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Ordinários

Ordinários – Capítulo 27

Sobre Folk não ser tão babaca… Eu retiro o que eu disse. Logo vocês saberão o motivo.

No dia seguinte, nosso horário teve algumas alterações. Nós chegamos na escola e fomos direto pra sala de aula. Depois de Hebrom e eu (como casalzinho, sim – só não estamos namorando ou coisa do tipo…), o primeiro que entrou na sala foi Francisco, que nos cumprimentou e foi pro seu lugar. Em seguida, o professor apareceu e perguntou onde estava todo mundo.

–Ainda está cedo, cara. –Dewei respondeu.

–Não me chame de “cara”, garoto da pilastra. –o homem se jogou em sua cadeira, abriu seu caderno e começou a escrever, quase cochilando em cima da mesa. Eu não entendo a razão dele estar sempre cansado.

–Vem cá, Francis, eu não te perguntei ontem, mas admito que estou curiosa. O que aconteceu com você depois das pessoas ficarem espalhando sobre você ter perdido a briga por um acidente? –questionei.

–Ah, você sabe como é o pessoal dessa escola, né? Adora dar uma trolada à hora que pode… Mas eu bati em quem tentou tirar onda comigo e a piada acabou.

–Entendi… –fui me ajeitando na carteira um pouco chocada. Ele falou aquilo numa naturalidade que chegava a ser sociopata.

Os outros alunos foram entrando e a aula começou. Não consegui prestar atenção naquela chatice… Eu tentei. Juro que tentei, mas não dá. Olhar pra Hebrom é tão mais divertido… Bem no finalzinho da aula, o professor chamou a atenção de um garoto dormindo no meio da aula. Pegou uma régua, bateu com ela na mesa do garoto e deu uma bronca nele. Sujo falando do mal lavado… Se a escola não fosse tão cara, eu dormiria nas aulas de Geografia também. O professor começou a malhar o garoto, chamando ele de preguiçoso, inútil… Cada coisa absurda que eu vejo nesse colégio… Era um menino bastante ruivo.

Mas depois acabou. A aula de Português já ia começar… A professora perguntou se alguém não tinha feito o teste. O único que levantou o braço foi Folk. Quando terminou o teste, a professora nos mandou parar de fazer o dever das páginas que ela passou e ir pegando o teste, porque os dois tempos já acabaram e nós iríamos pro intervalo.

Na vez de Hebrom, depois de ir e voltar mancando, o semblante dele começou a cair. Fui ver a nota, mas ele se recusava a me mostrar.

–Qual é… Não pode ter sido tão ruim assim! –peguei a folha na mão… 0,8. Coitado.

–Hahahahahahaha! Caraca, mano, como você é burro! Era melhor ter tirado zero direto! –Richard apareceu rindo de se acabar.

–Cuida da sua vida, garoto! –tentei defender.

–Ui, calma, princesinha, eu só estou zoando com o meu amiguinho.

–Você deveria parar de rir do seu “amiguinho” e agradecer por ele suportar essa criatura inepta que você é! –Ágata não pode deixar de se meter na treta. Acho que passar um dia sem discutir com aquele playboyzinho já foi muito pra ela. Eu compreendo perfeitamente.

–Olha, gatinha, para de fogo que eu não bato em menina… Só se elas me pedirem. –o folgado mexeu no cabelo cheio de gel. Ele parecia pagar um papel bem idiota quando estava em público, porque eu bem sei que ontem ele não foi assim.

–Pois eu não faço esse tipo de discriminação, sua marica! –Van Raitz ia pular em cima dele, mas seu primo a segurou.

–Aproveita e bota uma coleira na sua gatinha. Parece que ela quer arranhar alguém. –Folk não sabia a hora de calar a boca. –Ah, princesinha, a professora tá te chamando ali, se você não ouviu.

Fui até a mesa da professora e ela estava revisando a folha. Riscou a nota e colocou outra no lugar.

