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Ordinários

Ordinários – Capítulo 33 (Final)

Crisbell

Aquela praguinha hoje quis faltar a aula… Pra ser honesta, Ramon disse que só dependi a de mim… Eu resolvi liberar dessa vez. Até que ele está se comportando bem e eu tenho que levar isso em consideração em algum momento. A menina que vem com ele pra cá, Quésia, parece ser uma boa influência. Ela não é muito bonita, mas não é isso que mais me importa no momento… Parece ser uma boa garota, então não vi problema em deixar de fazer jogo duro por hoje.

Espero que ele entenda que precisa ser tão grato a Ramon quanto eu, porque ele não precisava tratá-lo da maneira que o trata. Eu já cheguei a sugerir me desfazer de Hebrom de algumas formas, mas Ramon nunca aceitou. O máximo que consegui fazer foi mudar para o Brasil e deixá-lo no Canadá com Leonidas. Eu imaginava que meu filho se tornaria um problema para meu marido, mas parece que ele não enxerga dessa forma.

Às vezes sinto que ele é mais próximo a Hebrom que eu mesma… Por alguma razão, hoje eu acordei me sentindo culpada. E, como ele queria fazer um piquenique num parque com a garota, eu resolvi fazer a comida deles… Em algum momento eu preciso assumir meu papel de mãe… Por mais que não goste dessas circunstâncias.

Hebrom

Eu pedalava com rapidez, queria aproveitar meu tempo. No guidão, estava a nossa cesta pronta que minha mãe fez o enorme favor de preparar. Atrás de mim, estava ela: A menina que eu sempre quis.

Estava levando-a para um lugar que eu não seria capaz de esquecer meu passado. Por mais que eu não gostasse dos “fantasmas” que ele me traz, era uma local muito bonito. Eu queria que Quésia o conhecesse. Pierre mora por lá. Tanto que foi a primeira pessoa que encontramos depois que parei a bicicleta perto da fonte que há no centro do parque.

–Olá, casal! –ele nos cumprimentou. Estava na varanda de sua enorme casa. Ele morava praticamente sozinho, se eu não comentasse dos empregados.

–Como ele sabe que estamos namorando? –Quésia me perguntou estranhando, como se eu tivesse passado a noite espalhando para todo mundo.

–Eu não sabia. –riu enquanto caminhava na nossa direção. –Vocês querem entrar um pouco?

–Nós íamos fazer um piquenique… –ela explicou. –Aliás, vocês podem ficar aqui conversando enquanto eu vou arrumar as coisas.

–Fica com a gente, Qué… –pedi, estranhando seu afastamento. Não era desejo meu ficar longe dela, eu faltei justamente para fazer o contrário.

–Não. Você fica aqui conversando com Pierre. Vocês têm assunto. –falou de olhos arregalados… Acho que entendi o que ela quis dizer. –Tá, bom, amor?

–E-Está! –me surpreendi por ela me chamar daquele jeito.

Não fazia parte dos meus planos… Mas muita coisa que acontece na vida não faz mesmo parte dos nossos planos.

–Então… Oi. –ele cumprimentou novamente. Parece que não tínhamos realmente tanto assunto.

–Oi. Sabe… Quésia está certa. Eu tenho mesmo algo para te contar…

–Tudo bem, pode começar… Só não enrola muito, isso me deixa ansioso. –sorriu.

–Quando… –comecei a engasgar com minhas próprias palavras. –Quando eu estava afastado, seu pai sempre tentava me aproximar de Deus… E, um dia, eu me enfiei numa briga e… –eu não quis continuar.

–Hm?

–Eu… –meus olhos encheram de lágrimas.

–Lembra o que eu disse sobre ficar ansioso?

–Desculpe… Eu acabei no hospital e pedi para seu pai me buscar.

–Sei disso. O que tem?

–V-Você sabe?

–Claro, oras. Ele me avisou antes de sair de casa. Suas últimas palavras… Cara, ele gostava tanto de você… –eu conseguia conversar com Pierre sem ter medo de mostrar sensibilidade. Ele conhecia minha dor pela perda… Talvez até uma pior.

–Desculpe… É tudo culpa minha.

–É assim que você pensa? Você é um bobalhão mesmo, garoto anfíbio… Desde quando você controla quando vai chover ou não?

–Eu… –segurar as lágrimas estava se tornando uma tarefa difícil.

–Para de pensar assim ou eu vou me aborrecer. –ele deu um peteleco na minha testa.

