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Contos de Hysteria

Capítulo 3 – Os Contos de Hysteria

Os Contos de Hysteria

Capitulo 3: Tempo Ruim Para se Apaixonar (Bad Time To Be In Love)

Quando chegou à casa dos anões, Max encontrou toda a família reunida em volta da lareira, apreensivos para que ele chegasse bem. Depois de tranquilizá-los dizendo que estava tudo bem, contou-lhes como havia sido sua noite. Ele estava feliz como não esteve há dias e vê-lo dessa maneira fez com que Vinyl se desculpasse por duvidar do plano.

Umma preparou um chocolate quente para Max que se sentou satisfeito em uma poltrona em frente à lareira. Tinha uma chance, mesmo que muito remota, de vencer o desafio e ninguém poderia lhe negar o direito de ficar com Aria. Ela escolheria um desafio musical. Tudo o que ele precisava fazer era tocar a música certa e sabia exatamente qual era. A mesma música que o rei Reed tocara para a rainha Scarlett e que fez com que os dois se apaixonassem. Aria adorava aquela música e, além disso, também era a música que ele estava murmurando quando ela falou com ele pela primeira vez.

Com aqueles pensamentos maravilhosos, o gosto morno do chocolate e a visão das chamas da lareira dançando em frente a ele, Max foi sentindo-se mais e mais cansado até que pegou no sono. Vinyl tirou a caneca das mãos do amigo para que ele não a deixasse cair e colocou o cobertor sobre ele, antes de ir para sua própria cama.

 

Não muito longe dali, na hospedaria mais chique da Capital, Deezer Manilow estava à espera de seu segurança. Estava louco de raiva. Ele deveria ser o favorito, ele deveria ter dançado com a princesa. Se não fosse pelo garoto idiota com a máscara de lunático tudo estaria acontecendo conforme o planejado. Ele também não conseguia esquecer o fato de que o menino da festa era um mentiroso, já que tinha escutado a conversa que ele teve com princesa antes de ir embora, tão repentinamente.

Aparentemente, seu nome nem sequer estava na lista dos convidados com direito a participar do desafio. Ele havia dito abertamente qual desafio a princesa deveria escolher para que ele fosse o vencedor. Isso deveria ser considerado trapaça, mas Deezer não tinha provas e única coisa que podia fazer era julgar que os dois já se conheciam antes do baile e que ele precisava pensar em uma maneira de passar por cima daquela situação. Deezer pensou que ao menos, por ter escutado a conversa, estava um passo acima de todos os outros candidatos, pois sabia o desafio um dia antes de todos.

Seu segurança pessoal, que o acompanhou durante a viagem até a Capital, estava naquele momento investigando a princesa. O garoto havia mandando o homem atrás de algo que o beneficiasse para o desafio logo depois que ouvira a conversa. Talvez ela tivesse escrito alguma música, ou ele a visse cantarolando alguma coisa. Qualquer dica seria o suficiente para que Deezer definisse qual música cantaria para a princesa no dia seguinte.

De repente, ouviu batidas apressadas na porta. Quando avançou para abri-la se deparou com seu segurança parado na porta, com um sorriso triunfante.

— Espero que isso signifique que você conseguiu o que eu preciso. – disse Deezer deixando o homem corpulento entrar.

— Sim, meu amo. Conseguiu entrar no quarto da princesa enquanto todos ainda estavam no baile e achei isto. – O homem entregou a Deezer um pequeno caderno, quase uma espécie de diário. O garoto folheou o caderno a procura de algo que fosse interessante. Era todo decorado com desenhos feitos a mão e algumas descrições de eventos na vida de Aria, e em uma das páginas estava uma pequena história de uma princesa que encontrava o amor da sua vida, e que ela o via pela primeira vez reconstruindo o muro do palácio. A descrição do menino da história lembrava o Maxwell que Deezer havia conhecido no baile. — Também a ouvi cantando uma música pelos corredores quando o baile acabou. Ela parecia bem feliz.

