Contratempo de amar – Capítulo XVI
– Mãe? Chegamos! – Diego grita ao adentrar pela porta.
A casa estava muito diferente do que eu me lembrava. Provavelmente uma reforma, nova decoração e móveis… Tudo novo. Porém ainda me fazia lembrar a minha infância. As tantas vezes que vim direto da escola pra cá passar a tarde com o Diego sem fazer absolutamente nada. Ou as vezes em que tia Cláudia me chamava pra jantar porque minha mãe tinha expediente até tarde da noite. Aquela também era a minha casa.
– Eu não quis sair daqui. – tia Cláudia se aproximou, me abraçando forte – Diego sempre pediu pra nos mudarmos, mas eu não me imagino morando em um outro lugar.
– E eu não imagino a senhora fora daqui. – retribuo o abraço, também com força – Que susto a senhora me deu com essa visita ao hospital!
– Oh, parem de fazer tempestade em copo d’água! – revira os olhos – Agora se sente aqui e me conte sobre você! Não acredito que você já é uma mulher feita!
Conversar com tia Cláudia é tão mais fácil do que eu imaginava que seria. É como se nada houvesse mudado entre, como se eu ainda fosse a mesma adolescente afoita de uma década atrás. Com exceção de que eu não sou mais aquela garota. As rugas no canto dos olhos de tia Cláudia me fazem pensar no quanto eu perdi por não ter amadurecido do seu lado. Com certeza ela teria feito grande diferença na minha vida na Alemanha.
– Então esse namoro era realmente sério? – pergunta quando menciono Frederico e o quase noivado.
– Era sim. – suspiro e olho Diego de canto, que parecia estar alheio ao tema da conversa.
– Então por que você decidiu se afastar dele, minha filha?
– É complicado… – ela não entenderia minhas razões – Mas eu acredito que foi melhor assim. Ele merecia alguém que realmente o amasse.
– Sendo assim… – ela acaricia minhas mãos – Oh, Isabel! – exclama, como se tivesse lembrado de algo – Eu tenho uma coisa que te pertence! Já ia me esquecer!
Tia Cláudia se levanta com pressa e eu encaro Diego, que está sorrindo, com confusão. Em poucos minutos ouço os passos dela se aproximando da sala novamente com uma case de violão nas mãos. Não pode ser.
– Você deixou ele aqui. – ela põe a case no chão e eu me ajoelho pra abrí-la, sem conseguir dizer uma só palavra – Eu guardei ele muito bem, pedi ao Diego pra trocar as cordas nos primeiros meses, e depois que… – ela hesita.
– Depois que ele não queria mais lembrar de mim. – sussurro, o encarando e ele também me fita, sério.
– Depois que o tempo passou, – continua – eu mesma continuei cuidando dele.
Era o meu violão. O violão que minha mãe me deu no meu aniversário de 9 anos. Estava ultrapassado, mas muito bem conservado. Como eu amava passar horas dedilhando notas aleatórias, criando músicas que eu ouvia na minha cabeça… Há tanto tempo eu não toco! Me arrisco com algumas notas, e logo percebo que ele está completamente desafinado.
– Ninguém toca nele por mais dez anos. – Diego diz, quebrando o silêncio – Você pode afinar, quem sabe voltar a tocar…
Sorrio com a ideia, mas logo a possibilidade me parece irreal. Eu tinha uma outra vida agora, e tocar não faz parte dela. Pode parecer um trauma, ou que estou enterrando um dom, mas essa não sou mais eu.
– Muito obrigada por guardar isso, tia Cláudia. – agradeço, sinceramente – Eu posso ficar com ele?
– Ele é seu, querida. É claro que pode. – ela me ajuda a levantar e sentar novamente no sofá – Mas me conte, como está o trabalho na empresa?
– Está tudo bem. – respondo, dando de ombros – Na verdade agora eu estou prestando mais serviços pessoais do que atuando na empresa de fato… – alfineto Diego e ele percebe.
– Nossa, Isabel, eu já tinha me esquecido como você consegue ser irritante quando quer. – ele revira os olhos e eu mostro a língua em gozação.
– Acho que voltei no tempo e estou presenciando as duas crianças que cresceram por essas bandas da cidade… – tia Cláudia brinca – Mas que serviços pessoais você está prestando, Isabel?
– Um cliente especial requisitou meus serviços, um tal de Samuel…
– Samuel? – tia Cláudia empalidece.
– Sim… – confirmo, olhando pra Diego, que parece estar confuso com a reação da mãe tanto quanto eu – A senhora está bem?
– Eu… Sim, eu só… Eu vou ver se nosso jantar está pronto. – sai apressada em direção a cozinha.
– O que foi isso? – pergunto, sem entender, a Diego.
– Eu não faço nem ideia. – Diego responde, e posso notar que é sincero.
– Sua mãe conhece esse cliente?
– Bem, ele já esteve aqui antes, quando nós tínhamos algum trabalho pra fazer juntos, mas eu nunca notei que ela ficasse incomodada.
– Diego, eu estou começando a me assustar com essa história. Primeiro esse homem aparece do nada e me pede pra trabalhar exclusivamente pra ele. Agora sua mãe reage dessa forma…
– Olha, eu não sei o que está acontecendo… – ele se aproxima, provavelmente pra falar mais baixo – Mas nós vamos descobrir, ok? Você precisa trabalhar com ele. Ver o que ele quer.
– Eu não sei… – respondo, insegura.
– Bel, eu não vou deixar você sozinha nessa. Mas nós precisamos ter certeza se tem alguma coisa a mais nessa história, ou se só estamos viajando. O Samuel é um cliente muito importante pra R.B., se nós vamos acusá-lo de algo, primeiro temos que saber do que.
– Você está certo. – concordo, relutante – Mas que tem alguma coisa estranha nisso tudo, tem.
– Se você estiver certa, nós vamos saber.
Acho que só ter mais na terça é uma danada de uma injustiça 😂❤