Gira Mundão | Cap 06 | Sonha comigo? – 1871
Vinte e um anos se passaram, a maioria das coisas continuam as mesmas na fazenda Coro Velho. Apenas, alguns negócios mudaram de 1850 à 1871.
Nicolau e Aparecida estão tratando assuntos da Fazenda Coro Velho. Nicolau está fumando cachimbo e Aparecida com um leque.
Nicolau: Tome isso, essa parte do dinheiro se destina à Pascoal.
Aparecida: E a outra parte?
Nicolau: Essa é minha
Aparecida: Seu pão duro, nunca dividiu nada comigo
Nicolau: E nem dividirei. Aproveitando que você está aqui, quero falar sobre sua filha, Augusta.
Aparecida: O que tem Augusta?
Nicolau: Aquela menina vive me desobedecendo
Aparecida: Você não é nada dela
Nicolau se enfurece, levanta e joga o cachimbo contra a parede
Aparecida: Ficou louco?
Nicolau: Como assim eu não sou nada dela? sussurrou ele.
Aparecida: Ué homem. Ela só lhe conheceu depois que veio ficar como coronel aqui.
Nicolau: Sou tio dela, como um pai que nunca teve.
Após ouvir isso, Aparecida bate a mão na mesa de Nicolau, furiosa diz
Aparecida: Mentira! O pai dela teve de se ir por causa da família. Ele amava ela como amava a mim.
Nicolau: Se fosse por isso não teria sumido sem deixar notícias
Aparecida: Bem que é real mesmo. Cadê você Juvenal? Não tenho notícias a mais de quarenta anos. Não sei nem se está vivo.
Nicolau: Provavelmente está ou não está, mas ligando pra você, não, posso afirmar. Minha irmã, você tem que abandonar esse passado. Quando jovem, você era bem sorridente. Agora é uma mulher chata, que vive lembrando do passado. Descola, vai!
Aparecida: Eu sempre estou arrependida com o tempo Nicolau. O tempo me trouxe muitas coisas ruins com o passar dos anos.
Nicolau: Cite pelo menos uma coisa?
Aparecida: O tempo levou meu pai, Nicolau. Levou meu pai. Que sempre esteve comigo. Era mais que merecido não um minuto de silêncio, mas sim, uma eternidade. Eu só tenho a você, Augusta e Jamili na minha vida agora. Só.
Augusta e seu marido, Roberto estão dançando uma bela música em uma festa que Amadeu deu no Jardim das Boas Flores.
Augusta: Vamos homem, mexe esse esqueleto!
Roberto: Vou não, vou não, é o cansaço.
Augusta: Que cansaço homem, vem, vem dançar, vem viver! Vem aproveitar a minha volta pro Brasil!
Augusta para de dançar, se ajoelha no chão e começa a dizer
Augusta: Meu Brasil! Agarre essa menina que acabou de chegar para ficar! Depois de tantos anos morando e estudando na Itália meu deus.
Roberto: Chega, se levanta que vão achar que você é louca.
João, um dos convidados da festa e colega de Augusta, chega para perto da mesma e diz
Augusta: Vem João! Venha dançar comigo
João: Hoje é um grande dia para Gaxambu
Augusta: O quê?
Augusta logo levanta, surpresa.
João: A senhora tá sabendo não? Vão soltar ele da jaula hoje ou amanhã, só sei que disso não passa.
Augusta: Roberto, vamos para casa agora.
Roberto: Mas não era você que queria dançar, curtir?
Augusta: Não não, vai, vamos pra casa.
Roberto: Então tudo bem.
Na saída, Amadeu para os dois.
Amadeu: Pra onde estão indo filhos de Deus?
Augusta: Ô Amadeu, estamos indo pra casa homem.
Amadeu: Por que, a festa está ruim é?
Roberto: Que nada, a festa está uma beleza. É que as vezes dá um chilique e lique na Augusta que ela decide essas coisas em cima da hora, não entendo ela de vez em quando mas já me acostumei.
