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Lágrimas do Céu

Lágrimas do Céu – Capítulo XIII

 

A cama estava com roupas espalhadas, o rádio ligado, na cozinha uma chaleira avisava que a água já ferveu. Ângela correu em direção ao fogão, desligou-o, pegou uma xícara, colocou um saquinho e preparou seu chá. Enquanto esperava esfriar o conteúdo de sua xícara continuou arrumando suas roupas no armário, observou que guardara um cachecol que sua mãe tinha lhe dado quando tinha 16 anos. O quarto estava uma bagunça, mas a jovem não se importou em arrumá-lo.

Porém depois de um tempo foi até a cozinha, pegou o seu chá, sentou a mesa e ficou há ouvir um pouco o rádio. O locutor possui uma voz grosa, estava conversando com uma mulher, dava para perceber pelo tom fino na voz dela. Logo começou a tocar uma canção ao piano, isso fez à jovem lembrar-se de um dia que estava voltado para casa de carona no carro de William. Sempre que escuta musica desse tipo acaba vindo em sua mente o empresário, é inevitável.

Ela terminou sua bebida, voltou para o quarto e terminou de arrumá-lo. Antes de ir tomar banho, seguir para o trabalho olhou para o lado do armário de seu quarto e avistou uma caixa. Então resolveu puxá-la, nela estava escrito em vermelho “Pertences de Margarete”, então ela rasgou a fita que selava a caixa e explorou-a. Dentro encontrou uma boneca de pano com um vestido xadrez verde com vermelho, um relógio antigo com um desenho de uma flor gravado na tampa. Porém embaixo da caixa Ângela encontrou um caderno, mas olhou mais atentamente e percebeu que se tratava de um diário.

 

A capa preta de couro, não possui cadeado e nem lugar para colocar um. Sentou no chão encostando-se à parede com o diário em mãos, abriu-o em uma página aleatória e resolver ler. A jovem observou a bela letra, parecia que fora escrita por uma caneta de ponta fina. No topo da página tinha “Segunda, 14 de abril de 2004”, ela parou por um minuto e pensou que não deveria ler o conteúdo do diário, pois ele não o pertencia. Porém a curiosidade invadia sua mente a fazendo prosseguir sua leitura, nele dizia:

O dia foi calmo, pude ficar com minha anjinha sossegada, pois Tom não ficou em casa. Não gosto da forma ao qual olha para nossa filha, não parece um olhar de pai. Minha pequenina fará oito anos na próxima semana, gostaria tanto se pudesse fazer uma festa para ela, mas sei que não há condições ainda mais no estado que anda Tom acho que nem presente nossa filha receberá.

Ângela estava prestando atenção a cada linha do diário, nunca havia lido o conteúdo dele. A folha estava amarelada por conta do tempo, mas dava para ver que a escrita estava bem alinhada, mesmo a folha não possuindo linhas. Ela continuou sentada e leu mais um pouco do que continha na página aberta a sua frente.

Hoje fui dar banho em Ângela, observei que ela possuía uma mancha vermelha em um dos braços, perguntei a ela o que havia acontecido, mas não quis me dizer. Estou preocupada, ela anda aparecendo com essas manchas em lugares diferentes pelo corpo, será que está se machucando quando sai com o pai para passear? Ou será que Tom está machucando-a? Descobrirei a minha maneira. Não gosto de deixá-la sozinha com ele, mas ele às vezes gosta de sair com ela só os dois sozinhos, não posso o impedir o pai de sair com a filha. Agora ela dorme tranquila em sua cama com a boneca que ganhou da avó.

A jovem parou sua leitura, se levantou, pensou em colocar o diário de volta na caixa, porém achou melhor ficar com ele. Estava curiosa em saber o que a Sra. Margarete tinha escrito nele, será que algo ruim havia acontecido? Será que Ângela precisa se preocupar? Ela pegou o diário, o colocou sobre a cama, pegou as coisas que havia retirado da caixa, arrumou dentro dela, lacrou-a novamente com uma fita e a empurrou para o mesmo lugar em que estava anteriormente.