— Música?!? Que música? – Deezer perguntou agarrando o segurança pela camisa e este cantarolou um trecho da canção de Aria nervosamente. O garoto pálido não sabia, mas era a música que Max estava cantando quando Aria o encontrou pela primeira vez. Embora o segurança fosse muito maior e mais forte do que Deezer, o menino era muito mais agressivo e manipulador e, portanto, mais ameaçador. — É ótimo ouvir isso… Já tenho o que preciso para amanhã. Vou me deitar, está bem? Sugiro que faça o mesmo.

 

Max teve uma noite maravilhosa. Era praticamente impossível não dormir bem depois de uma noite como aquela que teve no baile. Em seu sono profundo ele sonhava com a cena dos dois dançando, e estava prestes a beijá-la quando um anão pulou em cima dos dois gritando seu nome.

— Max! – O menino abriu os olhos, sobressaltado e viu Vinyl apoiado em cima dele na poltrona onde havia pegado no sono na noite passada. — Cara, acorda! Você vai se atrasar para o desafio.

Max sentiu todo o sangue de seu corpo circulando instantaneamente ao ouvir aquelas palavras. Que horas eram? Ele não sabia dizer, mas se de acordo com Vinyl ele estava atrasado, então o que precisava fazer era correr. Levantou-se e se dirigiu ao banheiro. Conseguiu tomar um banho e colocar uma roupa apresentável em tempo recorde, só para abrir a porta e encontrar a família Vinyl sentada em volta à mesa para o café da manhã. Umma olhou para ele de forma orgulhosa e piedosa ao mesmo tempo.

— Sabe, você ainda tem um tempinho para o café… – Ela disse o puxando para perto da mesa. Vê-lo apaixonado e pensando no futuro fazia a anã, que havia cuidado de Max desde a infância, perceber que seu pequeno humano estava se tornando um homem. Isso significava que em breve ele teria outras preocupações e em pouco tempo seu filhinho mais novo, Vincent, também estaria com a cabeça em outros lugares. — Vincent não quis dizer que você já estava atrasado. Agora, sente-se e coma alguma coisa.

Max sorriu para a anã e fez como ela pediu. Ele amava a ela e a Pop como se, de fato, aqueles fossem seus pais. Era difícil evitar a saudade que sentia da mãe de verdade, mas ela se fora há muitos anos e ele era agradecido pela família que o acolhera. Alguns minutos depois que Max começou a comer, notou que ninguém estava falando muito e o silêncio permaneceu até que Umma levantou-se e se dirigiu rapidamente para o seu quarto. Logo ela retornou com um embrulho que parecia um presente.

— O que é isso? – Max perguntou quando a viu com o embrulho.

— Eu andei pensando e você não estava com o rosto à mostra ontem à noite. Os guardas ainda não podem te reconhecer senão vão te impedir de participar do desafio. – Ela disse dispondo o presente no colo de Max. — E você não pode usar a máscara de novo, seria muito suspeito.

O menino abriu o embrulho de forma cautelosa, mostrando carinho pelo presente. Tirou de lá um belíssimo tecido negro dobrado de maneira perfeita. Max levantou-se da cadeira e desdobrou o tecido, revelando uma capa de viajante, e agora ele conseguia ver os detalhes na linha da costura. — Laranja… — Ele disse tocando os fios. — É a minha cor favorita.

— É, eu sei. — Umma respondeu cobrindo a boca com uma das mãos e tentando conter as lágrimas. Pop e Vinyl se levantaram também e chegaram mais perto. — Você vai tomar cuidado, não é, meu bem?

Pop abraçou a mulher e olhou para Max dando um sorriso honesto e o garoto finalmente entendeu o silêncio anterior. Aparentemente, todos estavam aflitos demais com o que o futuro de Max reservava. Queriam que ele realizasse seus sonhos, mas ao mesmo tempo tinham medo de perdê-lo se ele os alcançasse. Max agarrou-se firmemente a capa como se aquele fosse o objeto mais importante que ele possuía. Mordeu os lábios sentindo-se conflituoso em ir ao desafio pela primeira vez nos últimos dias e só começou a relaxar quando sentiu uma mão segurar a dele.

