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Ordinários

Ordinários – Capítulo 11

–Por que bocê tem uma foto com Folk? –estranhei. Eu não conseguiria ficar calada com aquilo. Não fazia o menor sentido pra mim.

–Ah! Você ficou curiosa? Quer saber um pouco mais sobre mim? –ergueu as sobrancelhas.

–Quero, bas não fica se achando, não. –desviei o olhar. –Você cobenta as coisas e não esclarece.

–Isso porque estávamos estudando. Nada impede de eu te contar agora… Você quer mesmo saber?

–Sim…

–O que quer que eu diga primeiro?

–Aquela coisa de você borar fora com seu tio brasileiro… Isso não fez sentido tabém. –cocei meu olho.

–Tudo bem… Você sabe guardar segredo, certo?

Já que ele se abriria pra mim, eu tomei a decisão de não mentir dessa vez:

–Não.

–Eh… Obrigado pela honestidade. Vou te contar mesmo assim. –colocou a mão na nuca e disse com um pouco de receio.

–Obrigada!

–Eh… Crisbell traiu Ramon no meio do casamento, mas ele continuou com ela.

Eu fiquei abismada só com aquela frase… Era estranho, porque eles pareciam uma família muito bem estruturada. Salamander continuou:

–Ela não era cristã e tinha uma visão diferente sobre traição.

–Mas você não acha que ela traiu seu… pai… só porque não fazer parte do cristianismo, né?

–Não, claro que não. Mas eu acredito que ter valores influencia. E na época ela não tinha. Isso vai mais do caráter da pessoa. Tanto que meu pai sempre foi legal e também não era da igreja quando casou com ela. Ele só se converteu depois… Minha mãe ficou grávida de outro homem e ela se arrependeu amargamente do que fez, porque Ramon não se separou dela mesmo depois de descobrir.

–Por que não?

–Ele a ama… Whatever, eu sou o filho bastardo que ela sempre quis que fosse um santo, porque eu já não cumpria o quesito de ter consanguinidade com Ramon… Eu fiquei morando por uns anos no Canadá. Meu tio foi lá pra cuidar de mim, porque meus pais vieram pro Brasil… Minha mãe não quis me levar. Mas depois ela mudou de ideia e aqui estou eu! –esticou os braços. –Ela mudou muito e agora se diz católica não praticante… Não vai às missas e só vai à nossa igreja de vez em quando por insistência do meu pai.

–De qual igreja bocê é?

–Adventista.

–Ah, tá! –nunca ouvi falar.

–Além de ser fruto de um adultério, eu era uma vergonha por não ser do jeito que ela queria. Ela sempre exigiu mais de mim do que de Zac e Di. Ramon tinha cuidado pra me tratar como se fosse um filho dele de sangue… Mas ele se preocupou até demais, tanto que parece que ele me prefere em relação a Zacur. Meu irmão fica com ciúme disso…

–Eu não imaginei que você tivesse problemas em casa…

–Hoje em dia eu quase não tenho. Eu vejo a proteção do meu pai como amor, só não gosto quando minha mãe e Zac brigam comigo.

–Você é um benino ótimo, eu acho que não há botivo pra ela exigir tanto de você…

–Não, eu não sou ótimo.

–Claro que é! Você é uma pessoa baravilhosa. –funguei.

–Acho melhor eu contar a parte da história que envolve Richard Folker, pra tentar te convencer… Eu fui um filho horrível.

–Não acredito… –fiz cara de espanto. –O pribeiro nome dele é Richard?! –Hebrom riu. Bem, pelo menos eu consegui descontrair um pouco o momento. O clima estava ficando tenso e eu não estava gostando tanto disso.

–Eh! Hahaha!… Ele não gosta de ser chamado assim. Bem, tudo começou quando eu vim pro Brasil. Na escola, só me identifiquei com Wendy por ele ser da mesma religião que eu e com Jamal por ser amigo de Wendy. Mesmo assim, eu não me encaixava muito no grupo deles. Enquanto eles falavam de livros, vídeo games, HQs e essas coisas, eu tinha duas paixões…

–Duas? Quem?

–Não, não! Não tem nada a ver com meninas! Pra ser sincero, eu acho as meninas daqui meio sem graça… Bem, pelo menos eu não me identifiquei com a personalidade delas. Eu sei que é anormal… Lá fora todos ficam falando de meninas brasileiras e tudo mais, mas a que eu achei mais bonita agora foi você…

–Você não é besbo de sair buito de casa, né?

–Para com isso! É minha opinião… Você é linda. Eu gosto quando as pessoas têm traços diferentes.

–Então significa que bocê não ligava muito pra essa coisa de gostar de alguém, certo?

