando para dentro da floresta.
Agnella – (Levantando-se, assustada com tudo) Ai, meu Deus!!
Ela permanece assustada por causa do incidente e começa a se desculpar com Gustavo.
Agnella – (Desconcertada e atrapalhada) Perdão, moço… Perdão, eu estava apressada vindo do rio… Não o vi… Meu cavalo percebeu…
Gustavo – (Manso e calmo) Não é preciso que a moça se preocupe… Não aconteceu nada de mais.
Agnella – Mas e tua roupa? Eu a molhei com o balde que estava trazendo… Ai, meu Deus, meu pai vai me colocar no quarto por uma semana…
Gustavo – Nada de medos quanto a mim. Eu troco as minhas roupas depois. Elas, aliás, nem estão tão molhadas. Mas, cara donzela atrapalhada, agora fiquei preocupado contigo. Como arranjarás água para levar a teu pai? Não há uma maneira de eu te ajudar?
Agnella – (Olhando para o alto) Poderia até ser… (Olha, então, para baixo e vê, jogada no chão, a bolsa que continha as moedas. Se desespera.) Não, percebo que não podes. Perdi as moedas que meu pai me deu para comprar o pão e tenho que voltar ao povoado e tentar explicar essa situação a ele. Perdoe-me, mas irei agora.
Gustavo – Deixe-me ir contigo. Quero ajudar a entender-te com teu pai.
Agnella – Não. Não venha. Passe bem.
Agnella se vira e segue em direção ao povoado.
Cena 2: Floresta próxima à entrada situada do outro lado do Povoado das Hortaliças.
Valentina – Vida nova. É disso que preciso. (Olha para a roupa que está vestida e depois para outra que traz separada.) Agora preciso trocar de roupa. Ninguém pode me ver essa com essa que estou.
Valentina se troca, joga a outra roupa no meio da floresta e segue em direção ao povoado.
Valentina – Ainda bem que havia uma mulher tomando banho no rio…
Cena 03: Próximo à entrada oeste do Povoado das Hortaliças.
Gustavo não desiste de Agnella e vai atrás dela. Ela percebe e para. A esta altura, já estão na entrada do povoado.
Agnella – Por favor, cavaleiro insistente, já te pedi para que não me sigas. As pessoas do povoado falam demais e, se me virem conversando contigo, contarão mentiras a meu pai, mesmo que eu nem te conheça. Permita que eu siga para a minha casa.
Gustavo – (Desapontado) Tudo bem. Já que me pedes, não insistirei em te ajudar. Mas, se algum dia nos encontrarmos novamente e tu precisares de mim, com certeza eu estarei disposto a fazer isso.
Agnella – Obrigada pela consideração. Agora vá.
Gustavo volta e segue à igreja. Agnella continua em direção a sua casa. Um pouco distante, uma alcoviteira está à espreita.
Leonor – Deixe estar, que Enzo há de gostar de saber que sua filha já está querendo homens.
Cena 4: Rua na entrada do Povoado das Hortaliças.
Adelmo é um pretendente de Agnella. Sempre gostou dela e os pais dela sabem disso. Ele tinha chegado do rio há pouco tempo e estava observando, chateado, a conversa entre ela e Gustavo. Até que ela chega próximo a ele e é interrompida.
Adelmo – Posso saber com quem estavas conversando? Quem era aquele cavalheiro que se atreveu a conversar contigo?
Agnella – Pelo visto estavas me espionando novamente… Sabes que eu não gosto que faças isso.
Adelmo – Faço isso porque me preocupo contigo. Porque acho que uma donzela tão bela como tu não pode ficar solta sem alguém que esteja olhando por ela enquanto seu pai não pode fazer isso.
Agnella – Adelmo, tu podes ter a melhor das intenções com relação a mim. (Preocupada) Mas, com licença, eu preciso ir a minha casa.
Adelmo – Tens algum problema? Estás apressada por causa da tua água?
