Séries de Web
Contratempo de Amar

Contratempo de amar – Capítulo V

– Eu poderia ter vindo de táxi. Ou com o Gustavo. Você não precisava se submeter a isso. – digo, olhando pela janela.

– Você queria vir com o Gustavo? – ele pergunta, ainda sério, sem desviar o olhar da estrada.

– Ao menos minha presença não é insuportável pra ele. – desabafo e Diego me encara rapidamente, aparentemente confuso – É aqui onde eu moro. – aponto para o prédio e ele encosta.

– Isabel… – começa, mas eu o interrompo.

– Boa noite, Diego. – abro a porta e saio do carro, me dirigindo até a entrada do prédio.

– Isabel, espera aí! – ele me segue.

– O que!? – desisto e paro.

– A sua presença… Não é insuportável pra mim. Pelo menos não pelos motivos que você está pensando. – ele parece atordoado.

– Nossa, que alívio! – ironizo – Você não me suporta por outras razões que eu ainda não conheço! Que bom, Diego! – me viro pra sair dali, mas ele me segura pelo braço – Me solta, por favor. – peço, sentindo as lágrimas tomando meus olhos.

– Eu não te entendo! – ele esbraveja, ainda me segurando contra ele, o contato começa a me desestabilizar – O que você quer de mim?!

– Eu não quero nada de você! – tento me soltar, mas é em vão, ele me segura mais forte – Eu não quero nada de você! – continuo, sem conseguir mais conter as lágrimas.

– Isabel… – ele enxuga meu rosto suavemente e eu estremeço com o seu toque – Não chore. Você sabe que eu nunca aguentei te ver chorando. – sua voz sai como um suplício.

– Por favor, Diego… – peço em meio aos soluços – Me deixa ir…

– Não! – ele diz, firme – Eu deixei você ir uma vez, agora chega! Você vai me ouvir! – eu me surpreendo com o seu tom – Você acha que foi fácil pra mim ver você ir embora?! Que eu esqueci você assim que virou as costas pra mim?! Eu te amava, Isabel! – grita.

– E eu te amava também! – grito de volta, cansada de todo o teatro que estávamos interpretando, e é a vez dele de se surpreender – Foi difícil pra você?! E pra mim?! Eu perdi a minha mãe e a única pessoa que me entendia! A única pessoa que eu amei de verdade!

– Isabel… – agora também com os olhos cheios de lágrimas, encostando sua testa na minha – Por que você me deixou? Por que você desistiu de tudo? Eu podia ter te ajudado…

– Eu precisava de um começo novo. – respiro fundo – Precisava ir atrás do que a minha mãe sempre sonhou…

– Você podia ter feito isso aqui. Comigo. – ele me solta devagar.

– Como? Como eu poderia fazer isso com você se fazem apenas algumas semanas que eu te reencontrei e eu já estou me sentindo totalmente perdida? – confesso – Já não consigo mais trabalhar do mesmo jeito, não consigo pensar do mesmo jeito! Só iríamos atrapalhar um ao outro…

– Eu te atrapalho, é isso? – Diego pergunta, tomando um passo pra trás, ofendido – Eu sou um obstáculo pra você? Que te afasta do seu destino? É isso, Isabel?

– Não! – tento me aproximar, mas ele se afasta ainda mais.

– Sabe o que eu acho? Eu acho que você realmente está perdida. Não no trabalho, mas na sua vida. – suspira – Só que eu não posso te ajudar a juntar os seus pedaços agora. Eu estou muito ocupado tentando juntar o que você despedaçou em mim. – ele se vira e vai embora.

– Espera! – ele não para – Droga! – praguejo, chorando ainda mais.

 

São Paulo, Brasil – 2002.

 

Minha filha, você não pode viver à sombra de um homem como eu vivi à sombra do seu pai.

– Eu não vou viver à sombra de ninguém, mãe. – reviro os olhos.

– Eu vejo como você e o Diego andam… – ela insinua algo e eu já sei onde vamos parar.

– Ele é meu melhor amigo. Único, na verdade. – respondo, sincera.

– Lembro de vocês dois pequenininhos dizendo que iriam se casar… – sorri.

– Pelo amor, mãe! – resmungo – A gente era criança!

– Eu adoro o Diego, minha filha… Mas eu amo você. E eu sei o que um amor pode fazer com a nossa cabeça. – ela segura minhas mãos.

– Pode fazer com que você vire mãe solteira. – resmungo, cabisbaixa.

– Ei! – mamãe levanta o meu rosto – Você foi a única coisa boa que permaneceu do meu amor pelo seu pai. Eu não me arrependo de você nem por um minuto, você entende?

– Sim. – respondo, encarando. Minha mãe é tudo pra mim. Eu não precisava de um pai, ainda mais um que não precisasse de mim também.

– Mas eu me arrependo sim de ter me negligenciado tanto por outra pessoa. E isso você não pode fazer por ninguém, minha filha. Não importa o quanto ame alguém, você não pode se anular por causa desse amor.

