Eventyr – Capítulo 21
Não era de se espantar que no dia seguinte eu estivesse um caco – tanto emocional, quanto físico – depois de uma noite como aquela. Tentei não pensar muito no que havia acontecido, mas era impossível. Queria fazer as pazes com Alexis, mas ainda temia o que ele poderia dizer para mim.
Sai do quarto e fui para o imenso quintal que havia nos fundos da mansão. Na verdade aquilo não era um quintal, muito menos o que eu entendo de fundo de casas, aquilo era quase um pequeno parque aquático.
Da porta você já via duas grandes piscinas, todas forradas com madeira, o que acabou me lembrando um ofurô. O piso azul trilhava um caminho da porta até o final do “quintal”, onde ficava um tipo de chuveiro. Havia também – em uma das piscinas – uma parede que descia água, como se fosse uma cachoeira artificial.
A tentação de dar um mergulho foi grande, mas depois do que aconteceu na noite anterior, minha depressão acabou falando mais alto – fora que eu já havia tomado um longo banho.
Nunca comentei, mas quem sempre levava as nossas malas eram o Neandro e o Nicardo. Eu já tentei fazer-los me deixar carregar pelo menos a minha mala, mas eles sempre insistiam.
No fatídico dia em que invadimos o castelo, nossas malas ficaram escondidas dentro da entrada da passagem secreta, escondida na árvore solitária, quase aos fundos do castelo.
– Ei? – era a voz de Selena. – O que você está fazendo sentada neste banco, tão triste?
– Não é nada. – menti – Apenas indisposição.
– Tem certeza? – ela perguntou.
– Por que todo mundo sempre acha que estou mentindo? – fui grossa.
– Talvez por que você está mentindo! – era a voz de Nicardo.
– Vê se me erra! – saí do quintal/parque aquático.
Eu começava a me sentir mal todas as vezes que Nicardo aparecia perto de mim. Eu estava perdendo Alexis e boa parte da culpa disso estar acontecendo é dele. Talvez uma boa parte da culpa possa ser minha, mas ele também teve uma parcela de culpa de tudo o que estava acontecendo.
Alexis e eu nos cruzamos na escada. Como imaginei, ele me ignorou. Estava ainda muito magoado comigo, sem dúvida.
Tentei ir atrás dele novamente, mas ele parecia correr de mim. Agora já não sabia se era eu quem estava com medo do que o Alexis poderia dizer a mim, ou se era ele quem estava com medo do que eu poderia dizer a ele.
Neandro desceu e logo estranhou o clima entre eu, Alexis e Nicardo. Acredito que qualquer pessoa que tenha passado alguns dias conosco estranharia.
– Então Alexis – Neandro olhou meio desconfiado para nós – Qual a próxima pista?
– Mas já? – Alexis perguntou.
– Vocês quiseram descansar, agora é hora de agir. – ele sorriu.
– Tudo bem – Alexis não parecia nada feliz – “Sempre sou visitado por milhares todos os dias. Eles deixam suas preces na esperança de serem atendidos. Tenho santo no nome, mas de santo não tenho nada, sou apenas pedra e barro e na verdade não valho nada”.
– Essas pistas estão ficando cada vez mais estranhas! – Neandro franziu a testa.
– Então cambada, para onde vamos agora? – Tales descia as escadas.
– Talvez ele possa saber. – Nicardo olhou para Tales.
– Possa saber do que? – Tales olhou desconfiado.
– Sabe onde pode ser esse lugar? – Alexis mostrou a pista.
– Hum… Talvez eu saiba, mas uma coisa me intriga. – ele botava o dedo na frase – Esse inicio “Sempre sou visitado por milhares todos os dias”, isso não bate com o local onde o resto da pista aparenta mandar.
– Por quê? – perguntei.
– Por que o local não recebe visitas há anos! – ele mexeu nos longos cabelos.
– Mas essas pistas foram escritas faz muito tempo. – Alexis explicou.
– Então as coisas começam a fazer sentido. – Tales sorriu. – Eles estão falando do Templo de Liasadra.
– Templo de Liasadra? – Alexis se questionou – Nunca ouvi falar.
– E nem poderia, o templo foi completamente esquecido há mais de 90 anos. – ele sorriu – Breve esse templo fará seu centenário de esquecimento. Ele foi apagado dos registros históricos e das memórias de todos os cidadãos de Monaya.
