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Recomeçar

Capítulo 16 – Recomeçar

https://www.youtube.com/watch?v=mNRA7Ovyvzc

CENA 01. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Continuação imediata da última cena. Lorenzo acaba de rasgar o vestido de Júlia na altura das coxas. Ritmo. Ele vai rápido pro closet. Tensão.

JÚLIA: – O que você vai fazer?

LORENZO: (off) – Já disse: vamos fazer uma voltinha ao passado.

Ele volta do closet com uma bolsa feminina e entrega a Júlia.

LORENZO: – Acho que essa aqui combina com o vestido, não?! Tome! Você precisa compor o personagem.

JÚLIA: – Mas o que/

LORENZO: (corta) – Vamos! Você não queria tanto sair dessa casa? Pois vamos ali fora respirar um ar puro.

Ele a puxa pelo braço. Bruto. Leva Júlia para fora do quarto. Corta para:

CENA 02. CASA DE LORENZO. GARAGEM. INT. NOITE.

Lorenzo vem puxando Júlia pelo braço. Com pressa. Grosso. Vai abrir a porta do carro do lado do passageiro e colocar Júlia lá.

JÚLIA: – Para com isso, Lorenzo! Você tá ficando louco?!

LORENZO: – Cala a boca! Entre aí. Entre!

JÚLIA: – Pra onde você vai me levar?

LORENZO: – Você já vai descobrir.

Ele entra no carro. Pega um tablet.

LORENZO: – Mas, antes, mais um presentinho pra minha mulherzinha.

Lorenzo dá play num vídeo. Nele, vemos Javier brincando com um revólver do pai – nesse mesmo carro. Gravação feita logo após a última aparição do menino, no capítulo 13 – portanto, mesmo figurino do dia. No vídeo, ouvimos a voz de Lorenzo pedindo que Javier “mande um beijo pra mamãe”. O menino manda. Júlia vê aquilo e cai no choro.

LORENZO: – Ótimo! Parece que você sabe ler entrelinhas muito bem, meu amor.

Lorenzo liga o carro e sai em alta velocidade, cantando pneu. Corta para:

CENA 03. AVENIDA. EXT. NOITE.

Carro de Lorenzo estacionado. Júlia já engoliu o choro, mas continua péssima.

JÚLIA: – Por que você me trouxe aqui? O que você tá pretendendo, Lorenzo?

LORENZO: – Lembra como nos conhecemos? Você em apuros nas mãos daquele cafetão, numa situação deprimente… aí eu cheguei, salvei sua pele, devolvi sua dignidade, te tirei da sarjeta – literalmente, aliás. Mas você não soube dar valor a nada disso. Você é uma ingrata. É isso que você é: uma ingrata.

Lorenzo tira um revólver do porta-luvas. Fica com ele na mão, intimidando, mas sem mirar. Júlia nervosa.

JÚLIA: – O que você vai fazer?

LORENZO: – Você sabe que tem muito a perder se me contrariar, não sabe? Responde!

JÚLIA: – Eu sei.

LORENZO: – É uma brincadeira. Só pra gente apimentar ainda mais a nossa relação. Não que eu ache que precise, mas sinto que pra você possa fazer alguma diferença, já que tem sido tão fria comigo.

JÚLIA: – O que é? O que você quer?

LORENZO: – Quero que você desça do carro, atravesse a avenida e fique ali de bobeira na calçada.

JÚLIA: – Não entendi.

LORENZO: – Tá bem, vou tentar ser mais claro. Você vai pegar essa bolsa, vai até o outro lado da avenida e vai reviver seus tempos de glória, seus tempos de puta. Não dou cinco minutos pro primeiro paspalho aparecer babando pelas suas coxas.

JÚLIA: – Eu não acredito que você está me pedindo isso.

LORENZO: – Pedindo? Eu acho que não.

JÚLIA: – Você não pode estar falando sério.

LORENZO: – Você vai levá-lo pra nossa casa, pro quarto… O resto eu não preciso dizer, não é?

JÚLIA: – Não, eu não vou. Não vou fazer isso. Eu não vou deixar você me humilhar desse jeito.

LORENZO: – Achei que você tinha entendido aquele vídeo. Quer ver de novo? Claro, vamos ver de novo. (pega o tablet)

JÚLIA: – Não! Para! O Javier não! Pelo amor de Deus! Eu vou.

LORENZO: – Boa menina. Vai, faça como eu mandei.

Júlia vai sair. Lorenzo alerta:

LORENZO: – Psiu! Não tente nenhuma gracinha. É pra fazer só o combinado.

Júlia sai do carro, atravessa a avenida e fica na calçada. Sem jeito, sofrida… Lorenzo observa do carro. Corta para:

CENA 04. APART. DE DAVI. COZINHA/SALA. INT. NOITE.

