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O Anjo abre suas Asas

O Anjo Abre Suas Asas – Capitulo 01

Capítulo 01

Cena 01 – Vista de cima de uma floresta.
Gabriel, narração: Acho que desde sempre eu quis ser livre, sem rédeas, sentir o vento no rosto, poder voar sem cair ou errar. Me sentir forte, sem regras, sem medo, sem certo ou errado, poder viver a minha vida de uma maneira que eu tivesse autocontrole, pena que isso nunca passou de um sonho.

Cena 02 – Penhasco.
Em uma região de fazenda, há alguns metros depois de uma floresta próxima de uma plantação se encontra um penhasco com uma queda de mais de 50 metros que termina no oceano. Gabriel, um adolescente está parado e de pé em frente ao penhasco, observando o horizonte e como o mar é infinito.
Gabriel: O que pode haver por além desse mar?
Gabriel está diante do penhasco, quase na beirada, a ponto de se jogar, mas uma voz de longe o detém.
Paulo, ao longe: Gabriel, venha para casa!
O menino dá mais uma olhada para o mar, como as ondas atingem com força as rochas que ficam no final da enorme queda do penhasco.
Paulo, ainda longe e mais alto: Gabriel, pra casa, agora!
O segundo chamado era mais que o suficiente para fazer o garoto obedecer e voltar correndo para o lar, no mesmo instante ele disparou para dentro da floresta.

Cena 03 – Fazenda Medeiros.
Gabriel entra em casa, suado, respirando ofegante e com os pés sujos.
Paulo: Onde estava rapazinho?
Gabriel: Eu fui passear pela floresta.
Paulo: Você não foi até o penhasco, não é?
Gabriel: Não pai, eu não cheguei nem perto dele.
Paulo: Assim espero.
Paulo pega uma cadeira da mesa e a arrasta para perto do sofá. Ele se senta e tira de uma caixa uma tesoura.
Paulo: Sente-se e tire a camisa.
Gabriel: Pai, por favor, não.
Paulo: Gabriel, não torne isso mais complicado, tira a camisa e senta logo, vai.
Vendo não ter outra alternativa o garoto obedeceu, Gabriel tirou sua camisa e a colocou sobre o sofá e sentou na cadeira, de costas para seu pai.
Gabriel: Pai, por favor, eu não quero mais isso.
Paulo: Meu filho, sabe que se não cortarmos elas logo ficarão muito grandes e formarão uma corcova nas suas costas e todos vão perceber.
Gabriel: Por que eu tenho que continuar me escondendo desse jeito?
Paulo: Sabe que não temos escolha filho, imagine como todos vão reagir quando virem isso nas suas costas.
Gabriel: Talvez até achem bonito, uma coisa boa.
Paulo: Chega de enrolação filho, não se mexa enquanto eu faço o trabalho.
Uma por uma, penas vão caindo no chão, Paulo as corta delicadamente e elas como que saem voando das costas do garoto. Para Paulo, isso é anormal, para Gabriel, é uma tortura. O garoto chora em silêncio enquanto seu pai corta as penas.
Paulo: Terminado.
Gabriel se levanta.
Paulo: Pode ir pro seu quarto que e eu varro as penas.

Cena 04 – Quarto de Gabriel.
Gabriel entra no seu quarto com sua camisa na mão e se joga na cama, chorando.
O garoto se levanta e vai até um espelho grande em sua parede e se olha.
Ele abre o que restou de duas grandes asas nas suas costas, que agora, ambas estão quase que totalmente sem penas, como as de um pássaro que acabou de sair do ovo.
Gabriel, chorando: Quando eu vou poder ser livre?

Dias depois.
Cena 05 – Casa dos Oliveira.