– Mas por quê? – perguntei.
– Depois que o quarto rei de Monaya tomou o poder, foi decretado que o templo fosse destruído, por acreditar que ele escondia um demônio em seu subsolo.
– Pelo visto teremos mais lutas vindo por ai! – brinquei. Fui infeliz.
– E você sabe onde fica esse templo? – Neandro perguntou.
– Olha, sabe que não! – ele deu um sorriso tímido – Acho que acabei sendo inútil.
– Outro cristal perdido! – Alexis quase amassou as anotações – Assim não iremos conseguir nunca fazer os pedidos a Damaris.
– O que vamos fazer agora? – perguntei.
– Lembrando melhor… – Tales coçou a cabeça.
– O que? – perguntamos esperançosos.
– Não, não. Impossível! – ele parecia falar para si próprio. – Se bem que…
– O que? – nos animamos de novo.
– Pensando bem, pode ser que…
– Será que dá para você pensar calado? – Alexis gritou.
– Ih maluco, está gritando por quê? – Tales jogou o cabelo para trás.
– Você está nos atrapalhando com seus pensamentos altos. – Alexis continuou com um tom de voz alto.
– Eu só estava lembrando que eu sei sim onde pode estar esse templo. – Tales sorriu.
– E por que não disse logo? – Alexis gritou novamente.
– Ele é sempre assim.. Estressadinho? – Tales perguntou.
– Não, não – Neandro respondeu – Hoje até que ele está de bom humor.
– Cala essa boca Neandro. – Alexis ainda gritava.
– Nossa, realmente não quero estar perto dele quando estiver de mal humor. – Tales fazia uma cara de medo.
– Se realmente não quiser me ver furioso diga logo onde este santo templo fica? – Alexis estava se controlando.
– A localização exata eu não sei. – Tales fez uma careta como se estivesse esperando um mega soco de Alexis.
– Se você não sabia, por que disse que sabia? – Alexis voltou a gritar. Por um instante achei que ele daria um mega soco.
– Mas eu sei onde o templo fica. – Tales se afastava de Alexis.
– Vamos parar com a brincadeira – Alexis ficou serio – Afinal, você sabe ou não sabe onde fica esse templo.
– Eu sei. Só não sei como chegar até ele. – Tales fez uma careta constrangida.
– Explique-se. – Alexis respirava fundo.
– O templo, de acordo com as histórias que ouvi, fica na Grande Floresta ao noroeste de Monaya.
– E?… – Alexis queria mais.
– E… – Tales fez suspense – É tudo o que sei.
– Eu posso mata-lo? – Alexis fazia uma voz de choro.
– Parem! – Neandro acalmou Alexis – Pelo menos temos uma direção, agora é só procurar.
– Mas tem um problema… – Tales fechava os olhos e apertava os lábios.
– O que foi desta vez? – Alexis estava mais nervoso que o normal.
– A floresta é enorme e eu nem sei como é esse templo. – Tales tentava ficar longe de Alexis – Já ouvi casos de pessoas que não conseguiram sair de lá e viraram seres da floresta.
– Seres… Da floresta? – engoli a seco. – O que seria seres da floresta.
– Criaturas com os pés gordos e esverdeados. – Tales começou a explicar – Eles tem o corpo coberto por folhas e seus rostos são iguais aos de todos os outros, diferenciando apenas pelos olhos, cada um de uma cor, e pelos cabelos, sempre com cortes e cores diferentes.
– Que horror! – disse.
– Mas eles não são más pessoas, são apenas vitimas. – Tales parecia ter um pouco de pena.
– Mas ainda parece ser algo horrível! – disse.
– Nesta floresta você pelo menos sabe chegar? – Alexis perguntava debochado.
– Claro! – Tales pareceu não gostar do deboche.
Tivemos que comprar três cavalos. Na verdade a intenção era alugar, mas quando dissemos que iríamos para a Grande Floresta o dono não quis fazer negócio de jeito nenhum.
Eu fui no mesmo cavalo que Selena. Na verdade era uma égua. Coincidência ou não, as únicas meninas do grupo estavam na única égua do grupo. Batizei-a de Epona.