Filipe coloca comida no pratinho do cachorro Bicicleta. Davi coloca água num copo e, de repente, a jarra de vidro se espatifa no chão. Mais que depressa, Filipe se aproxima, acreditando que ele está passando mal. Davi com autoestima aparentemente recuperada, mas com uma dureza que não tinha antes.

DAVI: – Que merda!

FILIPE: – Tá tudo bem? Tá sentindo alguma coisa, amor?

DAVI: – Não. A jarra só escorregou da minha mão.

FILIPE: – Nossa, que susto! Pode deixar, eu dou um jeito nisso.

DAVI: – Vem cá, você não ficar me tratando assim não, né?!

FILIPE: – Assim como?

DAVI: – Como se eu fosse um moribundo, um bosta incapaz de colocar água num copo, de recolher alguns cacos, de alimentar um cachorro… É só um câncer, Filipe. (sai)

Davi vai pra sala e põe um relógio, que está em cima de algum móvel, no braço. Filipe o segue:

FILIPE: – Tá, tudo bem, você tem razão. Mas eu não faço por mal. Eu me preocupo com você, Davi. Eu sei que não é fácil receber um diagnóstico desse, isso cai feito uma bomba na cabeça/

DAVI: (corta) – Eu tô a fim de ver aquele filme do Christopher Plummer que tá em cartaz. Você vem comigo?

FILIPE: – Claro que vou. Isso é pergunta que se faça?

DAVI: – Ótimo. Pegar cinema sozinho é sempre muito chato. (procura) Minha carteira, onde eu deixei? Ah, claro, no bolso da outra calça.

Davi vai pro quarto. Filipe com cara de quem está estranhando o jeito dele. Corta para:

CENA 05. APART. DE GILDA. QUARTO. INT. NOITE.

Gilda e Jojô caem na cama. Cansados. Gilda com o roteiro sobre o peito. CAM fechada no rosto deles, inicialmente.

GILDA: – Podem jogar a pá de cal em cima porque eu tô é morta.

JOJÔ: – Definitivamente, não é fácil ser uma diva do cinema. Como faz pra decorar esse catatau de páginas?

GILDA: – Técnica, experiência e sapiência! (levanta) Por acaso você não viu aquele filme que eu estrelei em 84, “Flores Flamejantes do Deserto”? Três horas de duração, tive que decorar o triplo disso aqui.

JOJÔ: – Claramente! Você e o Carlos Alberto Riccelli, lindos naquelas dunas de areia branca. Aquele seu vestido prateado, hein! Ba-ba-dei-ro!

GILDA: – Um deslumbre, Jojô! Taí outro clássico que merece uma refilmagem. Mas vamos voltar ao roteiro, ainda faltam 40 páginas pra gente trabalhar.

JOJÔ: – Ain, tem que ser hoje, Miss? Acho que já deu a minha hora. Preciso pegar lotação, subir o morro… Ai que vida!

GILDA: – Tá bem, depois a gente continua de onde paramos. Tá liberado, oh adorável lacaio de tatuagem no púbis.

JOJÔ: – Obrigado, dadivosa. (olhando uma foto de Filipe num porta-retratos) Espero que na próxima vez eu tenha o prazer de conhecer o Filipe. Tô morta com a beleza do seu filho, Miss! Que gato!

GILDA: – Trate de ir tirando esses olhos de águia do cerrado de cima do meu filho, criatura. Já te disse que ele tem namorado. Namorado não, noivo!

JOJÔ: – Poxa, eu vivo chegando atrasado.

GILDA: – E se continuar de lenga-lenga, vai chegar atrasado pra pegar a condução também. Vai, Jojô, vai… Já cansei da sua cara por hoje.

JOJÔ: – Tô indo, amada. (beija a mão de Gilda) Não precisa me levar até a porta, já conheço o caminho… Até amanhã, minha divina. Beijo de luz!

Jojô sai. Gilda ainda com o roteiro nas mãos. Olha com carinho a capa, onde se pode ler o nome: Abel Molinari. Entra música: “I Want to Know What Love Is” – Foreigner. ENTRA INSERT do quase beijo deles na cena 05 do capítulo 13. Corta para:

CENA 06. APART. DE ABEL. SALA. INT. NOITE.

Segue a música. Abel pensativo, compartilhando a mesma lembrança de Gilda. Parou de trabalhar no laptop. INTERCALAR COM CENA 05, onde Gilda continua pensando em Abel. Corta para:

CENA 07. AVENIDA. EXT. NOITE.