Amadeu: Ah, sendo assim, Deus ilumine o caminho de vocês dois!
Roberto: Amém Amadeu, amém!
Jamili está na cozinha acompanhando o jantar de dona Clementina, a empregada da fazenda.
Clementina: Daqui a pouco dona Jamili, o café estará na mesa.
Jamili: Que delícia Clementina! Só você mesmo pra fazer essa comida maravilhosa!
Clementina: Que isso patroa!
Jamili: Que isso nada mulher, vamos, me conte a receita.
Clementina: Muito amor e atenção com o que se faz.
Jamili: Ui, gostei viu! Sempre você com essas receitas. Você sabe por onde anda Tião?
Clementina: Esse aí sumiu ontem de madrugada, ninguém sabe por onde anda, mas dá uma volta na fazenda, acho que ele está por lá.
Jamili: Então tá bom, se alguém perguntar por mim, responda que estou na fazenda.
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Cena 4 – Mansão – Fazenda Coro Velho – Início da tarde
Augusta e Roberto chegaram na mansão. Eles se deparam com Jamili na entrada.
Jamili: Augusta, como vai?
Augusta: Ótima! e você? como vai o menininho que está nessa sua barriga?
Lágrimas começam a sair dos olhos de Jamili.
Roberto: O que aconteceu Jâ?
Jamili: Nada
Augusta: Desembucha mulher!
Jamili: Eu perdi meu neném Augusta.
Augusta: Meus pêsames
Roberto: É.. Augusta..
Augusta: O que foi Roberto?
Jamili: Bem é.. isso é outro assunto, conversaremos sobre depois, mas, como foi a festa?
Augusta: Foi ótim…
Augusta é interrompida por Roberto
Roberto: Augusta não deixou a gente continuar na festa porque deu umas doideiras nela que quis ir embora.
Jamili: Tá bom então.. vou me indo, tenho que procurar Tião
Augusta: Tião tava banhando as vacas
Jamili: Sério mesmo é? esse homem cada dia me surpreende.
Roberto: Qual o problema em banhar vacas?
Jamili: Tião, vocês sabem, é preguiçoso. Mas ultimamente esteve trabalhando duro viu..
Augusta: Realmente, deixe-me entrar…
Jamili: Deixe-me sair! haha!
Cena 5 – Mansão – Fazenda coro Velho – Início da tarde
Aparecida está sentada no sofá da mansão bebendo chá. Augusta e Roberto chegam.
Augusta: Grande coisa Roberto, isso que você viu lá fora.
Roberto: Mas eu tenho certeza que…
Augusta: Oi minha mãe, tudo bem?
Aparecida: Oi minha filha.. Como foi a festa?
Augusta: A festa foi ótima o problema é Roberto.
Aparecida: O que foi meu genro?
Roberto: Augusta quis vir do nada de uma hora para outra…
Aparecida: É normal e você sabe disso..
Augusta: Então minha mãe, quero conversar a sós com você.
Cena 6 – Fazenda Coro Velho – Varanda da Mansão – Início da tarde
Taú está sentado em uma cadeira. Ele continua sendo o negro mais velho da fazenda, com 71 anos. Podemos dizer que, Taú não é mais um escravo da fazenda já que, Aparecida e Nicolau preservaram ele por esse e outro motivo. Esse é o benefício que nenhuma outra fazenda da grande cidade Guazibarros tem.
Maria Lourença: Taú, tenho boas notícias para você.
Maria Lourença, é uma das ajudantes de Aparecida. Ela é muito conhecida pelos escravos por mandar notícias.
Taú: Diga-me, quais as notícias?
Maria Lourença: Na verdade, é apenas uma.. Gaxambu será solto hoje mesmo no início da noite.
Taú: E isso é uma boa notícia?
Maria Lourença: Como assim? É seu filho!