Seguimos o cavalo de Tales e Nicardo. Por algumas vezes achamos que estávamos andando em círculos, mas logo percebíamos que estávamos prosseguindo, o que me fez pensar que, se o caminho para chegar a floresta já era tão confuso, a floresta então… Preferia nem imaginar.
Quando finalmente chegamos já estava com o traseiro dolorido de tanto andar montada na égua Epona.
Havia um tipo de entrada no inicio da floresta. Era uma madeira pendurada por dois troncos, fazia lembrar uma porta para a escadaria que se “escondia” atrás dela.
– Acho melhor deixarmos os cavalos aqui! – Tales disse descendo do cavalo.
– Mas não é perigoso? – perguntei lembrando todas as minhas experiências em Monterra.
– Não. – Tales respondeu serio. – Não há motivos para temer. Essa floresta é encantado.
– Ah, claro… – dei um sorriso irônico.
– Nada pode atingir o que estiver fora da floresta. – Tales continuou explicando – Vê isso?
Tales se aproximou da entrada e bateu em uma parte que aparentemente não continha nada, apenas árvores. Toc, Toc, Toc.
– Viram? – Tales sorriu e voltou para perto dos cavalos – É uma barreira invisível.
– Mas e a entrada? – perguntei. – Eles não podem passar pela entrada? – não sabia dizer exatamente o que seria “eles”, mas sabia que “eles” existiam e que “eles” poderiam ser muito perigosos.
– Impossível! – ele falou alto – A entrada é enfeitiçada também. Nada que vive nesta floresta pode sair.
– Mas nós podemos entrar e sair? – Alexis perguntou desconfiado.
– Obviamente. – Tales revirou os olhos. – Ele é sempre desconfiado deste jeito?
– Às vezes. – Neandro respondeu.
– O importante é que, se passarmos mais de dois dias neste lugar, como posso dizer? – Tales coçava a cabeça – Somos transformados em seres do bosque.
– Aqueles bichos de pé gordo que você comentou mais cedo? – perguntei assustada.
– Exatamente! – Tales respondeu.
– Mas esse bosque é realmente enorme! – quase gritei – Será impossível achar o templo neste mar verde.
– Se é para destruir o Leone, eu corro o risco! – Tales passou pela entrada.
– Eu não tenho nada a perder… – Selena também passou.
– Agora meu único objetivo é achar minha mãe. – Alexis passou. Senti uma alfinetada dele para mim.
– E eu não só quero destruir Leone, como quero também achar minha irmã. – foi a vez de Nicardo.
– Preciso correr o risco, por Lifa. – Neandro passou pela entrada.
– Eu não irei ficar aqui sozinha… – me aproximei da entrada – E agora, mais do que nunca, quero voltar para casa.
Neste momento todos olharam para mim e Alexis. Todo mundo sentiu que estava rolando um clima de hostilidade entre mim e o Alexis, e que algo muito grave estava acontecendo.
A Floresta não era tão apavorante quanto o Tales me fez pensar. Era uma floresta comum, nada de ameaçador. Na verdade ela era linda, apesar do excesso de verde – até os troncos estavam cobertos de verde, cheios de musgos –, a floresta parecia transmitir vida.
A escada também estava coberta por musgos e tive que fazer o meu melhor para não cair. Apesar de a minha má sorte ter se transferido para o repartimento emocional, destruindo os meus sonhos de qualquer coisa mais amistosa com Alexis, preferia não me arriscar.
Andamos e andamos e andamos um pouco mais. Não conseguia enxergar o que havia por cima de nós, por isso não fazia a menor ideia de que horas eram, mas parecia estar começando a escurecer.
– Acho que está anoitecendo. – Neandro havia tirado as mesmas conclusões que eu.
– Isso significa que temos pouco mais que 24 horas para achar esse templo, pegar o cristal e sair daqui. – Tales me tranquilizou de uma forma que ele nem pode imaginar.
Agora era oficial, a noite havia chegado. A floresta ficou escura não conseguimos enxergar nada. Fiz uma pequena bola de fogo para clarear o local, mas acabou não sendo preciso, varias bolas de luz – tipo lanternas japonesas – se acenderam em todas as árvores.
– Eles estão chegando! – Tales falou baixo.
– Eles quem? – me encolhi.
– Os seres do bosque. – Tales cochichou.
– Ah… Que horror! – gritei.
– Shhh! – Tales colocou o dedo na frente da boca. – Pode atrair a atenção deles.