Música: “Plano Secuencia” – Carlos Libedinsky. Lorenzo no carro, observando Júlia na calçada do outro lado da avenida. DO PV dele, vemos um carro parando lá. Júlia aproxima-se e entra no carro. Lorenzo com uma satisfação doentia estampada no rosto. Ele segue o carro onde estão Júlia e o cliente, o qual ainda não vimos a cara. Corta para:

CENA 08. CASA DE LORENZO. JARDIM. EXT. NOITE.

Continua a música. O carro do cliente vai chegando. Entra na garagem. Os seguranças da casa já haviam sido orientá-los a deixar o carro passar, subentende-se. Lorenzo vem atrás, mas com cuidado pra não ser notado pelo cliente. Corta para:

CENA 09. CASA DE LORENZO. SALA. INT. NOITE.

Júlia prepara dois drinks. O cliente, um sujeito com pouco mais de 30 anos, dá uma olhada no ambiente, intrigando com aquele luxo. Júlia vai entregar um drink a ele.

CLIENTE: – Você mora aqui mesmo?

JÚLIA: – Aham.

CLIENTE: – Mas então/

JÚLIA: (corta) – Então o quê?

CLIENTE: – Você faz programa por esporte, por putaria mesmo? E esse vestido, todo manchado…

JÚLIA: – Você está fazendo muita pergunta.

CLIENTE: – Tem razão. Tô perdendo tempo… Com um mulherão desses na minha frente, tenho mais é que aproveitar.

Ele avança em Júlia. Tarado. Aperta os seios. O rosto no pescoço dela, fuçando. Júlia enojada. Corta para:

CENA 10. CASA DE LORENZO. SALA DE MONITORAMENTO. INT. NOITE.

Volta a tocar o tango das cenas 07 e 08. Pelos monitores, Lorenzo vê o cliente atracado em Júlia. Observa o casal indo pro quarto. Gosta da situação. Corta para:

CENA 11. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Segue a música. O cliente joga Júlia na cama e tira a camisa. Ele deita em cima dela, mas ainda vestido na calça. Insaciável. Júlia olha pra câmera de monitoramento no teto. Chora. Corta para:

CENA 12. CASA DE LORENZO. SALA DE MONITORAMENTO. INT. NOITE.

Mesma música. Lorenzo segue assistindo o que acontece no quarto. Aperta suas partes íntimas por cima da calça. Toma whisky no gargalo. Sente prazer no que vê. De repente, como num estalo, muda sua expressão, levanta e sai da sala apressado. Corta para:

CENA 13. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Continua a música. O cliente em cima de Júlia, nas preliminares da transa. Ela tenta sair das garras dele, empurrando-o, mas sem sucesso. Lorenzo entra no quarto com tudo, metendo o pé na porta. Cheio de ódio, tira o cara de cima de Júlia e desfere um violento soco no rosto dele. O cliente não revida, passa a mão na boca cheia de sangue. Júlia saiu da cama e está chorando no canto da parede, feito criança assustada. O cliente pega a camisa e sai. Lorenzo vai pra Júlia no canto e a abraça, como se fosse seu anjo protetor. Corta para:

CENA 14. SALA DE CINEMA. INT. NOITE.

Abre na telona, que está passando um filme com o Christopher Plummer. Depois, vemos Davi e Filipe sentados lado a lado. Davi bastante atento ao filme. Filipe toca delicadamente a mão de Davi e fica segurando-a. Davi solta, sempre olhando pra tela. Corta para:

CENA 15. ESTACIONAMENTO DO SHOPPING. EXT. NOITE.

Davi vem andando na frente, na direção de seu carro. Filipe um pouco atrás.

DAVI: – Você vem comigo, Filipe?

FILIPE: – Ué, é claro que eu vou com você. Viemos juntos.

DAVI: – Quero dizer, você não vai pra sua casa?

FILIPE: – Hein?

DAVI: – Você não foi em casa desde ontem. Não tem nada importante pra fazer, a Gilda não tá preocupada…?

FILIPE: – Já liguei pra ela mais cedo. (T) Vem cá, o que deu em você? O que tá acontecendo? Falando assim, fica parecendo que você quer se ver livre de mim…

DAVI: – Vamos, entre no carro. Não tô a fim de ser assaltado.

Eles entram no carro, mas sem dar partida.

FILIPE: – Você tá estranho, Davi. Não adianta dizer que não é nada… Hoje cedo você estava todo borocochô, pra baixo, desanimado, na sua… e de repente começou a me tratar com essa frieza…

DAVI: – Impressão sua.

FILIPE: – Ah, impressão?! Vai negar que puxou a mão quando eu a toquei ainda há pouco? Passou o filme inteiro sem olhar na minha cara/

DAVI: (corta) – Eu vim pra ver o filme, Filipe.