 

Na manhã seguinte eu sentia como se um caminhão tivesse me atropelado. Se já era ruim conviver com Diego quando não havíamos nos falado, agora então seria praticamente impossível. Minha cabeça lateja só ao lembrar da discussão na noite anterior. O que será que ele estava pensando? Por que não podíamos continuar nos ignorando? O som da campainha me faz acordar dos devaneios e eu vou atender a porta.

 

– Pois não? – vejo uma jovem simpática com aparentemente minha idade de pé aguardando.

– Muito prazer, meu nome é Joana Gomes. – estende a mão e eu a cumprimento – Vim por conta do anúncio no jornal. Você está alugando um quarto, não é isso?

– Sim, claro! – dou espaço para que a moça entre – Pode entrar.

– Bem, eu sou nova na cidade, comecei a trabalhar aqui essa semana. Ainda estou à procura de um lugar e este apartamento seria perfeito, fica tão perto do meu trabalho…

– Onde você trabalha? – pergunto, interessada.

– Na R.B. Enterprise. – responde.

– Nossa, que coincidência! – exclamo, surpresa – Eu sou advogada lá!

– Sério?! – Joana mostra empolgação – Uau, e eu achando que a cidade era grande. – sorrimos juntas – Eu fui contratada como a nova assistente do Senhor Bertoli.

– Ah claro! Eu havia me esquecido que a Madalena irá se aposentar… Parabéns pela vaga! Deixa eu te mostrar o quarto… – a conduzo até os quartos.

 

Após passarmos a tarde conversando, decidimos ir até um café que ficava na esquina do quarteirão pra comermos alguma coisa. Joana é extremamente simpática e não é difícil conversar com ela. Em pouco tempo falei mais coisas da minha vida pra ela do que pra muitos que considerava meus amigos na Alemanha. Eu realmente estava precisando de uma distração, de alguém pra conversar, e Catarina não podia ficar pendurada no laptop o fim de semana inteiro.

 

– Então é a primeira vez que você retorna pro Brasil depois de 12 anos? – Joana pergunta, espantada.

– Sim, primeira vez. – respondo, dando um gole no café.

– Nossa, acho que minha família me mataria. – arregala os olhos – Me deserdaria, e depois me mataria.

– Bem, eu não tenho família. – dou um sorriso de canto – Minha mãe faleceu quando eu tinha 15 anos. Ela era a minha única família. Depois disso eu decidi ir embora da cidade.

– Me desculpe, eu não queria tocar em um assunto delicado… – ela parece constrangida.

– Não precisa se desculpar. – digo, a tranquilizando – Faz muito tempo, eu não tenho problema em falar sobre isso.

– Bem, como ela faleceu? – Joana pergunta, curiosa – Se não for intromissão perguntar.

– Câncer no fígado. – respondo – Quando descobrimos já era muito tarde.

– Nossa, eu nem imagino passar por tudo isso com 15 anos de idade. – diz, processando os fatos.

– Foi muito difícil, mas de certa forma fez com que eu me tornasse quem eu sou hoje.

– Mas você disse que conhecia o… Diego? É esse o nome dele? – ela pergunta, e eu me espanto em como consegue lembrar dos detalhes da nossa conversa.

– Sim. – fico séria, lembrando dos acontecimentos da noite passada – Eu conhecia ele na época. Mas, como eu disse, faz muito tempo.

– Desculpa de verdade, eu não queria ser indiscreta. – diz, novamente, percebendo meu desconforto, e dou um sorriso mostrando que está tudo bem – Eu preciso ir agora, está tarde. Eu gostei muito de conversar contigo!

– Eu também, estava precisando conversar com alguém de carne e osso. Ultimamente só tenho conversado com minha amiga da Alemanha pelo laptop. – solto um risinho – Mas então, você gostou do apartamento?

– Gostei demais! – responde, sincera – É incrível!

– Então isso significa que tenho uma colega de quarto? – pergunto, esperançosa. Realmente gostei de Joana.

– Sério?! Você vai alugar o apartamento pra mim?! – aceno com a cabeça – Eu ia adorar! De verdade mesmo! – ela responde, empolgada.

– Mas é claro! Você pode se mudar nesse fim de semana mesmo, se quiser.

– Ai, obrigada, Isabel! – Joana me abraça – Eu sinto que vamos ser muito amigas!

 

Algumas semanas se passaram e eu e Joana estávamos construindo uma bela amizade com o nosso convívio ao longo dos dias, o que tornou o ambiente na R.B Enterprise mais agradável para mim. A situação com Diego ainda estava complicada. Não conversamos nem nos olhamos além do necessário para trabalharmos com qualidade. Gustavo continuava a me sondar, mas eu fingia que não prestava atenção em suas investidas, e eu poderia jurar que Diego se sentia incomodado com essa proximidade, mas isso não faria o menor sentido. De qualquer forma, o ambiente na empresa parecia uma bomba prestes a explodir.

Deixe um comentário

Séries de Web