Taú: Ele estava é de castigo por se meter com essa gente. Ou eu me enganei o tempo todo? acho que quem está de castigo sou eu, preso nessa cadeira pelo resto da minha vida.
Taú perdeu o movimento das pernas em um acidente grave enquanto trabalhava na fazenda, todos ficaram preocupados. Esse é o outro motivo da preservação.
Maria: Eu entendo mas.. não pode deixar levar a auto-estima. Bem, meu papel foi feito, vim dar o recado como dona Aparecida pediu. Qualquer coisa, só chamar.
Cena 7 – Mansão – Quarto – Fazenda Coro Velho – Início da tarde
Augusta: Eu prometi a senhora que nunca mais tocaria nesse assunto mas, tudo está voltando a tona, não é a primeira vez..
Aparecida: Me explique melhor.. não consigo entender essas suas palavras.
Augusta: É GAXAMBU MINHA MÃE, É GAXAMBU!
Aparecida: Esse nome..
Augusta: Eu sei minha mãe, eu sei mas..
Aparecida: Você ficou sabendo?
Augusta: Fiquei sim, é por isso que estou aqui. Vai soltar ele mesmo?
Aparecida: O que rola pela boca do povo nessa fazenda na maioria das vezes é a verdade pura, desta vez não é diferente então sim. Olha minha filha, eu sou diferente de seu avô Jorge, eu cumpro com o que digo. Foram vinte anos prendendo ele lá, sem ver a luz do sol. Agora é a hora de soltá-lo.
Augusta: Mas se tudo vier a tona de novo mãe.
Aparecida: Vira essa boca pra lá, não vai, não vai!
A porta do quarto se abre, é Nicolau entrando.
Nicolau: Desculpe interromper a conversa das duas mas, tive que entrar para pegar isso daqui
Aparecida: Olha que eu escondi viu?
Nicolau: Eu sei onde estão minhas coisas. Sei de tudo daqui, tudo.
Aparecida: Tá bom sábio, agora sai.
Cena 9 – Vila Matias – Fim da tarde
Joaquim está entregando o jornal para todos os moradores da Vila Matias.
Joaquim: IMPORTANTE, IMPORTANTE! Olhem os jornais, IMPORTANTE!
Uma moça o viu e perguntou
Moça: O que tem de tão importante, Joaquim?
Joaquim: A princesa Isabel assinou a lei do Ventre Livre. Agora as crianças que nascerão a partir de hoje, não serão mais escravas, serão livres.
Moça: Vixe, que baboseira é essa me explique melhor homem.
Joaquim: As criança que nascerão a partir de hoje não trabalharão mais como escravos. Agora as crianças tem duas possibilidades: elas podem ficar ao cuidado dos senhores ou entregues ao governo
Moça: Daqui a pouco vai ter lei até pros adultos, e agora, com que a gente fica?
Cena 10 – Fazenda Coro Velho – Área dos Escravos – Início da noite
Gaxambu foi solto por Aparecida. Neste momento, ele já começou a trabalhar na fazenda e ao mesmo tempo está conhecendo os escravos.
Gaxambu: A quanto tempo que eu não vejo a lua meu deus!
Cândido: A lua sempre esteve aqui, Gaxa, esperando por você.
Gaxambu: E eu por ela. Ficar preso em uma jaula esses anos todos me deu muita coragem para enfrentar a vida agora Cândido.
Cândido: Só tome cuidado para não cruzar os antigos caminhos de novo.. cuidado.
Cena 11 – Mansão – Quarto de Augusta – Noite
Augusta está dormindo ao lado de Roberto em sua cama. A mulher começa a debater, andar para lá e para cá e do nada acorda. Ela fala baixinho:
Augusta: Por que eu não consigo esquecer esse homem meu deus! Até nos meus sonhos ele aparece. Me dê uma resposta. Me ajude!
NÃO PERCA O PRÓXIMO CAPÍTULO DE GIRA MUNDÃO!