Eventyr – Capítulo 8
– Onde você conseguiu isso? – Neandro cochichava.
– Eu… Eu… Eu… – não sabia o que dizer.
– Isso é muito grave! – Neandro tomou o objeto da minha mão – Como isso veio parar aqui?
– Eu realmente não sei! – disse assustada.
– Hum… Hum… Hum… Huuum… Hum… – Lifa parecia estar resmungando.
– Neandro, eu juro, não sei como… – baixei a voz.
– Vamos para sala. – Neandro me ignorou.
– Neandro… – tentei me explicar novamente.
– Vamos para sala!
Seguimos até a sala e Neandro continuou a me olhar feio. Estava ficando com medo do que Neandro poderia estar pensando de mim, eu não podia ganhar mais um inimigo.
– Por que você estava atrás disso? – ele agora parecia estar brigando.
– Neandro, eu juro que não sei… Você está pensando…
– Por enquanto eu não estou pensando nada. – ele abaixou a voz. – Só me responda o que te perguntei!
– Eu não sei… Fui dormir e então… E então… E então eu tive um sonho… Eu… tive… um sonho muito estranho. – começava a me lembrar.
– E o que exatamente aconteceu neste sonho? – ele olhou fixamente para mim.
– Eu… não me lembro direito. – forcei a mente – Havia… Havia uma voz… Não, havia varias vozes, três vozes. Era uma voz horripilante de cobra e mais duas vozes masculinas, sendo uma das vozes muito assustadora, fazia o vento soprar de forte.
– O que essas vozes diziam? – ele parecia não querer soltar a aranha metálica.
– Eles falavam… Não discutiam, sim, eles discutiam sobre uma profecia.
– Profecia? – ele começava a se interessar – Que tipo de profecia?
– Eu não sei, eles não diziam. – cocei a cabeça tentando lembrar – Eles apenas diziam que ela ia se cumprir. A voz que fazia o vento soprar disse que já havia visto isso. E depois…
– E depois?… – ele agora estava melhor.
– E depois um lobo… Um lobo me entregou isso! – a imagem veio limpa e clara na minha mente – Sim, o lobo que vi hoje, ele me entregou isso no sonho. E então… Eu estava no seu quarto, segurando essa coisa.
– Lobo… Lobo… Entendo. – ele fitava o teto.
– Você sabe de alguma coisa? – perguntei ansiosa.
– Não, nada. Apenas raciocinando. – ele finalmente colocou a aranha metálica em cima da mesa, coisa que parecia querer fazer desde que chegou a sala. – Pelo menos nós já sabemos que a Linfa foi realmente envenenada – ele não parecia muito mais reconfortado com a novidade – Vigie isso! – ele apontou com os olhos para aranha – Não acredito que ela possa voltar a andar, mas nunca se sabe.
– Volta a andar? – estava confusa.
– Essas aranhas são traiçoeiras, funcionam apenas se tiverem algum liquido guardado em sua carapaça. Depois que despejam o liquido, elas simplesmente param de funcionar. – ele sorriu – Mas algumas costumam fugir, mesmo sem liquido algum. Não acredito que seja o caso dessa, mas como disse, nunca se sabe.
Ele foi até a cozinha, abriu a porta de um armário alto e pegou um tipo de martelo grande. Que coisa… Já estava vendo o que ele ia fazer.
– BUM!
Em uma única cacetada a aranha explodiu em mil pedacinhos. Se havia alguma chance dela voltar a “viver”, essa chance já havia morrido e estava prestes a ser enterrada.
– Volte a dormir. Tente descansar mais um pouco, eu também farei o mesmo. – Neandro varria os pedaços da aranha – Amanhã Alexis virá cedo. Se bem conheço esse meu irmão, ele provavelmente estará aqui quando o dia amanhecer. Quando ele se infensa com alguma coisa…
Fechei os olhos e pensei comigo mesma: “Realmente, dormir e o melhor que eu posso fazer agora.”
O resto da noite foi tranquila. Não houve sonhos, nem pesadelos, nem vozes e – ainda bem – nenhum sinal de lobos de dois metros.
Acordei bem cedo. Não queria que Alexis me pegasse dormindo, então resolvi madrugar. O dia já estava claro, mas o cheiro fresco da manhã me fez ter certeza de que não era muito tarde.
