Séries de Web
Ordinários

Ordinários – Capítulo 4

–Vem comigo. –o asiático pegou seu vídeo game e começou a jogar, ao mesmo tempo em que levava um livro bem grosso debaixo do braço.

–Tá bem. –acompanhei o garoto até lá fora.

–Hm… Eu vou te mostrar tudo o que eu sei. Toma esse anuário do ano passado. –ele botou o livro na minha mão. –Se quiser saber o nome ou cargo de alguém, pode procurar aí. Eu não tive tempo de riscar as pessoas que saíram. Já esperava que essa professora quisesse me ver apresentando a escola pra algum aluno novo, mas não imaginei que fosse hoje. Se não souber onde algum lugar fica, pode perguntar pra mim. Ah, e ali é o refeitório, se quiser ir. –ele apontou pra uma porta em que entrava a maioria dos alunos, mas sem tirar os olhos do jogo.

–Certo… –no fim das contas ele não me ensinou porcaria nenhuma sobre aquele lugar imenso.

Nós sentamos num dos bancos do canto do pátio. Yamada era bem rápido jogando e não cortava as unhas já fazia um bom tempo.

–Oi, gente. –Salamander apareceu do nada e nos cumprimentou. Eu estou com a leve impressão de estar sendo perseguida.

–E aí, Hebrom? –o asiático falou, ainda olhando para o vídeo game.

Eu resolvi nem falar nada. Só encarei… Até Wendel perceber.

–Tô saindo. Podem conversar. –ele se levantou.

–Mas eu não quero conversar… –tentei falar, mas o geek já estava indo para outro lado do colégio.

–Tudo bem? –Salamander sorriu.

–Não. –eu realmente acho esse garoto estranho, mas até que ele é simpático. Sinceramente eu não acredito que seja possível virar amiga dele… Só quero evitar destruir a pouca convivência que temos… Mas eu acho que já estava fazendo isso.

–Eh… Posso sentar do seu lado?

–Também não. –o garoto ficou de pé, esperando que eu mudasse de ideia. –Fica logo, então…

–Obrigado! –ele sentou bem perto de mim.

–Chega pra lá! –me afastei.

–Por quê?

–Porque eu disse “Chega pra lá”.

Quê?! Qual o problema com isto? Você tem mesmo medo de mim? O que disseram pra você?! –fez rápido e num tom quase agressivo.

–Hã? Não me disseram nada. Do que você tá falando?

–Não disseram?… Eh… Deixa isso pra lá…

Ficamos parados olhando pro nada por um tempo. Aquele típico clima estranho que fica quando você está perto de uma pessoa desconhecida. Até que ele voltou a me fitar.

–O que quer agora? –perguntei.

–Nada… –notei que agora Hebrom também estava corado, mas sorrindo. –Eu gosto de você, sabia? –não consegui dizer nada. –Calma! Desculpe! Eu quis dizer… Você é… Como se diz?… Legal. Deve ser a única pessoa da sua rua com quem eu nunca tinha falado antes…

Fiquei olhando pra ele com uma careta quase que involuntária, até que perguntou:

–Eu estou te assustando?

–Um pouco…

–Desculpe. –ele riu, pegou o celular do bolso e alternava em olhar o celular e a mim (Wendel nem isso fazia).

Parecia que ele iria falar alguma coisa, mas logo desistia. Está tentando me zoar, só pode ser… Deve estar me seguindo pra me pegar uma peça ou sei lá. Se bem que eu não sei com quem ele queria rir de mim… Aquelas três meninas de mais cedo realmente não pareciam ser amigas dele e agora, bem, não há ninguém por perto. Passamos o intervalo todo parados. Foi um lixo.

Voltamos pra sala e o lixo continuou. Uma vez ou outra a gente acabava se olhando ao mesmo tempo e (pra piorar minha situação) ele achava graça disso. Não consegui manter a atenção nas duas últimas aulas de Ciências. E finalmente acabou. Hebrom pediu para eu esperá-lo, mas eu fingi não ter escutado.

Quésia! –uma voz feminina me chamando? Que confuso… –Quésia! Aqui!

Fui procurando pra ver de onde vinham os berros…

–Mari?!

Não é possível… Ela deve ter brotado do chão!

Senti sua falta! –a mulher me deu um abraço e eu tinha quase certeza de que ouvi minhas costelas quebrando. –Achei que você ainda estivesse no orfanato.

