Ordinários – Capítulo 30
Ágata
–Judi, você viu Zac por aí? Em qual mesa ele estava? –perguntei enquanto segurava o braço do meu primo.
–Não o vi no refeitório, mas o vi. Só não sei onde ele está agora.
–Ele não passou esse tempo do intervalo com você?
–Não. –ela saiu como se tivesse um compromisso.
–Espera! Aconteceu alguma coisa? –Judith não me respondeu.
Eu olhei pra cara de Francis e ele deu os ombros, como quem também não sabe o que está acontecendo. Fomos continuar a procurá-lo. Se não o encontrarmos, nós podemos sentar em algum lugar e comer juntos.
Francisco
O melhor amigo da Gata não está por aqui… E parece que ele brigou com a namorada de vez… Isso me preocupa. Ela já gostava de Zacur antes mesmo de aquela menina aparecer, mas esse otário só a quis como amiga, mesmo ela insinuando o tempo inteiro que queria mais alguma coisa (não sei como ele não se apaixonou por ela, minha prima é a menina mais bonita desse colégio… Eu só relevo por ela também ser a mais bruta).
Não gosto da ideia de Gata se aproximar desse garoto pra conseguir alguma coisa… Ele teve várias oportunidades de se aproximar dela… Enquanto eu quero apenas uma.
–Gata…
–Por favor, não me chama por esse apelido em público…
–Foi mal. Então… Ágata, você pode ir comigo à academia hoje depois da aula? Eu queria uma ajuda sua, quero ver se meus golpes e meu tempo estão bons.
–A gente pode falar disso depois? –ela deixava evidente que estava mais preocupada em encontrar Zacur. –E eu não sei se vou poder te ajudar.
–Ah, por favor! Vai ser só um pouco, prometo não demorar muito. Só precisa dizer “sim” ou “não”. Particularmente eu prefiro “Sim”.
–Eu sei, mas o que eu faço é judô, por isso não sei se posso te ajudar em kickboxing…
–Você parece ser do tipo que sabe lutar tudo… Por favor, pelo menos tenta! Você se saiu muito bem no seu torneio, eu queria ganhar alguma coisa no meu, ele está bem perto…
–A sua academia não é aquela que Folk frequenta?… –ela pareceu desconfiada.
–Sim… M-Mas não se preocupa, não vou deixar ele te irritar.
–Não é isso… Hm… Pode deixar, eu vou sim.
–Há! Obrigado! Você pode aproveitar para treinar também, se quiser. –abri um sorriso bem largo e ela sorriu com o cantinho da boca. Caraca… Eu não soube o que fazer pra acabar com minha queda por essa garota. Eu às vezes não sei dizer se gosto mesmo dela ou só se sinto pena… Seja como for, eu estou procurando investir. Tudo que eu quero é fazê-la feliz. Seja como namorado ou não… Esse é um dos meus maiores objetivos na vida. Sou uma das poucas pessoas que sabem o que ela passou por causa daquele retardado do Salamander.
Ágata
Hoje, na hora da saída, Zac veio me procurar. Coisa que eu até estranhei, já que geralmente sou eu que preciso ir atrás dele. Eu estava sentada num banco e ele veio ficar ao meu lado. Estava chorando muito, parecia até o irmão mais novo. Eu tentei decifrar os soluços dele e descobri que Judi havia traído ele outra vez e terminado o relacionamento… Finalmente…
Eu sempre quis isso. Não vou mentir. Fui apaixonada por esse garoto desde a infância, mas ele nunca me viu mais do que como amiga. Só que eu não sei se é isso mesmo que eu quero. Desde que eu ouvi o que aquele otaku sem vida social me disse, eu tenho repensado todos os meus sentimentos por Zacur.
–Você pode ficar comigo agora, Ágata? Eu estou precisando muito do seu consolo… –ele colocou a mão em cima da minha coxa.
Eu não estou crendo nisso… Não no bom sentido, claro que não! O que ele pensa que eu sou?
–Você está me zoando, né, garoto?
–Eu não brincaria num momento como esse… Eu estou muito sensível. –enxugou as lágrimas. –Fica comigo hoje… Por favor…
–Você acabou de terminar com Barcelos!
–Não, foi ela que terminou comigo.
–Ah, você entendeu!
