MEU RIO – Capítulo 1
][Início dos anos 90 – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
“No céu, no céu
com minha mãe estarei
No céu, no céu
com minha mãe estarei.
Com minha mãe estarei
aos anjos se ajuntando
Do onipotente ao mando
hosanas lhe darei.
No céu, no céu
com minha mãe estarei
No céu, no céu
com minha mãe estarei.”
A procissão segue pelas ruas de poeira da cidadezinha de Mororó, as beiras do Rio Parnaíba no Estado do Maranhão, a melodia da música era complementada pelo choro da jovem Susana, havia acabado de perder o seu pai. Mais atrás, em cima de uma carroça, vinha o caixão. As vozes das senhoras, com seus véus pretos, ressoava por todo caminho de terra até o pequeno cemitério
SUSANA – Me diga o porquê, minha mãe, dele ter partido tão cedo.
MARIA HELENA – (calmamente) – Deus sabe o momento que cada um deve partir minha filha, assim como as flores, que crescem em uma estação e na outra já estão partindo, somo nós, nossa vida terrestre é passageira e Ele, o altíssimo nos chama de volta para Ele após cumprirmos a missão que nos deu aqui neste mundo. Assim como as águas do velho monge que percorre desde sua nascente e inunda toda essa terra até chegar ao mar, somos nós correndo para junto de Deus nesta nossa vida, tudo tem um começo meio e fim.
SUSANA – Mesmo assim é injusto.
***
[Casa de Beatriz – Cidade de Mororó – Maranhão – Quarto – Manhã]
SEBASTIANA – Força minha filha, força, a criança já está chegando
JOANA – (Fala arfando) – Mãezinha me ajude, por favor
SEBASTIANA – Se acalme minha filha… se acalme, que vai dar tudo certo
Encontrava-se no quarto, junto a sua mãe de criação, Beatriz que estava tensa com tudo aquilo.
Beatriz olhava para o rosto da mãe, depois olhava para o rosto da avó, não dizia uma palavra, nunca tinha assistido um parto, se assustava com os gritos de sua mãe, até que certo momento, após um grito forte, ela escuta o choro da criança que veio ao mundo.
JOANA – Deixa eu ver mãezinha, deixa…
SEBASTIANA – Desculpe minha filha (Fala virando para que Joana visse)
JOANA – Uma menina… não mãe, não pode ser… Tinha que vir um menino
Beatriz olha com espanto a reação da mãe.
JOANA – Ele não pode saber… ele vai levá-la embora, não deixe por favor, salve minha filha, salve, minha mãe.
SEBASTIANA – Se acalme, tudo vai dar certo. Eu vou dar um jeito… Beatriz, tire o seu pai de trás dessa porta, leve ele para outro lugar.
BEATRIZ – Tudo bem vó (Sai)
JOANA – O que você vai fazer?
SEBASTIANA – Confie em mim.
Do lado de fora.
JOSANIEL – Como assim ainda não nasceu?
BEATRIZ – A vó disse que ainda vai demorar, que ela só está sentindo dores, mas a criança ainda não tá para nascer.
JOSANIEL – Então eu vou lá ver.
BEATRIZ – (Cortando) Não, oxi paizinho o senhor não confia em mim? E a vó disse que o senhor só vai atrapalhar lá e que não carece do senhor ficar aqui, vumbora lá no enterro de seu amigo, José, minha amiga Susana e a mãe dela deve estar precisando do nosso apoio.
Os dois caminham até o cemitério.
***
[Cemitério – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
JOSANIEL – Licença (Susana e Maria Helena se viram), meus pêsames (fala tirando o chapéu e levando ao peito), é uma perda muito grande para o nosso povo.
Beatriz abraça Susana
BEATRIZ – Como você está?
Susana não responde só chora e abraça a amiga. Josaniel acompanha Maria Helena até onde o corpo vai ser sepultado.
***
[Casa de Beatriz – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
JOANA – Para onde a senhora vai levá-la?
SEBASTIANA – Você prefere continuar vendo ela ou deixar que seu marido a leve para longe?
JOANA – Mas me diga pelo menos para onde?
SEBASTIANA – Tenho pouco tempo depois lhe digo.
Ao terminar de limpar a pequena menina, Sebastiana a enrola em um lençol e se direciona a porta.