Agnella – Então estavas prestando atenção a tudo mesmo? O que mais sabes?
Adelmo – Percebi que perdeste as tuas moedas. Acho que irias comprar pão com elas. Certo?
Agnella – Estás certo. Mas onde queres chegar com isso? Por favor, só não me demora mais, porque já estás me atrapalhando mesmo…
Adelmo – Então te atrapalho, não é? Pois agora irei te ajudar. Toma aqui o meu balde com água, que, pelo visto,é igual ao teu, e tome as minhas moedas, para que compres o teu pão e teu pai não brigue contigo.
Agnella – (Envergonhada) Muito obrigada por isso. Não sei como posso te agradecer.
Adelmo – Sabes sim. Claro que será teu pai quem decidirá isso, mas mais tarde tu me agradecerás da maneira que gostaria.
Agnella – Eu prefiro te agradecer de outra forma… Porém depois. Agora, preciso correr à padaria e depois à minha casa.
Adelmo – Boa sorte com teu pai.
Agnella sai. Adelmo olha para o lado da floresta.
Adelmo – Ah, mas eu vou atrás desse atrevido que quer roubar a minha Agnella!
Cena 5: Povoado das Hortaliças.
Inês está indo em direção à casa da sua mãe. No meio do caminho, é interrompida por um dos tantos camponeses do povoado.
Pero – Minha Inês!
Inês – Ai, camponês. Não me interrompa. Estou indo à casa de minha mãe agora.
Pero – Por que ser tão dura comigo? Não vês que te amo?
Inês – Tens cara de pobre, Pero. Me amas, podes ter algum dinheiro, mas no final de tudo teu jeito é de pobre.
Pero – Como és má, Inês. Não me respeitas nem um pouco?
Inês – Claro que te respeito. Desde que permaneças em tua casa, lá nos arredores do povoado, perto da floresta. E deixe-me ir agora.
Inês empurra Pero do seu caminho e segue à casa de sua mãe.
Cena 6: Floresta.
Gustavo entra na floresta. Está pensando em Agnella. Um tempo depois, ouve um grito.
Adelmo – Cavalheiro!
Gustavo olha para trás.
Gustavo – Pois não, o que queres?
Adelmo – Quero que esqueças a minha Agnella.
Gustavo – (Surpreso) Por que falas assim? Por acaso essa moça que dizes é aquela com quem esbarrei na entrada do povoado?
Adelmo – Ela mesma. Estou avisando a ti para não tocares um dedo nessa moça que um dia há de ser minha.
Gustavo – Estás louco? Só pode. Vi essa donzela pela primeira vez na minha vida e já achas que a quero para mim? Aliás, não gosto que me tratem dessa maneira, se não fiz algo de errado.
Adelmo – Então és cego, não é? Mas tudo bem. Caso achares que irás conseguir algo, estás se enganando. Ela será minha, nunca tua. Fica o aviso.
Adelmo volta enfurecido para o povoado. Gustavo ri.
Gustavo – Que homem maluco…
Cena 7: Igreja. Pouco tempo depois.
Gustavo veio correndo em disparada do povoado para a igreja. Chegou em pouco tempo. Ao chegar, não encontrou ninguém e foi direto aos seus aposentos. Trocou as suas roupas e saiu à procura de alguém na igreja. Depois de tanto vagar, acabou parando na sala do padre. Lá, Gregório estava arrumando a sala.
Gustavo – Olá!
Gregório – (Se assustando) O que fazes aqui?
Gustavo – Por que o susto? Não me é permitido entrar?
Gregório – Na verdade, não. São poucas as pessoas que têm acesso à sala do padre. Eu só posso entrar aqui uma vez por semana, quando ele sai ao convento para uma missa importante e eu venho arrumar o lugar.
Gustavo – (Intrigado) Qual o problema com o acesso à sala do padre? O que tem nela que outras pessoas não podem ver?