Em uma casa simples não muito distante da fazenda, a família acorda para mais um dia. Todos sentam-se a mesa para tomar café, são a mãe Laura, o pai Antônio, o filho de 15 anos, Felipe e a filha de 14, Maria.
Laura: Tomem café crianças, daqui a pouco o ônibus escolar chega.
Felipe: Calma mãe, a gente não vai se atrasar, até porque não tem motivo pra toda essa pressa sua.
Antônio: Porque ontem vocês perderam o ônibus e eu tive que ir levar vocês, cheguei atrasado na fazenda e o senhor Paulo quase me demitiu.
Felipe: A culpa foi toda da Maria, se ela não tivesse que passar sempre meia-hora se maquiando aquilo não teria acontecido.
Maria: Felipe, meu irmãozinho querido, eu sou mulher e nós mulheres temos que estar lindas e prontas para qualquer momento.
Felipe: Em 1º lugar você nem é mulher, ainda é uma pirralha, e em 2º a gente está indo pra escola, não pra um circo pra você ficar toda pintada parecendo uma palhaça.
Maria: Melhor ir parecendo uma palhaça do que ir parecendo um maloqueiro como você, usando essas calças rasgadas.
Antônio, irritando-se: Ei, parem os dois, nada de briga no café-da-manhã.
Laura: Isso mesmo.
Maria: Papai, ontem quando você foi pra fazenda, você viu por lá o Gabriel?
Antônio: Quem?
Felipe: Gabriel, o filho do senhor Paulo, a Maria é a fim dele.
Maria: Não sou nada!
Felipe: É sim, você fica babando toda vez que ele passa perto de você.
Maria: Cala a boca, seu boboca.
Laura: Parem os dois com essa briga agora.
Antônio: Por que a curiosidade no filho do meu patrão?
Maria: É que ele faltou ontem na escola.
Felipe: Ele é muito esquisito, ele tem uma corcova enorme nas costas.
Laura: Corcova?
Felipe: É, dizem que é defeito de nascença, mas é muito estranha, ás vezes ela é enorme em um dia e menor no outro.
Maria: É verdade, às vezes ele chega na sala com a coisa nas costas tão grande que nem consegue se sentar direito, no dia seguinte ela quase que desapareceu.
Felipe: É verdade, ele é muito solitário.
Laura: Não debochem dele meninos, deve ser muito difícil pra ele conviver com esse defeito físico.
Antônio: Isso mesmo, se vocês arranjarem encrenca com o filho do meu patrão, vai acabar sobrando pra mim.
Ouve-se a buzina de um ônibus.
Laura: O ônibus chegou, é hora de vocês irem.

Cena 06 – Fazenda Medeiros. Quarto de Gabriel.
Gabriel se olha no espelho. Suas asas já estão quase com as penas grandes de novo.
Gabriel: Eu queria tanto ir voando pra escola.
Paulo, ao longe: Gabriel, termine de se arrumar.
Gabriel só faz vestir sua camisa, seu casaco, coloca a mochila nas costas e sai do quarto.
Na sala, Paulo está quase pronto para ir para as plantações de café.
Paulo: Eu vou pras plantações, você vá pra estrada antes que perca o ônibus.
Gabriel abraça o pai: Tchau papai.
Paulo: Tenha um bom dia meu filho.

Cena 07 – Escola.
O ônibus chega e estaciona em frente à escola.
A escola em que os jovens estudam é uma escola estadual que um dia já foi uma simples creche. Com quase 500 alunos, é uma das melhores escolas da região. Felipe estuda com Maria no 1º ano, ele repetiu uma série, e Gabriel estuda na mesma turma dos dois, mas mesmo assim eles não são amigos.

Cena 08 – Sala de Aula.
Maria e Felipe reparam em Gabriel, o garoto senta sozinho em uma cadeira ao lado da parede.
Felipe: Ele é realmente bem estranho.
Maria: Ele não é estranho, ele é bonito.
Felipe: Maria, eu até entendo que às vezes o amor cega as pessoas, mas você tem que admitir, esse garoto não é normal.
Maria: Eu acho ele tão fofo, com aqueles cachinhos no cabelo, sempre usando roupa branca, parece até um anjinho, só faltam as asas.
Felipe: Anjo? Ele às vezes mais parece um fantasma.
Gabriel ouve tudo, mas não diz nada, ignorar comentários maldosos em silencio foi algo que aprendeu com seu pai, se partisse pra cima e procurasse briga, talvez acabasse rasgando sua roupa, mostrando assim a todos o que há por trás de sua corcova nas costas.

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