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Estrangeira Fiel

Estrangeira Fiel – Capítulo 2

 

 

Baltazar havia se tornado um homem rico e muito importante. Sua empresa havia crescido e agora se encontrava aos seus trinta e cinco anos de idade. Foi muito bem sucedido em seus negócios nesses dez anos que passaram.

Porém, sem que Neiva sequer recordasse desse seu parente ou falasse sobre ele, um dia Russe perguntou enquanto varria o pequeno cômodo que conseguiram:

– Deixe que eu vá até alguma empresa tentar pegar o emprego de faxineira. Talvez algum desses tais “empresários” que todo mundo está falando permita que eu limpe os andares daquelas casas enormes.

– Querida, aquelas “casas enormes” se chamam prédios. – ela riu do jeito amável da moça.

– Ah! Isso! Eu posso ajudar na limpeza dos prédios. Quem sabe Deus me ajude a conseguir um dinheiro bom.

– Vá, minha filha! Mas tome cuidado.

– Pode deixar! – a garota abriu um sorriso por conquistar o apoio da ideia.

Então Russe foi à calçada de mãos vazias. Caminhando para longe, analisava os edifícios e pensava qual deles daria uma remuneração maior. Quando tentou atravessar a rua, esqueceu de prestar atenção para ver se passavam carros. Não via esses veículos com tanta frequência no meio do campo. Antes que um deles pudesse atingi-la, um homem de terno puxou rapidamente seu braço para que o acidente não pudesse acontecer. O coração dela estava acelerado com aquilo, fora um risco enorme.

– Tente prestar mais atenção. – ele aconselhou.

– Desculpe… Não estou acostumada. – Russe ficou constrangida por precisar de ajuda com algo que, para os moradores do lugar, era tão simples. Além de ter dito que seria zelosa ao sair.

– Você não é daqui, é?

– Não… Está tão evidente assim? – franziu as sobrancelhas envergonhadamente.

– Mais ou menos. – o homem achou graça em seu comportamento e deu um sorriso simpático. – Está vendo aquilo ali? – ele apontou para o semáforo. – Precisa esperar ficar vermelho para poder atravessar a rua.

– Ah… É um código?

– De certa forma. Acho que sim. – achou a menina verdadeiramente encantadora, diferente das que costumava ver na cidade. – Aonde você está indo?

– Estou procurando emprego… Sabe qual ca… Quer dizer, sabe qual prédio é bom para isso?

– Eu estou indo até um que considero bom. Deseja me acompanhar? – convidou-a.

– Sim, claro! – Russe estava gostando da companhia daquele homem.

Atravessaram a rua juntos devidamente. Adentraram um imenso e muito luxuoso edifício. Por acaso, ela estava na empresa de Baltazar, parente de Edmundo. O homem de terno foi com ela até o elevador e ensinou-a como usá-lo. Selecionou o andar específico para as entrevistas. Muito agradecida, Russe foi até lá confiante e começou a dialogar com o responsável por aquela área.

– Então… Qual cargo você está querendo mesmo?

– Faxineira.

– Certo… Por que quer esse emprego?

– Preciso de uma renda para sustentar minha sogra, ela está muito velha.

– E por que seu marido não faz isso? – o rapaz estranhou a história.

– Porque sou viúva assim como ela… Preciso dar um jeito de levar comida para casa.

– Espera um instante…Você é nora de Edmundo? – ficou surpreso.

– Sim, eu sou.

– Meus pais compravam verduras na tenda que a família dele montava aqui na cidade! Como está Neiva?

– Está triste e fraca… – Russe não hesitou em ser sincera. – Por isso mesmo eu vim até aqui.

– Ora, então já está contratada. Já é um ótimo motivo. Além disso, estamos precisando de faxineiras. Pode começar hoje mesmo.

– Verdade? – ela encheu-se de alegria.

– Sim! Você pode começar hoje? – apertou a mão da moça.

– Claro! – começou a sorrir. – Ah! Graças a Deus!

– Pode pegar um uniforme e materiais de limpeza na última porta à direita.

Empolgada para começar seu trabalho, ela começou a passar esfregão num andar vazio. O chão estava molhado e, por não saber ler direito, também acabou se esquecendo de colocar a placa amarela ali, porque não parecia ser tão importante. Além disso, apenas ela estava naquele andar.