–Desculpe. –abaixei a cabeça.

–Meu pai sempre falou muito bem de você… Ele dizia coisas que até me deixariam com ciúme se eu não te conhecesse bem… Eu bem que gostaria de ser seu irmão. Mas depois do acidente parece que você quer manter distância… É porque eu virei espírita?

Não! É claro que não! Eu só… Eu só não consigo olhar para você sem lembrar dele…

–E por isso você vai deixar de ser meu amigo?

–Você sempre foi mais próximo do meu irmão… Não pensei que fizesse tanta diferença.

–Q-Que idiotice! Eu sempre tratei vocês da mesma forma quando mais novos… Só que o tempo foi passando e você ficou meio emo. Era difícil me aproximar de você… Eu me sinto sozinho. Zac não gosta do meu novo jeito… E eu sinto saudades do meu pai… Por isso tento encontrá-lo, seja como for.

–Você tem um Pai que está sempre contigo… E que vai trazer o seu quando voltar… Não deveria estar se preocupando tanto com isso…

–Acho que caso seu irmão me dissesse coisas assim ao invés de me acusar, eu não estaria tão distante da igreja agora…

–Você não deveria sair por causa dele. Você não vai lá por causa dele…

–Tem razão… Perdão pelo que eu disse da última vez. Eu pretendo visitar lá, sim… Nós somos todos filhos do mesmo Deus ainda, não? –ele disse ajeitando o chapéu panamá que usava para se proteger dos raios do sol.

–Eh…

–E para de chorar, isso está me deprimindo. –ele tirou algo que guardava consigo dentro da blusa, estava discretamente pendurado em seu pescoço. –Toma. –colocou o objeto pequeno em minha mão.

–O que é isso? –enxuguei o rosto com o pulso.

–Uma das conchas que você e meu pai pegaram para mim numa dessas vezes das aulas de surf… Já que eu não posso ficar indo à praia por causa do… –Pierre segurou seu próprio braço. Estava falando do albinismo.

–Se nós trouxemos para você, deve ficar com você…

–Eu insisto… Isso é para você não esquecer todas as boas memórias por causa de uma única tristeza… Por maior que ela seja. De qualquer forma, o nosso amor por você sempre foi maior que tudo isso… O dele só não é mais por ele estar… –parou para pensar se iria terminar ou não a frase, porque, claramente, ia contra o que ele buscava acreditar agora. –… morto.

Ele disse…

–Desculpe mesmo… Eu não sabia que você gostava tanto de mim. –apertei a pequena concha.

–Tudo bem. Eu nunca te disse, então acho que não seja culpa sua. Pare de ser tão duro consigo mesmo… Você sabe perdoar os outros e não sabe se perdoar? Seu esquisito. –ele parecia triste, mas se esforçava para não transparecer, tanto que até brincava comigo. Me lembrava um pouco Folk… –De qualquer forma, eu quero que você venha mais vezes aqui.

–Pode deixar.

–Já pode voltar ao seu namoro, eu não quero atrapalhar. Boa sorte com ela, garanhão. –ele bagunçou meus cabelos e logo após voltou para dentro de sua casa.

–O-Obrigado!

Eu fui andando lentamente até a fonte do parque que ficava próxima a casa de Pierre… Ainda lembrava de como ele passava tempo com seu pai ali. Às vezes eu não entendo a razão de tudo isso ter acontecido… Mas ainda acredito que as coisas se dão por um propósito… Talvez eu não tivesse a oportunidade de falar de Jesus para minha melhor amiga se estivesse cheio de amigos ou passando o tempo todo na casa de Martins… Eu não sei… Prefiro simplesmente confiar.

–Qué, você está dando meus sanduíches pros patos? –eu estava me aproximando do lago. Quésia estava com água até as canelas. Ela havia arrumado o lençol xadrez debaixo de uma árvore.

–Isso porque você me largou aqui mofando… –ela continuou jogando pão para eles.

–Você que sugeriu que eu ficasse conversando com ele lá! –dobrei a calça jeans e fui até seu lado no lago do parque.

–Sim, mas demorou demais. E essa parte aí não vem ao caso…

–Então o que vem ao caso? –comecei a rir.

–Que você é um chato abandonador de namoradas…

–Não acredito. Você estava sentindo minha falta? –achei aquilo uma das coisas mais fofas do mundo. A carinha dela estava emburrada.

–Hey, não fique assim… Você é mil vezes mais bonita sorrindo, eh…

–Zero vezes mil é quanto mesmo?”

