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O Grande Caderno Azul

O grande caderno azul – XII e XIII

XII

– Manhã de sábado do quarto dia do ano – Minha cunhada zangada comigo porque estou bebendo cachaça e me cobra que tenho que dá o que não tenho… Dou quando tenho, mas na mente suja dela, que só pensa mal dos outros, acha que estou ganhando muito dinheiro. Quando na realidade não se trata disso. Estou bebendo a custa dos papudinhos da Praça.

Mas tarde na mesma manhã, depois de aprontar a tampa de cisterna de Seu Apolônio e colocar os quinze reais no bolso. Pra minha agradável surpresa, meu amigo Jean Gaspar achou e guardou o caderno. Eu estava bêbado e deitado no chão na Praça Sete Palmeira, na tarde de quinta-feira, Dia de Natal.Inclusive fotografou-me deitado. Oh! Pauvre poéte! Sempre vacilando.

Uma ressaca embriagadora. Minha cunhada vai ficar uma arara quando  lhe dê um dinheiro.
– Essa mixaria! – Será  expressão que vai usar para me humilhar.

Manhã dominical de sol e uma enjoada ressaca. Não almocei e nem jantei. Bebi todas que me deixaram bem embriagado, nem me lembro como cheguei aqui.Quando despertei era noite alta e deitado na cama com a mesma roupa de trabalho que usei na oficina e nem banhei. Comecei a reler Dickens, desde anteontem estava com desejo de apreciar a sua boa literatura. O pai de Anne Frank gostava de lê-lo no anexo. Estou relendo “As Aventuras de Sr.Pickwick” o primeiro romance que li, quando tinha 16 anos – passei quase três anos o lendo. E descobri o mundo maravilhoso da literatura. Sinto o corpo febril, a garganta irritada. Desculpem-me, mas Dickens me e espera silenciosamente ao meu lado, sobre o sofá grande. Ouvindo um bom piano, talvez seja do mestre Chopin.

Tarde de domingo – Um dia sem álcool, venho para o quarto ler Dickens.
Noite – O barulho da musica alta que vem da Casa dos Correias, vizinhos mais de baixo. A princesinha  Menor brinca com suas bonecas na estante. Antenor e uma amiga sentados que dita-lhe um texto e ele escreve em Braille.

XIII

Manhã no oficina – Pronto para cortar os ferros das grades da Gari Rose, a bela morena simpática. O clima tenso na cidade, devido a onda de violência – ônibus queimados,, delegacia metralhadas, policial militar assassinado – tudo vindo das facções criminosas que estão imperando no Complexo Penitenciário de Pedrinha estão espalhando o terror na população.

10 e alguns trocados – Os ferros dos dois portões  já foram cortados, portanto missão cumprida.
– Oh! Irmãozinho meu gás acabou – Lamentou-se da calçada a irmãzinha, a moreninha rechonchuda que mora com um conhecido meu e que sempre quando passa fala comigo, mais cedo perguntou-me se gosto de vodka. Ela tem um resto num litro. É impossível não reler Balzac quando necessário. O meu calção fedido. Pra meu deleite três monstros sagrados que enriqueceram muito a arte literária em seus respectivos países: Dostoievski, Dickens e Balzac – o triunvirato da literatura mundial. Releio “Crime e castigo”, “As Aventuras de Sr. Pickwick” e “Esplendores e Misérias das Cortesãs” – obras representativas com personagens distintos. Tendo como cenários de fundo cidades inesquecíveis: Petersburgo, os arredores de Londres e a mítica Paris.
Talvez onze e meia – Acho que me concentrarei na leitura de Balzac, a sua narrativa me prende

Começo da tarde – Meio-dia e quinze minutos – No aconchego do lar dos Bambas/ Vila Embratel.
Começo da noite – 18;00 – No terraço, onde a pequena Adrielle brinca com seus brinquedos imaginários. Uma brisa fresca com ar salgado vem da costa distante. Os mangues com suas folhas verdes, por uma pequena brecha vejo um pedaço do rio com sua água cinza. Os vizinhos Correianos no tradicional jogo de dominó. Da Praça Sete Palmeira vem o barulho peculiar da oficina de serralheiro que desempena alguma barra. Uma amiguinha de Sara entra a procura de Antenor. O céu e nuvens plúmbeas prenuncio de chuva. O tempo esfriou um pouquinho. Abriu uma brecha entre a oficina e o Salão Costa. O dedo lateja. O congelador esta esvaziando. Sinal que as coisas vão piorar. Peço a Deus que mande uns bicos para um dinheirinho extra ou vamos passar por uma situação delicada. Minha cunhada ainda não caiu na real e continua a manter a mesma postura, diz uma coisa e faz outra. A lâmpada com a luz rósea no poste se acende. As pessoas não querem mudar seus hábitos alimentares. Quando tenho dinheiro não janto -compro pão satisfaço a minha fome.

É hora do Angelus!

Queria escrever algumas particularidades, mas me auto-censuro. Basta os meus problemas insolúveis, o affaire Deline – esse é pior de todos, uma serie de sequencias mal-elaboradas que acabaram transformado-se numa enorme bola de neve que parece não ter fim. As vezes me sinto tão deprimido com a real situação que penso que a melhor situação seria morrer. Mas nem para isso sirvo, morrer. Um Boeing acima das nuvens e seu barulho infernal. releio Dickens pela amanhã até ao meio dia e a tarde é de Balzac.
18;45 – A casa alvoroçada com a chegada de minha sobrinha Daniele que veio buscar a pequena Adrielle que pula num pé só de alegria. O companheira dela e pai do primogênito espera no carro estacionado em frente.Abusada da cadela Chambinha late no terraço.

 

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