JOANA – Mãezinha espere, deixe eu dar mais uma olhada nela.
Sebastiana volta e leva a criança para Joana ver.
JOANA – Desculpe minha filha, mas é para o seu bem, desculpe Maria Tereza.
***
[Fazenda dos Araribe – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
CORONEL – Diná, está tudo certo para a chegada do meu filho? Eu não quero que nada dê errado.
DINÁ – Estar sim coroner, quando seu filho vai chegar?
CORONEL – Em breve, muito em breve, está vindo de carro da capital e já, já está por aqui andando por essas terras.
DINÁ – Já deve estar menino moço né
CORONEL – Vai fazer 21 anos mês que vem, veio passar as férias aqui antes de ir pro Rio de Janeiro para ser advogado.
DINÁ – Ele saiu daqui muito novinho, lembro dele correndo por esse mundaréu de cafezal que o senhor tem.
CORONEL – E quando voltar de se formar doutor da advocacia, ele que vai tomar de conta disso tudo.
DINÁ – E sua filha? Nunca mais deu notícias?
CORONEL – Não quero que volte a falar naquela maldita aqui, entendeu? Desde que se deitou com aquele cabra não é mais minha filha.
DINÁ – Acho que o senhor deveria ir atrás dela, soube que ela tava pra ter cria por esses dias.
CORONEL – Eu não quero saber, agora vai cuidar de seus afazeres.
DINÁ – Com licença. (saí)
EVA – (aproximando –se) O que foi meu amor?
CORONEL – Diná que veio novamente com essa história daquela maldita.
EVA – E até quando vai guardar esse ódio dentro de você homi?
CORONEL – Que ódio? Para mim ela não existe!
EVA – Se não existe porque está desse jeito?
CORONEL – Já chega Eva, deixe essa história para lá… Agora venha cá me dar um beijo.
Eva sorrir e dar um beijo no seu marido.
***
[Casa de Susana – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
Depois do enterro, Maria Helena, Susana vão para casa acompanhadas por Beatriz e Josaniel.
MARIA HELENA – Entre, desculpe pela bagunça, não consegui pensar em nada, o senhor aceita um copo de café?
JOSANIEL – Aceito sim.
MARIA HELENA – Se senti aqui no sofá que já trago.
Beatriz entra
BEATRIZ – Paizinho posso ir lá no rio com a Susana, para ver se animo um pouco ela.
JOSANIEL – Pode sim, mas não demore, pois quero tirar a limpo aquela história que você me disse.
BEATRIZ – Tudo bem (Sai)
MARIAHELENA – (Entra na sala) – Pronto está quentinho.
JOSANIEL – O cheiro está ótimo
MARIA HELENA – (entregando o copo) – Não vá se queimar.
Josaniel sorrir para ela.
***
[Casa de Socorro – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
SEBASTIANA – Socorro, ôh Socorro…
SOCORRO – (abrindo o portão) Que gritaria é essa mulher?
SEBASTIANA – Preciso de sua ajuda (mostra a criança)
SOCORRO – (Assustada) – De onde tirou esse bebê?
SEBASTIANA – Isso não importa agora… preciso que tome de conta dela até eu voltar com uma solução melhor.
SOCORRO – Mas ela precisa se alimentar.
SEBASTIANA – Dou um jeito, depois, de trazer a mãe dela para dar de mamar, mas por enquanto tem que ficar com ela.
SOCORRO – Tudo bem, mas só se você me contar tim, tim por tim, tim dessa história.
SEBASTIANA – Agora não posso, mas depois volto e te conto.
Sebastiana volta para casa.
***
[Rio Parnaiba – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
BEATRIZ – Como você está se sentindo Susy?
SUSANA – Como você imagina, um vazio enorme…
BEATRIZ – Sua mãe parece estar bem forte com tudo isso
SUSANA – Ela sempre foi uma mulher batalhadora e guerreira e estou tentando ser como ela, entende?
BEATRIZ – Sim, e você estar conseguindo.
SUSANA – Ele era tudo para mim sabe, meu herói, podia contar com ele pra tudo, contar meus segredos, os meus medos, era um amigo, além de pai, agora parece apenas um vazio enorme aqui dentro, quem vou contar as minhas coisas agora?