–Eu posso ser sincero com você? Eu sabia que você gostava de mim… Quem não sabia? A questão é que eu estava muito iludido com Judith pra perceber o quanto você gostava de mim…
-Gostava mesmo… Gostava muito. Exatamente assim: No passado. Escuta, nós Van Raitz não nascemos pra ficar em segundo lugar em nada! Eu não vou ficar com você! Primeiramente: Eu já marquei um compromisso com meu primo e eu não vou deixá-lo na mão por sua causa. Vou pra pra lá também pra me encontrar com o outro garoto que comecei a gostar enquanto você me ignorava. Você nem gosta de mim de verdade, só quer ficar com alguém agora que levou um chute. Em segundo lugar, eu deveria esperar que você só fosse notar a minha paixão depois de tomar um fora. Eu nem tenho certeza se parei de gostar de você, mas eu certamente parei de ser trouxa. Em terceiro lugar, você sabe onde enfiar isso daqui. –mostrei o dedo do meio e saí de perto dele.
Dá pra acreditar? Que cretino! Parece que, por mais que eu tenha convivido com ele por anos, eu não o conhecia de verdade. Eu percebo que ir pra igreja ou deixar de ir não faz diferença na vida da pessoa a menos que ela permita que a diferença seja feita. Eu não vou rotular todo mundo da religião dele por ele mesmo ser um hipócrita nojento, as pessoas não têm culpa. Eu apenas estou horrorizada com o que aconteceu.
Sei que não sou nenhum exemplo de ser humano, mas eu não assumo porcaria de papel nenhum na sociedade. Eu até acredito em Deus, mas não sou chegada a essas coisas, não me comprometo. É bem difícil aturar as pessoas quando elas não são o que a gente espera… E também quando elas não são atingidas por meteoros.
Enfim… Eu tenho mais o que fazer. Combinei com meu primo de ajudá-lo no treinamento, por isso eu vou para lá agora mesmo. Vi Folk subindo em sua moto naquele instante…
–E aí, gatinha? Quer uma carona?
–Aonde você vai, encosto? –perguntei como se não soubesse.
–Academia. Você acha que esse meu corpo sarado aparece enquanto eu durmo?
–Você sabe que faz o maior papel de ridículo dizendo esse tipo de coisa, né?
–Eu sei, é só pra chamar atenção mesmo. Enfim, vai comigo ou não?
–Tá. –subi na garupa como quem não quer nada, era melhor que ir de skate. Pelo menos ele não precisa esconder que é um babaca, não me engana. Prefiro assim.
Meia hora depois, lá estava eu ajudando meu primo. A academia estava praticamente vazia. Havia três pessoas além de Folk, meu primo e eu. Eu bem que gostaria de assistir Richard pegando uns pesos, mas infelizmente minha vinda não foi pra isso…
–Seu tempo está mesmo muito bom! Acho que eu mesma já estaria cansada, se estivesse no seu lugar. –falei um pouco desanimada pra Francisco enquanto segurava o cronômetro.
Dewei estava treinando com um daqueles sacos de pancada. Ele estava bastante suado e sem camisa. O físico dele é muito bom, mas, qual é, ele é meu primo. Eu estou ficando interessada naquele idiota do Folk, pra ser bem sincera. Só não sei se é exatamente recíproco, porque ele tem fama de pegador lá no colégio. Me perdoem se isso soa arrogante, mas eu acredito ser a única garota capaz de colocá-lo na linha.
Ele já está treinando há um bom tempo. Eu não sei se é pra me impressionar, mas parece que ele ta fazendo um esforço descomunal.
–Primo, eu acho que já está bom… –eu disse. Ele ainda batia rápido e forte, fiquei preocupada em relação a como ele ficaria depois daquele treinamento tão pesado.
Eu cheguei a vê-lo lutando com alguns colegas, conseguiu derrotar todos. Está indo bem, eu sei que não precisa disso tudo… Bem, pelo menos eu acho talentoso. Eu sei que sou suspeita em falar por ser parente, mas ele é bom. Digno do sobrenome que tem.
Quando Francis parou, saiu completamente do pique e deixou a peteca cair (meio que junto com seu próprio corpo).
–Você está bem? –perguntei. Aquilo me preocupou um pouco.
–Ah, estou. – disse depois de tirar as luvas. –Só cansado… Muito cansado.
–Eu vou buscar uma água pra gente. Espera aqui, tá bem?
–Certo, mas volta logo. Estou passando mal… Você tem que cuidar de mim. –ele falou suspirando.
–Frangote. –ri.
Fui andando até o bebedouro encher nossas garrafinhas. Do nada, apareceu o boy atrás de mim:
–Você não acha mais interessante assistir a mim do que a ele? –Richard perguntou pelas minhas costas e eu dei um sorriso sem que ele percebesse.
–Eu não vim aqui pra assistir, eu estou ajudando.
–Ele poderia ter pedido pra qualquer um contar o tempo pra ele… Por que tinha que ser você?
