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Batalha Espiritual

Batalha Espiritual – Capítulo 10

Éfeso

O anjo caído não prendeu a Serena por não ter provas contra ela. Apenas a agrediu, dizendo que ficaria de olhos bem abertos para qualquer movimento que fizesse e que pagaria pela algazarra feita no centro.

A jovem estava grata pelo livramento recebido… Odiou a possibilidade de voltar a ser uma fugitiva. Agora que era verdadeiramente livre, poderia aproveitar para falar do amor de seu rei. Mas a noite chegara, as pessoas estavam indo embora e ela encontrava-se longe de casa.

O único local aparentemente seguro que alcançara fora uma caverna. Pegou toras de madeira, mas sequer uma fogueira conseguiu construir, porque começara a chover. Na escuridão da caverna, ela se sentia sozinha… Perguntava a si mesma se sair falando para as pessoas sobre a ressurreição de seu senhor era o certo a se fazer…

– Por que não me chamas? Fico te esperando! – Micael apareceu iluminando o lugar, mesmo com seu semblante triste.

– Eu… Desculpe… Eu estava pensando em ti, mas… – ela sabia que não tinha justificativas. – Mas nada… Desculpe…

– Está bem. – sentou-se ao lado dela. – Serena… Passarás por dificuldades, porém eu sempre estarei contigo. Voltarei para te buscar e levar também todo fiel às minhas palavras.

– Quando?

– Será uma surpresa. Todavia, venci a morte para estar perto de ti. Não penses que falharei em minha promessa. – ele olhou fixamente em seus olhos. – Quero que tu convertas o máximo de pessoas que puder, para que sejam salvas.

– Tens… Tens certeza de que tal responsabilidade deve ser colocada em minhas mãos?

– Conseguirás.

– Mas… Mas não sou nada sem ti!

– É por isso que eu disse que sempre estarei contigo!… Também vim para te avisar que a casa na árvore fora destruída pelos guardas. Eles a derrubaram…

– E onde é que eu ficarei?! – entrou em pânico.

– Não fique ansiosa. Cuidarei de ti. – a potestade sorriu e beijou a mão da donzela.

Ela, segundos olhando para o nada, tentando conformar-se, acabou dormindo tranquilamente deitada no peito de seu noivo.

Na manhã seguinte, seu amo não estava mais ali. Era como se tudo fosse um sonho… Entretanto, ela sabia que era a realidade. O doce cheiro dele permaneceu em suas vestimentas. Com felicidade estampada em seu rosto, seu coração acelerava ao se lembrar dos toques e beijos recebidos até o presente momento.

A dama levantou, encerrando o momento nostálgico de alegria. Seus pensamentos se voltaram para os problemas. Precisava de um lugar com condições de sobrevivência. Não perderia tempo indo ver o estado da casa de madeira… Ela agora confiava na palavra da deidade. Caminhou pelas pobres construções marginais da cidade segurando o livro… Sua barriga doía pela falta de alimento. O tempo passara tão rapidamente que já estava tarde.

Bem longe do palácio e depois de passar por formosos templos, encontrou um porto, onde vários comerciantes colocavam mercadoria dentro dos barcos. A maioria das caixas estava repleta de comida. Não pensou duas vezes, pegou duas frutas redondas e roxas às pressas e foi para longe, na tentativa de saciar sua penúria.

Um dos homens no porto percebeu o furto e foi atrás da gatuna. Era extremamente fácil alcançá-la, porque é comum que uma princesa não esteja acostumada com essas corridas. Segurou-a pela gola do vestido e tomou as frutas de suas mãos:

– Ora, sua… Feiticeira?! – era Ophir, o rapaz de bigode ralo que encontrara com ela pouco tempo atrás. – Por que estás assaltando portos se tens poderes para possuir o que quiser?

– Já lhe disse que não sou feiticeira!

– Agora acredito em ti… A menos que seja uma feiticeira idiota.

– Não o sou! Apenas peguei a mercadoria porque estava com fome…

– Ah… Por que não pediste?

– E tu me darias?

– Não, mas teria evitado toda esta correria. – ele guardou os frutos em sua bolsa. – Hm… A tua aparência me é familiar… Por acaso és prostituta?

– Não!

– Concubina de alguém?

– Também não!

– Já dormi contigo?

– Tampouco!

– Que estranho… Poderia jurar que te conheço. Tens absoluta certeza de que não és feiticeira então? Uma vez encontrei essa classe de serventes de Lucian passeando pelo vilarejo… Já mencionei todos os tipos de mulheres as quais tenho contato.

– Não sou servente de Lucian e nunca serei. Certamente me confundiste.

– Ah! Agora sei de onde teu rosto me é familiar! Já ouvi falar! Serena… Acertei?

– Sim… Como sabes disto?

– É por ti que Micael está apaixonado, não é mesmo? Sim… Exatamente! És aquela virgem que ele quer em casamento! Pensei que eu fosse morrer sem te contemplar! Eu achava que era tudo um mito! Todos ainda comentam sobre o que ele fez por ti…

A face da jovem enrubesceu-se, por um segundo, havia esquecido que seu noivo fizera questão de ter demonstrações de carinho com ela perante todos. Timidamente ela indagou:

– Conheces a Micael…?