–Eh…

–Nunca beijou uma benina?

–Não… –ele ficou vermelho e eu tive a impressão de ele estar olhando pra minha boca. Sim, claro que foi só impressão. –E você?

–Eu não. Não gosto de beninas.

–Não foi isso que eu quis dizer! –ficou rindo.

–Não, eu também… Nunca. –me senti sem graça e ele percebeu, por isso tentou disfarçar a situação constrangedora.

–Bem, as duas paixões eram música e fotografias…

–Ah, tá… Eu lembro que da primeira vez que te vi, você estaba com uma câbera no pescoço. –coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha.

–Eh! Yamada já tocava teclado nessa época…

–Eu não sabia que ele tocaba teclado.

–Sim, ele soube usar aquela rapidez de digitar no celular para algo útil! Ele é incrível. –sorria. –Mas falar sobre isso não era sua preferência. Eu gostava de escrever letras bilíngue e costumava cantar num bar. Eu não bebia, só cantava minhas músicas lá.

–Deixa eu ver… Inglês e francês.

–Exatamente!

–Eu não estou entendendo nada, Brom. Não estou bendo nada demais nessa sua história.

Ele ficou paralisado por um momento me encarando.

–O que foi? –perguntei.

–Você me chamou pelo apelido! Eh! –deu um sorriso extremamente largo.

–Não tem nada demais… Continua falando, vai. O que isso tem a ber com Folk?

–Eh… Tudo. Eu tinha só uns quinze anos nessa época e, como ele era mais velho por dois anos, estava dois anos na minha frente na escola. Eu ainda vou fazer dez e sete.

–Dezessete.

–Eh, isso daí.

–Ele não havia repetido ainda?

–Eh… Ele aprontava muito e era bem egocêntrico…

–Sei, então não budou nada, pelo que eu notei.

–Não exatamente… Ele era um pouco menos do que hoje em dia, tanto que ele passava no colégio por pouco. Richard é inteligente, só que ele não gosta muito de estudar, sabe? Prestar atenção na aula era o suficiente pra ser aprovado.

–O que aconteceu com ele então? –estranhei.

–Eu vou chegar nessa parte também… –Hebrom parecia triste. Será que eu fiz certo em perguntar? –Um dia, ele estava de castigo e teve que levar um monte de papelada da fotocópia até a secretaria. Eu estava na fotocópia também, queria escanear meus poemas pra mostrar à professora de inglês. Sem que eu percebesse, Folker pegou alguns que deixei sobre o balcão. Não senti falta deles na hora.

–Por que ele pegou?

–Ele tinha ficado interessado nas minhas letras, porque os amigos dele faziam parte da banda de heavy metal que a namorada do meu irmão gosta e que ele mesmo bancava com o dinheiro do pai. Ela foi formada aqui nessa cidade… Chama-se Paganus.

–Acho que já ouvi falar… Mas você não tem a benor cara de betaleiro, garoto.

–Eu sei, agora eu não tenho mesmo! Antes eu era mais esquisito… –deitou do meu lado.

–Eu bi sua foto no anuário do ano passado.

–Ai, que vergonha… –ele cobriu o rosto. –Eu tinha um visual ridículo. Nessa parte eu só mudei por causa da minha mãe. Ela controla até minha roupa e meu cabelo, por isso ele está mais curto. –riu. –Bem, depois de pegar meus papéis, Richard foi até a casa de Cristiano, que era o vocalista e mostrou. Ele não gostou muito, mas mostrou pro resto da banda e eles acharam bom. Disseram para Folk me procurar, pra ver se conseguia mais coisas assim.

–Qual desses é Cristiano? –eu peguei a foto que agora estava em cima da escrivaninha.

–Cabelo rosa e mohican.

–Eles quiseram bocê na banda, né?

–Eh. Exatamente. Como eu gostava de música, Folk era um dos garotos mais populares da escola e eu sempre quis oportunidades assim, eu aceitei. O nome da banda é Paganus. Eles queriam ser diferentes da maioria das bandas de rock, mesmo que não fizessem um sucesso grande: Todos os integrantes tinham o cabelo pintado de colorido…

–Sim, eu percebi. –fiz uma cara estranha enquanto olhava pra foto.

–Isso! E também um apelido de um deus pagão que parece na Bíblia. Por exemplo, Cristiano tinha cabelo rosa, como eu já falei e o chamavam de Dagom… O de cabelo azul eles chamavam de Moloque e por aí vai.

–Eu não conheço esses deuses… De qualquer jeito, eu acho difícil ibaginar você numa banda assim…

–Não é tão difícil, olha como eu era antigamente!