BEATRIZ – Oxi e eu? (rir) você pode sempre contar comigo, vou estar sempre ao seu lado.
SUSANA – Eu sei, sua boba, mas ele é o meu pai.
BEATRIZ – Também não saberia o que fazer se fosse com minha mãe, apesar de não ser a que me pariu, eu tenho um grande afeto e uma forte ligação com ela.
SUSANA – Bia e onde está a sua mãe de verdade?
BEATRIZ – Ela fugiu, foi embora e me deixou com meu pai, nunca veio me visitar e nem mandou notícias.
SUSANA – Mas você nunca perguntou para seu pai sobre ela?
BEATRIZ – Ele sempre foge do assunto, sempre desconversa e diz a mesma coisa.
SUSANA – Muito estranho isso.
BEATRIZ – Vamos deixar isso para lá.
***
[Fazenda dos Araribes – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
DINÁ – (Entra correndo) Coroner, corra, corra é Teodoro no telefone.
Coronel se levanta da rede onde estava deitado na varanda do casarão e anda calmamente até o telefone.
CORONEL– Alô!
TEODORO – Pai, já estou aqui em Brejo, em breve estarei chegando ai.
CORONEL – Você está bem meu filho?
TEODORO – Sim, estou bem, daqui a pouco pego o pau de arara.
CORONEL – Tem certeza que não quer que eu mande o motorista ir te buscar?
TEODORO – Não carece disso meu pai, já está tudo certo, não se preocupe não, vai dar tudo certo.
CORONEL – Se cuida
TEODORO – Fique na paz meu pai.
Teodoro desliga, pega sua mala e vai até o ponto de embarque.
TEODORO – Estou chegando minha terra, estou chegando.
***
[Casa de Beatriz – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
JOANA – Ó Senhora do Perpétuo Socorro,
mostrai-nos que sois verdadeiramente nossa Mãe
Por favor minha santa, proteja a minha Maria Tereza,
ôh minha virgem, cuide dos caminhos dela.
Ó glorioso Santo Afonso, que por vossa confiança na bem-aventurada Virgem conseguistes tantos favores e tão perfeitamente provastes, em vossos admiráveis escritos, que todas as graças nos vêm de Deus pela intercessão de Maria, alcançai-me a mais terna confiança para com nossa Mãe do Perpétuo Socorro e rogai-lhe, com instância, que me conceda o favor que reclamo de seu poder e bondade maternal.
Eterno Pai, em nome de Jesu e pela intercessão de nossa Mãe do Perpétuo Socorro e de Santo Afonso, peço-vos que me atendais para vossa glória e bem da minha alma.
Joana termina suas orações deitada e olhando para a imagem de Nossa Senhora que tem em seu quarto e fica assim por um tempo, até que escuta passos se aproximando do quarto.
JOANA – Quem se aproxima?
SEBASTIANA – Assossegue Joana, sou eu. Sua filha está em boas mãos, agora vamos dar um jeito de parecer que você não deu à luz ainda.
JOANA – E como vamos fazer isso?
SEBASTIANA – vou colocar enchimento e vamos dizer que as dores eram por causa de um mal estar, que você está doente, até eu conseguir uma coisa.
JOANA – Tem certeza que isso vai dá certo mainha?
SEBATIANA – Só siga o que combinamos, agora deixe eu te ajudar a se arrumar.
***
[Casa de Susana – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
Maria Helena está preparando o almoço e cantando
MARIA HELENA – “Dona da minha cabeça ela vem como um carnaval
E toda paixão recomeça, ela é bonita, é demais
Não há um porto seguro, futuro também não há
Mas faz tanta diferença quando ela dança, dança”
JOSANIEL – Você não está triste com a morte de seu marido?
MARIA HELENA – Estou, mas para que ficar se lamentando? Creio que meu marido não iria querer isso, nem para sua filha, tenho certeza que ele está no céu orando por nós e como dizia minha mãe nada como cantar para espantar a tristeza.
JOSANIEL – Eta que o cheiro está muito bom, além de uma ótima cantora, também é uma ótima cozinheira.
MARIA HELENA – Assim você me deixa encabulada (sorrir), muito obrigado, você vai ficar para o almoço?
