A Peste em Família – Capítulo 02.
Capítulo 02.
A Peste em Família.
Uma Web Escrita por: Marcelo Jr M. Silva.
CONTINUAÇÃO. ..
Carlotinha — Fecha aquela porta!
Pedro — Então, nhanhã, V.Mce. não recebe aquele bilhete, não?
Carlotinha — Moleque! Tu estás muito atrevido!…
Pedro — Pois olhe, nhanhã; o moço é bonito, petimetre mesmo da moda!… Mais do que o Sr. moço Eduardo. XI!… Nem tem comparação!
Carlotinha — Não o conheço!
Pedro — Pois ele conhece nhanhã; passa aqui todo o dia. Chapéu branco de castor, deste de aba revirada; chapéu fino; custa caro! Sobrecasaca assim meio recortada, que tem um nome francês; calça justinha na perna; bota do Dias; bengalinha desse bicho, que se chama unicorne. Se nhanhã chegar na janela depois do almoço há de ver ele passar, só gingando: Tchá, tchá, tchá… Hum!… Moço bonito mesmo!
Carlotinha — Melhor para ele; não faltará a quem namore.
Pedro — Não falta, não; mas ele só gosta de nhanhã. Quando passa, nhanhã não vê; mas eu, cá de baixo, estou só espreitando. Vai olhando para trás, de pescocinho torto! Porém nhanhã não faz caso dele!
Carlotinha — É um desfrutável! Está sempre a torcer o bigode!
Pedro — É da moda, nhanhã! Aquele bigodinho, assim enroscado, onde nhanhã vê, é um anzol; anda só pescando coração de moça.
— Moleque, se tu me falares mais em semelhante coisa, conto a teu
senhor. Olha lá!
Pedro — Está bom, nhanhã; não precisa se zangar. Eu digo ao moço que nhanhã não gosta dele, que ele tem uma cara de frasquinho de cheiro…
Carlotinha — Dize o que tu quiseres, contanto que não me contes mais histórias.
Pedro — Mas agora como há de ser!… Ele me deu dez mil-réis.
Carlotinha — Para quê?
Pedro — Para entregar bilhete a nhanhã. (Tira o bilhete) Bilhetinho cheiroso; papel todo bordado!
Carlotinha — Ah! Se mano soubesse!
Pedro — Ele é amigo de Sr. moço Eduardo.
Carlotinha – Nunca vem aqui!
Pedro — Oh! Se vem; ainda ontem; por sinal que me perguntou se já tinha entregado.
Carlotinha — E tu que respondeste?
Pedro — Que nhanhã não queria receber.
Carlotinha — E por que não restituíste a carta?
Pedro — Porque a carta veio com os dez mil-réis… E eu gastei o dinheiro, nhanhã.
Carlotinha — Ah! Pedro, sabes em que te meteste?
Pedro — Mas que tem que nhanhã receba! É um moço mesmo na ordem!
Carlotinha — Não!… Não devo! (Chega-se á estante e escolhe um livro)
Pedro — Nhanhá não há de ser freira!… (Mete a carta no bolso sem que ela o perceba) Entregue está ela!
Carlotinha — Que dizes?
Pedro — Nada, nhanhã! Que V.Mce. é uma moça muito bonita e Pedro um moleque muito sabido!
Carlotinha — É melhor que arrumes o quarto de teu senhor, vadio! (Carlotinha senta-se e lê)
Pedro — Isto é um instante! Mas nhanhã precisa casar! Com um moço rico como Sr. Alfredo, que ponha nhanhã mesmo no tom, fazendo figuração. Nhanhã há de ter uma casa grande, grande, com jardim na frente, moleque de gesso no telhado; quatro carros na cocheira; duas parelhas, e Pedro cocheiro de nhanhã.
Carlotinha — Mas tu não és meu, és de mano Eduardo.
Pedro — Não faz mal; nhanhã fica rica, compra Pedro; manda fazer para ele sobrecasaca preta à inglesa: bota de canhão até aqui (marca o joelho); chapéu de castor; tope de sinhá, tope azul no ombro. E Pedro só, trás, zaz, zaz! E moleque da rua dizendo “Eh! Cocheiro de sinhá D. Carlotinha!”
