Ordinários – Capítulo 8
Incrível mesmo foi o fato de eu não ficar triste mesmo tendo que suportar a bruaca da professora de Português durante um tempo.
Logo depois iria ter aula História outra vez. Foi aí que apareceu um inspetor chamando a mim e a Ágata. Ficamos nos entreolhando e saímos da sala.
–O que será que aconteceu? –ela perguntou enquanto o homem nos levava para a diretora.
–Você ainda tem cara de pau de perguntar?! –tentei não parecer preocupada.
–Será que foi o que rolou no refeitório?
–O que você acha? –cruzei meus braços e fitei meus pés. Edgar iria me matar.
A gente entrou na sala e se deparou com a diretora (é claro) e Ariadne (ainda tirando macarrão do cabelo). Eu esperei encontrar aquela garota que sujou o vestido choramingando e aquele poeta obeso também, mas eram só elas duas.
–Então, quem vai começar? –quando a diretora disse isso, nós três começamos a falar ao mesmo tempo. –Quietas!
–Mas você quem disse… –a patricinha foi interrompida.
–Eu sei o que eu disse. Comece com a sua versão da história, Quésia…
–Resumidamente: eu estava andando, Ariadne botou o pé pra eu cair e me chutou. Ágata apareceu pra me defender, jogou macarrão no cabelo dela e Ariadne continuou com guerra de comida. Só isso.
–O que vai dizer pra se defender, senhorita Galvão?
–Como ela já disse, não fui eu que comecei! E eu não derrubei a Qué, ela só escorregou e eu estava perto. Gostaria que a gente fosse amiga. Eu só queria fazer as pazes, mesmo não sendo culpa minha. –impressionante como os olhos alagados dela davam emoção à cena.
Eu ia desmentir, mas Ágata se jogou nela.
–Você é mais falsa que nota de três reais! Chega a dar nojo! –as duas começaram a se emaranhar.
O inspetor tirou-a de cima da Ariadne. Raitz tentava chutar o rosto dela mesmo sendo segurada pelo homem.
–Fica calma… –ele começou a acariciar a cabeça dela.
–Tá bem, tá bem… –ela parou de se debater e respirou fundo. –Pode me soltar…
–Vou acreditar em você. –o cara largou.
Ágata pegou a cadeira da diretoria, ia jogar na loira, que começou a gritar. Eu segurei a o braço dela. Queria me vingar tanto quanto ela, mas aquilo era exagero…
–Senhorita Raitz… Detenção. Hoje, amanhã e a próxima semana inteira. E amanhã, não venha à escola sem ser para cumprir o castigo, você não vai poder entrar. A menos que traga seus responsáveis… –a mulher falou, e Ágata ficou de olhos arregalados. –Sugiro que abaixe isso, se não quiser que sejam duas semanas.
A menina fez o que ela mandou, mas bateu com a cadeira na parede. Quebrou. Ou ela é muito forte ou aquela madeira era muito podre…
–Ela estragou o seu assento, Cibele! Faz alguma coisa! –falou Galvão, que parecia querer fazer qualquer coisa pra piorar a situação de Raitz.
–Primeiro: eu não te dei autoridade para me chamar pelo primeiro nome. Segundo: o pai dela está disposto a pagar os estragos que ela faz, pois já conversamos com ele sobre isso e você não tem que se meter. E terceiro: você vai ficar na detenção hoje até sexta-feira. Achou mesmo que eu engoli a sua ficção ou ainda lembra que tenho o seu histórico escolar bem ao meu alcance?
–Mas…! –ela não conseguiu barganhar.
–Caso encerrado! Se eu souber que você anda implicando outra vez com nossa nova aluna, você irá se ver comigo. Estão liberadas. Voltem às salas de aula.
Fiquei feliz pela diretora não chamar meu responsável… Por outro lado, Ágata me largou sozinha no corredor. Foi andando desanimada. Não sei até quando eu vou tentar uma amizade por nós duas… Isso é aquele tipo de coisa que não dá pra fazer sozinho.
Voltei pra sala. Raitz ficou de cabeça jogada na carteira até o fim da aula. Eu ia perguntar se poderia ir com ela até lá fora, mas quando bateu o sinal, a maioria saiu correndo, ela inclusive.
–Qué, me espera. –Hebrom fez cara de cachorro pidão.
–Ah… Sim… –se demorasse muito, Cortês ia acabar puxando minha orelha. Mas ficar perto dele me fazia esquecer a frieza da Ágata.
–Ok! Vamos. –pegou a mochila, foi pra minha esquerda e apoiou o braço no meu ombro direito.