Na foto, seu cabelo liso ia até a altura dos ombros, sua franja era maior e ele usava uma touca cinza. Estava usando lápis de olho e um casaco branco por debaixo da camisa preta. Hebrom continuou explicando:

–Eu não precisava de apelido… Eles me chamavam de “salamandra” por causa do sobrenome ou “vamp” por causa dos meus dentes. E eu também não precisei pintar o cabelo, porque eu sequer aparecia nos shows que eles arrumavam. Eu sabia que não era legal estar no meio deles… Eles se drogavam e ficavam desrespeitando o cristianismo, mesmo que eles evitassem fazer isso na minha frente. Era algo que eu respeitava, mesmo não sendo cristão na época, por causa do Ramon que sempre foi legal comigo.

–Entendi… Você se incobodaba por zombarem da crença do seu “pai”… Isso é normal. Richard também ficava se drogando?

–Não, ele não inalava diretamente e nem fumava, mas ele bebia álcool de vez em quando e me convidava pra umas festas estranhas…

–Você ia?!

Sometimes. Mas eu normalmente ficava sozinho num canto, porque Rich percebia que eu não estava a fim de me enturmar e preferia ficar comigo.

–Por que você foi se beter nisso, garoto?! –briguei com ele.

–Porque eu achei que fosse minha chance de me dar bem e ficar conhecido fazendo o que eu gosto. Eu achava as pessoas que iam a esse tipo de festa “descoladas”, sabe?… Poxa, não fala assim comigo… Não é como se eu me orgulhasse… Eu não cheguei a ficar bêbado ou viciado, mas se eu continuasse lá, provavelmente começaria, porque eu estava sendo muito influenciado por eles…

–Tá, bas volta. Tenta seguir uma ordem cronológica. O que aconteceu depois de Folker te procurar?

–Desculpe. Eh… A partir desse momento, eu me afastei e muito de Jamal e Yamada. E principalmente de Deus… Fiquei muito amigo de Richard e passei a andar só com ele pra todos os lados. Por causa dele eu fiquei “famoso” no colégio. Sempre abaixo dele, mas conhecido. Nessa época, não era uma fama ruim… Eu comecei a me encontrar com o pessoal da banda dele e sair mais com ele. Eu me divertia, mas era um tipo de diversão meio estranha…

Cobo assim, Hebrom?

–Eu ria muito com eles, a gente zoava junto quanto eu tirava fotos deles, um fazia pegadinha com o outro…

–O que tem de bais nisso? Você achava graça, não? Era seu novo grupo de abigos… Por mais que eu não goste de você andando com esse tipo de gente.

–É, pode ser, mas a cada encontro, quando acabava, eu me sentia mal e triste, como se tivesse faltando alguma coisa. Cada momento sozinho era uma dor de cabeça. Muitas vezes eu passei a madrugada chorando enquanto olhava pro teto e sem entender exatamente a razão… Nem Folker sabia que isso estava acontecendo comigo. Esses meus sentimentos estranhos também começaram a afetar o meu jeito de escrever as letras das músicas deles.

–Aqueles seus “abigos” idiotas não perceberam que você estaba mal?

–Na verdade, não. Eles até gostaram do meu novo jeito de escrever… Especialmente Cristiano, que sempre gostou de Black metal. A namorada do meu irmão já teve um caso com ele…

–Me desculpa, mas os seus coleguinhas eram uns otários. Você foi bais ainda por ir na onda deles.

–Sei disso… Eu tenho um rascunho velho que achei jogado no armário no mês passado. Tá lá ainda. Você pode ter noção de como ficavam as letras quando eu estava frustrado e com raiva, você quer ver?

–Hebrom com raiva… Haha! Eu aceito.

Ele me emprestou a letra. Tentei não fazer careta enquanto lia, mas eu não consegui. Eu olhei pra Salamander… Olhei pro papel… Olhei pro Salamander… Pro papel de novo… Pra ele… Eu não acreditei.

–Se libra disso aqui. –eu disse balançando a folha. –Você tem tendência a entrar em depressão, não arrisca ficar guardando esse tipo de lembrança… Eu não consigo aceitar que você escrebeu uma coisa dessas. Você debe estar brincando… É sério que você escreveu essa desgraça?

–Eh… –ele pegou o travesseiro e abraçou, porque tinha voltado a deitar do meu lado. –Eu escrevi isso numa noite que passei na casa do Folker. Assistimos a um filme sobre que me deixou muito irritado. Ao invés de conversar com Rich, eu comecei a escrever. O filme falava sobre um o garoto que mata os colegas de classe que fizeram bullying com ele durante anos. Era bem sangrento…

–Você bia esse tipo de filme? –fiz cara de quem não estava conseguindo engolir a história.

–Eh…

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