Gregório – (Taxativo) Nada que seja do interesse delas. Coisas que pertencem apenas à Igreja. Agora, por favor, saia daqui antes que alguém o veja e culpe a mim por tê-lo deixado entrar.
Nesse momento, a freira chega.
Francisca – (Se dirigindo a Gustavo) Muito bonito, hein, rapaz… Posso saber o que fazes aqui na sala do padre?
Gustavo e Gregório ficam calados.
Cena 8: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Enzo e Prudência estão conversando.
Enzo – (Com maneiras ásperas) Sabia que teríamos problemas com uma filha. Vês o quanto ela está demorando? Por que, aliás, não me deste um varão em vez de uma varoa?
Prudência – (Submissa) Não tenho culpa, meu marido. Deus quis assim. E não se preocupe tanto, porque daqui a pouco nossa filha chega.
Enzo – Mas quero aproveitar enquanto Agnella não vem para dizer-te uma coisa que julgo já ser algo urgente. Precisamos casar rapidamente a nossa filha.
Prudência – Casar? Gosto tanto dela ao meu lado… Mas sou forçada a concordar.
Enzo – Pois é. Ela já está moça, já tem idade e sabedoria para um casamento. E poderemos evitar transtornos no futuro se a casarmos logo. E tu sabes de quais transtornos falo.
A porta, então, se abre e Agnella entra.
Prudência – Minha filha, que bom que chegou!
Enzo – Por que demoraste tanto? Vamos, exijo explicação!
Agnella fica calada e baixa sua cabeça. Sua mãe olha para ela e percebe, em seus olhos, o medo do pai.
Cena 9: Povoado das Hortaliças. Casa de Simone.
Simone é a mãe de Inês. Nesse momento, ela está fazendo um café. Alguém bate na porta.
Simone – Já vai!!!
Quando abre, vê a filha.
Simone – Querida, entra! Que bom que veio ver a sua mãe, tão velha e tão carente de tua companhia…
Inês – Ai, mamãe, não fale assim. A senhora não é tão velha, e não vive sozinha… Por acaso achas a companhia de meu irmão ruim?
Simone – Não, filha. Pelo contrário. Ele é um filho tão bom… Faz um tempinho foi buscar água e comprar pão para comermos e ele poder trabalhar.
Inês – Pois então, mamãe, não reclames de barriga cheia. E a senhora ainda tem a Leonor para conversar… Agora vamos sentar porque precisamos falar seriamente.
Simone – Ai, querida. Desse jeito me assustas…
Elas sentam.
Simone – E qual o assunto dessa conversa tão importante, minha filha?
Inês – Meu casamento, mamãe. Ou melhor, meu marido.
Cena 10: Povoado das Hortaliças. Casa de Enzo.
Amedrontada, Agnella demora um pouco a responder.
Enzo – Vamos, garota! Exijo uma explicação tua! Por que demoraste?
Agnella – (Se atrapalhando ao falar) Sabe, papai… Tive que voltar ao rio porque o cavalo enlouqueceu no caminho para o povoado e derrubou o balde, que estava cheio de água…
Enzo – (Desconfiado) Falas a verdade, Agnella? Como posso certificar-me disso?
Prudência – (Interrompendo a filha, que ia falar) Não acreditas em tua filha? Não confias nela? Por acaso ela já te deu motivo para achares que ela mente justamente para ti, que és seu pai?
Enzo ia brigar com a mulher, mas foi convencido e desistiu.
Enzo – Então está certo. Agora, minha filha, vamos comer.
Eles se dirigem à cozinha. Ao chegarem lá, Agnella coloca o balde de água em seu lugar e os pães sobre a mesa. Então, seu pai notou algo de estranho na sacola de pães.
Enzo – Agnella, por que trouxestes mais pães do que os que o dinheiro que te dei permitia comprar? Onde arranjaste mais dinheiro, hein? Onde?