Carlotinha — Cuida no que tens que fazer, Pedro. Teu senhor não tarda.
Pedro — É já; não custa! Meio-dia, nhanhã vai passear na Rua do Ouvidor, no braço do marido. Chapeuzinho aqui na nuca, peitinho estufado, tundá arrastando só! Assim, moça bonita! Quebrando debaixo da seda, e a saia fazendo xô, xô, xô! Moço, rapaz deputado, tudo na casa do Desmarais de luneta no olho: “Oh! Que paixão!…” O outro já: “V.Ex.a passa bem?” E aquele homem que escreve no jornal tomando nota para meter nhanhã no folhetim.
Carlotinha — Oh! Meu Deus! Que moleque falador! Não te calarás? (Lê)
Pedro — Quando é de tarde, carro na porta; parelha de cavalos brancos, fogosos; Pedro na boléia, direitinho, chapéu de lado, só tenteando as rédeas. Nhanhã entra; vestido toma o carro todo, corpinho reclinado embalançando: “Botafogo!” Pedro puxou as rédeas; chicote estalou; tá, tá, tá; cavalo, toc, toc, toc; carro trrr!… Gente toda na janela perguntando: “Quem é? Quem é?” — “D. Carlotinha…” Bonito carro!
Cocheiro bom!… E Pedro só deitando poeira nos olhos de boleeiro de aluguel.
— Ora, mano não vem! Disse que voltava já!
Pedro — De noite, baile de estrondo, como baile do Sr. Barão de Meriti; linha de carro na porta, até no fim da rua, e torce na outra; ministro, deputado, senador, homem do paço, só de farda bordada, com pão-de-rala no peito. Moça como formiga! Mas nhanhã pisa tudo; brilhante reluzindo na testa como faísca, leque abanando, vestido cheio de renda. Tudo caído só, com o olho de jacaré assim. E nhanhã sem fazer caso.
Carlotinha (rindo) — Onde é que tu aprendeste todas essas histórias, moleque?
Estás adiantado!
Pedro — Pedro sabe tudo!… Daí a pouco, música vom, vom, vom, tra-ra-lá, tra-ra-láta; vem ministro, toma nhanhã para dançar contradança; e nhanhã só requebrando o corpo! (Arremeda a contradança)
Carlotinha — Ora, senhor! Já se viu que capetinha!
CENA VII
Os mesmos, Jorge
Jorge — Mana Carlotinha, Henriqueta está lhe chamando para dizer-lhe adeus.
Pedro — Sinhá Henriqueta está ai?
Carlotinha — Ela já vai?
Jorge — Já está deitando o chapéu.
Carlotinha — É tão cedo ainda!
Pedro — Duas horas já deu há muito tempo em S. Francisco de Paula.
Carlotinha (à janela) — Mano não voltará para jantar?…
Pedro — Não tarda aí, nhanhã!
Jorge (na mesa) — Olha! Que pintura bonita, Pedro!
Pedro — Comece, comece a remexer! Depois fica todo derretido. Foi moleque!… Carlotinha — Quando Eduardo voltar, vai me chamar, ouviste, Pedro?… Jorge, venha!
Jorge — Já vou, Carlotinha!
Carlotinha — Não toque nos papéis de Eduardo; ele não gosta.
CENA VIII
Pedro, Jorge
Pedro (querendo tomar o livro) — Ande, ande, nhonhô; vá lá para dentro! Deixe o livro.
Jorge — Se tu és capaz, vem tomar!
Pedro — Ora! É só querer!
Jorge — Pois eu to mostrei!
Pedro — Está arrumado! Pedro, moleque capoeira, mesmo da malta, conta lá com menino de colégio! Caia! É só neste jeito; pé no queixo, testa na barriga. Jorge — Espera; vou dizer a mamãe que tu estás te engraçando comigo!