–Deixa eu ver se eu entendi: Richard Folker está com ciúme de mim?
–Ah, vá… Está se achando demais, gatinha. Eu só estou querendo dizer que você não tem que ficar lá toda hora. Por que não passa um tempo aqui comigo?
–Tá pensando que vai conseguir alguma coisa? –revirei os olhos.
–Talvez. Experimenta descobrir. –ele mordeu o lábio. Amodeio quando ele faz isso.
–Você é um safado, além de ser desocupado. Por que não procura o que fazer?
–Eu estou tentando fazer isso, mas você não tá colaborando. Vem comigo…
–Preciso levar essas garrafas pro meu primo.
–Ele pode esperar.
–Não, não pode. Se prestasse mais atenção nas coisas que não têm a ver com você, veria que ele está quase morrendo.
–Ei, psiu! –ele chamou uma das poucas pessoas que estavam na academia. –Leva essas garrafas aqui pra aquele garoto deitado no chão, por favor?
–Ah… Tá. Beleza. –o garoto magrinho pegou-as e levou.
–Problema resolvido. –Folk me deu os ombros.
–Eu tenho que voltar pra continuar o treino com ele…
–Você acabou de dizer que ele está quase morrendo. Deixa ele descansar e vem comigo. –fiquei em silêncio por um momento. –Qual é, o que eu faço pra te convencer?… Ah… Tem que ter alguma coisa… Já sei! Eu deixo você me bater no tatame.
–Essa proposta é tentadora…
–E aí? Topa?
Poucos instantes depois, eu estava lutando com Folk. Ele tinha tirado a camisa pra tentar me distrair, mas não deu certo, porque, como é de se esperar, ele estava perdendo. Eu dei um golpe que fez com ele caísse no chão. Seu rosto já estava vermelho e não queria pedir arrego.
–Até que você é forte. –ele disse com dificuldade.
–Você acha? –eu estava começando a suar. Eu tenho mais experiência nesse tipo de luta, mas parece que os músculos dele não são fake.
–Se está pensando que vai me ganhar, está totalmente enganada. Eu posso até não saber lutar judô, mas eu tenho minhas técnicas.
–Jura?! Já pode começar a usá-las, porque eu estou quase te finalizando.
–Você que disse. –ele me deu uma rasteira e eu caí em cima dele. Folk começou a me beijar… Rolou até mão boba ali atrás. Eu deixei, né, fazer o quê? Ele começou a puxar meu corpo pra si, já que estava me apertando com força. Resumindo: A gente deu uns pegas.
Um dia com Folk foi mais produtivo do que todos os anos que perdi achando que Zac fosse o único garoto do mundo. Fui uma otária por me dedicar tanto a quem não merecia meu tempo? Sim. Mas acho que eu não daria tão mole pra Richard se eu não estivesse tão magoada com Zacur também. Eu estou feliz agora. Depois daquele beijo, ele me perguntou se não dava vontade de ter algo sério com ele.
–Algo sério? Com você? –comecei a rir. –Como eu vou ter algo sério com um cara que é uma verdadeira piada? E é daquelas piadas bem escrotas que você só ri porque acha graça da vergonha que a pessoa tá passando por contar.
–A parte boa é que eu sei fazer você sorrir, de um jeito ou de outro. Namora comigo, Ágata. Eu tô a finzão de você.
–Vou pensar no seu caso. –ele me apertou com mais força. –Ai!
–Fala sério, eu beijo muito bem. Você teve um tremendo de um privilégio. Eu nunca pedi isso pra garota nenhuma. Eu vejo as outras como coisas pra me divertir e depois deixar pra lá, elas são muito atiradas… Diferente delas, você se dá o respeito. Não fica babando atrás de mim. Talvez até goste de mim, mas não fica se humilhando… Eu simplesmente acho isso patético nas outras.
–Você é um super babacão mesmo.
–Eu concordo, mas você pode dar um jeito em mim. Eu quis aproveitar pra te pedir hoje, porque você facilitou um pouco…
–Facilitei? Há! Garoto, se você namorar comigo, vai ter que usar uma coleira. –saí de cima dele.
–Eu uso! Se isso te fizer feliz, eu faço o que você quiser… Você é diferente… Cara, sério, a gente está sozinho, eu sou muito mais sincero quando estou a sós com as pessoas… Acredita em mim. Eu vou me esforçar pra te fazer feliz.
–Meu pai vai querer te matar. Ele não aceita esse tipo de ideia. Ele tem uma espingarda, sabia?
–Muita gente quer me matar, ele seria só mais um. Eu faço o que você quiser, Ágata… Se você mandar, eu até me ajoelho agora.