Começou a falar de assuntos aleatórios… Ele estava próximo demais e eu estava em pânico… Como ele acha que somos íntimos assim? Não sabe nem qual pozinho eu prefiro no macarrão instantâneo. Também ficou tentando conversar enquanto olha nos meus olhos, mas desviei o rosto todas as vezes. O mais estranho é que minha timidez se esconde quando estou brava, mas quando fico perto dele, parece que vem à tona… Salamander sabe bem ser tapado. Não deve ter entendido que não sou extrovertida como ele.
Folk estava sendo empurrado até nós por um homem bem alto de terno.
–Anda! Peça desculpas! –o cara fantasiado de agente secreto colocou-o na frente de Hebrom.
–Foi mal ter te acertado com a bola ontem… –ele parecia querer fazê-lo ouvir, mas usando o tom de voz mais baixo possível.
–Sem problema. Eu quem estava na frente do seu lance, Rich. –Salamander sorriu, mas não parecia estar mentindo, mesmo que eu ache impossível alguém deixar o rancor tão depressa.
–Eu já disse pra não me chamar pelo…!
O mal encarado com casaco de couro não pôde terminar a reclamação, porque o homem foi arrastando-o pra longe:
–Vamos para casa.
–Quem era? –perguntei pra Hebrom.
–O pai dele… Folk já me disse que ele é executivo…
–Onde você estava?! –meu irmão revoltado apareceu e me tirou de perto do branquelo. –Foi mal aí, Salamander, mas a gente não pode ficar de conversinha agora, tá? –bem louco como Cortês trata estranhos melhor do que a mim.
Me jogou dentro do carro e fomos embora.
–Notei que vocês são oficialmente namoradinhos. –lá vem ele.
–Não. A gente só tinha brigado, fizemos as pazes hoje.
–Pô… Nem uma semana de relacionamento e vocês já tinham discutido? Tá pior que eu, hein, irmãzinha?
–Desde quando você tá saindo com alguém?
–Eu não estou, mas bem que gostaria. Só ficar trabalhando e cuidando de você tá começando a me deprimir.
–Poxa. Valeu mesmo, seu nojento. Mas… Que tal a Marisa?
–Hã? Como você diz uma coisa dessas? Eu nunca ia querer nada com aquela psicopata!
–Ah, ela é um encanto…
–Ela é uma tiazinha.
–Que eu saiba, não é tão mais velha que você.
–Pelo amor, não tenta me empurrar pra ninguém, Quésia. Eu prometo que paro de importunar você e aquele menino de olho verde lá. –chegamos, enfim. –Mas aí, tirando o Hebrom, o que mais teve de interessante pra você na escola hoje? –perguntou, saindo do carro.
–Hm… Nada. Tudo o mesmo lixo… –olhei pra esquerda. Até parece que eu iria contar…
Já são sete horas e sei lá quantos minutos. Plena quarta-feira. Tédio me matando aos poucos. Em outras palavras, nada especial. Estou jogada na cama desde que o Edgar me trouxe e isso foi lá por meio-dia e alguma coisa… Não teve almoço. Eu estou enjoada daquelas porcarias que trazem em domicílio.
Eu tenho problemas com alimentação, tipo, ou como demais ou não como. Meu irmão não sabe cozinhar, o máximo que ele aprendeu foi a fritar as coisas. Mas não tenho do que reclamar, não estou com fome. Tô deitada aqui tentando dormir. Pois é… Muito empolgante a minha vida… Chega a ser uma adrenalina de querer vomitar.
Meu celular tocou. Deve ser a operadora com aquelas dicas e promoções idiotas que todo mundo ignora. Quando eu fui olhar, meu rosto começou a arder e meu cabelo ficou mais arrepiado do que é. Saí correndo pelas escadas, mordendo a minha blusa pra não gritar. Edgar assistia um jogo de futebol. Eu comecei a andar pela casa como uma barata tonta. Não sei se estava procurando algo, eu nunca fiquei tão desesperadamente confusa quanto agora.
–Que isso, criança? Tá possuída? –pra ele parar de assistir o jogo para me olhar, eu devia estar pior do que descrevi.
–Hebrom tá me ligando, o que eu faço?!
–Como assim “O que eu faço”, sua anta? O que você faz quando tem alguém te ligando?
–Não sei, ninguém nunca me ligou!
–Relaxa. Respira. Me dá o telefone aqui.
–Não! Eu preciso resolver sozinha!
–Para de graça, não é hora pra isso! –ele pegou meu celular, digitou alguma coisa, depois atendeu. –Alô?
–Oi… Eu posso conversar para Quésia? –dava pra ouvir Salamander do outro lado da linha.
–Seu cretino! Não era pra ligar o viva-voz! –eu estava me esforçando pra parar de berrar, mas não dava muito certo; não devia ter confiado nele.
–Então significa que você sabia o que não fazer, já é um começo.
–Me devolve isso! –tomei o aparelho da sua mão.
–Quésia…? Está… tudo bem…? –o garoto parecia mesmo preocupado comigo.