– Evidentemente! Ele aparece a alguns habitantes do vilarejo. Ele apareceu para mim! Mas… Não digo isso a ninguém… Do contrário, me chamariam de louco e me acusariam de ser o ladrão de seu corpo… E também escutei muitas histórias acerca dele. Eu o serviria, caso conhecesse melhor os seus planos para mim. Por isso ele me disse que te encontraria para poder explicar-me tudo com clareza. Contudo, eu mesmo pensava que estivesse delirando… Vejo que estava errado!

– Realmente? Posso te ensinar tudo o que sei sobre ele!

– Juras? Também tenho amigos que se interessariam pelo assunto… Há algum problema?

– Não! De maneira nenhuma! Quanto mais ouvinte, melhor! Micael é maravilhoso! Eu ficaria honrada em falar dele para vós.

– Bem… Posso encontrar-te em tua casa?

– Não tenho mais casa…

– Então… Onde é que guardas teus alimentos?

– Não tenho alimento para guardar. Por qual motivo achas que roubei àquele barco?

– Ah… Desculpe… Enfim… Queres emprego? Podes trabalhar na lavoura e também no porto. Percebo que estás numa vida bastante inópia, apesar de ser noiva de um rei…

– Fico muito grata pela tua generosidade!

O homem levou-a para longe do porto, deu-lhe de comer e beber. Ao lado de sua casa, montou uma cabana, da forma mais confortável que pôde, para que Serena ali descansasse. Tendo fama de galanteador barato, ele não ousaria fazer com que a donzela dormisse debaixo do mesmo teto que o seu, porque ouvira sobre o ciúme, a força e a vingança de Micael para destruir a todo que tentasse violar, de qualquer maneira, sua amada. Ophir temia a potestade, apesar de não conhecê-la muito bem.

A garota não se sentiu incomodada pela estadia na barraca. Estava até contente com tudo o que estava acontecendo em sua vida. Entretanto, esqueceu-se de dar graças à deidade por isso. Mesmo assim, sem que sentisse, Micael abraçou-a por trás durante todo seu sono enquanto fazia juras de amor próximo ao seu ouvido, mesmo ela não escutando-as. Ele pretendia repetir a prática por todas as outras noites. Não suportaria ficar sem contato com sua querida. Precisava estar fisicamente com ela em algum momento, independente dela ter conhecimento disso ou não.

Começando o dia seguinte, a moça acordara melhor e seguira seu auxiliário, que a guiou até a lavoura, que não ficava tão distante assim do local que havia cometido crime. Ophir entregou um instrumento de agricultura nas mãos da senhorita. Num primeiro momento, foi engraçado vê-la esforçando-se para executar o trabalho braçal, porque sequer vestes apropriadas ela tinha para isso. No entanto, pegara o jeito após meia hora de tentativa. Serena era boa quando se tratava de labor e perseverança.

Quando chegou o momento de seu intervalo de serviço, Serena foi até o porto para pegar o sustento que seu novo patrão liberasse. Encontrava-se sentada numa caixa vazia e fechada, enquanto experimentava alguns vegetais, pensando em fazer uma sopa para o momento em que a noite fria fosse chegar. Nesse instante, deparou-se com um loiro batendo em duas mulheres que buscavam defender-se.

Contrariada com a cena, ela foi se meter, abandonando as iguarias e apossando-se da enxada que deixara de lado:

– O que leva alguém a ter tamanha covardia? – apontou o utensílio para o homem.

– Não se intrometa! São minhas esposas, eu cuido delas!

– Tu és repugnante, nicolaíta hediondo!

– Disse para não se intrometer! Sequer sabe o tamanho da blasfêmia que essas duas fizeram!

– Conte-me então!

– Elas recusam-se a participar de ritos de orgias comigo e meus companheiros para a glória de nossa deusa, que é responsável pela fertilidade!

– Não há deus senão Micael! Falas de orgias como se fosse algo sagrado! Duvido que vós, adoradores dessa tal deusa, não passeis de um monte de pervertidos nauseabundos e torpes! Não injurie a estas, pois tu és o único blasfemo daqui! – ao passo que a moça ia em direção ao agressor das senhoras, Ophir apareceu e impediu-a de agir conforme sua ira.

– Serena, neste lugar, a cultura é assim. Deves respeitá-los… – opôs-se calmamente.

– Não há desculpa para tal atitude! É repulsivo aos olhos de meu senhor adulterar e cometer idolatria! – a jovem exaltava-se perante todos que viam o alvoroço.

– Ah… Sim… Queres dizer que… É agradável aos olhos de Micael que tu surrupies os bens alheios? – o rapaz de cabelos escuros questionou.

A dama calou-se, rememorando o que seu querido uma vez dissera: “Não era minha vontade. Não era esta a missão a qual me referi. Não quero que você saia agredindo a todos que tomam atitudes errôneas. Até porque, tu também o fazes e eu te perdoo.”.

De forma cabisbaixa, Serena retornou ao trabalho…

“Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos, e o não são, e tu os achaste mentirosos.
E sofreste, e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome, e não te cansaste.
Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor.”
Apocalipse 2:2-4

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