–Espero que não tenha sido cola. –entregou o papel na minha mão.

Voltei pro lugar e Hebrom se ajoelhou ao meu lado e me perguntou quanto eu tinha tirado, ainda triste.

–Ahm… Não importa! Vamos… Marcar outro dia pra eu estudar na sua casa.

–Vai, Qué, eu quero ver… Por favor. Você viu o meu. –ele pediu outra vez e eu não consegui negar. Por que ele tem que ser tão adorável, Deus? –Dez! Parabéns! Ah, que legal! Você mereceu! –sorriu, mesmo estando evidente de que ainda estava triste.

–Não fica assim, não precisa fingir pra me agradar… É só uma nota… Você vai recuperar depois. Vamos estudar juntos. –coloquei a mão no rosto dele.

–Não estou fingindo… E nem é por isso que eu estou triste, Qué… É que a professora disse que estava desapontada comigo. Ela sabe que eu tenho dificuldade, falou que esperava mais de mim… Mas eu realmente fico feliz por você ter tirado uma nota tão boa! Você entende mesmo de Português… –riu, tentando se animar.

–Qual é a graça? Quero rir também. Mais do que eu ri com a nota do Salamander, porque, né, putz grila, hahahahaha! –Folk ainda gargalhava histericamente.

–Quésia tirou dez! –Salamander disse num sorriso bem largo. Me parecia que estava sendo honesto.

–E você tá achando graça de que, palhaço? Você se ferrou! Zero vírgula oito!  Não aguento! Hahahaha! Não basta ser um imigrante fracassado, tem que ser devoto e desprovido de inteligência também! Se bem que… São quase a mesma coisa! Hahahaha! Não esperava mais de você mesmo!

–Não vejo problema em ficar feliz pela a minha… amiga.

–Amiga é minha avó! Se essa daí ligasse pra você, te daria a resposta de pelo menos alguma questão! Eu já te disse, eu sou seu único amigo! –deu um sorriso orgulhoso apontando para si mesmo. –Quem foi que te carregou ontem? O papai aqui.

Hebrom parou de se dar ao luxo de responder aquele egocêntrico. Depois de um tempo, a professora também o chamou. Lá na frente, quando segurou o teste, Folk continuou com cara de sério, mas logo depois, deu um tapa muito forte na folha (mas não rasgou).

Foi pro fundo da sala, sentar no seu lugar. Não era tão longe da minha carteira e da do Hebrom, por isso, nós fomos lá. Eu estava curiosa e Salamander queria ver se estava tudo bem.

–Quanto você tirou? –perguntei.

–Noé.

–Noé?

–Noé da sua conta, princesinha.

–Caramba, que humor atualizado que você tem! Dá essa porcaria aqui! –tomei da mão dele.

–Me devolve!

–Espera, espera, espera. –arregalei meus olhos e comecei a dar uma de Edgar e rir que nem uma capivara tendo AVC. –Zero vírgula três, garoto?! Hahahahahaha! Não acredito! Palmas! Palmas, por favor, pessoal! Hahahahahaha!… Ai, ai, chega, parei, desculpa, mas… É engraçado… Como a vida é irônica… –dei uma pausa pra respirar. Nunca gostei tanto de um número decimal na minha vida.

–Vai se lascar! –ele pegou o papel da minha mão de volta.

–Eu… sinto muito, Folk. –Hebrom colocou a mão no ombro dele. Me senti um lixo por ter rido depois dessa cena.

–Me poupe! Não preciso da sua compaixão, sai de perto de mim! –o playba foi pra fora da sala, porque a maioria dos alunos já havia saído.

