Capítulo 17 – Detalhes Sórdidos
GARIBALDI – Virgem Santa!
Ele saiu correndo como nunca tinha feito na vida, com uma massa de cães monstruosos e deformados atrás de si, sentindo o cheiro do seu sangue e desejosos da sua carne. Para onde ele corria, a matilha de monstros o seguia, com uma fome que parecia não ter fim. Para se salvar, entrou uma sala, trancando a porta atrás de si. Mas ele podia ouvir os cães pulando e arranhando as unhas sobre a porta, que balançava toda, como se fosse cair a qualquer momento.
GARIBALDI – Certo, Hernesto, respire fundo e pense… pense. Se você fosse um personagem do seu livro, o que faria.
A porta estava quase se rompendo.
GARIBALDI – Claro! A janela.
Com uma cadeira ele quebrou o vidro, mas viu para sua surpresa, que estava no terceiro pavimento. Essas mansões vitorianas eram grandes mesmo. Havia uma sacada de cerca de meio metro de largura. Se ele se segurasse bem, dava pra andar sobre ela até a janela do fim do corredor, onde ele podia descer até a cozinha e pegar o pé-de-cabra. tinha que fazer isso logo, pois os cães estavam quase derrubando a porta.
GARIBALDI – Boa sorte para mim.
Ele saltou a janela bem no momento em que os cães derrubaram a porta. Desgraçadamente, sua calça fica presa num pedaço de metal enferrujado, e os cães se aproximavam rapidamente. Ele puxou com força, rasgando a calça, mas despencou da sacada.
Ala oeste.
TOM – Não precisamos ficar esperando Garibaldi, podemos continuar procurando uma maneira de achar o alçapão.
MARIAH – Como? Esses tacos são massiços.
PADRE DORNAS – Veja só, Tom, essa criança se parece com você.
TOM – É verdade…
PADRE DORNAS – E tem mais aqui.
MARIAH – Essa sou eu!!!
ANITA – E eu! Isso está ficando cada vez mais confuso.
TOM – Isso só pode significar que Garibaldi estava falando a verdade.
PADRE DORNAS – É, mas ele fala menos do que sabe. Esse escritor esquisito está escondendo algo.
TOM – Como assim?
PADRE DORNAS – Como ele pode saber das tatuagens? E qual o interesse dele nelas?
TOM – O mesmo que temos: sair daqui.
PADRE DORNAS – Não é não. Garibaldi tentou matar o Edson duas vezes, e o fará com todos nós, se descobrir que existe um grande tesouro aqui dentro, e que ele terá acesso a ele.
TOM – Você tem razão. É melhor ficarmos de olho nele.
Corta para Garibaldi.
Garibaldi despencou da sacada, mas ficou dependurado. Na janela, os cães latiam e uivavam, desejando que el subisse por ela, para que eles pudessem comê-lo.
GARIBALDI – Como eu gostaria de ser o Homem Aranha!
Ele tentava subir, mas seus pés arrancavam pedaços da parede antiga, e por duas vezes ele quase caía de vez. Felizmente, ele conseguiu subir bem ao lado da janela, sentindo o hálito dos cães, mas conseguindo se livrar deles. Assim, ele vai andando pela pequena sacada, que dava muito mal para um vaso de plantas. Ele estava aliviado em poder andar ali, mas por pouco tempo, pois a mansão começa novamente a tremer. Dessa vez uma enorme rachadura se abre à sua frente, quase o atirando dentro de uma piscina, bem ao lado da casa.
GARIBALDI – Aguente firme, Garibaldi…
Faltava somente mais um pouco. Ele estava quase conseguindo. Finalmente ele chega na janela do fim do corredor. Olha do lado de fora da porta, depois de haver transposto a janela, e para sua felicidade, nem sinal de cães. Ele então desce correndo as escadas. A primeira porta depois da escadaria era de um corredor que levava à cozinha. Ele entrou novamente nela e pegou o pé-de-cabra que estava em cima de uma mesa. Mas outra coisa lhe chamou a atenção. O tremor fez cair um armário, e atrás deste, uma antiga porta de madeira.
Ala oeste.
PADRE DORNAS – Acho que Garibaldi não vem mais. Os cães devem tê-lo encontrado.