— Você vai voltar aqui sempre que puder, não é, Max? – Vinyl disse segurando a mão do amigo. Às vezes Max achava que fazia um papel de irmão mais velho muito melhor que Eddie jamais fez para aquele pequeno anão. Com a outra mão, ele colocou a capa sobre a cabeça e olhou para toda a família Vinyl antes de repousar seu olhar somente em Vincent.

— É claro, carinha. Eu prometo.

 

Ventava muito no caminho até o palácio. O céu parecia mais escuro do que de costume, provavelmente significando chuva. Max caminhava, pensativo, com a guitarra pendurada nas costas, enquanto ele trajava o longo capuz de viajante que tinha ganhado. A roupa traria sorte, ele sabia disso, porque se sua família estivesse ao seu lado, não importava o resultado final.

Escondeu o rosto o máximo que pode quando deu seu nome falso, Maxwell Strawberry, na entrada do castelo. O guarda confirmou sua chegada e o deixou entrar. Alguns nobres o encaminharam até um salão especial, onde estava uma fila de garotos. Parecia que a apresentação aconteceria por ordem de chegada e por isso Max andou até o fim da fila, mas quando estava prestes e se posicionar, alguém entrou correndo na sua frente.

— Ei! Calma ai! – Ele disse sobressaltado, já que o garoto havia praticamente o empurrado para entrar primeiro. Quando seu foco voltou, ele viu que se tratava de Deezer Manilow. — Ah… É você.

— Não leve a mal, Maxwell. – Disse Deezer mostrando seu largo e psicótico sorriso. — Mas é que eu faço questão de ser a pessoa a se apresentar antes de você. A propósito, bela capa. Esconde bem o seu rosto.

Max sentiu algo incrivelmente ameaçador naquelas palavras. Abaixou o capuz que lhe cobria a cabeça, já que naquele momento estava rodeado apenas dos garotos participantes do desafio, e não importava que aqueles vissem seu rosto. — O que você quer dizer com isso? – Ele perguntou dando um passo. Os dois haviam chegado cedo, de maneira que apenas alguns garotos estavam na sua frente. Deezer tirou um diário colorido de dentro do bolso do casaco e abriu na página de história de Aria, com um pequeno esboço de um menino sujo segurando cimento.

— Esse rapaz não te lembra alguém? – Deezer disse no tom mais sarcástico possível.

— O-onde conseguiu isso? – Max perguntou assustado e dando um passo para trás, afastando-se do outro garoto.

— Isso não importa. – disse guardando novamente o diário no bolso. — O fato é que eu não posso provar nada em relação a sua conversinha com a princesa ontem. Mas com isso, posso provar que vocês já se conheciam e que você não é quem diz ser.

Deezer colocou as mãos a cintura e permaneceu seu olhar vitorioso sobre Max. Aquele sorriso demoníaco e aquele olhar feroz que repousavam sobre ele, fez Max corar de uma maneira horrível, como se naquele momento, aquele garoto rico e metido pudesse ver dentro da sua mente. Max abaixou a cabeça, ainda corando um pouco e deixou as palavras escaparem. — E o que você vai fazer agora, Deezer?

— Vou lhe propor algo. Você pode apresentar sua música estúpida, mas deve contar quem você é de verdade, senão… – Ele não terminou a frase, mas tocou seu bolso no lugar onde havia colocado o diário.

Quando Max levantou novamente a cabeça, não estava mais corando. Odiava ser ameaçado daquela maneira. Não importava de qualquer forma, se vencesse, iria ter que expor sua identidade mesmo. Ele confirmou seriamente com a cabeça antes de os dois ouvirem alguém chamando o próximo concorrente, que era Deezer. O garoto, ainda exibindo aquele terrível sorriso, também confirmou e voltou-se para a sala dos testes, deixando Max sozinho com os garotos que estavam atrás na fila.