–Eu detesto quando você faz isso.

–O que?

–Fica se sabotando desse jeito, com pena de si mesma. Mas eu não estou criticando seu jeito de ser, estou criticando sua crítica ao seu jeito de ser.

–Hm… Você contou a ele? –Quésia quis mudar de assunto.

–Ele já sabia, por incrível que pareça. Ele não pensa em mim como assassino…

–Elementar, meu caro Watson. Espero que você comece a pensar do mesmo jeito.

–Estou começando…

–Só pelo seu rosto, eu já sei que você estava chorando. Quero que você se anime. Não é pra ficar assim cabisbaixo. Vamos parar de falar de coisas depressivas e vamos começar a questionar o motivo de você nunca ter namorado antes. –começou a falar daquele jeito engraçado. –Será que é porque você larga as meninas sozinhas no primeiro encontro?

–Acho que não. Na verdade, dizem que eu sou infantil! – joguei um pouco da água no lago nela.

–Por que será, né?! –ela jogou de volta.

–Não faça isso, a vingança não pertence aos homens.

–Prefiro chamar de justiça. –ela jogou mais ainda e começou a rir.

–Justiça também não pode! Você agora é policial?

–Agora só te resta perdoar. –fez biquinho.

–Ou eu posso fazer isso! –derrubei-a e nós dois caímos na água, espantando os patos e os peixinhos que estavam ali.

–Você não presta, garoto!… Mas eu também não. –nós não parávamos de rir.

–Não fizeram quinze minutos que ficamos juntos aqui sozinhos e esse já está sendo um dos melhores momentos da minha vida…

–Tô com fome. –ela levantou dali e foi até a cesta que estava debaixo da árvore.

–Por que você tem sempre que estragar quando eu tento ser romântico? –fui atrás dela com um sorriso no rosto.

–Sua mãe só fez coisa vegana?

–Não sei. Se você não gosta, eu posso comprar outra coisa…

–Não, não! É que, se tiver feito, eu queria experimentar…

–Sério? –não esperava que ela dissesse isso. Comecei a procurar na cesta algo para mim. –Aqui, pode pegar.

–Gosto quando você me oferece comida… Me deixa apaixonada. –Quésia zoou.

–Já que é assim, quando você tiver 18, vai estar obesa mórbida e casada comigo.

–Hm… Casada eu ainda acho meio difícil.

–Então… Você não quer casar comigo?

–Não.

–E… Eu posso fazer alguma coisa a respeito?

–Poder até pode.

–Então eu vou.

–Boa sorte… Cada um tem seu sonho inalcançável.

–Deve estar se achando incrível por eu querer isso com você.

–Sim, uau, eu me acho incrivelmente poderosa. Claro que não, né, criatura?

–Mas até que tem motivos pra se achar…

–Que nojo, para com isso, Brom! –ela me empurrou enquanto comia.

–Hahahahaha! Nunca. Você poderia aceitar que é a mais linda. E que a gente vai casar e ter um filho. –a última frase eu falei até baixo, mas tenho certeza que ela me ouviu.

–Só quando você aceitar que não é assassino e otário.

–Eu vou pensar no assunto… Você vale a pena. – sentei na grama e coloquei a cabeça sobre o lençol, porque eu estava parcialmente molhado.

–Uma coisa que eu acho incrível em você –Quésia começou a falar de mim e isso chamou minha atenção. – é que você é feliz sem precisar fechar os olhos para o que acontece ao seu redor… É como se você abrisse uma porta de esperança pro futuro com uma chave que você chama de fé… Eu acho isso bonito.

–Qué…

–Acho que também quero me batizar… –ela me interrompeu e ficou me olhando seriamente. –Por que tá sorrindo? Tsc… Não estou fazendo isso por você e em homenagem ao seu passado…

–Sei que não. É exatamente por isso que eu estou sorrindo. –fui sentar ao seu lado. Eu preferi molhar o lençol a ficar tão distante dela. Se bem que ela também já não estava se importando muito em molhá-lo. –Você disse que sou feliz, mas… Eu já tentei me matar aqui…

–O quê?

–É. Nesse parque. Martins que não deixou. Eu quase fui atropelado nesse dia antes de chegar aqui, quase consegui o que eu queria… Eu até reclamei do timing. O pai de Kyara que me atropelou no caminho. Eu estava tentando vir para cá e ir até o fundo do lago.