Todavia, diferente do esperado, um homem distraído saiu do elevador para aquele exato andar e entrou segurando relatórios. Acabou escorregando no piso molhado e seus papéis foram espalhados pelo corredor, além disso, caiu de costas.

– D-Desculpe! – Russe ficou desesperada. – Eu não imaginei que fosse aparecer alguém aqui.

– Tudo bem, tudo bem… – ele tentou se levantar com a mão na cabeça. Era o mesmo homem que havia encontrado-a na rua. – Ai… Ah, percebi que conseguiu o emprego! Parabéns.

– Obrigada… Olha, desculpa mesmo… Pode deixar que eu recolho. – começou a catar os papéis do chão.

– Não precisa se preocupar com isso, você não fez por mal. – ele se abaixou para ajudar.

– Não faça isso! Por favor, deixe-me arrumar sozinha. Eu que causei esse transtorno. Imagine se o seu chefe entra aqui e te vê dessa maneira… Acho até que a sala dele fica nesse andar!

– Chefe? – estranhou o comentário.

– Sim, o dono da empresa.

– Eu sou o dono da empresa. – ele começou a rir. – Eu me chamo Baltazar, prazer. – cumprimentou-a.

– R-Russe…

– Russe?

– Sim, isso. É “Russel”, mas sem o “L”. Meus pais registraram errado…

– Acho “Russe” mais bonito mesmo.

– Obrigada, patrão. – ela abaixou a cabeça. Estava sendo um pouco mais formal após saber que Baltazar mandava naquilo tudo.

– Não precisa fazer cerimônia. Se quiser, me chame pelo nome mesmo. Eu não faço tanta questão. – naquele instante, alguém saiu do elevador. Era o rapaz que acabara de contratar a garota.

– Certo… B-Bem, então eu acho que vou limpar outro andar vazio. As pessoas ainda estão chegando, não é mesmo? Está cedo… – estava terminando de pegar os papéis. Assim, entregou-os ao seu dono.

– Tudo bem, Russe. Que Deus esteja com você. – ele acenou, porque ela já estava se afastando.

– C-Com o senhor também! O senhor é religioso?

– Sim. Sou sabatista.

– Verdade? Eu também… Me converti há pouco tempo… – o homem deu um sorriso em forma de cumprimento. Sem ter mais o que dizer e um pouco  moça dirigiu-se até o elevador e começou a apertar o botão para que ele retornasse ali. Ela estava um pouco sem jeito, por isso queria sair de cena logo.

– Quem era essa moça? – enquanto segurava novamente sua papelada, Baltazar perguntou ao seu empregado que acabara de entrar no corredor.

– É a moça que veio do outro estado com aquela sua conhecida, esposa de Edmundo, um fazendeiro que ficou conhecido por aqui por sua bondade. Ela queria o emprego para sustentar Neiva, por isso aceitei na hora. Está trabalhando desde que chegou.

– É nora de Edmundo?! – o empresário ficou estupefato, mas mantinha um tom de voz que a moça não era capaz de ouvir.

– Sim, isso mesmo. Há algo errado?

– Não. Pelo contrário… Venha cá, quanto ela ganha? Qual o combinado?

– Ganha… Um salário mínimo, senhor. Mas isso porque é inciante, começou agora e…

– Triplique. – interrompeu.

–O quê?

–Triplique. Triplique o salário dela. Com um salário mínimo mal dá para pagar as contas e se alimentar. Além disso, dê seu adiantamento na minha mão. – falou discretamente ao auxiliar.

– Sim senhor. – o rapaz foi diretamente a uma das salas daquele corredor a fim de arrumar os registros que seu chefe pediu.

– Menina! – Baltazar chamou-a, porque até  agora o elevador não havia aberto suas portas.

– Pois não. – virou-se para ele acanhadamente.

– Você mora no antigo condomínio de Edmundo, não?

– Sim… Como o senhor sabe?

– Eu moro lá também.

– O senhor?… Mas o senhor poderia mudar para um lugar bem melhor que aquele…

– É herança de família. Gosto dali. Seja como for, o que quero dizer é… Não procure emprego em nenhuma outra empresa. Fique aqui e trabalhe perto das minhas outras faxineiras. Preste atenção e as siga. Darei ordem aos outros funcionários que não mexam com você. Se ficar com sede, fique à vontade para usar o bebedouro de qualquer sala. Você tem minha autorização.

– Por que é que o senhor reparou em mim e está sendo tão bom tão bom, sendo que nem daqui eu sou? – a bondade de Baltazar fazia com que ficasse confusa e até mesmo um pouco inibida.

