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Batalha Espiritual

Batalha Espiritual – Capítulo 4

Remição

Serena sentia-se diferente após o comandante da revolução ter escrito um número com seu próprio dedo nela. Era como se todas as portas que Micael fazia questão de manter fechadas fossem arrombadas. Mas, ao contrário de sua irmã, não teve deleite com aquilo. Muito pelo inverso…

No instante em que recebera a “genuína liberdade”, viu que ela e Francine tinham grilhões nos calcanhares e nos pulsos. O único lado positivo é que as cadeias não estavam presas a lugar nenhum. Ainda havia como fugir.

Antes de qualquer coisa, teve expectativa de que pudesse estar delirando… Até que as tocou. O pesadelo era realidade. Lucian parecia estar saciado com os resultados da armadilha e foi ter uma pequena conferência com os outros anjos. Não se preocupou, pois moças não sairiam dali. Mesmo que o fizessem, não teriam em quem se refugiar. Era o dono delas agora.

– Consegues ver? – Serena perguntou à sua irmã, aproveitando a ausência do querubim.

– O que?

– Estas correntes! Ele nos prendeu!

– Não são correntes. Draco disse que são donativos. Nossos novos adornos.

– Estás louca? É mais do que óbvio que ele nos ludibriou! Já passastes a enxergar isto quando ele te marcou?

– Claro que já! Ah, és mui desconfiada, Serena! Verás que digo a verdade quando chegarmos ao império. Aposto que é tão belo quanto nosso atual dirigente!

– Permaneço achando Micael mais bonito…

– És tão ingrata! Gostas de Micael? Que permanecesses com ele!

– Sim, gosto. Mas ele quem não aparenta gostar de mim. Bem, não o culpo… Ele tem tantas criações… Por que sentiria minha falta? – Serena se confundia com seus próprios questionamentos, porque ainda se recordava de toda atenção e afeto que seu senhor a dera antes de cometer infidelidade.

– Como podes ver, Draco nos atende sem precisarmos implorar por sua dedicação. E ele nem é onipresente! O oposto de nosso antigo soberano! Não há do que reclamar agora, temos um representante digno de nosso tempo!

– Pode ser que tenhas razão…

Lucian voltou para perto das damas e um dos anjos caídos saiu voando, em direção ao castelo que a potestade fizera.

– Vós tendes o desejo de despedir-se da deidade? – o arcanjo perguntou, mas nenhuma das duas respondeu. – Tu, querida. – aproximou-se de Serena. – Aparentas querer vê-lo por uma última vez… Serei benigno para contigo. Um de meus seguidores já foi chamá-lo. Também tenho assuntos para tratar com ele. Aproveite e diga “Adeus”.

A senhorita mais jovem não estava confortável em olhar diretamente no rosto de seu novo superior. Contudo, não sentia pesar na escolha que fez. Existia a possibilidade de que toda a amargura que lhe atormentava no momento passasse quando chegasse a seu novo lar. Ainda possuía esperanças de que sua eleição fosse a certa.

Não tão distante da caverna, o mensageiro enviado por Lucian planava sobre o jardim de seu criador: Micael. Sem mais delongas, convocou-o. Apesar de estar ocupada, instantaneamente, a potestade apresentou-se no lugar sugerido pela notícia recebida.

– Que bom que chegou. Pensei que fosse demorar, já que o pedido de comparecimento era sobre duas mulheres sem serventia para ti. – Draco caminhou petulantemente até ele.

O criador do mundo não parecia feliz com o cenário. Árvores e animais mortos, anjos repletos de rebeldia inconsistente e suas princesas… sem os colares que dera.

– O que significa isto? – ele interrogou.

– Não te serviremos mais! – Francine tomou a frente.

– Por quê?

– Responda somente quando eu deixar, escória! – o antigo regente do coro celestial segurou a donzela mais velha pelo pescoço e os pés da mesma já não tocavam o chão. – Não vês, Altíssimo?! Elas preferem a mim, mesmo depois de eu tê-las defraudado! Estas imundas serão torturadas e nenhuma tornará a ver a luz do Sol!

– Não toque nelas! – Micael bradou e seu corpo encheu-se de cólera. Seus punhos cerrados, seus olhos e seus cabelos ficaram em chamas. Parecia que o furor havia de consumir o capitão da revolta. – Passaste dos limites, Lucian!

Serena entrou na frente do arcanjo:

–Tu não podes forçar-nos a amar-te!

Porém, o que fora defendido pareceu não gostar muito das intenções da jovem:

– Não se intrometa, bastarda! – jogou-a na terra e fez o mesmo com sua irmã.

A deidade já estava enfadada de tanto desrespeito para com suas criações. Foi para cima dos três, mas em vão. O pecado era uma espécie de campo de força que separava as jovens de Micael.