Foi até a cozinha, bebeu um pouco de água, olhou para o relógio e percebeu que estava na hora de se arrumar, pois terá uma reunião em seu trabalho. Pegou sua tolha e entrou no banheiro, não demorou muito para ficar pronta, pegou sua bolsa e nela resolveu colocar o diário da Sra. Margarete. Pegou as chaves de casa, saiu rapidamente e logo estava no ônibus a caminho do trabalho. Pensou em ler o diário durante o trajeto, mas preferiu o ler com calma.

Fez como de costume, subiu a rua que dava para o trabalho, entrou pela porta dos fundos e em seguida estava na sala da dona do local. A jovem observou que algumas mulheres já haviam chegado, mas não viu a dona do estabelecimento lá. Ela cumprimentou as colegas, ficou conversando com elas enquanto a reunião não começava. A reunião durou duas horas, foram discutidos pontos referentes às apresentações no palco, o figurino e a entrada de duas novas colegas ao grupo. Tudo transcorreu com calma, no tempo esperado e não foram discutidos nenhum problema, apenas pontos positivos e acréscimos.

Depois que a reunião acabou todas saiu para um dos quartos do local, foram se arrumar para trabalhar a noite. O tema escolhido para o figurino das que iam se apresentar no palco principal fora inspirado no filme Chicago, cada uma estava usando um vestido de uma cor que possuía franjas no final da saia, luvas que chegavam até o cotovelo, brilho pelo vestido, estavam deslumbrantes. Ângela fazia parte desse grupo, seria sua primeira apresentação depois de várias semanas de ensaio, estava usando um vestido azul que destacava seus olhos.

Elas desceram todas juntas, já havia várias pessoas no salão a espera delas. Ângela subiu ao palco com mais quatro mulheres, juntas formavam um belo grupo. Uma delas arrumou o microfone que fora colocado ao lado de sua boca, as outras apenas a acompanharia dançando. Todas foram para seus lugares ficando de costas para o público, o som do piano começou bem calmo e de repente deu um tom forte as fazendo ficar de frente, dançarem com elegância. A platéia deu uma salva de palmas, eram homens que estavam fascinados não só pela beleza das moças, mas também pela forma ao qual dançavam.

Enquanto o show acontecia no palco William entrou no local, observou que tinha bastantes pessoas, apesar de ser um dia de semana comum. Um garçom estava passando com dois copos de uísque, o empresário pegou um, sentou-se à mesa vazia que estava mais próximo. Não estava acompanhado de ninguém, resolveu ir sozinho como fizera quando estava em Buenos Aires, mas dessa vez preferiu se comportar.

Uma das moças que estavam passando o chamou, mas William não quis, resolveu apenas ficar observado o movimento do local. Então percebeu que uma mesa perto do palco estava vazia, então foi até ela e pode ficar observando o show no palco. As moças estavam fazendo uma apresentação inspirada no filme Chicago, mas apenas uma delas estava cantando, as demais dançavam com subidas de pernas e passo sexy.

William viu que havia uma moça no palco que estava no canto direito dançando mais ao fundo, de imediato não deu para saber quem era, pois ele estava do lado oposto do palco. Então resolveu ir para o outro lado deixando seu copo na mesa, enquanto passava pelo local não desviava seu olhar do show. Quando enfim chegou ao outro lado pode observar bem as outras moças que estavam no fundo do palco, pois estas andaram mais a frente. Para sua surpresa uma delas era Ângela, ele a reconheceu pelos belos olhos azuis.

Nesse momento o empresário ficou espantado ao ver a jovem, como poderia ela estar neste lugar, vestida daquela forma e dançando no palco. Pensou em sair do bordel, mas recuou de sua ação, preferiu esperar o show terminar para falar com Ângela, ela terá que dar uma explicação para isso que esta ocorrendo. Por um momento achou que estava sonhando, tendo um pesadelo, porém era tudo a mais pura verdade.

O show demorou um pouco para terminar, o empresário esperou impaciente a beira do palco e observou que as moças estavam saindo por uma das laterais. Então foi ao encontro delas, esperou Ângela descer e a chamou:

– Ângela, Ângela, não vá preciso falar com a senhorita – William falou em um tom alto por conta do som.

Ângela andou apresada se afastando do empresário, este ficou a trás dela por todo o salão. A jovem subiu as escadas que dava acesso ao primeiro andar, William fez o mesmo até que conseguiu alcançá-la. Ela acabou ficando sem saida, pois acabara de entrar em um lugar que ao fundo havia apenas uma janela.