JOSANIEL – Eu agradeço, mas tenho que voltar para casa, só estou esperando a Beatriz voltar com a sua filha, que com todo respeito muito bonita e puxou para você.
MARIA HELENA – Já devem estar voltando.
JOSANIEL – Eu espero que sim.
MARIA HELENA – E como vai a sua esposa? Já teve bebê?
JOSANIEL – Quando sai de casa ela estava sentindo muita dor, creio que de hoje não passa, já, já o meu menino deve ta chegando.
MARIA HELENA – E qual vai ser o nome dele?
JOSANIEL – João Joaquim em homenagem ao meu pai, vai ser um tremendo de um cabra macho.
MARIA HELENA – E se for uma menina?
JOSANIEL – Nem penso nisso, minha mulher sabe que quero ter um filho homem e ela não iria dar esse desgosto de ter uma filha mulher, além do mais quero um herdeiro para ficar no meu lugar e dar continuidade ao pouco que tenho.
MARIAHELENA – E você acha que a Beatriz não seria capaz?
JOSANIEL – Beatriz tem que aprender os ofícios domésticos, com sua mãe e avó, e é preciso ter muita coragem para assumir um lugar assim, o que um filho homem iria garantir, assim como a continuidade do nome da família.
MARIA HELENA – Entendo.
Beatriz e Susana chegam na sala
JOSANIEL – Demoraram em Beatriz
BEATRIZ – Nos distraímos um pouco paizinho, me desculpe.
JOSANIEL – Agora vamos (se voltando para Maria Helena) agradeço muito pela hospitalidade, mais uma vez meus pêsames pelo seu marido, qualquer coisa pode ir nos procurar lá em casa.
MARIA HELENA – Eu que agradeço pelo apoio.
BEATRIZ – (voltada para Susana) tchau amiga, espero que esteja melhor.
SUSANA – Estou sim, muito obrigado.
JOSANIEL – Muito bem, agora vamos.
***
[Casa de Beatriz – Cidade de Mororó – Maranhão – Manhã]
JOSANIEL – Oh dona Sebastiana
SEBASTIANA – Sim
JOSANIEL – Onde está o meu filho?
SEBASTIANA – O seu filho ainda não nasceu
BEATRIZ – E minha irmã?
JOSANIEL – Que história é essa de irmã, Beatriz?
***
[Estrada – Cidade de Brejo – Maranhão – Manhã]
Teodoro encontrava-se na parte da frente do pau de arara, dentro da cabine do motorista.
TEODORO – Quanto tempo não venho para essas terras?
MOTORISTA – O seu pai deve estar muito contente com a sua volta.
TEODORO – E você sabe quem é o meu pai?
MOTORISTA – E quem não conhece o coronel Araribe por aqui? Você se parece muito com ele, com certeza veio para assumir o lugar como herdeiro desse mundaréu de cafezal que sua família tem, com a mesma garra de seu pai, creio.
TEODORO – Eu não vim para assumir nada e eu não sou como meu pai.
MOTORISTA – Me desculpe a pergunta, mas, o que o senhorzinho veio fazer aqui?
TEODORO – Vim visitar a minha família, antes de ir para o Rio de Janeiro.
MOTORISTA – E quem vai ficar no lugar de seu pai?
TEODORO – Isso é ele quem tem que resolver, não vai ser eu, ele tem uma filha que renegou, então que vá atrás dela.
MOTORISTA – Acho pouco provável que ele busque por essa filha, ele guarda um grande ódio no coração, segundo o que escutei das histórias que o povo conta.
TEODORO – O senhor meu pai sabe o que faz com esse circo que ele montou envolta da nossa família e não será eu que vou dar continuidade a essa palhaçada.
MOTORISTA – Vejo que o senhor é bastante revolucionário.
TEODORO – Eu luto pela justiça, não posso é carregar um nome que coloca várias pessoas na miséria, sofrendo com pouca comida.
MOTORISTA – Mas, você assumindo o comando das terras, poderia reverter isso, concorda?
TEODORO – (Cortando) Cuidado, olha o garoto (puxa o volante)
O pau de arara derrapa na pista de terra e capota até chegar na beirada da ribanceira e fica perigando cair, Teodoro está desmaiado.
Sucesso, amigo!
Obrigado, amigo!