Quésia

–Pessoas felizes também têm momentos tristes… Não dá pra ser feliz o tempo todo nessa vida. Deus te ajudou a superar tudo isso e olha onde você está agora. Você é um garoto ótimo e eu me orgulho de ser sua namorada… –disse olhando nos seus olhos.

–Você também é uma garota ótima, darling… Eu sinceramente acho você muito bonita, do jeito que você é. Eu acho suas pintinhas uma graça, seu cabelo é muito legal, eu gosto do tom da sua pele… Você é tão perfeita pra mim… Eu não gosto quando te criticam. Você não deve dar importância a isso… Só o seu caráter já te faz muito especial em relação as outras meninas. –ele fez carinho no meu rosto.

–Se você não quer que eu acredite no que as pessoas dizem sobre a minha aparência, você tem que me dar o exemplo e não acreditar no que elas dizem sobre as sua personalidade ou até mesmo o julgamento que fazem pelo seu passado. Você escolheu o que fazer Deus e a si mesmo felizes. –olhei fixamente para Hebrom.

–Eh… –ele apoiou o rosto no meu ombro, parecia envergonhado por estar levando bronca.

–Você não está machucando ninguém por acreditar, não deveria se preocupar com isso. Muito pelo contrário, você se esforça pra fazer do mundo um lugar melhor. Se é por causa dEle, você deveria até ficar feliz, bem do jeito que me falou! Não importa o que os outros pensam. –naquele instante o celular dele vibrou.

Ele olhou o aparelho e ficou quieto. Obviamente fiquei curiosa… Mas ele não disse nada. Então tive que perguntar:

–O que foi?

–Mensagem… De Richard…

–Folk? Sério? Não é nenhuma asneira, né? Se for, ignora e presta atenção no que eu disse…

–Não, não… Não é isso… –ele sorriu de tal forma que parecia estar sentindo dor. –Ele quer ser meu amigo de novo. Hoje está sendo meu dia de sorte. –sua voz estava trêmula. –Isso também é uma oportunidade de ajudá-lo a achar uma forma de ser feliz de verdade também…

–Você é um fofo mesmo… Depois de tudo que ele fez… Você reconhece que também errou e quer recomeçar. –fiquei um pouco emocionada com a reação dele àquela mensagem inesperada. –Eu gosto de você do jeitinho que é, viu?… Você é encantador. No começo eu até te considerava bonzinho demais pra ser verdade… Mas depois que percebi que você é realmente assim, eu não tive como não me apaixonar… Você foi um presente que Deus mandou pra me dar forças pra aguentar a vida aqui… Você foi uma verdadeira luz pra mim.

–Qué… Obrigado por me ver bom assim… Ninguém nunca falou de mim dessa forma… Eu não sabia que tinha sido útil pra você em algum aspecto. –Salamander parecia que iria chorar. –Eu não me sinto mais um imprestável quando estou perto de vocês dois, sinto que minha vida tem sentido. Não penso mais em morrer… Eu quero viver para ficar com vocês. Se eu tiver que morrer, que seja por um bom motivo. Eu só precisava dEle pra ficar bem e feliz, mas depois que pedi, Ele mandou você na hora certa… Eu estou tão feliz… –quando ele sorriu, lágrimas desceram novamente pelo seus olhos, mesmo eles estando fechados.

–A gente te ama muito, Hebrom. –levantei seu queixo, fazendo com que olhasse pra mim. –Muito. E enquanto você tiver a opinião dEle, não vai precisar da de quem quer te colocar pra baixo. Você não é medíocre ou sem brilho… Você é mais do que um namorado pra mim e mais do que um servo pra Ele. Você é nosso amigo… E amigos são sinceros uns com os outros. Nós queremos você conosco…

Nesse momento, Salamander segurou meu rosto e lentamente fez seus lábios tocarem os meus de maneira bem intensa. Ele me invadiu de um jeito que eu não esperava e seu comportamento mostrava o quanto ele me queria. Agora eu acho que sei o que ele quis dizer com beijo francês… Eu nunca me senti tão especial. Eu sabia que ele também gostava de mim…

Fui beijada pela primeira vez naquele dia ensolarado no parque… Esse é, com certeza, um registro que vou guardar pelo resto da minha vida com eles. Deus formulou coisas maravilhosas para nós. Nenhuma memória nunca se repete. Nossas digitais, nossos pensamentos, nossos desejos… Nada disso é igual. Os itens citados são algumas das muitas confirmações de que, não, nós nãos somos

ordinários.

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