– Como me informaram que você é nora de Edmundo, fiquei sabendo de tudo o que você fez pela sua sogra desde que ele morreu. E sei que você deixou o seu pai, a sua mãe e a sua pátria, era uma moça da fazenda e veio viver entre gente que não conhecia. Que Deus a recompense por tudo o que fez. Meu desejo é que Aquele cuja proteção você veio procurar lhe dê uma grande recompensa.

Russe logo percebeu que ele era realmente um homem de fé, não da boca para fora… Além de ser muito bonito. Respondeu-o da seguinte maneira:

– O senhor está sendo maravilhoso para mim… O senhor me dá ânimo, falando comigo com tanta bondade, porque eu mereço muito menos do que ser uma das suas empregadas… – olhava para baixo e o elevador chegou.

– Não seja tão dura consigo mesma. – sorriu.

Algum tempo depois do serviço, chegou a hora do almoço. Baltazar apressou-se em procurar Russe para fazer uma sugestão:

– Venha comigo… Quero levá-la para almoçar num restaurante por aqui. – o convite da moça fez com que seu rosto ficasse levemente rubro.

Porém, infelizmente viu a necessidade de recusar:

– Desculpe, senhor. Não posso acompanhá-lo.

– Por que não? – o empresário sentiu uma dor no peito, como se tivesse acabado de ser rejeitado pela moça que estava despertando seu interesse.

“Talvez ela não queira nada comigo… Deve estar sendo educada comigo esse tempo todo por pena… Olha só para mim! Sou tão velho para ela…”, foram seus pensamentos.

– Acho que não tenho dinheiro para almoçar no mesmo lugar que o senhor…

– Oh! É por isso? Não se preocupe, eu vou pagar.

– Não me sinto muito confortável com isso.

– E eu não me sinto confortável em ver você negando um pedido meu dessa forma… Eu costumo comer sozinho. Você não pode me fazer companhia pelo menos desta vez?

– Está bem… – ela cedeu facilmente, mesmo percebendo que era uma desculpa. Não precisaria ser exatamente ela a acompanhante. – Eu vou tirar o uniforme, só um instante.

– Não precisa. Só vamos a um restaurante, não à igreja. Não fique tão agitada, lá não é um lugar de pessoas arrogantes.

– Só um instante, eu não me sinto bem indo assim… Não é apenas pelos julgamentos.

– Então está bem. Encontre-me no carro, sim?

No caminho até o restaurante que ficava a pouquíssimos metros dali, ao mesmo tempo que apertava o cinto de segurança, Russe não conseguia parar de relembrar as circunstâncias que atrapalhavam a aceitação de que pudesse ter se apaixonado tão rapidamente por seu patrão. Desde sua simpatia na calçada até os momentos atuais, ela sentiu uma estranha atração. Ele estava sendo acolhedor como ninguém era com ela havia muito tempo.

Entrou no local e surpreendeu por não ver ninguém estranhando seu jeito modesto de vestir ou de se portar. Era um ambiente agradável, confortável e simultaneamente refinado. Os dois assentaram-se numa das mesas e pegaram o menu. Russe sentiu certo receio, porque leitura não era seu forte.

– O que vai querer? – Baltazar educadamente ofereceu o cardápio a ela.

– Eu não sei… – a moça ficou acanhada por um instante. O homem logo compreendeu a situação.

– Pode ser o mesmo que eu? Não sei se vai gostar, mas fica como experiência. Que tal?

– C-Certo! Por mim, está ótimo. Não sou eu que estou pagando, eu como o que disser.

– Também não é para tanto, Russe. – gargalhou por um instante. – Por favor, garçom! – chamou. – Duas porções de ravióli recheado com queijo de cabra ao molho de tomate com sálvia e amêndoas.

– Irão beber alguma coisa?

– Hm… Duas taças de suco de uva. Está bom para você, Russe? – ele colocou sua mão sobre a dela na mesa.

– Sim! – respondeu acuada.

“Meu Deus, será mesmo que alguém de elegância e tão importante como ele iria gostar mesmo de uma garota que veio de longe, simples e que não sabe das coisas? Quem sou perto dele? Talvez não passe de uma coitada… Mas acredito que tenha simpatizado comigo… Já é um começo… Não é?”, refletia insegura.

– Senhor… – disse ela.

– Diga, Russe.