– Ângela não fuja de mim, não vou machucá-la – William andou devagar chegando cada vez mais perto dela.

– Melhor o senhor ir embora, não posso falar com o senhor agora, me desculpa – ela não olhou nos olhos de William.

– Moça não fique assustada já lhe disse que não farei nada de mal com a senhorita, pretendo apenas conversar – William se aproximou dela, colocou umas das mãos sobre o rosto dela, com a outra segurou sua mão com delicadeza.

Eles caminharam até um pequeno sofá que havia no local, sentaram e William deu um abraço nela a fim de acalmá-la.

– O que a senhorita está fazendo neste local? – William franziu testa.

– Eu… – ela deu uma pausa – eu trabalho aqui, já faz um bom tempo. Não queria que soubesse que sou uma… – ela parou novamente.

– Uma prostituta não é? – William falou olhando para o rosto da jovem.

– Isso mesmo, eu estou tão envergonhada. Não sou digna para um homem como o senhor, melhor ir embora – ela fez que ia se levantar, mas fora interrompida por William que a segurou pelo braço.

– Não posso conversar com o senhor, como está vendo estou trabalhando – Ângela abaixou a cabeça.

– Venha, fique esta noite comigo e poderemos conversar – William não quis demonstrar estar irritado com toda a situação que ocorreu.

– Não posso, eu preciso das gorjetas e a dona… – ela foi interrompida por William que colocou seu rosto perto do dela, porém não a beijou.

– Se o problema é dinheiro eu pago, mas, por favor, fique esta noite comigo para conversarmos – ele terminou de falar e Ângela se afastou dele ficando em pé.

De repente ela saiu às pressas descendo as escadas rapidamente, William tentou a acompanhar, mas a perdera de vista. Ficou procurando pela jovem por todo o salão, porém foi em vão nem sinal dela. Desapontado pagou sua conta, saiu do lugar e ficou a frente do estabelecimento a espera dela. Nunca havia imaginado que aquele lugar era o local ao qual Ângela trabalhava, pensou em vários outros lugares, menos esse. A noite avançou, porém nada da jovem aparecer, William resolvei ir embora.

Pegou um táxi, no caminho ficou pensando em como encontrar com Ângela, precisava saber o porquê de ela trabalhar naquele lugar. Estava muito desapontado, sempre achou a jovem fosse meiga e pura, mas se enganou completamente. A imagem dela dançando no palco deixava William irritado. Ao chegar ao seu prédio, pagou a corrida, subiu para seu quarto e demorou um pouco para dormir.

Assim que terminou seu turno da manhã na empresa William saiu para almoçar, não pretendia voltar naquele dia o trabalho, precisava muito encontrar com Ângela. Ele não tinha conseguido trabalhar direito por conta da noite de ontem. Então passou no seu apartamento, deixou suas coisas, comeu algo, trocou de roupa e logo estava a caminho da casa de Ângela. Não sabia se ela o receberia, mas resolveu tentar assim mesmo.

Assim que chegou a frente do prédio estacionou o carro naquela rua, desceu rapidamente, porém não sabia em que local do prédio se localiza a casa dela. Então viu um senhor saindo do prédio, então perguntou a ele se sabia onde Ângela mora e fora levado a te lá. William agradeceu a gentileza, ficou a frente da casa dela por um tempo curto pensando se deveria chamá-la ou não. Depois de pensar resolveu bater na porta, esperou um pouco e a jovem apareceu à frente dele. Ela estava de short curto, camisa de alça e chinelos. A jovem ficou surpresa, não esperava a visita de William.

– O senhor aqui? – Ângela franziu a testa.

– Me desculpe Ângela eu não queria ter a assustado ontem à noite, serra que podemos conversar? – William falou com calma.

– Desculpe-me senhor, mas não temos nada o que falar – Ângela parecia nervosa.

– Senhorita eu não pretendo tomar muito do seu tempo. Podemos conversar em outro lugar, não quero ser intrometido e entrar na sua casa – William estava se esforçando para não mostrar irritação.

– Senhor já lhe disse que não temos nada para tratar um com o outro – Ela começou a ficar irritada.