–Acabei de vir pra cá… –fiz força pra respirar.

–Que beleza, escola nova! E aí, como foi a aula? –finalmente me soltou e deu pra notar a felicidade estampada em seu rosto.

–Uma chatice… Como esperado.

–Já fez amigos? –nem respondi.

Mesmo com a típica alegria da ex-professora, eu senti um tom sarcástico na pergunta, mas obviamente foi apenas impressão minha. Como ela é meio tapada, achava que me dava bem no outro colégio.

Salamander apareceu com um garoto que usava boné e era pouco (quase nada) parecido com ele. Os dois vieram na minha direção.

–Qué! –Hebrom sorria como faz a maior parte do tempo. O rosto dele deve ser dolorido.

–O que você tá fazendo aqui? –eu falei entre os dentes, com a vã esperança de que ele saísse e ficasse sem conhecer Marisa. Não é nada grave, eu só não curto muito “vexames”… Ainda mais em público. Marisa não pode me ver com um menino em hipótese alguma… Ela é super escandalosa.

–Bem… Esse é meu irmão: Zacur. –ele apresentou.

–Ah, interessante. –falei… Hebrom não conseguia entender meus códigos faciais que estavam implorando pra ele arredar o pé dali.

–Oi pra você também, Quésia. –o tal irmão dele se meteu. Não tinha um sotaque tão engraçado quanto o próprio. Falava até “normal”.

–Oi. –me segurei pra não ser mal-educada na frente da Ávila. Ela me obrigaria a pedir desculpas.

–Meu irmão não para de falar em você e isso já tá me irritando. –ele me cumprimentou.

Ele fica falando de mim… Parece que minha teoria estava certa.

Hein?! Garotinho você tá querendo ficar com ela?! –Marisa falou bem alto com Hebrom. Ela interpretou errado. Por incrível que pareça, a mulher estava tentando ser discreta. O que eu temia aconteceu: A maioria das pessoas que estavam passando olhou pra nós.

–Claro que não! –Zacur contestou. –Ele é um garoto de respeito, tá apaixonado e quer é coisa séria mesmo.

–Irmão! –Hebrom, assim como eu, quereria que ele calasse a boca.

–O que é? Verdade seja dita!  E ainda bem por isso! Eu já estava estranhando você nunca ter gostado de nenhuma garota até agora, seu virjão.

Que lindo! Quésia, você é o primeiro amor da vida dele! –Marisa falou, escandalosamente.

–Dá pra parar com isso?! –meu coração começou a bater mais forte e eu senti um arrepio na espinha. Eu só pago mico, cara… Chegou a ser habitual. –Vamos embora! –levei-a pra outro lugar.

Tchau, namorado da Quésia e irmão do namorado da Quésia! –ela se despediu. Estava feliz pela suposta ideia de um garoto gostando de mim. Pois é, suposta. Claramente e somente suposta.

–Tchau! –Zacur acenou de volta.

Eu estava vermelha, apesar do meu tom de pele ser escuro. Eu não me lembro a última vez que passei tanta vergonha na minha vida!

A senhorita Ávila perguntou se eu queria uma carona e eu aceitei. Edgar estava alguns minutos atrasado, então não vi problema. Talvez ele esteja fazendo um trajeto que pague bem e não pôde perder, sei lá. Ele não esqueceria de mim e sabe que eu teria que passar a noite na rua por não saber o caminho de casa, não é? Ele é um adulto responsável… Não é?! Errou.

Dentro do carro…

–Você ficou maluca? Por que disse aquilo?! Como que eu vou olhar na cara do Hebrom agora? –eu resmungava com Mari enquanto ela dirigia.

Edgar esqueceu de vir me buscar, eu teria que passar a noite ali, por não saber o caminho de casa.

–É simples! Só usar esses seu olhos lindos que Deus te deu.

–Poxa! Engraçadão! Me lembre de rir depois!

–Fala sério, Quésia! Para de ser acanhada! Você vai acabar se dando mal por isso.

–Já me dei mal! Tá feliz agora?!

–Por que está tão preocupada com o que aquele garoto vai pensar? –não tive tempo pra responder. –Além do mais, se ele realmente gosta de você, não vai parar de falar contigo!

–Já chega! –pulei no pescoço dela e ela começou a rir. Isso fez com que o carro perdesse o controle. Ela acabou nos levando pra outra mão da rua e nós quase morremos. Por sorte, Marisa conseguiu desviar.