– Esqueça! São demasiadamente impuras para estarem na tua presença! São minhas propriedades! Servem-me agora! Veja! – Draco mostrou os colares com joias.

As chamas da divindade cessaram, e ela chorou. Nada podia conter as lágrimas que escorriam pelo seu rosto. Disse com as mãos sob a força invisível que o apartava de suas queridas:

– Francine… Serena… Perdereis a vossa imortalidade… Tereis determinado prazo para arrepender-vos…

– Viram?! Qualquer ato antagônico às aspirações egoístas do Altíssimo e o próprio vos trará penalidade! – falou aos que assistiam à discussão.

– Tu sabes que são as leis. – replicou ainda aos prantos.

– Não tens poder para abolir as leis e livrá-las deste mal? Tu dizes que as ama tanto!

– A justiça deve ser executada. Entretanto… Quanto queres por elas?

– Hahahaha! Estás disposto a pagar por quem te traiu?! Sendo assim, quero tua vida em troca. O salário do pecado não é a morte, como dizem as leis? Pois bem.

– Feito.

– Estás… Estás zombando de meu acordo?! Estou falando com seriedade!

– Já disse que está feito. Darei minha vida em troca das duas.

– Não pode ser… Tu não farias tal insânia! Elas são tuas inimigas!

– Meus lábios não proferem mentiras.

– Draco, ele iria tão longe assim? – um dos anjos chegou por trás do mandante, porém foi ignorado.

Serena observava o rosto molhado, meigo e magoado de Micael. Não era uma das melhores sensações ver àquele que fora seu senhor entristecer-se. Pensava “Por que ele está chorando se sabia que isto viria a acontecer?”, mas não entendia. Já Francine, não procurava entender e muito menos se importava.

– Distanciem-se! – Lucian gritou para a “plateia”, que se retirou. –Ah… E uma última coisa antes de partirmos: Podes dizer a elas o motivo de não ter comparecido quando precisavam de você?

– Elas não me chamaram.

– Por que elas deviam pedir se tu sabes que necessitavam de auxílio?

– Caso me chamassem, estariam mostrando que sou capaz de atendê-las, independente da questão e do momento. Confiariam em mim. Além de que me agrado em ouvir as suas vozes… E… Só porque estou em silêncio, não significa que eu não esteja em determinado local. Ambas conhecem a minha onipresença e onipotência. – apesar de ter justificativas para se enfurecer, ele não o fez… Permaneceu a chorar… Voltou-se para as jovens e disse mais uma coisa.– Ouvi tudo o que dissestes ao meu respeito. Caso arrependam-se, as perdoarei…

– Hm… Como és onisciente, não preciso lembrar-te que nenhuma delas sente remorso do que foi dito aqui.

– Filhas… – falou, ainda as olhando de maneira melancólica. – Sabeis que tenho afazeres… Não deduzam as minhas obras. Sempre estarei disponível para vós.

– Mentira! Eu sempre soube que teus afazeres eram mais importantes para ti do que nós! – Francine supôs que poderia responder dessa vez, sem ser agredida por Lucian.

– Eu estava criando um povo. Cada homem com minhas próprias mãos. Isso para que vós duas governásseis sobre eles. São princesas, essa é a vossa função. Repeti esta mesma coisa frequentemente, mas vós não ouvistes. – explicou calmamente, mas soluçando. – Logo eles estarão aqui convosco… Porque o anjo que viera entregar-me a mensagem, os convenceu à rebelião. E nenhum deles, assim como vós, me chamou para tomar conselho.

– Obrigado pelos avisos. – Draco deu as costas, estava realizado em saber que seu exército se expandiria. – Vamos!

A irmã mais velha logo o acompanhou. Seu pensamento era: “Já que a morte tornar-se-á uma certeza para mim, viverei ao meu modo.”.

Todavia, Serena continuou sentada no chão por alguns segundos, observando Micael prantear com a mão no rosto. O céu estava escurecendo-se, como se toda a criação protestasse o ocorrido. A jovem levantou-se, mesmo com medo de que um terremoto fosse provocado e seguiu seu novo amo…

As lágrimas da deidade não eram por causa da promessa de morrer em lugar de suas desleais, mas pela divisão que fora inevitavelmente feita entre bom senhor e suas servas…

Antes que as irmãs se perdessem de vista, ele deu uma última informação, com a voz trêmula:

– Virei como vós… Diga a Lucian que será colocado em minha conta tudo o que fizerdes de errado. Isso inclui vosso povo também… Para que vivam.

Serena foi a única que olhou para trás… O nó em sua garganta crescia. A vergonha de confessar o primeiro erro faz com que qualquer um caminhe em direção a muitos outros…

“Não existe maior amor do que este: de alguém dar a própria vida por causa dos seus amigos.”

João 15:13

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