–Sim! Quer dizer… Sim. É… É… Por que você me ligou? –eu já suava frio. Olhei pro meu irmão e ele estava debochando de mim com os dois polegares pra cima e um sorriso irônico estampado na cara. –Sai daqui, praga! –empurrei-o.
–Oi? –Hebrom não tinha captado.
–Não foi pra você, fica tranquilo!
–Ah, que bom… Eu te liguei porque… Eu te liguei porque… Wendy, por que eu liguei pra ela? –acho que ele esqueceu de falar mais baixo.
Cortês começou a rir. Chamei-o de mala e mandei parar, mesmo estando com vontade de rir também.
–Ah, cara, aquele troço que ela te disse na escola. –era a voz do Wendel. Dava pra ouvir os sons de um vídeo game… Viciado do caramba.
–S-Sobre aquele “troço” que… Que você disse que podia me ensinar. –Hebrom parecia estar pior que eu em relação à agitação agora. Precisar da minha ajuda deve ser mesmo um estado crítico.
–Só vocês mesmo pra ficar com vergonha de falar ao telefone. –Edgar fez, apertando o osso nasal.
–O que tem o que eu disse? –ignorei o comentário do meu irmão.
–Você… Eu posso trazer você pra minha casa pra estudar, Qué? –ele mal conseguiu falar.
–Que gracinha… –sussurrei longe do celular. Refluxo de arco-íris no estômago. –Claro que pode. –respondi.
–Ah, misericórdia, como gente apaixonada é ridícula… Tô enjoadíssimo aqui… Revertério like a boss… Vou ao banheiro. Não me espere acordada, porque a coisa vai ficar feia. –Cortês saiu ali com a mão na barriga.
–Então… Amanhã depois da aula? –ele quis confirmar.
–Tá. –depois disso a gente continuou com a ligação durante mais três minutos, mas em silêncio, só dava pra ouvir a respiração dele (e o vídeo game do Wendel). Fiquei esperando que ele desligasse primeiro, até os meus créditos esgotarem.
Eu devo estar gostando dele mesmo. Na hora de dormir eu afundei minha cara num travesseiro e fiquei rolando no chão do quarto. Seria isso normal?… Se animar com uma coisa que muito provavelmente vai dar errado?
Hebrom
Quésia aceitou vir à minha casa e parece que ela me acha uma gracinha ou coisa do tipo! Acho que vou ter um daqueles ataques epicléticos, epitlécos, epíticos, elípticos, ecléticos… Sei lá como fala, só sei que vou ter! Acho que ela quer ser minha amiga, finalmente.
Wendel veio para a minha casa para jogar vídeo game, como faz sempre. Ele me ajudou a criar coragem para ligar para ela. Acho que Qué sabe que eu não paro de pensar nela… Eu tento fazê-la perceber, mas do jeito que ela age, parece que não sente a mesma coisa. Wendy falou que eu tenho que marcar de sair com ela de novo quando ela vier pra cá, porque ele sempre diz que sou “baka”.
Não sei o que é isso, mas acho que é algo bom. Sabe, ele é otaku, geek e gamer, por isso não entendo boa parte do que ele fala. Ele deve usar algum tipo de subdivisão da língua portuguesa… Será que vocês têm isso aqui?… Seja como for, ele é um cara bem ocupado, mas sempre tem tempo para me ajudar, chega a ser emocionante! Ele é muito gentil e inteligente.
Eu admito que não chamei Quésia pra vir aqui só pra ficar falando de Português, acho que falar disso o tempo todo seria chato… Podemos falar de Deus, um pouco sobre como eu gosto dela, lanchar juntos, mostrar algumas letras de música pra ela, ver se ela também não me odeia pelo meu passado…
Eu estou muito apaixonado pro ela… Quésia é diferente de todas as outras meninas. Às vezes eu fico como um bobo pra ela e tentando formar desenhos com as pintinhas do seu rosto. Eu agradeço muito a Deus por ela! Eu nunca me imaginei perto de uma menina tão bonita assim. Ela é a mais fofa que eu já vi. Preciso me controlar para não ficar ansioso por causa de amanhã. Não quero bancar o idiota na frente dela. Queria que ela fosse a primeira e a única, do jeito que eu pedi.
Não era pra eu gostar tanto assim dela, mas foi sem querer. Ela me deixa envergonhado e eu sinto vontade de estar perto dela sempre… Eu sei que sou um garoto esquisito, praticamente todo mundo na escola me vê assim, mas ela foi uma das poucas que não se afastou de mim por causa do que Folk fez e faz comigo.
Ele era meu melhor amigo, mas hoje ele me humilha. Tudo isso porque tive que me afastar da Paganus. Quero explicar a situação pra Quésia… Parece que, até agora, foi uma das únicas que ficou comigo por tempo suficiente pra conhecer o meu lado da história.