– Me desculpa, por favor, podemos conversar pelo menos por um minuto? – William estava sendo insistente.

– Tudo bem, mas não podemos ir muito longe e nem demorar – Ela falou em um tom de irritação – podemos conversar aqui perto tem uma praça.

– Ok senhorita, pode ir à frente que te sigo – William falou dando espaço para que Ângela pudesse passar a frente dele.

Eles caminharam juntos até uma praça que havia ali perto, sentaram em um dos bancos e ficaram em silêncio por um pequeno tempo. A praça possuía poucas pessoas transitando, mas eles não ligaram para elas.

– Faz muito tempo que a senhorita trabalha naquele lugar? – William falou olhando para as pessoas que estavam na praça.

– Faz sim, mas trabalho porque preciso de dinheiro para cuidar da Sra. Margarete – Ângela também ficou observando a praça.

– Mas porque em um bordel? Desculpe a minha intromissão, você é uma mulher meiga e achei que fosse pura – William mostrou que está desapontado com o que viu na noite passada.

– Eu não tive escolha, foi o trabalho que apareceu e não tive como dizer não, estava e estou precisando de dinheiro. Acho que não podemos nos ver mais – ela estava com tristeza em seu rosto.

– Como não podemos nos ver? Ângela eu quero entender, se você deixar é claro. Desde que a conheci senti que precisava de ajuda e estou aqui para isso – William falou olhando para ela.

– É uma história muito complicada o senhor não entenderia, sinto muito, mas obrigada por tudo que tem feito por mim e pela atenção com a Sra. Margarete, mas acho que está na hora do senhor seguir a sua vida – Ângela falou olhando para William com tristeza.

William segurou nas mãos da jovem, continuou olhando para ela com o semblante de preocupação.

– Ângela eu não posso deixá-la assim, por favor, me deixe entender o que lhe fez seguir a vida assim. Mora sozinha toma conta da Sra. Margarete e trabalha em um bordel. Eu não a critico, mas quero entender o porquê disso tudo. Falando na Sra. Margarete como ela está? – William estava com o semblante de preocupação.

– Ela continua na mesma situação, não teve melhoras e o médico continua me dizendo que ela precisa ser transferida para um hospital especializado, mas eu não posso pagar pelo tratamento é muito caro – ela deixou cair duas lágrimas.

– Não chore, estou aqui para ajudá-la no que for preciso. Deixe-me pagar pelo tratamento dela – William sempre insiste nesse assunto.

– Desculpe, mas não posso aceitar. O senhor não precisa se preocupar deve ter seus problemas, eu não sou nada sua, por isso não quero que pague pelo tratamento dela – Ângela enxugou seu rosto com uma das mãos.

– Mas eu insisto. Vamos fazer o seguinte, eu vou visitar a Sra. Margarete, falo com o médico e dependendo do que ele disser resolvemos se poderei ou não custear o tratamento dela – William falou olhando para a jovem.

– Não sei se é certo, mas tudo bem podemos verificar isso – Ela continuou com a expressão de tristeza no olhar.

– Ângela se quiser posso procurar trabalho para a senhorita na minha empresa, não vai mais precisar ir até o bordel – William continuou olhando fixamente para Ângela.

– Muito obrigada, mas não posso aceitar, sei me virar sozinha – ela se levantou do banco – Me desculpe tenho que ir – ela saiu em direção a sua casa.

– Espere Ângela, não vá. Porque não respondeu todas as perguntas que lhe fiz? – William foi atrás da jovem, mas foi em vão, pois ela seguiu seu caminho sem olhar para trás.

William a deixou andar sozinha, ficou parado onde estava por um tempo tentando entender o porquê de Ângela esconder tanta coisa. Pensou em ir até a casa dela, tentar mais uma vez que ela respondesse algumas perguntas, porém desistiu da ação. Andou um pouco pela rua devagar, chegou até o seu carro e foi para casa desapontado, mas não desistirá de ajudar Ângela a resolver os problemas que possui. Ligou o som do seu carro, estava no rádio e este tocava uma musica no estilo Italiano, era muito bonita, lenta, esta deixou o empresário mais tranquilo no caminho até chegar ao seu apartamento.

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