A professora disse que as nossas notas foram as piores de todas as salas que ela leciona. Hm… Que legal… Ganhamos algum título sem nem sair do primeiro mês de aula. Ela disse também que o resultado geral foi tão catastrófico que ela decidiu não usar essa nota pra nada. Só porque eu consegui me dar bem, deve ser… Ela não vai muito com a minha cara e até parece que ela se importa de reprovar 92% da sala. Fomos em direção ao refeitório. Judith e Greta apareceram e saíram me arrastando. Acabei deixando Hebrom no vácuo… Mas, de novo, não foi intencional.

Elas começaram a falar e falar como da outra vez. Não sei a causa delas me quererem por perto. Talvez seja só pra exibir a linda amizade delas. Judi me chamou pra ir  ao shopping com ela depois da aula. Eu recusei… Eu tive certeza de que Greta estaria lá. Seja como for, eu pedi licença e me levantei.

Fui atrás de Hebrom, ele estava sentado com Wendel, que nem deva valor à presença dele, porque tinha alguém muito mais especial… o precioso vídeo game. Parecia que sua nova namoradinha havia faltado. Será que pegou vírus depois de beijá-lo? Tá, essa piada foi um lixo. Ignorem.

–Cadê Andreas? –me preocupei.

–Ele foi até a biblioteca… –Hebrom respondeu meio chateado.

–Nós temos uma biblioteca?!

–Eh…

–Salamander, eu vim ficar com você…

–N-Não era bem isso! Não estou triste, só um pouco apreensivo… Você quer mesmo me ajudar Português? Eh… Eu achei que você não quisesse mais ajudar com Português. Você se apressou tanto pra ir pra longe de mim que eu pensei que estivesse sendo meio chato ter que me carregar assim…

–Elas me arrastaram!

–Não importa, o ponto é que eu achei que estivesse te deixando cansada por eu ser burro…

–Você não é burro.

–Quando se trata de Português, Hebrom não é burro mesmo… É um jumento. –Yamada finalmente deu sinal de vida (mas infelizmente pra falar bobagem).

–Ah, obrigado pelo upgrade, Wendy… –o garoto olhou para o outro com uma certa melancolia.

–Brincadeira, aibou! Você só é desprovido de inteligência…

–Certo, estou sabendo… Folk já usou essa hoje.

–Eu já volto, tá, gente? Vou avisar Gre e Judi que vou acompanhar com vocês.

–Não precisa fazer isso pra me agradar. Já disse que não estou triste com você. –Salamander fez.

–Tá. Não faço pra te agradar e sim porque eu quero. –fui andando em direção a elas.

Cheguei atrás de Judith discretamente… Greta estava falando “Ah, que bom que você parou de frequentar aqueles orfanatos idiotas! Demorou tanto tempo pra você desistir disso. Eu te avisei que Zacur não ia dar bola pro fato de você ser voluntária ou não. Ele gostaria de você pelo que você é…”. Logo, a garota de mecha azul notou a minha presença e parou de falar. Eu senti uma pontada no coração… Eu achei que já tivesse desapegado da Barcelos… Deu vontade de chorar, mas eu não queria fazer isso em público de novo. É constrangedor. Corri pra longe dali e fui em direção à sala de aula.

No meio do caminho alguém me colocou contra um armário… Hebrom, não surpreendentemente. Ele estava com uma cara brava… Parecia de ódio. Deu pra notar que ele realmente não gostava de me ver chorando. Segurou o meu rosto e o levantou, me olhando fixamente. Agora sim eu estava com medo dele. Em seguida, apertou minhas bochechas com a mão, me deixando com cara de peixe e disse sorrindo:

–Mudou de ideia e resolveu fugir de mim?

Ainda assim, parecia um psicopata. Fiquei calada, com medo de minha voz sair trêmula e ele perceber que eu estava prestes a chorar.

–Você é rápida! Eu nem teria te alcançado se Jamal não estivesse voltando e não me avisasse que te viu correndo. Quero falar com você. Vamos buscar nossas mochilas.