Cuidadosamente, ele abriu uma fresta na porta para ver o que Deezer estava apresentando. Viu o pequeno salão limpo e arrumado, com uma espécie de júri sentado de frente para um circulo onde os garotos deveriam se posicionar para o teste. Havia três cadeiras no júri, onde se sentavam, respectivamente, o rei, Aria e a rainha. Ao lado do rei, de pé, estava um guarda segurando uma longa lista com o nome dos meninos de maneira a apresentá-los quando entrassem e também anotar suas notas ao final da apresentação.

Max viu Deezer sorrindo da forma esnobe de sempre e pegando um violão dentre os instrumentos dispostos na sala. Max não pensou que eles deixariam os instrumentos à escolha do participante, mas notou que de acordo com as leis, o desafio fora proposto naquela manhã e trazer seu próprio violão de casa talvez o expusesse, como se ele já soubesse o que princesa escolheria.

Deezer se ajeitou, afinou as cordas do violão e começou a tocar a música que tinha escolhido. Ele não tocava perfeitamente, mas sua voz era limpa e afinada. Max forçou sua audição para ouvir qual exatamente era a música e quando conseguiu sentiu sua garganta fechando de preocupação. Era a mesma música que ele havia planejado tocar. Lembrou-se da voz do garoto dizendo “Não leve a mal, Maxwell, mas é que eu faço questão de ser a pessoa a se apresentar antes de você”. Como ele podia saber? Aria havia descrito como os dois se conheceram no diário, mas não havia mencionado a música.

Quando a situação parecia não poder ficar mais desesperadora, Deezer chegou ao refrão. Aria parecia igualmente aturdida com a canção. Reed e Scarlett, por outro lado, conhecendo o significado da música na relação dos dois, sorriam calorosamente. Uma luz brilhante e dourada que descia dos céus começou a iluminar Deezer enquanto ele tocava e o ergueu levemente no ar, como mágica. Max não podia acreditar em seus olhos e nesse momento, os três nobres na mesa do júri se levantaram. O garoto terminou a canção e a luz ainda o rondava, quando o rei a rainha correram em direção dele.

— E-eu não sei da onde vem essa luz… – Ele disse de forma um pouco assustada. Aparentemente, nem Deezer, com sua mania de grandeza, sabia explicar o que tinha acabado de acontecer.

— É a benção de Harmos, garoto. Significa que você venceu! – Disse o rei colocando sua mão sobre o ombro do menino, que parecia confuso, mas extremamente feliz ao mesmo tempo. Aria que estava de pé atrás da mesa do júri sentiu-se sentando novamente, com vontade de chorar. Max também sentou-se inconscientemente no chão ao ouvir aquelas palavras. Aria só conseguiu falar novamente quando ouviu a voz do pai a chamando. — Venha aqui, filha. Precisa conhecer seu futuro marido.

— Espere! – Ela gritou quase como um pedido de socorro, o que fez Max olhar novamente para dentro da sala. — Mas e o favorito? O rapaz com quem dancei ontem à noite? Nem tivemos a chance de ouvi-lo e ele, por suas ações no baile, tem tanta chance quanto o senhor Manilow.

— Não vejo porque não! – Disse Deezer para a surpresa de todos dentro da sala, que não sabiam da conversa entre os dois meninos minutos atrás. — Eu também me sinto curioso para saber o que o garoto mascarado pode fazer.

O rei visualizando a situação e não vendo nenhuma objeção para não fazê-lo, pediu ao guarda com a lista que chamasse o garoto do baile. Maxwell entrou no recinto com o rosto coberto pela capa e com o violão pendurado nas costas. Aria e seus pais retornaram aos seus assentos e Deezer ficou de pé ao lado do guarda.

— Muito bem. Pode começar quando quiser. – Ordenou o rei. Max não sabia ao certo o que fazer. Sua apresentação havia sido roubada e ele não tinha preparado nada no lugar. Além disso, teria que ser desmascarado logo depois e mesmo que a luz maluca também brilhasse sobre ele, na mais remota das chances, o rei ainda preferiria que o vencedor fosse um nobre que de fato havia pagado sua inscrição nos testes.