–Volta pra cozinha! –o homem que iria ter seu carro arranhado gritou.

–Costura a matraca, seu machista! –ela devolveu o carinho. –Odeio esses homens que dirigem! –voltou a olhar pra frente.

–Meu irmão é taxista.

–Nossa… Legal… –fingiu não ter dito nada.

–Não fica com remorso, eu também odeio ele…

–Você não presta, garota. –ela voltou a rir.

–Por que apareceu pra me buscar?

–Não foi pra te buscar, te encontrei por coincidência mesmo. Eu estava saindo daquela escola pra visitar meu avô e acabei te vendo sozinha com cara de peixe… Eu fui discutir uma proposta de emprego que me deram.

–Entendi…

Proposta de emprego… Seria estupidamente melhor ela voltar a me dar aulas!… Menos a parte de Hebrom ser da minha sala.

–Enfim, como é sua família? –voltou a puxar assunto.

–Chata.

–Haha! Exigente?

–Não, sério, é só chata mesmo.

–Ah! Você é uma figura, Qué! Mas onde você tá morando? Pra onde tenho que ir agora?

–Só vire à esquerda.

–Certo, GPS. Estamos chegando?

–Tá bem perto… Eu acho.

–Você não sabe onde é?

–Não muito… Ah! É ali. –apontei pra casa azul.

Meu irmão estava pintando-a por dentro. Seu rosto estava sujo de tinta e com um esparadrapo. Edgar foi olhar quem era pela janela por causa do barulho do carro.

Você mora ali?!

–Sim, por quê?

–N-Nada… –ela fez uma cara estranha e aos poucos foi se abaixando no banco. Logo depois estacionou e eu saí do carro.

–Quésia? Ai, socorro! Eu esqueci de você! Desculpa!… Espera aí, quem te trouxe? –ele olhou assustado e confuso para mim.

–Marisa! –respondi na hora em que a mulher saiu do carro.

–Hã?! Você?! –meu irmão apontou pra ela e se desequilibrou da escada mediana em que estava.

–Toma cuidado! Espera… Você conhece a Mari?

–Infelizmente sim! Essa louca quase destruiu minha vida! –Edgar respondeu forçando lágrimas nos olhos.

–Ah, qual é? Não foi de propósito! –ela se desculpou meio que ignorando a atuação barata dele.

–O quê? –perguntei. –Não tô entendendo titica nenhuma…

–Nossos carros se bateram sem querer. Isso no ano passado.

–Sem querer?! Até parece! –Cortês desceu a escada e veio pra fora.

–Claro que foi sem querer! Eu não tinha sequer razão pra fazer aquilo!

–Você é uma mulher sem coração! Eu gastei o triplo do meu salário pra consertar o meu bebê, a coisa mais importante da minha vida!

–Obrigada. –falei.

–Depois de você, meu amor. –Edgar tentou disfarçar. –Você quase não foi adotada por causa dessa monstra aí! –Edgar tava quase em prantos.

Ridículo! Você que estava falando no celular! E também, eu acharia bem melhor ela ficar no orfanato a ser cuidada por um retardado feito você, o controle de qualidade de quem adota tá furado mesmo nesse país, hein? Não sabe nem as regras básicas pra dirigir! Você pagou pela carteira, né? Vai, admite!

–Por favor, me lembrem de nunca mais andar de carro se forem vocês os motoristas. –segurei a maçaneta da porta de casa.

–Ah, vá, Quésia! Eu dirijo bem! Essa daí que é uma desgovernada! Mulher no volante, perigo constante!

–Olha, se machismo desse rasteira, você viveria com a cara ralada! –Marisa se estressou.

–Feminismo não é tão bom quanto você pensa!

–Em primeiro lugar: Discordo de você. Em segundo lugar: Eu nem me declaro feminista, só quero respeito! Em terceiro lugar: Vá cuidar da sua vida! Mal sabe fazer a barba sem se cortar e acha que tem idade pra falar comigo!

–Eu posso ser mais novo e mais maduro que você, sua mocreia! –meu irmão colocou a mão no curativo que estava em seu rosto.

–Tô subindo. Quando cansarem de flertar, me chamem. –bocejei e fui pra dentro.

Eles fazem um casal bonitinho… Eu pensando isso parece até que é vingança pelo que eles fizeram comigo por causa do Hebrom… Parece que o jogo virou, não é mesmo?

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