– Mas você não disse que eles são inofensivos? – também cochichei.
– Sim, eles são! – ele continuou sussurrando – Mas não os queira como companhia.
– Alguém? – uma voz de criança irritante ecoou pela floresta. – Ouvi alguém?
– Acho que eles nos encontraram. – Tales ainda sussurrava.
– Alguém? – outra voz – Alguém?
– Alguém, alguém, alguém, alguém… – varias vozes começaram a repetir a mesma palavra. – Alguém, alguém, alguém, alguém…
– Mas o que é isso? – perguntei assustada.
De repente, CABUM! Algo caiu na nossa frente. Era um ser baixinho, de pés redondos e gordinhos, vestindo uma roupa de folhas de vários tipos e de pele esverdeada. O cabelo era dourado e o corte fazia lembrar uma coroa.
– Alguém é você? – a criatura perguntou.
– Como? – não entendi.
– Por favor, não agressividade. Gosto ruim, todos nós. – o ser falava um pouco assustado – Não bom de comer.
– O que ele está falando? – Alexis franziu a testa.
– Desculpe, mas não pretendemos comer vocês! – Selena se agachou.
– Não? – o ser parecia surpreso – Truque!
– Truque, truque, truque, truque… – as vozes agora mudaram o disco.
– Não! – Selena tentou desfazer o mal entendido – Não é um truque, estamos aqui por outros motivos.
– E que motivos ser estes? – a criatura se aproximava de Selena.
– Estamos querendo achar o Templo de Liasadra. – Selena estava intermediando a nosso favor.
– Templo de Liasadra? – o ser deu pulos para trás.
– Dragão, dragão, dragão, dragão… – as vozes já estavam me irritando.
– Por que querer ir ao templo? – a criatura perguntou.
– Precisamos do cristal que está guardado lá. – Selena estava tentando parecer o mais pacifista possível.
– A pedra sem cor? – o ser perguntou.
– Essa mesma! – Selena respondeu.
– Mas… Pedra ser o que acorda dragão de sono. – o ser estava assustado.
– Mas nós podemos matar… – Alexis se intrometer.
– Inhá, matar não! – o ser gritou.
– Matar não, matar não, matar não, matar não… – as vozes em coro.
– Não, acalmem-se! – Selena balançou a mão pedindo para que se aquietassem – Ele não vai matar vocês!
– Então o que? – o ser perguntou.
– Ele vai matar o dragão. – Selena respondeu.
– Oooohhhh! – a criatura e as vozes disseram em coro.
Depois disso, várias outras criaturas despencaram das árvores e não demorou muito para estarmos cercados por vários seres de pés descalços, gordos e redondos.
Realmente, eram todos iguais, exceto pelos cabelos. Havia cabelo azul, vermelho, verde, cinza, preto, amarelo, laranja, branco e os cortes também eram dos mais variados sendo alguns totalmente picotados e outros mais arrumados, alguns com forma de coisas e outros sem formas definidas.
– Que isso? – gritei.
– Calma. – Selena falou baixo.
– Poder mesmo matar dragão? – o ser com penteado de coroa perguntou.
– Sim, já matamos muitas coisas. – Alexis assustou os seres, que deram um pulo para trás.
– Acho que eles não vão com a sua cara Alexis. – Tales brincou.
– Poder nós levar ao templo, se prometer matar dragão. – o ser se aproximou – Dragão querer sempre comer nós e nós não poder sair durante dia.
– Por quê? – Selena perguntou.
– Dragão vigiar demais o templo a noite, não sair de forma nenhuma. – ele respondeu. – Quando ser dia, dragão andar por floresta e nós ter que ficar nas árvores, escondidos.
– Então? – Alexis olhou para todos – Estamos esperando o que para matar esse dragão?
– Espere! – Neandro cortou a alegria de Alexis – O templo é muito longe daqui?
– Não ser longe – a criatura respondeu – bem perto. Nós ter mapa!
O ser deu um grande salto, se pendurou em uma árvore e depois sumiu entre as folhas. Não demorou muito e o ser despencou novamente de outra árvore bem na nossa frente. Ainda não estava acostumada com isso, então levei mais um susto.
– Veja, veja! – o ser abria o mapa – Nós aqui! E templo ser bem aqui!