Fui até a sala e vi – no canto da porta – os restos da aranha ao lado da vassoura. Pensei em jogar no lixo, mas achei melhor não, ainda não tinha idéia do que poderia acontecer com a aranha, mesmo estando completamente destruída.
Fui até a cozinha e vi Neandro sentado, fazendo algo para beber. Pelo roxo em seus olhos, ele provavelmente não havia cumprido com o prometido e havia ficado a noite inteira acordado.
– Já de pé? – ele perguntou junto a bocejos.
– Você não disse que era melhor acordar cedo, por causa do Alexis? – brinquei.
– Sim, sim. – mais bocejos – Alexis, sim.
– Você pelo visto nem dormiu! – peguei uma xícara e coloquei um pouco de leite.
– Não consegui pregar o olho. – ele bocejou mais uma vez, o que me fez bocejar também – Estou pensando… Quem poderia querer envenenar a Lifa?
– Você realmente não faz ideia? – perguntei imaginando a resposta.
– Não. – ele bebeu um gole do que estava em sua xícara. Pelo cheiro, era café
– A Lnfa não era adorada pelas pessoas desta cidade, mas a ponto de alguém a querer morta?… Não, isso não é possível!
A conversa foi interrompida por um “Toc, Toc, Toc” na porta. Já até sabia que estava atrás dela: ALEXIS.
– Olá! – ele cumprimentou híspido.
– Olá! – respondi exatamente da mesma forma.
– Onde está Neandro? – ele continuou híspido.
– Na cozinha! – eu continuei da mesma forma.
– Poderia chamar-lo? – ele deu um olhar forçadamente educado.
– Pois não. – referenciei de forma debochada. Ainda não havia o perdoado por tudo o que havia feito comigo.
Neandro já estava na sala quando me virei. Ele me olhou repreensivo e fez um gesto com a mão que logo entendi como um “menos Beatriz, menos”.
– O que foi resolvido? – perguntei ansiosa.
– O Cristal de Damaris é uma alternativa arriscada, meu pai proibiu qualquer pessoa de ir atrás dele. – Alexis não respondeu para mim.
– E o que ele sugeriu? – Neandro perguntou.
– Ele sugeriu que esperássemos. – Alexis parecia desesperado – Ele disse que encontraria um jeito de levar a Beatriz de volta.
– Parece que não foi desta vez que você conseguiu permissão para encontrar o Cristal de Damaris! – Neandro estava claramente gozando da cara do irmão. – E quanto a… Mallory?
– Ainda é cedo, mas ele também acredita que a profecia esteja perto de se cumprir! – Alexis parecia não querer comentar sobre a profecia perto de mim.
– Acho que já está na hora de vocês me contarem sobre essa profecia! – falei alto – Eu tive um sonho com ela!
– Você… Sonhou? – Alexis estava surpreso.
– Sonhei! – disse como se fosse um grito de guerra.
– O que exatamente que você sonhou? – Alexis sentou-se um pouco mais perto de mim.
– Ela sonhou com um lobo! Um lobo bem grande! – Neandro parecia saber exatamente de que lobo estava falando.
Os olhos de Alexis se arregalaram de forma tão surpresa que cheguei a pensar que iriam saltar para fora. Ao que parece, esse lobo era bem conhecido por eles.
– Vocês sabem alguma coisa sobre o lobo? – perguntei ansiosa.
– Não. – eles responderam um pouco estranhos, como se me escondessem algo.
– E a profecia? – gritei – Vocês ainda não me contaram sobre a profecia!
– Não sei se posso… – Alexis começou, mas foi interrompido por Neandro.
– Acho que já está na hora de contar-la. – Neandro virou-se para mim.
– Sim, já está na hora de me contarem tudinho sobre essa profecia! – aticei.
– Não sei se seria o melhor momento. – Alexis parecia gostar de me esconder às coisas. – Nem sabemos se é realmente ela!
– Como assim? – perguntei quase gritando – Eu sou eu, se isso tem haver comigo eu tenho o direito de saber!
– Concordo! – Neandro sentou ao meu lado e cruzou os braços – Quem mais poderia ser a Mallory?