Pedro — É só o que sabe fazer; enredo da gente! Nhonhô não vê que é de brincadeira. Olhe este livro; tem pintura também; mulher bonita mesmo! (Abre o livro) Jorge — Deixa ver! Bravo!… Que belo! (Tirando um papel) Que é isto?
Pedro — Um verso!… Oh! Pedro vai levar à viúva!
Jorge — Que viúva?
Pedro — Essa que mora aqui adiante!
Jorge — Para quê?
Pedro — Nhonhô não sabe? Ela tem paixão forte por Sr. moço Eduardo; quando vê ele passar, coração faz tuco, tuco, tuco! Quer casar com doutor.
Jorge — E mano vai casar com ela?
Pedro — Pois então! Mas não vá agora contar a todo o mundo.
Jorge — E ele gosta daquela mulher tão feia? Antes fosse com D. Henriqueta.
Pedro — Menino não entende disto! Sinhá Henriqueta é moça bonita mas é pobre! A viúva é rica, duzentos contos! Sr. moço casa com ela e fica capitalista, com dinheiro grosso! Compra carro e faz Pedro cocheiro!… Leia o verso, nhonhô.
Jorge — Deixa-me; não estou para isto!
Pedro — Ah! Se Pedro soubesse ler (sentando-se) fazia como doutor, sentado na poltrona, com o livro na mão e puxando só a fumacinha do havana. Por falar em havana… (Ergue-se, vai à mesa e mete a mão na caixa dos charutos) Com efeito! Sr. moço Eduardo está fumando muito! Uma caixa aberta ontem; neste jeito acabame os charutos.
Jorge — Ah! Tu estás tirando os charutos de mano!
Pedro — Cale a boca, nhonhô Jorge! É para fumar quando nós formos passear lá na Glória, de tarde. Jorge — Amanhã?
Pedro — Sim.
Jorge — Eu vou pedir a mamãe.
Pedro — Espere, deite sobrescrito neste verso, roxo, não; viúva não gosta desta cor; verde, cor de esperança!
Jorge — Toma!
Pedro — Pronto!… Agora Pedro chega lá, deita na banquinha de costura, volta as costas fazendo que não vê! Ela, fogo! (Finge que beija) Lê. E guarda no seio, tal qual como se o Sr. moço mandasse. O pior é se vai perguntar, como outro dia, por que Sr. moço não vai visitar ela; eu respondi que era para não dar que falar; mas viúva não quer saber de nada; está morrendo por tomar banho na igreja para deixar vestido preto!
Jorge — Então tu levas versos a ela sem mano mandar? Pedro — Pedro sabe o que faz! Agora veja se vai contar!
Jorge — Eu não!! Que me importa isto!
CENA IX
Pedro, Alfredo
Alfredo — O Dr. Eduardo não está?
Pedro — Não, senhor; saiu, Sr. Alfredo!
Alfredo — Então, já entregaste?
Pedro — Hoje mesmo!
Alfredo — A resposta?
Pedro — Logo; é preciso dar tempo. V.Mce. cuida que moça escreve a vapor! Pois não; primeiro passa um dia inteiro a ler a carta, depois outro dia a olhar assim para o ar com a mão no queixo, depois tem dor de cabeça para dormir acordada; por fim vai escrever e rasga um caderno de papel.
Alfredo — Parece-me que tu me estás enganando; não entregaste a carta a D.
Carlotinha, e para te desculpar me contas estas histórias.
Pedro — Não sou capaz de enganar a meu senhor.
Alfredo — Pois bem; o que disse ela quando recebeu?
Pedro — Perguntou quem era V.Mce.
Alfredo — E tu, que respondeste?
Pedro — Ora, já se sabe: moço rico bem parecido.
Alfredo — Quem te disse que eu era rico? Não quero passar pelo que não sou.
Pedro — Não tem nada; riqueza faz crescer amor.
Alfredo — Também sabes isto?… Mas depois, que fez ela da carta?
Pedro — Deitou no bolso. Fui eu que deitei; mas é o mesmo.