– Isso deve dar uns 3 quilômetros – Neandro analisou o percurso – Se formos rápidos podemos chegar em quarenta minutos.
– E nós vamos agora? – Nicardo perguntou.
– Acho melhor esperarmos um pouco. – Neandro pegou o mapa. – Melhor ir ao templo sem o dragão e pegar-lo de surpresa.
– Não sei se é um plano muito inteligente. – Alexis levantou uma das sobrancelhas e franziu a testa.
– Eu topo, estou precisando descansar. – Nicardo gostou da ideia.
– Mas é se não sairmos a tempo? – perguntei.
– Irmãos seremos nós! – o ser falou.
– Irmãos, irmãos, irmãos…
Apesar de Alexis e eu termos sido contra, os demais concordaram em esperar amanhecer. O seres da floresta deixariam lanternas acesas durante o dia para sinalizar o caminho para o templo e nós iríamos entrar, pegar o cristal e sair.
Os seres transformaram troncos em colchonetes e folhas em lençóis. Eu, como uma maga meio iniciante, meio experiente, não pude deixar de me impressionar com isso. Sem notar, acabei tomando gosto pela magia e queria aprender cada vez mais.
– Você está bem? – era Nicardo.
– Desculpe, mas não estou falando com você. –não estava assim com tanta raiva de Nicardo.
– Vim em paz! – ele levantou as mãos como se estivesse se rendendo – Só queria dizer que eu sinto muito por ontem, mas não pude evitar.
– Humpf! – virei o rosto para ele.
Estávamos em uma parte não muito isolada, por isso, tivemos alguns olhares extras em cima de nossa conversa.
– Eu posso saber o que se passa no coração dos outros, mas isso não faz de mim uma pessoa sem sentimento. – ele sentou-se ao meu lado – Quando vi você, naquela noite na praça, eu senti… Era como se eu tivesse nascido para te proteger.
– Por favor… – me afastei.
– Até antes de Alexis ser levado pela névoa, lá na Floresta de Dois Gumes, eu ainda estava disposto a lutar com todas as armas para conseguir fazer você se apaixonar por mim. – Nicardo se aproximou um pouco mais – Depois daquele dia, quando vi o tamanho do seu sofrimento pensando que o Alexis tinha morrido, decidi que se ele se saísse bem dessa eu iria deixar o caminho livre para vocês dois.
– Mas você não deixou! – disse zangada.
– Eu não consegui. – ele se aproximou um pouco mais – Não era justo comigo. Eu havia decidido desistir de você por que não queria te ver sofrer, mas quando notei que você estava balançada por mim, que eu poderia ter a chance de te fazer feliz…
– Você resolveu voltar a lutar. – completei suas palavras.
– Sim. – ele abaixou a cabeça – Você e minha irmã são as coisas mais importantes para mim neste momento.
– Você não tem família? – comecei a me comover – Digo, pais?
– Não. – ele ficou triste – Meu pai morreu pouco depois de minha mãe ficar grávida da minha irmã e minha mãe morreu faz 1 ano, envenenada.
– Mas por quê? – perguntei.
– Ela foi uma das primeiras a descobrir os planos de Leone. – ele engoliu a seco – Digamos que ela estava no lugar errado e na hora errada.
– Mas ela foi flagrada na hora?
– Não. – sua voz estava melancólica – Minha mãe tinha um senso de justiça muito grande e ameaçou contar sobre os planos de Leone e ele a matou. – ele fechou os olhos – Pouco antes de morrer ela pediu para cuidar da minha irmã. Quando ele descobriu que minha mãe havia morrido, ele veio nos visitar.
Neste instante algo estranho aconteceu. Não estava mais na floresta, estava em Padja, em frente a uma daquelas casinhas de tijolos beges. Estava invisível para as demais pessoas, pois passam por dentro de mim como se não existisse, transformando parte do meu corpo em poeira que depois voltava a se reintegrar.
Um homem entrava, o segui. Dentro da casa havia uma bela jovem, lavando louça com sua roupa de cigana e seu lenço lilás amarrado nos longos cabelos brancos. Seus olhos eram extremamente belos e sedutores que poderiam devorar um coração de qualquer homem, mesmo ela sendo apenas uma adolescente.
– Desculpe-me entrar assim. – o homem baixava a cabeça – Soube que houve um falecimento de uma velha conhecida da família real.