Alexis fez a sua famosa sequência de bufar, balançar a cabeça e olhar para o alto. Desta vez ele coçou o olho, esfregou a testa, olhou para o nada e deu três soquinhos leves na mão.
– Tudo bem. – ele fechou os olhos – Eu irei lhe contar. – ele respirou fundo – Há alguns anos, minha mãe teve um sonho. A principio ela não entendeu direito, mas após alguns estudos ela descobriu que se tratava de uma profecia, que ela batizou de “A Profecia de Mallory”.
– E o que dizia essa bendita profecia? – estava ansiosa.
– A profecia dizia que uma traição ocasionaria uma grande guerra. Ela descrevia que chegava a Monterra uma guerreira de longos cabelos negros e olhos amarronzados. Exatamente como você!
– Mas eu não sou uma guerreira! – gritei. Ele continuou.
– Essa guerreira travaria uma batalha que colocaria um fim em tudo isso. Ela então poderia escolher entre continuar em Monterra e ajudar o mundo a prosperar e continuar em paz, ou…
– Ou?… – perguntei.
– Ou poderá voltar para seu mundo e trazer serias consequências para Monterra.
– Então você está dizer que…
– Se você voltar para seu mundo, poderá por em risco a existência de toda Monterra! – Neandro me interrompeu e me deixou preocupada.
– Então eu não voltarei para casa? – perguntei indignada. – Não, não, não! Eu não quero ficar aqui, eu não posso. Não é justo eu ter que pagar por um mundo que nem é o meu.
– Mas… – Alexis tentou falar. Interrompi
– Eu não pedi para vir, eu não pedi para me escolherem. Eu tenho uma vida na Terra, eu não posso simplesmente abandonar tudo por vocês!
– Beatriz?… – desta vez Neandro foi o interrompido.
– Não, eu não aceito isso! – ameacei chorar.
– As profecias nem sempre acontecem como são mostradas. – Alexis começou a explicar – Nós podemos escolher, tentar fazer diferente. Às vezes é impossível mudar o destino, mas às vezes conseguimos.
– E o que você pretende fazer? – Neandro perguntou desconfiado.
– Eu vou precisar de sua ajuda… – Alexis olhou para Neandro um pouco mais amigável do que de costume.
– O que você vai querer aprontar agora? – Neandro ficou ainda mais desconfiado.
– Eu quero ir atrás do Cristal de Damaris! – ele foi bem direto.
Neandro deu um pulo do sofá e arregalou os olhos.
– Mas você acabou de dizer que papai proibiu a busca pelo cristal?
– Eu não vou esperar até eles encontrarem uma solução! – Alexis se levantou – Essa menina me incomoda. – nesta hora me senti estranha – E eu também não irei esperar até o meu pai dar permissão para eu ir atrás do cristal.
– Você não pode desobedecer às ordens do papai! – Neandro se levantou também.
– Aprendi com você, maninho. – Alexis e seu tom debochado.
– O meu caso foi diferente! – Neandro se defendeu.
– Não, não foi! – Alexis rebateu – Eu também tenho motivos justos para ir atrás do cristal.
– E desde quando se tornar “o maior espadachim de Monterra” é um motivo justo? – Neandro provocou.
– Eu não irei por causa disso. – Alexis olhou para mim e voltou a fitar Neandro – Eu irei pedir para encontrar a mamãe.
– Alexis… – Neandro agora começou a falar em um tom mais consolador, colocando a mão no ombro de Alexis – Aceite, a mamãe não está mais viva.
– Ela está viva! – Alexis gritou – Essa noite… Essa noite eu a vi.
– Você o que? – Neandro deu outro pulo.
– Eu a vi no meu quarto. Era uma mensagem, muito fraca, mas eu pude ter certeza que era minha mãe. – Alexis parecia emocionado – Não pude ver onde ela estava, a mensagem não tinha força o suficiente para isso.
– Mas ela falou alguma coisa? – Neandro perguntou espantado.
– Não. – Alexis ficou intrigado – Ela ficou o tempo inteiro parada, como se estivesse… congelada. Eu não sei dizer, mas ela me enviou essa mensagem para avisar que está viva!
– Então… Ela não foi morta por Leone. – Neandro continuava surpreso.