Levou uma das mãos a cabeça para retirar o capuz, revelar seu rosto e acabar com tudo. Suas chances haviam morrido depois da apresentação de Deezer e ele não estava com vontade de ser humilhado por aquele garoto metido. Mas quando estava prestes a tomar sua decisão final, ouviu uma voz dentro da sua cabeça ordenando-o para não desistir. Uma voz grave e estranhamente familiar que lhe deu um arrepio mais forte do que quando teve aquela estranha conversa com Pop sobre as histórias de Hysteria. O calafrio fez com que instintivamente, ele tirasse a mão do capuz e a levasse para posicionar o violão a frente de si. Abaixou a cabeça, sentindo uma energia nova, queimando em seu peito, e colocou os dedos nas cordas. Não conseguia pensar em nada, quase como se estivesse em uma espécie de transe. Traçou seus dedos uma vez pelo violão e sua voz começou a sair.

“Eu estou apaixonado pela garota de quem vivo falando,

Eu estou apaixonado pela garota sem a qual não posso viver,
Eu estou apaixonado, mas estou certo que escolhi um tempo ruim
Para se apaixonar.”

Após cantar as primeiras frases, sentiu a energia queimando ainda mais, obrigando-o a continuar. Uma nova luz, muito mais forte, se ergueu não dos céus, mas do chão sob os pés de Max e o circundava e enchia ainda mais a canção de vida e sentimento. A magnitude da luz era tão grande, que ao atingi-lo tombou o capuz de Max para trás, revelando seu rosto. Os nobres se levantaram e se encurralavam cada vez mais contra a parede, conforme a luz ia enchendo a sala.

Max lentamente terminou a música e a luz foi desaparecendo exatamente do ponto no chão onde havia surgido. O garoto sentiu seus pés retornando ao piso do castelo, mas sem energia suficiente, ele caiu de joelhos no circulo de apresentação. Ele soltou o violão no chão e esfregou os olhos que ainda estavam um pouco embaçados. Aria correu em direção a ele, preocupada.

— Max! – Ela gritou e correu para se ajoelhar ao lado dele. Ele olhou para ela confuso até que sua visão se ajustasse completamente e quando a viu, acariciou lentamente seus cabelos dourados e a puxou para um abraço.

— Isso é um ultraje! – gritou Deezer saindo de trás do segurança. Estava completamente chocado pelo que tinha acabado de acontecer no salão, mas não podia deixar aquilo atrapalhar seus planos. — Os dois já se conheciam, vossa majestade. Ele sabia do desafio antes de todos!

— Isso é um milagre… – Disse o rei, em um tom desacreditado.

— Aria… O que esse menino está fazendo aqui? – A rainha perguntou se aproximando da filha. — Você colocou o nome dele na lista? Profanou as leis dos deuses!

— Mãe, eu fiz por amor! – Aria gritou, levantando-se. Atrás dela, Max também ergueu-se, mas ainda estava confuso demais para dizer qualquer coisa. — Além do mais, você viu o que aconteceu, com certeza Max merece vencer.

— Querida… Talvez Aria esteja certa. – Disse o rei tentando acalmar a esposa. — Eu nunca vi algo assim, esse garoto despertou algo incrível bem na frente dos nossos olhos.

Deezer, em um ataque súbito de raiva empurrou o guarda, fazendo-o derrubar a lista e subiu em cima da mesa onde a família real estava sentada. — Não! Eu não vou permitir que a sua família de sangue ruim estrague tudo outra vez! – Ele gritou apontando para Reed e bateu um dos pés com toda a força na mesa e o barulho criado foi incrivelmente poderoso, como um trovão. Instantaneamente, começou a chover.