– Conhecida? – a garota parecia surpresa.
– Não era nesta casa que morava uma mulher chamada Melinda? – o homem perguntou.
– Aby, quem está ai? – era a voz de Nicardo. Ele saia de uma porta coberta por vários fios com pedrinhas transparentes. – Você?
– Meus pêsames pela perda. – o homem baixou a cabeça – Imagino a dor…
– Saia daqui! – Nicardo interrompeu. – Por favor.
– Desculpe… – o homem não entendeu.
– Sínico! – Nicardo começava a ficar nervosa – Suma daqui!
– Nicardo, o que é isso? – Aby perguntou.
– Este cara é o responsável pela morte da mamãe! – Nicardo se aproximou.
– Não. – Aby deixou um prato cair.
– Ainda não estou entendendo. – o homem parecia confuso.
– Pare com esse teatro, minha mãe me contou tudo sobre você! – Nicardo gritou.
– Não sei do que está falando. – o homem se endireitou.
– Suma da minha casa! – Nicardo puxou uma faca.
– Opa, opa! – o homem deu dois passos para trás – Não precisamos partir para a violência. Você sabe quem levaria a pior se isso acontecesse.
O homem estava vestindo um sobretudo preto e levantou afastando-o do corpo e mostrando dois grandes revolves que nunca havia visto antes pendurado em cada lado de sua cintura.
– Não tenho medo. – Nicardo continuava com a faca apontado para o homem, que deu a gargalhada mais estranha que já havia ouvido.
– Gosto da sua coragem, mas eu ainda não sei do que está falando. Vim apenas dizer algumas palavras em nome do rei de Nebro, nada mais.
– Cale-se e vá embora! – Nicardo não havia abaixado a faca.
– Essa mocinha é extremamente bela. – o homem se aproximava de Aby – Sem dúvida daria uma bela princesa. E quando crescesse um pouco mais, seria a mais bela rainha que um homem poderia querer. Quantos anos você tem?
– 16. – Aby respondeu. O homem passava a mão sobre seu rosto.
– Tire suas mãos dela! – Nicardo gritou.
– Mais alguns anos… – o homem sussurrou para ele mesmo.
– Saia agora! – Nicardo fez um corte no braço do homem.
O homem se assustou e por alguns segundos ficou sem reação. A ferida aberta parecia pulsar e pingos de sangue sujavam o chão. O homem sorriu, como se agora entendesse o que Nicardo estava falando desde o principio.
– Gostaria de ser a minha rainha, jovem moça? – o homem se ajoelhou em frente a Aby.
– Saia de perto dela! – Nicardo gritou.
– Eu?… – Aby estava muito assustada.
– Olhe nos meus olhos! – o homem sorria.
– Pare! – Nicardo continuava gritando.
– Eu… – ela parecia hipnotizada – Aceito.
– Não! – Nicardo gritou e cravou a faca nas costas do homem.
O homem se levantou com um pouco de dificuldade e retirou a faca das costas. Mais sangue escorreu, descendo pela perna e sujando ainda mais o chão. O homem se aproximou da porta e a abriu.
– Volto para te buscar! – o homem fechou a porta – E você jovem… Ainda vou cobrar por este dia!
– Aaahhh! – gritei e tudo ficou escuro.
“Beatriz” uma voz poderosa ecoava no nada. “Beatriz, acorde!”
Abri os olhos e vi mais uma vez o lobo enorme que apareceu em outros sonhos, desde que o vi pela primeira vez na casa de Neandro e Lifa.
“Não faça mais isso. Evite.” A voz poderosa era do lobo.
– Não faça mais o que? – perguntei.
“Não invada as lembranças das pessoas!” então havia sido isso. Eu havia entrado nas lembranças de Nicardo. Mas como? “Controle-se” o lobo continuou a falar.
– Como eu faço? – perguntei.
“Concentre-se e tudo ficará bem” o lobo começava a sumir, até ficar apenas sua voz “Você escreveu um novo rumo para sua história. Não se esqueça disto!” a voz foi sumindo “Mas a profecia ainda vai se cumprir. De um jeito diferente, mas ainda vai se cumprir”.
A última coisa que me lembro e de ver Nicardo me segurando no colo e de várias vozes repetindo “desmaiada, desmaiada, desmaiada!”