– Acredito que ela tenha sido sequestrada. – Alexis andou alguns passos em direção a cozinha. – Nunca acreditei que alguém com um nível tão alto de magia como a mamãe pudesse ser morta por alguém como ele. Mas também não entendo o que aconteceu para ela ser sequestrada.
– Eu ainda não sei se desobedecer às ordens do papai vai ser a melhor saída. – Neandro sentou.
– É a única saída! – Alexis virou-se para Neandro, com os punhos fechados como se quisesse por mais determinação em suas palavras.
– Mas você nem sabe onde encontrar-los! – Neandro tentava tirar a idéia do irmão da cabeça.
– Eu sei! Eu encontrei…
– Desculpe interromper… – entrei no meio da conversa – Esse cristal, se alguém puder ir atrás dele, poderá resolver o nosso problema?
– Seria a primeira quebra na profecia! – Alexis respondeu animado
– Mas Alexis, isso pode não ser muito bom. Você sabe que tentar quebrar profecias pode ser fatal! – Neandro alertou.
– Mas não temos nada a perder. – Alexis olhou para mim – Concordo com ela, não é justo ela ficar aqui. Se Monetrra for destruída, pelo menos nós tentamos. Eu não irei deixar de lutar contra Leone.
– Eu ainda acho muito arriscado. – Neandro agora estava preocupado.
– Você não vai dizer nada ao meu pai? – Alexis fez um olhar pidão.
Neandro fez a famosa sequência de bufar, balançar cabeça, olhar para o céu e fechar os olhos.
– Você precisa de mim para o que? – Neandro havia concordado.
– Obrigado! – Alexis parecia aliviado – Você sabe que teremos que usar navios…
– Não… Não, não, não, não! – Neandro se levantou – Você não está querendo que…
– Por favor, não existe ninguém em toda Monetrra que sabe melhor de barcos e navios do que você! – Alexis continuou com seu olhar pidão.
– Alexis, eu não posso… Lifa… Ela foi envenenada! – Neandro se entristeceu.
Fomos até o quarto de Lifa e Neandro. Alexis queria ver-la.
Ela estava deitada, suas roupas – assim como as roupas de cama – estavam ensopadas de suor e ela estava com a pele ainda mais alaranjada do que da ultima vez que o vi. Seus olhos agora estavam completamente roxos, das sobrancelhas até perto do nariz.
Alexis pareceu estar segurando as emoções. Parecia não querer demonstrar pena, comoção ou solidariedade, mas seus olhos estavam tristes e isso já era o bastante para saber que Alexis havia ficado comovido.
– Entende? – Neandro virou-se para o irmão – Eu não posso deixar-la.
– Mas o que você poderá fazer? – Alexis ficou serio.
– Eu irei encontrar algo. – Neandro parecia não confiar muito nisso.
– E se você não encontrar? – Alexis tentava encorajar o irmão – Venha conosco, você pode pedir para o cristal uma solução para Lifa!
Alexis tentou novamente o olhar pidão. Pareceu não estar funcionando desta vez.
Neandro ficou alguns segundos olhando para Lifa, que se mexia, limitada e vagarosamente, para os lados.
– Então… O que me diz? – Alexis pareceu esperançoso.
Neandro continuou olhando para Lifa, como se estivesse tentando salvar-la apenas com o seu olhar. Ele fechou os olhos e suspirou fundo.
– Eu não posso deixar-la! – Neandro olhou triste para mim e Alexis – Podem ir tranquilos em busca do cristal, eu não irei falar nada para ninguém.
Alexis olhou decepcionado, mas pareceu entender o irmão. Deu dois tapinhas nas costas de Neandro e deu uma rápida olhada em Lifa, que continuava se mexendo.
– Caso mude de idéia… Nós partiremos amanhã, bem cedinho, as 05:30. – Alexis saiu do quarto. – Você já arrumou suas coisas?
Olhei para os lados e gesticulei como se estivesse perguntado “É comigo” e ele pareceu entender.
– Você quer voltar para casa, certo? – Alexis estendeu as duas mãos.
– Ah, claro! – me apressei.
Definitivamente eu não fazia a menor ideia do que viria acontecer comigo daqui por diante. Mas desta vez isso não pareceu tão ruim.