Fomos até a quadra. O garoto ficou sentado na arquibancada, me olhando ainda com a cara séria, até que falou:

–Que carinha é essa? Aconteceu… –Salamander parou de falar do nada. Puxou meu braço, me fez sentar ao lado dele e apoiou minha cabeça em seu peito. –Odeio quando fazem mal a você. Mas vai ficar tudo bem. As coisas ruins passam assim como as boas na vida. Tudo isso passa… Exceto Deus. Você não está sozinha. Tem a Ele e a mim. Você não vai ser completamente feliz aqui… Nenhum de nós vai, pra falar a verdade. Mas nós precisamos ir até o fim. Você vai conseguir, eu tenho certeza que já passou por situações piores… Só precisa aprender a transformar a dor que você sente em resistência.

–Sei disso… Eu não consigo. –apertei-o.

–Já tentou?

–Obviamente.

–Tente de novo, porque quando você der o teu melhor, vai conseguir.

–Você deveria ser escritor de livros de autoajuda… –como de costume, tentei desfazer a pressão do momento.

–Devo ter ajudado pra senhorita fazer esse tipo de piada. –me soltou. –Eu não sei quem fez isso… Mas eu queria que você atentasse para o que eu sinto por você agora. Se eu te admiro tanto, eu tenho meus motivos… E agora eu sei que não preciso me preocupar tanto em te perder… Acho que você não vai embora.

–Não mesmo… Pode parar com a psicose. –olhei sarcasticamente para ele até que ficasse vermelho.

–Vocês sozinhos de novo? Certeza que não são um casal? –Dewei foi adentrando o local e acendendo as luzes.

–Eh… Nós somos um casal. Eu sou um garoto e ela é uma garota. Ponto.

–E você? Por que sempre aparece antes de todo mundo? –questionei.

–Não gosto de ser o segundo nas coisas… E vocês estão atrapalhando essas minhas sensações de superioridade usando os lugares que estudamos pra ficarem de namorico.

–Nem se pode ficar de namorico em paz hoje em dia, poxa… –Hebrom falou fazendo biquinho.

–Bestão! –empurrei-o.

–O que é “namorico”? –perguntou rindo.

Pouco tempo depois, descobrimos que o professor havia faltado. O inspetor declarou que seria aula livre, aí os alunos começaram a rebeldia. Poderia se dizer que a quadra ficou parecida com uma cracolândia. Quase nenhuma das garotas quis praticar esporte, mas a Raitz insistia em tentar convencê-las a jogar queimado.

À distância, eu vi Folk desafiar Salamander pra uma corrida. As provocações do garoto não faziam resultados… Até que Hebrom aceitou, por um motivo que eu não consegui definir qual. Eles foram correndo, correndo e correndo. O de olhos verdes perdeu, porém fez questão de sorrir

e parabenizar o outro, que recusou e saiu dali com raiva… Realmente não vai ser hoje que vou

entender o que se passa na cabeça desses dois em relação de um ao outro.

Eu não estava com vontade de fazer nada também, não sei jogar nada… além de verde. Mas isso não impediu Salamander de querer me convencer.

–Fazer algum exercício vai te fazer bem, te deixar animada, Qué! –ele sorria para mim.

–Eu não sou boa nisso.

–Não sei, mas você poderia tentar… Do que você gosta?

–Chocolate…

–Ah, Quésia, por favor!

–Não sei… O que você sugeriria pra mim? Eu não sei correr, não sei arremessar ou chutar…

–Pular corda!… Você quer?

–Não sei… Parece meio infantil e bobo… Não quero pagar mico.

–Eu iria pular junto, mas já que você não quer… –eu super me arrependi quando ele disse isso, mas estava com vergonha de voltar atrás na minha decisão.

–Ah… Certo… Já volto, tá? Vou até o vestiário.

–Volta logo! Daqui a pouco eu vou jogar, quero que você me veja. –fez um coraçãozinho com as mãos… Me deu vontade de rir.

 

 

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