Deezer olhou para cima, perplexo com aquela coincidência. Tinha certeza que não tinha causado aquilo, mesmo que todos estivessem olhando para ele. Max se colocou à frente de todos, agora que já se sentia recuperado. — E o que você vai fazer, Deezer? – Os garotos se olhavam, um imaginando se a mudança repentina de tempo foi obra do outro, quando de repente o teto do salão fora arrancado por um vento violento. A família real correu para se esconder, enquanto os dois garotos não ousaram se mover, a não ser por suas cabeças e agora olhavam para o céu escuro e tempestuoso.

Um raio cruzou os céus e atingiu exatamente o meio do circulo de apresentação. Sua força foi tão árdua que fez Max dar alguns passos para trás e Deezer cair de cima da mesa de madeira. O raio lentamente começou a se materializar na forma de um homem alto e forte. Seus cabelos longos e amarelos como a eletricidade emitida por uma guitarra ligavam-se a sua barba curta, da mesma cor. Usava uma armadura simples, colocada perfeitamente em seu corpo e braceletes de ferro nos pulsos.

— Este simples mortal não vai fazer nada. – Ele disse firmemente, e sua voz ecoava de forma grandiosa por todo o salão. — Mas eu vou.

O homem estalou os dedos e uma jaula de ferro apareceu ao seu lado como num passe de mágica. Ele olhou para trás e seus olhos alaranjados caíram sobre a princesa. Ele a levantou nos ares com a força da própria mente e ao estalar os dedos novamente, ele a teletransportou para dentro da jaula. Ao vê-la presa, Max correu e se agarrou as barras de metal que os dividiam.

— Quem é você? – Ele gritou olhando para o homem. — O que você quer?

O rei a rainha estava desesperados em um canto, agarrados um no outro. O guarda havia fugido da sala e Deezer estava assustado e estranhamente mais pálido do que de costume, agachado debaixo da mesa. — Harmos é o meu nome. Acredito que já deva ter ouvido falar de mim. — Max não podia acreditar. Pop sempre teve razão, as lendas eram verdadeiras. Agora ele estava diante de um Deus vivo e aparentemente, nada contente. — A verdadeira pergunta aqui é: Quem é você, menino? O que você acabou de fazer é de fato incrível, e do contrário das luzes que enviei para o albino ali, aquelas não foram feitas por mim.

— Eu não as criei também. Não sei dizer o que houve. – Disse Max, levantando-se e aproximando-se do Deus. — Pelo menos, eu acho que não as criei.

— Isso não diz muita coisa. — Harmos estalou novamente os dedos e Max sentiu seu corpo petrificado, incapaz de se mover. O Deus o ergueu no ar, de modo que seus olhos ficassem na mesma altura. — Talvez eu devesse torturar sua pequena princesa para fazer você falar. Faria você assistir até você resolver soltar essa sua língua.

Os olhos de Max se arregalaram e Harmos fez algumas visões de Aria sofrendo aparecerem na cabeça do garoto. Max tentava fechar os olhos ou desesperadamente mover alguma parte do seu corpo, mas era inútil. Sentiu tudo voltar ao normal apenas quando ele gritou por clemência.

— Pare! Por favor, eu realmente não sei como aconteceu! Eu faço qualquer coisa, mas não a machuque. Se houver algo que eu possa fazer para compensar minha falta de respostas, eu farei.

O Deus o olhou com curiosidade e com uma confirmação de cabeça, Max sentiu seu corpo movendo-se novamente e sendo puxado de volta ao chão pela força da gravidade natural. — Qualquer coisa, é? Nesse caso, existe algo que possa fazer por mim. — Max notou que Harmos sorria pela primeira vez desde que apareceu. — O que acha de ser o meu escolhido?

— Do que diabos está falando?

Harmos tirou um livro da armadura, um que Max não precisou fazer muito esforço para reconhecer. Lembrou-se na mesma hora do dia em que fora expulso do castelo, logo depois que foi encontrado junto de Aria lendo aquela história. Conseguia ver as letras brilhantes na capa com os dizeres “A lenda dos artefatos mágicos”. — Eu vejo que você já sabe do que eu estou falando agora. Bem, vai aceitar ou não?