–Você diz que não gosta que elas se humilhem, mas olha o que você tá me dizendo. Escravoce%$.
–Se eu sou escravo de alguma, é só da sua mesmo.
–O que você realmente está disposto a fazer?
–Tudo o que estiver ao meu alcance…
–Tudo mesmo?
–Tudo.
–Legal. Então liga pro Hebrom e pede desculpa por toda merda que você já fez.
–Quê?! Tá me zoando, né?! –ele ficou todo nervoso.
–Claro que não. Eu não quero namorar o garoto mais babaca do colégio, então trate de fazer as pazes com ele.
–Você nem liga pra ele!
–Talvez não muito mesmo, mas Quésia é minha amiga. Ela não merece ser excluída por ficar com um garoto que você não gosta.
–Eu nunca disse que não gosto dele…
–Mas é o que você transmite. Fica inventando boato besta sobre ele… Parece até Kyara! –eu não estou desgostando tanto da garota no momento, mas sei que Folk sente um ciúme desgraçado por ela ser interesseira e querer fisgar Hebrom.
–Não me compare àquela retardada. –ele ficou chateadinho.
–Então liga.
–Mando mensagem, no máximo…
–Para de ser orgulhoso… Parece criança! –dei um tapa na cabeça dele.
–Por voz eu não conseguiria falar! É sério, não é orgulho!… Eu… Eu já tentei… Mas eu não consigo. Lembrar do que ele fez e pedir desculpas me parece falsidade… Eu não sei ser falso com ele.
–Se você o trata mal e diz gostar dele, não considera essa atitude uma falsidade? Pede desculpa logo. Quem foi embora foi você, pelo que eu fiquei sabendo.
–Você tá cheia das fofocas, né, garota?
–Xiu. Não muda de assunto.
–Tsc… Eu não consigo ligar. É sério… –ele desviou o olhar, estava constrangido. Bonitinho.
–Tá. Eu deixo essa passar. Mas manda logo. Você tem sete dias.
–Ok, Samara… –ele suspirou. Eu sei que o deixei pensativo, mesmo ele não querendo confessar.
Eu conheço seu temperamento como a palma da minha mão. Sou uma das poucas do colégio que teve acesso às duas versões da história. Era a melhor amiga do irmão de Hebrom e passei uns tempos na detenção com Folker. Eu sou privilegiada e mais informada do que pareço ser, sei o que está acontecendo e isso me incomoda. Tenho ciência de que não sou a melhor amiga no mundo para Quésia, mas acho que fiquei devendo essa depois de todas aquelas grosserias…
Enquanto eu pensava, Folk tentou mudar de assunto, para não ficar muito emotivo, porque eu conseguiria fazê-lo desembuchar num instante e parece que ele percebeu essa minha habilidade:
–Mas vai namorar comigo ou eu vou precisar te seduzir mais?
–Sim, namoro com você, então não precisa mais me cantar. Você faz isso muito mal. –eu também não quis pesar o clima logo agora que começamos alguma coisa juntos… Eu vou deixar a DR mais pra frente. Esse garoto é muito problemático, vai me dar muito trabalho…
–Mas beijar eu faço bem, né? –sorriu de um jeito super arrogante. Tive que rir.
–Até que sim.
–Finalmente admitiu. –ele segurou minha nuca e voltou a me beijar. Não estávamos muito preocupados, não havia quase ninguém ali.
Francisco
Depois de beber água e começar a estranhar o sumiço de Gata, eu fui procurá-la… Ela estava beijando Folk no tatame da academia. Pareceu que meu coração rachou um pouco naquele momento, mas foi menos pior do que eu pensei. Fazia tempo que não a via sorrindo daquele jeito. Uma lágrima escorreu… Eu não sabia dizer se era de decepção ou de alegria…
Minha única certeza é que se o sorriso dela acabar, eu juro que quebro a cara do Folk. Fora isso, eles são meu “OTP”. Ele, mesmo sendo um ridículo, conseguiu fazer o que o outro ridículo do Zacur nunca fez… Deu valor a ela.
Eu sempre pensei que pudesse ser o garoto que ela sempre quis, mas talvez isso fosse causar um pouco de intriga com alguns membros da família… Essa coisa de ser primo não é aceita por todo mundo e eu sei bem disso, mesmo que nossa consanguinidade não seja próxima.
De um jeito ou de outro, eu fiquei surpreso com a forma que as coisas acabam se encaixando… Felizmente, agora eu posso me dedicar somente à carreira… Minha priminha já está em boas mãos. Se eu estiver errado, minhas boas mãos esmurram a cara daquele idiota. Simples assim.