Alfredo — Como? Foste tu que deitaste…
Pedro — No bolso do vestido! Ela estava com vergonha. Sr. Alfredo não sabe moça como é, não?
Alfredo — Bem; olha que espero a resposta!
Pedro — Dê tempo ao tempo, que tudo se arranja.
CENA X
Os mesmos, Carlotinha
Carlotinha (fora) — Pedro!
Pedro (puxando Alfredo para a porta) — É nhanhã!
Alfredo — Não faz mal!
Pedro — Este negócio assim não está bom, não!
Alfredo — Por quê?
Carlotinha — Moleque, tu tiveste o atrevimento… (Vendo Alfredo) Ah!
Alfredo — Perdão, minha senhora; procurava o Dr. Eduardo.
Carlotinha — Ele saiu… Eu vou chamar mamãe…
Alfredo — Não precisa, minha senhora, eu me retiro já; mas antes desejava ter a honra de…
Pedro (baixo, puxando-lhe pela manga) — Não assuste a moça! Senão está tudo perdido.
Alfredo — E não hei de fazer a declaração do meu amor?
Pedro — Qual declaração! Já não se usa!
Alfredo — Então julgas que não devo falar-lhe?
Pedro — Nem uma palavra. Mostre-se arrufado, que é para ela responder. Moça é como carrapato, quanto mais a gente machuca, mais ela se agarra. Alfredo — Ah! Ela não quer responder-me! (Cumprimenta friamente) Carlotinha — Não espera por mano?
Alfredo — Obrigado; não desejo incomodá-la.
Carlotinha — A mim!
CENA XI
Carlotinha, Pedro
Carlotinha — Nem sequer me olhou! E diz que gosta de mim! A primeira vez que me fala…
Pedro — O moço está queimado, hi!…
Carlotinha — Ora, que me importa? O que te disse ele?
Pedro — Perguntou por que nhanhã não queria responder à carta dele.
Carlotinha — Ah! É sobre isto mesmo… Tu sabes o que vim fazer, Pedro?
Pedro (rindo-se) — Veio ver Sr. Alfredo!
Carlotinha — Eu adivinhava que ele estava aqui?… Vim te chamar porque mamãe quer te perguntar donde saiu esta carta que deitaste no meu bolso.
Pedro — Nhanhã foi dizer?… Pois não!… Esta Pedro não engole.
Carlotinha — Chego na sala; vou meter a mão no bolso, encontro um papel; abro-o; é uma carta de namoro! Não sei como mamãe não percebeu!…
Pedro — Ah! Nhanhã abriu!… Então leu. Carlotinha — Não li! É mentira
Pedro (com um muxoxo) — Mosca anda voando; tocou no mel, caiu dentro do prato.
Nhanhã leu!
Carlotinha — E que tinha que lesse?
Pedro — Se leu, deve responder!
Carlotinha — Faz-te de engraçado! (Dando a carta) Toma; não quero!
Pedro — Nhanhã faz isto a um moço delicado!
Carlotinha — Saiu; e nem sequer me olhou.
Pedro — Não sabe por quê? Porque nhanhã não quis responder à carta dele.
Carlotinha — E o que hei de eu responder?
Pedro — Um palavreado, como nhanhã diz quando está no baile.
Carlotinha — Mas ele escreveu em verso.
Pedro — Ah, é verso! E V.Mce. não sabe fazer verso?
Carlotinha — Eu não; nunca aprendi.
Pedro — É muito fácil, eu ensino a nhanhã; vejo Sr. moço Eduardo fazer. Quando é esta coisa que se chama prosa, escreve-se O papel todo; quando é verso, é só no meio, aquelas carreirinhas. (Vai à mesa) Olhe! Olhe, nhanhã!
Carlotinha — Sabes que mais? A resposta que eu tenho de dar é esta: dize-lhe que, se deseja casar comigo, fale a mano.
Pedro — Ora, tudo está em receber a primeira; depois é carta para lá e carta para cá; a gente anda como correio de ministro.
Carlotinha — Eu te mostrarei.
**** Continuação no Próximo Capítulo.
22 de Maio de 2017.