— Pensei que os artefatos tivessem sido destruídos…

— Eu entendo que esse seja o momento mais inoportuno para dizer isso… Mas não acredite em tudo o que você lê, menino. – Harmos deu um sorriso com um ar quase malicioso e então estendeu a mão em direção a Max, a fim de concretizar o acordo. — Ah, e só para deixar claro, manterei sua amiguinha aqui como incentivo. Caso você resolva dar uma de espertinho e não me entregue os artefatos. Isso se você sobreviver, claro.

Max olhou pensativo para as mãos terrivelmente grandes de Harmos. Sabia que se aceitasse estaria arriscando a própria vida, mas do contrário estaria sacrificando a de outros. Virou o rosto em direção à jaula e viu Aria tremendo, completamente assustada, e vê-la dessa maneira foi suficiente para que ele tomasse sua decisão. Voltou-se novamente para o Deus, com sua raiva transbordando e um dos punhos cerrados, ele levantou a outra mão para apertar a de Harmos.

Suas mãos unidas pelo aperto brilharam consagrando o acordo, tornando impossível voltar atrás. Harmos sorria de uma forma assustadoramente vitoriosa, quase que visionaria. Quando o brilho minguou e suas mãos se afastaram, o Deus rapidamente se teletransportou para uma das cadeiras dispostas atrás da mesa que fora o júri, o que fez Deezer finalmente se levantar e sair da onde estava escondido. Harmos deu uma breve risada vendo o garoto correr antes de se recompor e voltar a falar.

— Muito bem Maxwell Starr, é esse seu verdadeiro nome, certo? – Ele perguntou ironicamente e Max confirmou com a cabeça. — Vamos estipular um prazo. Creio que duas semanas sejam mais do que suficientes.

— Espere, o que? – Max disse surpreso.

— Você terá exatamente duas semanas para me trazer os artefatos. Caso contrário… — Harmos lentamente desviou seu olhar em direção a princesa de maneira ameaçadora e Max entendeu do que se tratava sem precisar de nenhuma explicação. Em seguida, Ele atirou o livro dos artefatos guardado na armadura em direção ao menino. — Leve o livro, será seu maior suporte durante a jornada. Acredito que todas as informações que você necessitará estão ai.

Max apanhou o livro nas mãos e sabia que aquilo era mentira. Todas as informações que ele precisava não estavam ali, já que quando Aria leu a história, ele lembrava de ficar intrigado em muitas partes. — Mas senhor, essa é só uma cópia comum. Como eu vou saber onde procurar?

— Digamos que eu possua uma versão um pouco mais completa dessa história. – Max abriu cautelosamente o livro e viu a verdade. Mapas e diversas outras informações não contidas nas versões mundanas do livro estavam diante dos seus olhos. Ainda assim, percebeu que estava em desvantagem. Havia passado toda a vida na Capital sob os cuidados do velho Pop. Nunca tinha lutado ou enfrentado os grandes perigos do mundo, era apenas um garoto. Com esse pensamento, ele coçou a cabeça de maneira confusa e relutante. — Algum problema?

— Sei que não estou em posição de barganhar, mas… Senhor Harmos, eu nunca lutei. Nem sequer coloquei um pé para fora da Capital durante toda a minha vida. Como poderei enfrentar tamanha missão sozinho?

Harmos ergueu uma sobrancelha, pensativo. O Deus, acima de tudo, queria seus artefatos de volta, e mesmo que quisesse que ele pensasse assim, não podia arriscar que o garoto morresse tão facilmente. Ainda com a expressão séria e fria, ele balançou a cabeça em concordância. Levantou um dos braços em direção a um dos muros do salão, que agora que o teto estava destruído devido à tempestade, não sustentavam nada. Max notou que era o mesmo muro que ele jamais havia terminado de reformar, já que havia sido expulso do castelo.