FILIPE: – Ah, você entendeu muito bem o que eu quis dizer. O que é que você quer com isso? Acha que endurecendo o coração vai fulminar um tumor e curar um câncer na espinha? Que atitude mais idiota!

Davi não gosta de ouvir isso. Filipe percebe e muda o tom.

FILIPE: – Me desculpe. Eu não quis dizer isso, eu tô/

DAVI: (corta) – Tá tudo bem. Vamos pra casa.

Corta para:

CENA 16. APART. DE DAVI. BANHEIRO. INT. NOITE.

Música: “Hello” – Adele. Debaixo da ducha, enquanto a água cai sobre sua cabeça, Davi está triste e pensativo. Chora. Chora como se sentisse uma dor no peito. Tempo nisso. Música rolando. Corta para:

CENA 17. APART. DE DAVI. QUARTO. INT. NOITE.

Davi veste uma roupa pra dormir. Filipe toma uma vitamina, ainda com a mesma roupa que estava no cinema. Davi triste.

FILIPE: – Sabe o que eu estava pensando? Acho que a gente devia cogitar morar juntos. Quer dizer, pra isso não falta muito, já que eu passo até três dias seguidos aqui… Além do mais, agora que você vai começar a fazer a quimioterapia, eu quero estar mais perto, quero te dar apoio, de dar forças. Será muito mais fácil vencer essa pedreira se estivermos unidos pra valer… O que você acha?

Pausa. Davi vai buscando coragem:

DAVI: – Não acho uma boa ideia. (senta na cama)

FILIPE: – Você não vai começar com aquela história de que não quer se sentir dependente, não quer ajuda de ninguém… Nós somos um casal, meu amor. Um casal deve enfrentar as dificuldades de mãos dadas, unidos…

DAVI: – Senta aqui.

Filipe senta na cama. Frente a frente. Pausa.

DAVI: – Me beija. Me beija como você nunca me beijou.

FILIPE: – Mas o que/

DAVI: (corta) – Me beija.

Filipe faz o que Davi pediu, beijando-o com todo o sentimento possível. No fim do beijo, eles continuam com os rostos juntos, testa com testa.

DAVI: (chora) – Eu te amo.

FILIPE: – Não sei por que, mas não tô gostando disso.

DAVI: – Você foi, é e sempre será muito importante pra mim. É muito difícil pra mim, é muito difícil ter que abrir mão de você…

FILIPE: – O que você tá dizendo?!

DAVI: – Eu sei que eu não vou conseguir vencer, eu vou sucumbir/

FILIPE: (corta) – Para! Não diz isso. Você vai conseguir (corrige) nós vamos conseguir.

Davi levanta da cama.

DAVI: – Por que você fica me alimentando esperanças, me dando forças pra travar uma batalha que eu sei que já está perdida? Você ouviu o médico: eu tenho um tumor raro aqui dentro, uma bomba relógio no meio das minhas costas.

FILIPE: – Esse pessimismo, esse derrotismo… isso não ajuda em nada, só te coloca pra baixo. Você não pode entregar os pontos, Davi.

DAVI: – Já entreguei. E eu quero passar por isso sozinho… Esse é o meu calvário, não o seu. Você é jovem, não tem que desperdiçar a sua juventude com uma coisa que não vai dar em nada, fadada ao fracasso…

FILIPE: – Você não sabe o que é melhor pra mim/

DAVI: (corta) – Vai embora.

FILIPE: – Não acredito que você tá fazendo isso/

DAVI: (corta, mais alto, sem encarar) – Vai embora! Vai!

Pausa. Filipe sai. Ao ouvir a porta da sala bater, desaba no choro. Sofrimento. Entra música: “Say Something” – A Great Big World ft. Christina Aguilera. Corta para:

CENA 18. COMPILAÇÃO

Segue a música. Agora vemos uma colagem de cenas de nossos personagens “na bad”, pra baixo, chorando:

:: Davi em seu quarto, sentado no chão junto à parede.

:: Filipe sendo consolado por Gilda.

:: Júlia num banho de espuma.

:: Kadu olhando a lua pela janela de seu quarto.

Fusão: a lua dá lugar ao sol. Corta para:

CENA 19. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. DIA.

Lorenzo dorme. Vai despertando, olha pro lado e não encontra Júlia na cama.

JÚLIA: – Eu tô aqui!

A uma certa distância da cama, Júlia está sentada no chão, num canto, com um revólver apontado para Lorenzo. Revólver do próprio Lorenzo, que vimos na cena 03.

JÚLIA: – Dessa vez, você não vai escapar… Vou te mandar pro inferno, Lorenzo!

Lorenzo surpreso e assustado. Efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 16

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