TOM – Isso é muito estranho, vejam só: “Crianças do Diabo são encontradas e adotadas”. Como eu nunca ouvi falar sobre isso? Iso é terrível! Um aspecto trágico do nosso passado, que tínhamos o direito de saber.
PADRE DORNAS – Talvez nossos pais quisessem poupar-nos de um passado tão terrível.
TOM – Você tem toda razão. Mas mesmo assim, tínhamos o direito de saber.
EDSON – Mas espere um pouco aí, e eu? O que estou fazendo aqui. Se não fui marcado, se não sou uma Criança do Capeta como vocês, então qual o motivo de eu estar aqui, um negro entre lourinhos?
TOM – Porque talvez você seja tão importante para o que eu creio tratar-se de uma vingança quanto nós.
EDSON – Não. Não vem com essa conversa pro negão aqui. Nem tem fotografias minhas aqui. E eu me conheço muito bem, nasci no Rio de Janeiro, minha família é pobre, mas eu consegui estuda. tenho uma vida relativamente boa, e me lembro muito bem da minha infância…
TOM – Tá aí, eu não me lembro da minha.
MARIAH – Eu também me lembro pouco da minha infância
TOM – E você, Marinna?
MARINA – Me lembro apenas que a minha mãe me colocava para roubar os turistas na praia, só isso que me lembro.
TOM – Então, acho que essas fotos são um reencontro com a nossa infância. De qualquer forma, é bom saber que temos um passado.
MARIAH – Mesmo sabendo que nossos pais de verdade nos condenaram ao inferno.
PADRE DORNAS – A essa altura, em que nem em Deus estou mais acreditando, me inclino a achar que o Diabo também é bobagem.
TOM – Mas você não pode negar que o dono dessa casa tem um bocado de dinheiro.
PADRE DORNAS – O que não precisa significar que foi o Diabo que lhe deu. para mim, ele não passa de um lunático que inventou uma história para ludibriar incautos idiotas.
TOM – Nesse caso, nossos verdadeiros pais. O texto aqui está dizendo que após sermos encontrados chorando em uma velha casa em São Paulo, fomos adotados no mesmo dia, e que os nossos pais adotivos fizeram votos de segredo sobre nossas origens.
EDSON – Eu preferia não saber mesmo.
TOM – Ao contrário do que está achando, tem sim uma criança negra aqui no meio. Você também é um “Filho do Pacto.”
EDSON – No entanto não tenho números na cabeça, como bois confinados.
PADRE DORNAS – Nem as garotas. Pelos menos as que permaneceram vivas.(risos)
TOM – Outro detalhe é que as fotografias só mostram oito crianças. Teoricamente, nem Garibaldi, nem Valéria estão aqui.
PADRE DORNAS – O Garibaldi já assumiu que não está, mas a Valéria ainda é um mistério, porque ela parece fazer parte da casa. Ela não a teme.
Cozinha.
GARIBALDI – Se há um tesouro nessa casa, esse me parece ser um bom lugar para começar.
Ele vai andando pelo local escuro e úmido, de pé-de-cabra em punho, pronto para atacar qualquer coisa que se mexa. O chão é inclinado e parece ser bem extenso. E à medida que Garibaldi andava, ele notava que ficava cada vez mais úmido. Parecia que um lençol de água estava se formando ali. O odor era muito forte à medida em que ele entrava. E uns cem metros adentro, já no subsolo da casa, a agua já estava acima do seu joelho. Só podia ser um esgoto, devido ao cheiro horrível. Havia muitos ratos ali. Enormes, com os olhos vermelhos e com a aparência demoníaca. Ele sabe que se cair, vira comida de ratos. Esses animais costumam temer o que se mexe, mas se apressam a comer o que tem aparência suculenta e fica parado. Garibaldi parecia bem suculento.
GARIBALDI – Eu daria tudo por uma lanterna. Já sei, vou voltar e acender uma chama.
Mas a porta em que ele havia entrado, estava agora vigiada por três cães, que o vendo, partiram para cima dele. Garibaldi retornou para as trevas fedidas daquele porão úmido, mas a água o atrapalhava correr. Para a sua sorte, os cães pareciam não gostar de água e pararam. Ele tropeça em alguma coisa e cái. Quando se levanta, e as suas vistas se acostumam á escuridão, a visão he provocou vômitos. Eram copos putrificados. Muitos corpos.
Fim do Capítulo 17.