Rapidamente, com o poder do Deus, o muro novamente tornou-se cimento, como era antes de Max começar a reconstruí-lo. O garoto viu a massa cinzenta sendo arrastada em direção ao Deus e ao mesmo tempo, sua guitarra foi mentalmente trazida junto por alguma força maior que a gravidade. Harmos mentalizou no cimento a forma de homem, grande e forte como um guerreiro. Era uma estátua perfeita em todos os detalhes, tanto que quase parecia viva. Com a guitarra de Max nas mãos, Harmos tocou um acorde que ecoou por toda a sala e deu vida a escultura. O ex homem de cimento lentamente ganhou cores e começou a se mover, começando por abrir seus ferozes olhos verdes, com os quais mirou Max de cima a baixo.

— Ai está garoto. Este é… Bem pode chamá-lo como quiser. Foi criado com o intuito de te proteger na missão. Ele é um bom guerreiro, vai te defender se necessário.

Max aproximou-se do homem, que era muito mais alto do que ele. O estranho tinha uma aparência ameaçadora, mas embora tivesse sido moldado como alguém feroz, no momento ele estava tão perplexo e confuso, que não assustava o garoto. Quando seus olhos se encontraram, Max quase conseguiu enxergar um pedido de socorro, mas eles teriam tempo para conversar mais tarde. — O prazo começa a contar a partir de agora? – Ele perguntou, curioso, e Harmos afirmou que sim.

— Você pode levar quem quiser, se achar digno de confiança. – O Deus disse finalizando as regras. — Agora, diga adeus para sua princesa e vá!

Max confirmou e andou cabisbaixo até a jaula de Aria. Ela pegou com suas mãos trêmulas nas dele e num tremendo esforço, tentou sorrir confiante, mas qualquer um veria o quanto ela estava assustada. Ele esfregou as mãos dela em seu rosto carinhosamente e tentando segurar as lágrimas disse: “Adeus…”, prometendo para si mesmo que a salvaria. Virou-se, chamou o seu guerreiro e recolocando a capa sobre a cabeça, ele saiu do palácio.

— Boa sorte, Maxwell. Que a música o guie até o fim.

 

Ele deveria ter ido diretamente até a estrada. Deveria ter deixado a Capital, já que seu tempo corria e a cada segundo, diminuía. Mas Harmos havia dito de maneira quase profética que ele não seria impedido de levar as pessoas que lhe eram de confiança. E ele simplesmente não podia ir embora numa jornada mortal, sem avisar ao menos Vinyl.

Enquanto andava até sua cabana, inquieto, notou que a chuva havia parado e encontrou o pequeno anão sentado em frente a porta de sua casa esperando-o com noticias.  Inicialmente, o amigo o olhou aliviado por ele estar bem, mas sua expressão mudou assim que ele viu o homem gigante caminhando atrás de Max.

— Max… Quem é esse cara? – Ele disse apontando para o homem. Max atravessou o amigo sem dizer nenhuma palavra e entrou em casa. — Max? Está tudo bem?

— Ele não tem nome, pode escolher se quiser. – Max disse quando voltou com uma mochila de suprimentos. — Nós vamos ter que sair, Vinyl.

— O que? Do que está falando, cara?

Max retirou novamente o capuz para mostrar seu rosto. Estava um pouco sujo por causa da apresentação e da tempestade alguns minutos atrás. Seus olhos estavam marejados com a dor que sentia em seu peito e angustia de, possivelmente, Aria morrer por causa dele. Lembrou-se então da música que havia tocado para ela, e como aquela força que o ergueu do chão o havia feito se sentir. Talvez o estúpido Harmos tivesse razão. Talvez o garoto órfão criado por anões fosse especial no fim das contas. Ele passou o olhar de Vinyl para o homem e de volta para Vinyl e sentiu um sorriso maldoso formando-se em seus lábios.

— Vamos sair em uma aventura, carinha.

 

Notas finais do Capitulo:

A música que Max canta durante os testes da princesa Aria é “Bad Time” da banda Grand Funk Railroad.

Além disso, o nome do capítulo também foi dado em homenagem a música.

Tradução da Música: https://www.letras.mus.br/grand-funk-railroad/542359/traducao.html

 

 

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