– Posso levar o que sobrou do almoço para minha sogra? – perguntou com certo medo de ser criticada por sua atitude aparentemente pedinte.

– Claro que pode. Eu chamo o garçom novamente para que ele embrulhe. – sorriu.

Baltazar, além de consentir, ainda fez questão de pagar por uma mousse de limão para sua acompanhante como sobremesa. Enquanto ela comia, ele observava-a com um sorriso bobo estampado no rosto:

– Ah, eu já ia me esquecer! – ele próprio cessou seu transe, tirou uma quantia em dinheiro do bolso e deu a ela. – Aqui está seu salário. Eu só não trouxe um cheque porque acho que você não possui uma conta ainda…

– Mas hoje é meu primeiro dia, senhor!

– Você quis levar comida para sua sogra, tem certeza que não quer levar algo mais? Você tem oportunidade, acaba de receber seu primeiro salário. Pode separar uma parte para Deus e ainda sobrará o bastante. – o sensato comentário fez Russe silenciar. – Vou com a senhorita até o supermercado. Depois até a porta do condomínio. Infelizmente não poderei ficar para conversar, ainda tenho trabalho a fazer…

– É apenas o horário de almoço, eu também tenho trabalho a fazer. – lembrou.

– Não, você chegou antes de todas as funcionárias. Está a mais tempo que elas arrumando os andares. Você ficou além do normal e eu decidi que já pode ir. Vá para casa.

– Mas, senhor…

– Não discuta, por favor. Eu pago meus funcionários como bem me aprouver e sem deixar a ética de lado. – ele disse seriamente, mas sem rigidez.

Após pagar a conta, Baltazar foi com Russe até o carro e estacionou em frente à localidade determinada. Fizeram compras juntos. O empresário quis pagar pelos itens, mas Russe se recusou a aceitar. Ela sentia como se fosse abuso da bondade do homem. Além disso, não suportava que ele pensasse que estava interessada em seu dinheiro.

Pouco tempo depois Baltazar despedia-se do alvo de sua admiração à porta de seu próprio condomínio, que era onde ela estava morando com a sogra. Até o momento, Russe não sabia da ligação daquele executivo com a viúva de Edmundo… Tampouco das tradições que aquela família tinha. Naturalmente Neiva era quem deveria ter relações mais próximas com aquele homem por causa deste costume… Isso seria um empecilho para que a afeição criada pelos dois começasse a florescer.

Russe entrou no cômodo com sacolas cheias que Baltazar ajudara a subir. A idosa mostrou-se surpresa com a quantidade de mantimentos que a garota havia conseguido.

Então, impressionada, Neiva questionou:

– Onde é que você foi procurar emprego hoje? Onde foi que você trabalhou? Que Deus abençoe o homem que a amparou e ficou interessado em você! – demonstrou alegria, coisa que agora era mais difícil de ocorrer.

– Eu trabalhei na empresa de um homem chamado Boaz como faxineira. Ele me deu adiantamento e me levou para jantar… – a moça colocou as compras no chão e pôs uma mecha de cabelo atrás da orelha.

– Que Deus verdadeiramente abençoe Baltazar! Porque este rapaz sempre tem sido bom, tanto para os que estão vivos como para os que já até morreram! – comemorava sorridente. – Esse homem é nosso parente chegado e nossa família possui o hábito de ajudar os parentes que passam por dificuldades. Sendo assim, ele é um dos responsáveis por nós.

Russe não visou tanto esta informação, porque enxergou como forma de caridade, não de oportunidade. Sua maneira despretensiosa não conseguia perceber a mulher virtuosa que era. Continuou relatando:

– Além de tudo isso, ele disse que eu posso continuar trabalhando com seus empregados.

– É bom que você vá com as faxineiras dele, minha filha. Porque, se fosse trabalhar no prédio de outro homem, você poderia ser humilhada.

Assim Russe trabalhou junto às funcionárias de Baltazar por um tempo. Ele continuava demonstrando sua estima pela servidora. E a moça, por sua vez, continuou morando com a sua sogra, dedicando-se a cuidar dela.

2 comentários sobre “Estrangeira Fiel – Capítulo 2

  • Foi emocionante ver neiva feliz por russe ter conseguido mts mantimentos e o emprego! baltazar ta sendo mt bondoso mesmo com ela, eu to gostando do novo casalzinho, mas as formalidades ainda tão demaaais hahaha! muito bom capítulo, parabéns!

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